Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
442/18.5T8LRS-A.L1-8
Relator: RUI MANUEL PINHEIRO DE OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
MÚTUO COM HIPOTECA
PRESTAÇÕES SUCESSIVAS
VENCIMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES
INTERPELAÇÃO DO DEVEDOR COM A CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Apesar de demonstradas as condições para a exigibilidade das prestações vincendas, inexistindo convenção em contrário, o vencimento antecipado das mesmas e a consequente mora do devedor não são automáticos, só ocorrendo após interpelação (judicial ou extra judicial) para o pