Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1934/12.5TBCSC-A.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
TRIBUNAL ARBITRAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A competência convencionalmente atribuída ao Tribunal Arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do Tribunal legalmente competente.
II- Na determinação de qual o sentido da convenção de arbitragem, no que concerne à exclusividade ou não da competência do Tribunal Arbitral, aplicar-se-ão as regras gerais de interpretação do negócio jurídico.
III- O Tribunal conhece “ex officio” das excepções dilatórias, mas não a resultante da preterição do Tribunal Arbitral voluntário.
IV- A omissão do chamamento do Tribunal Arbitral para a resolução do conflito inerente ao contrato (com cláusula compromissória) terá que ser suscitada pelas partes.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :


I – Relatório:


1- AA e LA instauraram a presente acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, contra “M., S.A.”, MG, MC, RF e MV, pedindo que seja proferida Sentença que transfira, a favor dos A.A., a propriedade das fracções autónomas que identificam na petição inicial.
Formulam, ainda, outros pedidos contra os vários R.R..
Fundamentam o seu pedido principal num contrato-promessa de compra e venda que celebraram, enquanto promitentes-compradores, com a R. “M., S.A.”, enquanto promitente vendedora, referente a trinta e uma fracções autónomas que descrevem no articulado inicial, o qual, afirmam, não foi cumprido pela referida R..

2- Os R.R. contestaram e, entre outras, deduziram a excepção dilatória de preterição de Tribunal Arbitral.
Em seu favor invocam o teor da Cláusula 20ª do referido contrato-promessa.

3- Foi proferido despacho saneador a julgar improcedente tal excepção referindo-se em tal decisão:
“Os A.A., com a presente acção, vieram pedir a execução específica parcial do contrato promessa de compra e venda de imóveis, celebrado entre os A.A. e a 1ª R. em 09 de Julho de 1999, tal como decorre das alíneas a) a c) do pedido.
É certo que no referido contrato promessa de compra e venda de imóveis, na sua cláusula vigésima, sob a epígrafe “Litígios – Arbitragem”, o seguinte:
“'20.1. Em caso de desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução deste contrato, os Grupos outorgantes diligenciarão no sentido de alcançar por acordo, uma solução adequada e equitativa.
“'20.2. Caso não seja possível a composição amigável do litígio, nos termos do número anterior, cada um dos Grupos outorgantes poderá, a todo o tempo, recorrer à arbitragem nos termos previstos nos números subsequentes (…)”.

E, por outro lado, na cláusula décima quarta do mesmo contrato promessa de compra e venda, lê-se que:

“14.1. No caso de mora da PRIMEIRA OUTORGANTE na entrega de todas ou parte das PROPRIEDADES e/ou na outorga das responsabilidades escrituras, por período superior a 120 dias, ficará o SEGUNDO OUTORGANTE com o direito de, a todo o tempo, e sem dependência de prazo:
a) requerer a execução específica do contrato nos termos do artigo 830º do Código Civil ou,
b) resolver o contrato relativamente a todas ou parte das PROPRIEDADES que, à data da resolução, não tiverem ainda sido transmitidas, por escritura pública, para o SEGUNDO OUTORGANTE. (...)

14.2 Caso o SEGUNDO opte pela execução específica do contrato, a multa prevista na cláusula décima quarta, será devida por todo o período que decorrer até ao registo definitivo da decisão judicial proferida na respectiva acção de execução específica”.
Consideramos, na esteira do entendido pelos A.A., que visando eles a execução específica de contrato promessa, deveriam recorrer a acção a propor nos tribunais comuns, o que fizeram através da presente, tal como decorre do teor da cláusula 14ª, mais precisamente do seu ponto 2..

Por outro lado, e ainda que dessa forma não fosse considerado, ao empregarem o verbo “poder” na cláusula vigésima ponto dois tal se encontra na disponibilidade das partes, não sendo obrigatório e em exclusivo o recurso ao tribunal arbitral.

Julgo, pois, e com o devido respeito pela posição jurídica do Ilustre Mandatário dos RR, sem necessidade de mais considerações por reputar desnecessárias a excepção de preterição de tribunal arbitral totalmente improcedente”.

4- Inconformados, os R.R. interpuseram recurso de apelação, para tanto apresentando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

“A - DA ARBITRABILIDADE DO PRESENTE LITÍGIO:

1ª. É manifesta a arbitrabilidade da presente acção de execução específica, pois:

-O presente litígio não está submetido, por lei especial, exclusivamente aos Tribunais do Estado ou a arbitragem necessária (v. art. 1º da NLAV e art. 830º do C. Civil ; cfr. Ac. RL de 2001.01.16, CJ XXVI/2001/1, p.p. 79 e segs. ;  Ac. RE de 2007.10.04, Proc. 1725/07-2, www.dgsi.pt);
-No presente processo estão em causa interesses de natureza patrimonial, susceptiveis de transacção pelas partes (v. art. 1º da NLAV e arts. 405º e 410º e segs. e 830º do C. Civil).

2ª. A decisão arbitral tem natureza jurídica equivalente a sentença de um Tribunal Estadual, nomeadamente “a mesma força executiva” (v. art. 205º da CRP e art- 42º/7 da NLAV; cfr. art. 26º da LAV, arts. 152º, 550/2/a), 705º/2 e 730º do NCPC e arts. 48º/2, 156º/2, 812º-C/a) e 815º do anterior CPC; cfr. Ac. RG de 2012.02.16. Proc. 1275/11.5TBGMR.G1, www.dgsi.pt).

3ª. A acção de execução específica constitui uma acção declarativa constitutiva visando o cumprimento contratual e não uma acção executiva (v. arts. 10º/2 e 3/c) do NCPC e arts. 4º/2/c) do anterior CPC; cfr. Ac. RC de 2013.04.23, Proc. 144/11.3TBFCR.C1 e Ac. RP de 2006.02.09, Proc. 0630373, ambos in www.dgsi.pt), inexistindo no nosso ordenamento jurídico, nem tendo sido invocada no douto despacho recorrido, qualquer lei especial que atribua competência exclusiva aos Tribunais do Estado (v. arts. 1º da LAV e da NLAV; cfr. art. 63º do NCPC e art. 65º-A do anterior CPC), para o julgamento da presente acção.

 B - DA NATUREZA E ALCANCE DA CLÁUSULA 20ª DO CONTRATO PROMESSA, DE 1999.07.09

4ª. Na cláusula 20ª – “LITÍGIOS – ARBITRAGEM” – do CPCV de 1999.07.09, os outorgantes estabeleceram que quaisquer litígios ou divergências relacionadas com a interpretação ou execução” do respectivo contrato tinham - e têm – de ser dirimidos da seguinte forma:

1. Solução amigável – “os Grupos outorgantes diligenciarão no sentido de alcançar por acordo, uma solução adequada e equitativa”; e, “caso não seja possível a composição amigável do litígio”;
2. Tribunal Arbitral – “Cada um dos Grupos outorgantes poderá, a todo o tempo, recorrer à arbitragem nos termos previstos nos números subsequentes”;
5ª. A referida cláusula 20ª constitui uma verdadeira cláusula compromissória, atribuindo competência exclusiva ao tribunal arbitral para apreciar e decidir o presente litígio (v. art. 1º/3 da NLAV, art. 1º/2 da LAV e arts. 236º a 238º do C. Civil);
6ª. Do texto e contexto da cláusula 20ª não resulta a possibilidade ou faculdade de escolha dos Tribunais Arbitrais ou dos Tribunais Judiciais, como entendeu o douto Tribunal a quo (v., exactamente neste sentido, Acs. STJ de 2011.01.20, Proc. 2207/09.6; de 2008.05.27, Proc. 088847; Acs. Rel. Lisboa de 2011.10.06, Proc.193098/09.7; de 2007.05.15. Proc.1473/2007.1; Ac. Rel. do Porto de 2012.03.12, Proc. 3062/10.9. todos in www.dgsi.pt);
7ª. Da referida cláusula 20ª resulta, por um lado, um poder, faculdade das partes quanto à accionabilidade e, por outro, uma sujeição, uma imposição, a que corresponde um direito potestativo da outra parte, relativamente à arbitrabilidade;
8ª. Os Tribunais Judiciais são pois manifestamente incompetentes para conhecer da presente acção, tendo sido preterida a cláusula compromissória de atribuição exclusiva de competência estabelecida na referida Cláusula 20ª, pelo que, contrariamente ao decidido no douto despacho recorrido, os R.R. não podem deixar de ser absolvidos da instância (v. art. 1º/3 da NLAV, art. 1º/2 da LAV e arts. 100º e segs., 288º, 290º,493º/2 e 494º/j) do anterior CPC).

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se o douto despacho saneador recorrido, de 2013.06.14, na parte em que julgou “a excepção de preterição de tribunal arbitral totalmente improcedente” (v. art. 635º/2 do NCPC e art. 684º/2 do anterior CPC), e absolvendo-se os R.R. ora recorrentes da instância, por preterição de cláusula compromissória de atribuição exclusiva de competência (v. art. 1º/3 da NLAV e arts. 100º e segs., 288º, 290º, 493º/2 e 494º/j) do anterior CPC).

Só assim se decidindo será cumprido o Direito e feita Justiça”.

5- Os A.A. contra-alegaram, indicando as seguintes conclusões :
“I. O Tribunal Judicial a quo é competente para julgar a presente acção.

II. Com efeito, os Recorridos, vieram pedir, na presente acção, a execução específica parcial do contrato promessa de compra e venda de imóveis, celebrado entre os Recorridos e os Recorrentes em 09 de Julho de 1999.

III. Das cláusulas vigésima e décima quarta do contrato em referência resulta que as partes acordaram haver conjunção de competências dos tribunais arbitrais e dos tribunais comuns.

IV. Ou seja, as partes acordaram que, a haver lugar à execução específica do contrato, a mesma deveria ser proposta nos Tribunais Comuns, que seriam para o efeito competentes e que, para dirimir quaisquer outros conflitos de interpretação e execução do contrato promessa de compra e venda de imóveis, poderiam ser competentes os tribunais arbitrais.

V. Este entendimento resulta também da dissemelhança de regras e procedimentos que as partes convencionaram para cada uma das situações a saber.

VI. A única circunstância da qual estava dependente a propositura da acção de execução específica era o decurso de tal prazo.

VII. O recurso à arbitragem está dependente, por seu turno, de duas circunstâncias: a) a tentativa prévia das partes em alcançar, através de um acordo, uma solução justa e adequada, e b) o insucesso de tal processo negocial.

VIII. A tudo isto acresce que a cláusula 14.2 do referido contrato refere expressamente que: Caso o SEGUNDO opte pela execução especifica do contrato (…) até ao registo definitivo da decisão judicial proferida na respectiva acção de execução especifica.

IX. Nos termos conjugados dos artigos 209º e 211º da Constituição da República Portuguesa (CRP) 29), os tribunais judiciais, são os tribunais comuns e não os tribunais arbitrais.

X. Resulta assim, claro e inequívoco, que as partes estipularam dois tipos de competências: (i) para questões relacionadas com a execução específica estipularam serem competentes os tribunais comuns, (ii) para as outras questões relacionadas com a interpretação e execução do contrato poderia, então, ser competente o tribunal arbitral.

XI. O emprego do verbo “poder” implica, não a exclusividade de uma prerrogativa, mas sim a sua disponibilidade, remetendo-nos para o domínio das cláusulas facultativas, que atribuem, como o próprio nome indica, determinadas faculdades ou prorrogativas às partes.

XII. Tal cláusula não encerra em si uma obrigatoriedade, com a consequente exclusão da jurisdição estadual, antes permite que os tribunais comuns também possam apreciar um eventual litígio entre as partes.

XIII. Ora, relembremo-nos que o contrato cuja execução específica se requereu foi celebrado no ano de 1999, pelo que, qualquer interpretação da vontade dos declaratários, deverá sempre passar pela análise do contexto jurídico e fáctico nos quais a formação da vontade dos mesmos assentou.

XIV. Foi aliás nesse pressuposto, a saber, de que a cláusula arbitral apenas poderia ser accionada para a apreciação de outras questões que não a execução específica, que os AA. formaram a sua vontade e aceitaram a sua inclusão no contrato.

XV. A acção declarativa de execução específica, visa a execução (compulsória, portanto) de um contrato promessa de compra e venda, não cumprido por uma das partes.

XVI. Na execução específica, a sentença que dá provimento ao pedido, esgota em si mesma toda a eficácia executiva, sendo a sua natureza executiva, pois prescinde de posterior ajuizamento de execução.

XVII. E é certo, que os Tribunais Arbitrais não têm competência executiva.

XVIII. Acresce que, as cláusulas compromissórias e as convenções de arbitragem estão sujeitas às regras gerais de interpretação do negócio jurídico. Ou seja, ao disposto nos artigos 236º nº 1 e 238 nº 1 do Código Civil (CC), sendo que o conteúdo das cláusulas décima quarta e vigésima do contrato, não podem deixar de ser entendidas, para qualquer declarante normal como uma situação de conjunção de competências dos tribunais comuns e do tribunal arbitral.

XIX. Acresce que, tal posição tem correspondência com o texto do contrato em análise, pelo que nos termos do disposto no artº 238º nº 1 do CC, deve ser o entendimento aqui propugnado pelos Recorridos aquele que deverá vingar em sede de recurso.

XX. A intenção e convicção dos AA era, e é, a de que, caso se vissem forçados a recorrer à execução específica do contrato – como foi o caso – o pudessem fazer livremente sem qualquer constrangimento temporal ou formal.

XXI. Porém, e sem conceder, mesmo que assim não se entenda, o que só por hipótese académica se concebe, estaríamos sempre perante uma situação de erro na declaração negocial dos AA (artº 247º CC), sendo em consequência tal declaração anulável, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

XXII. Dispõe o nº 2 do artº 287º do Código Civil que enquanto o negócio jurídico não estiver cumprido pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.

XXIII. Os Recorridos, reitera-se, estavam e estão convictos de que o consagrado no texto do contrato em análise consagra a competência dos Tribunais Judiciais para a apreciação de uma eventual execução específica, acção em causa nos presentes autos.

Face a tudo o que vai exposto, não pode deixar de se pedir que seja confirmada por esse Tribunal da Relação de Lisboa a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual determinou a improcedência da excepção de preterição da competência do Tribunal Arbitral e se considerou competente para julgar da acção proposta pelos aqui Recorridos contra os Recorrentes”.

*  *  *

II – Fundamentação:

a) A factualidade relevante é a constante do relatório deste Acórdão, para o qual se remete e ainda a seguinte:

1- Em 9/7/1999, a R. “M., S.A.”, denominada Primeira Outorgante, e o A. AA, denominado Segundo Outorgante, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, nos termos e condições constantes do Documento cuja cópia consta de fls. 111 a 129 deste apenso.

2- Dos “Considerandos” do referido contrato-promessa consta :
“a) A Primeira Outorgante é proprietária e legítima possuidora do prédio rustico sito na freguesia de Alcabideche, com a área de 251.155 m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob a ficha nº ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., secção 8, 13, 14, 23, 24 e 34 da freguesia de Alcabideche, como melhor consta das certidões emitidas pela Conservatória do Registo Predial e pela Repartição de Finanças, que se juntam ao presente contrato sob Anexos 1 e 2, e que dele são parte integrante ; (…)”.

3- Na Cláusula 1ª do contrato-promessa, de 9/7/1999, determinou-se:

“A Primeira Outorgante promete vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao Segundo ou a quem este indicar, e este promete comprar-lhe, o conjunto de edifícios e fracções autónomas a construir no terreno, identificadas no Anexo 11 e com as configurações e características constantes desse mesmo anexo, os quais adiante se designam em conjunto como Propriedades”.

4- Na Cláusula 2ª do mesmo contrato-promessa estipulou-se:

“O preço global das compras e vendas ora prometidas é de Esc. 3.000.000.000$00 (três mil milhões de escudos) que se divide pelas diferentes Propriedades, nos termos do estabelecido no mesmo Anexo 11 ao presente contrato”.

5- Na Cláusula 3ª do contrato-promessa determinou-se:

“O preço das Propriedades a que se refere a cláusula anterior, irá sendo pago pelo Segundo à Primeira Outorgante consoante forem sendo celebradas as escrituras públicas de compra e venda das diversas Propriedades e no acto das mesmas, o que se verificará até 90 dias após a data prevista no ponto 4.1 infra, salvo verificando-se qualquer das situações previstas nas Cláusulas 4.3. e 4.4., caso em que as escrituras públicas de compra e venda das Propriedades em causa e o pagamento dos respectivos preços serão prorrogados nos mesmos termos ali previstos”.

6- Na Cláusula 4ª do contrato-promessa estipulou-se:

“4.1. As Propriedades deverão ser entregues pela Primeira ao Segundo Outorgante, ou a quem este indicar, no prazo máximo de 41 meses (quarenta e um) a contar da presente data.
4.2. A data de entrega de parte ou de todas as Propriedades, poderá ser antecipada por acordo das partes. (…)”.

7- Na Cláusula 14ª do contrato-promessa estipulou-se:

“14.1. No caso de mora da Primeira Outorgante na entrega de todas ou parte das Propriedades e/ou na outorga das respectivas escrituras, por período superior a 120 dias, ficará o Segundo Outorgante com o direito de, a todo o tempo e sem dependência de prazo:

a) Requerer a execução específica do contrato, nos termos do artº 830º do Código Civil; ou,
b) Resolver o contrato relativamente a todas ou parte das Propriedades que, à data da resolução, não tiverem ainda sido transmitidas, por escritura pública, para o Segundo Outorgante. Neste caso, terá o Segundo Outorgante direito a ser indemnizado pela Primeira pelos prejuízos por esta causados pelo seu incumprimento, e que as partes desde já convencionam fixar em montante igual ao que, há data, seja titulado pela garantia a que refere a cláusula nona supra.

14.2. Caso o Segundo Outorgante opte pela execução específica do contrato, a multa prevista na cláusula décima quarta, será devida por todo o período que decorrer até ao registo definitivo da decisão judicial proferida na respectiva acção de execução específica.

14.3. Caso se verifique a resolução parcial nos termos da alínea b) do número 14.1. supra, o presente contrato subsistirá na íntegra, com as necessárias adaptações, relativamente às demais Propriedades”.

8- Na Cláusula 16ª do contrato-promessa determinou-se :

“O presente contrato fica sujeito a execução específica nos termos do artº 830º do Código Civil”.

9-  Na Cláusula 20ª do referido contrato-promessa, sob a epígrafe “Litígios – Arbitragem”, foi estipulado o seguinte:

“20.1. Em caso de desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução deste contrato, os Grupos outorgantes diligenciarão no sentido de alcançar por acordo, uma solução adequada e equitativa.

20.2.  Caso não seja possível a composição amigável do litígio, nos termos do número anterior, cada um dos Grupos outorgantes poderá, a todo o tempo, recorrer à arbitragem nos termos previstos nos números subsequentes.

20.3. A Arbitragem será realizada por Tribunal Arbitral constituído nos termos desta cláusula e, subsidiariamente, pelo estipulado na Lei 31/86 de 29 de Agosto.

20.4. O Tribunal Arbitral será composto por um só Árbitro, nomeado pelas Partes em litígio.  Na falta de acordo quanto à nomeação do Árbitro Único, no prazo de 8 (oito) dias após interpelação por uma das Partes à outra, o Tribunal será então composto por três Árbitros.

20.5.  Caso o Tribunal seja composto por três Árbitros, dois serão nomeados por cada uma das Partes em desacordo e um terceiro, que exercerá as funções de Presidente do Tribunal, designado por acordo dos dois árbitros nomeados, dispondo as Partes de prazo de 10 (dez) dias, contados desde a notificação pela outra Parte para a sua designação para procederem à respectiva nomeação. Não indicando uma das Partes o aludido árbitro dentro do referido prazo será aquele nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a pedido do grupo mais diligente.  Em relação ao Terceiro Árbitro, e caso os Árbitros escolhidos pelas Partes não cheguem a acordo sobre a pessoa a designar, no prazo de quinze dias contados desde a nomeação dos Árbitros designados por cada uma das Partes, será o mesmo nomeado pelo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, mediante requerimento de qualquer uma das Partes.

20.6.  O Tribunal Arbitral terá a sua, sede em Lisboa, em local a escolher, conforme o caso, pelo Árbitro-Único ou pelo Presidente.

20.7. O Tribunal definirá as regras de processo a observar na arbitragem.

20.8. O Tribunal Arbitral apreciará os factos e decidirá de harmonia com o direito constituído como faria o Tribunal Judicial competente e, das suas decisões não caberá recurso”.
b)  Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil (anteriores artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação dos recorrentes a única questão em recurso consiste em determinar se o Tribunal “a quo” é o competente para julgar os presentes autos.
c)  No essencial, defendem os apelantes que o Tribunal judicial é incompetente por ter sido preterida a convenção arbitral estabelecida na Cláusula 20ª do contrato promessa dado à acção, devendo por isso ser absolvidos da instância.

Referem que tal se deve ao facto de a acção ter por objecto um litígio relativo à interpretação e execução do contrato-promessa de compra e venda de imóveis e a Cláusula 20ª do mesmo estipular que, em caso de desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução do contrato, e não tendo sido alcançado acordo, cada um dos grupos outorgantes poderia a todo o tempo recorrer à arbitragem.

Está em causa, portanto, a interpretação do referido contrato promessa, mais concretamente das suas Cláusulas 14ª e 20ª.

d)  O artº 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa garante que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

“Os tribunais são os órgãos da soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (artº 202º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

O legislador constituinte impõe a existência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunais Judiciais de primeira e segunda instância, do Supremo Tribunal Administrativo e demais tribunais administrativos e fiscais e do Tribunal de Contas (artº 209º nº 1 da Constituição da República Portuguesa).

“Podem ainda existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz” (artº 209º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).

A Lei nº 63/2011, de 14/12 (Lei da Arbitragem Voluntária – L.A.V.), que substituiu a Lei nº 31/86, de 29/8, contém o regime da arbitragem voluntária.

Assim, aí se estipula que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros” (artº 1º nº 1 da L.A.V.).

O artº 1º nº 3 da L.A.V. explicita que “a convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória).”

A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito (artº 2º nº 1 da L.A.V.). O compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio ;  a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (artº 2º nº 6 da L.A.V.).

De acordo com o disposto no artº 42º nº 7 da L.A.V, a decisão arbitral forma caso julgado e tem a mesma força executiva que a sentença do Tribunal judicial de 1ª instância (“A sentença arbitral de que não caiba recurso e que já não seja susceptível de alteração no termos do artigo 45º tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual”).

Ou seja, o tribunal arbitral (voluntário) assenta na autonomia da vontade, na iniciativa das partes, que acordam em submeter a resolução de um litígio a uma estrutura de natureza privada a que a lei reconhece poderes jurisdicionais.

Na síntese formulada por Francisco Cortez (in “A arbitragem voluntária em Portugal :  Dos ricos homens aos tribunais privados”, in “O Direito”, Ano 124º, 1992, IV, pg. 535), “em suma, a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado”.

Quanto aos seus efeitos, costuma evidenciar-se que a convenção de arbitragem produz um efeito positivo e um efeito negativo.  O efeito positivo consiste em facultar a qualquer das partes a constituição de um tribunal arbitral competente para o julgamento de litígios nela previstos, faculdade essa que constitui um direito potestativo a que corresponde a inerente sujeição da outra parte à atribuição do julgamento do litígio ao tribunal arbitral (cf. Raul Ventura, in “Convenção de arbitragem”, Rev. Ord. Adv., Ano 46, Vol. 2, 1986, pgs. 301 e 379).  O efeito negativo consiste na exclusão dos Tribunais do Estado do conhecimento desse litígio (cf. Raul Ventura, in estudo citado, pgs. 301, 379 e 380).

e)A preterição de tribunal arbitral voluntário gera a incompetência absoluta do Tribunal, como decorre do disposto no artº 96º al. b) do Código de Processo Civil.  Constitui esta irregularidade uma excepção dilatória, como resulta do artº 577º al. a) do Código de Processo Civil e, nesta conformidade, o Tribunal não pode conhecer do mérito da causa, determinando, antes, a absolvição da instância (artº 576º nº 2 do Código de Processo Civil).

Não suscita dúvidas a impossibilidade do conhecimento oficioso da excepção por parte do Tribunal.  Com efeito, neste sentido, expressamente estabelece o art. 578º do Código de Processo Civil que “o tribunal deve conhecer oficiosamente as exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário”.  Daqui decorre, que o tribunal conhece “ex officio” das excepções dilatórias, mas não as resultantes da preterição do tribunal arbitral voluntário (e dos outros casos indicados).  A omissão do chamamento do tribunal arbitral para a resolução do conflito (inerente ao contrato) deve ser suscitada pelas partes.

O mesmo resulta do disposto no artº 97º nº 1 do Código de Processo Civil que refere que “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgada proferida sobre o fundo da causa”.  Isto é, incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal.  Porém, se a incompetência resultar da preterição de tribunal arbitral voluntário (ou a violação de pacto privativo de jurisdição), a correspondente arguição da excepção só poderá ser realizada pelas partes (neste sentido, cf. Acórdão do S.T.J. de 30/9/2014, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).

Assim sendo, a convenção arbitral não exclui automaticamente a jurisdição dos Tribunais do Estado, podendo dizer-se que a mantêm enquanto o réu não deduzir a excepção da preterição do tribunal arbitral (neste sentido, cf. Lebre de Freitas, in “Algumas implicações da natureza da convenção da arbitragem”, in “Estudos sobre direito civil e processo civil”, Vol. II, 2.ª ed., pg. 565).

Na medida em que admite a existência de tribunais arbitrais (ver artº 209º nº 2 da Constituição da República Portuguesa) “a ordem jurídico-constitucional portuguesa não estabelece um monopólio estadual de administração da justiça” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 311/2008, de 30/5/2008, in D.R., II série, de 1/8/2008, pg. 34404).

O regime supra mencionado, “na medida em que garante eficácia ao exercício da autonomia privada, presta tributo ao valor constitucional da autodeterminação, contribuindo para a sua realização, no campo específico das relações jurídicas. A autonomia privada constitui, verdadeiramente, “o modo de produção jurídica ajustado à autodeterminação” (Paulick). E este direito, consagrado no artigo 26º, nº 1, como direito pessoal, expressa-se também, a nível do económico-empresarial, como liberdade de iniciativa (artigo 61.º, n.º 1), que comporta a liberdade de conformação jurídica das relações intersubjectivas. 
Pelo que o respeito pela vontade exteriorizada na convenção de arbitragem, sendo um factor de certeza e de segurança jurídicas, representa também a efectivação das consequências intencionadas pelo exercício da liberdade de acção dos sujeitos, de que o negócio jurídico é instrumento, na esfera das relações jurídicas” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 311/2008, de 30/5/2008, in D.R., II série, de 1/8/2008, pg. 34404).

Quanto ao conteúdo da convenção de arbitragem, o compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio e a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que o litígio respeite (artº 2º nº 6 da L.A.V.).

O litígio pressupõe um conflito de interesses, que se traduz na incompatibilidade das posições materiais das partes face a um bem, a qual se pode manifestar na formulação por uma das partes da pretensão de que a outra parte adopte a conduta necessária à satisfação do seu interesse e, por sua vez, a parte demandada se oponha, seja negando a validade de tal pretensão (resistência no plano intelectual), seja recusando a satisfação do referido interesse (resistência no plano material) – cf. Lebre de Freitas, in “Algumas implicações da natureza da convenção da arbitragem”, in “Estudos sobre direito civil e processo civil”, Vol. II, 2.ª ed., pg. 554, nota 14).

Quanto à especificação, na cláusula compromissória, dos litígios que ficam sujeitos a arbitragem, em regra é feita através da remissão para o contrato de direito material em que está inserida (cf. Manuel Pereira Barocas, in “Manual de arbitragem”, pg. 158).
f)  A convenção de arbitragem está sujeita às regras gerais de interpretação do negócio jurídico (neste sentido cf. Raul Ventura, in “Convenção de arbitragem”, Rev. Ord. Adv., Ano 46, Vol. 2, 1986, pg. 365 ;  e Manuel Pereira Barocas, in “Manual de arbitragem”, pg. 171).

Assim, nos termos conjugados dos artºs. 236º e 238º do Código Civil, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”, e, uma vez que se trata de negócio formal, necessariamente reduzido a escrito, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

Conforme salienta Raul Ventura, “é relativamente frequente prever em contratos que, antes de alguma das partes recorrer à arbitragem, sejam feitos esforços para se encontrar uma solução amigável do litígio” (in “Convenção de arbitragem”, Rev. Ord. Adv., Ano 46, Vol. 2, 1986, pg. 348).

g)  Essas cláusulas não constituirão necessariamente condição suspensiva da convenção de arbitragem.  Conforme pondera Raul Ventura no mesmo estudo (a pgs. 348 e 348), é de admitir “que, em muitos casos, as partes tenham considerado desejáveis esses esforços de conciliação, mas não tenham querido fazer depender a arbitragem do resultado delas”.

Como se disse, no caso das cláusulas compromissórias, pode suceder que uma das partes demande a outra perante o Tribunal estadual, e a parte demandada aceite tal situação, assim se fixando a competência desse Tribunal, em detrimento do tribunal arbitral (posto que, como é regra na maioria dos ordenamentos jurídicos, o efeito negativo da convenção de arbitragem não se produz oficiosamente - cfr. Raul Ventura, estudo citado, pg. 381).

h)  Põe-se, porém, a questão da possível opção, ou seja, se é lícito convencionar-se que as partes têm a faculdade de optar, quando o litígio surja, entre submetê-lo à arbitragem ou utilizar a jurisdição estadual.

Neste caso a parte demandada perante o Tribunal estadual não poderá arguir a excepção de convenção de arbitragem ou de preterição de tribunal arbitral.  As partes convencionaram que a jurisdição estadual e o tribunal arbitral serão concorrentes, podendo ser accionados em alternativa.

Em relação aos pactos atributivos ou privativos de competência internacional dos tribunais portugueses, a lei admite expressamente a atribuição de competência alternativa, presumindo-se mesmo esta em caso de dúvida (artº 94º nº 2 do Código de Processo Civil).

Quanto às convenções de arbitragem, a lei nada diz, mas não há razões para não admitir tal acordo.  Se as partes podem retirar totalmente competência aos Tribunais estaduais para dirimirem determinados litígios, também poderão defini-la como concorrente com a do tribunal arbitral (neste sentido cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “A competência e a incompetência nos tribunais comuns”, 3ª ed., A.A.F.D.L., pgs. 90, 107, 108).

Uma tal convenção permite à parte, na hora de accionar a outra em razão do contrato celebrado, escolher o tipo de jurisdição que reputa mais adequado para a resolução do litígio em concreto, sendo certo, por exemplo, que em certos casos a situação reclamará a intervenção de juízes com especiais conhecimentos técnicos, mais facilmente recrutáveis por via das regras da arbitragem, enquanto noutros casos estar-se-á perante uma situação de incumprimento que não oferece particularidades e poderá ser célere e economicamente resolvida através dos “rotineiros” meios jurisdicionais facultados pelo Estado.

Trata-se, de todo o modo, de modalidades de convenções arbitrais que não surgem com frequência (cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “A competência e a incompetência nos tribunais comuns”, 3ª ed., A.A.F.D.L., pg. 90).  Este autor defende que, na falta de disposição legal e contrariamente ao que sucede nos pactos de jurisdição, nas convenções de arbitragem deverá entender-se (em caso de dúvida, obviamente) que a competência do tribunal arbitral é exclusiva, por ser a solução que melhor se quadra com a vontade presumível das partes (cf. obra citada, pg. 91).

Poderá, também, acontecer que as partes num determinado contrato aí consignem a possibilidade de futuramente tomarem uma decisão sobre a submissão a arbitragem de litígios futuros.  Nesses casos não haverá convenção de arbitragem, pois esta exige uma manifestação actual de submeter à arbitragem litígio presente ou futuro (cf. Raul Ventura, in “Convenção de arbitragem”, Rev. Ord. Adv., Ano 46, Vol. 2, 1986, pg. 345 ; Manuel Pereira Barocas, in “Manual de arbitragem”, pg. 148).

Tudo dependerá da interpretação da convenção em concreto.
i)  Na convenção “sub judice” escreveu-se que :

“20.1. Em caso de desacordo ou litígio relativamente à interpretação ou execução deste contrato, os Grupos outorgantes diligenciarão no sentido de alcançar por acordo, uma solução adequada e equitativa.

20.2.  Caso não seja possível a composição amigável do litígio, nos termos do número anterior, cada um dos Grupos outorgantes poderá, a todo o tempo, recorrer à arbitragem nos termos previstos nos números subsequentes”.

Ou seja, as partes contraentes estabeleceram uma mera faculdade de recurso ao Tribunal arbitral e não uma obrigatoriedade (auto-vinculação) a tal recurso, daí terem utilizado o verbo “poder”.

Assim, teremos de concluir que o lançar mão do Tribunal arbitral se trata de uma de mera faculdade.

Interpretando o teor de tal Cláusula, nos seus Pontos 1. e 2., verifica-se que foi acordado que, caso não seja possível encontrar uma solução amigável, ambas as partes podem, a qualquer altura, recorrer à arbitragem de acordo com os termos fixados entre as partes.

Encontramos o tempo verbal “poderá”.

Trata-se de uma situação bem diferente de “têm”.

Se os outorgantes entendessem que tinham que recorrer a Tribunal Arbitral, em vez de terem optado pela expressão “podem”, teriam dito, por exemplo, que “os conflitos surgidos serão resolvidos por via arbitral”.

Ora, os recorridos optaram por recorrer aos Tribunais Comuns, porquanto tal não lhes estava vedado pelo acordado entre as partes.

E para que não restem quaisquer dúvidas quanto à possibilidade de uma das partes outorgantes recorrer ao Tribunal Comum, tal pode extrair-se da Cláusula 14ª do contrato promessa em causa.  Na mesma consta :

“14.1.  No caso de mora da Primeira Outorgante na entrega de todas ou parte das Propriedades e/ou na outorga das respectivas escrituras, por período superior a 120 dias, ficará o Segundo Outorgante com o direito de, a todo o tempo e sem dependência de prazo :
a)  Requerer a execução específica do contrato, nos termos do artº 830º do Código Civil ; ou,
b)  Resolver o contrato (…).

14.2.  Caso o Segundo Outorgante opte pela execução específica do contrato, a multa prevista na cláusula décima quarta, será devida por todo o período que decorrer até ao registo definitivo da decisão judicial proferida na respectiva acção de execução específica.
(…)”.
Ora, o uso das expressões “decisão judicial” e “acção de execução específica” não é irrelevante nem despiciendo e aponta para uma situação que se nos afigura muito concreta, sendo essa a interpretação que mais se adequa com o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por uma pessoa medianamente instruída e diligente, capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que a mesma foi produzida, além de que tem correspondência no texto do respectivo contrato :

As partes acordaram que, a haver lugar à execução específica do contrato, a mesma deveria ser proposta nos Tribunais Comuns, que seriam competentes para o efeito.

Para resolver questões relacionadas com a interpretação e execução (excluindo a figura da execução específica) do contrato podem ser competentes os Tribunais Arbitrais.

Esta interpretação encontra ainda respaldo no facto de, nos termos contratuais, a execução específica estar apenas dependente do atraso na entrega das propriedades ou na outorga das respectivas escrituras, por período superior a 120 dias. Por outro lado, a arbitragem está dependente de duas circunstâncias :

Em primeiro lugar a tentativa prévia das partes em alcançarem, através de um acordo, uma solução justa e adequada, e, em segundo lugar, o insucesso de tal processo negocial (A Cláusula 14ª não se refere a qualquer tentativa de acordo prévia à acção de execução específica).

Assim sendo, afigura-se-nos que os Tribunais Comuns são os competentes para a tramitação da presente acção, não estando verificada a excepção de preterição de Tribunal Arbitral.

j) Conclui-se, pois, pela improcedência da totalidade das conclusões da apelação e, consequentemente, do recurso.
Não se vislumbrando motivos para alterar a decisão sob recurso, há que manter a mesma inalterada.

k)  Sumário :

I- A competência convencionalmente atribuída ao Tribunal Arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do Tribunal legalmente competente.

II- Na determinação de qual o sentido da convenção de arbitragem, no que concerne à exclusividade ou não da competência do Tribunal Arbitral, aplicar-se-ão as regras gerais de interpretação do negócio jurídico.

III-  O Tribunal conhece “ex officio” das excepções dilatórias, mas não a resultante da preterição do Tribunal Arbitral voluntário.

IV-  A omissão do chamamento do Tribunal Arbitral para a resolução do conflito inerente ao contrato (com cláusula compromissória) terá que ser suscitada pelas partes.

*  *  *

III – Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação :  Pelos recorrentes (artº 527º do Código do Processo Civil).
 

Lisboa, 30 de Junho de 2015


(Pedro Brighton)
(Teresa Sousa Henriques)
(Isabel Fonseca)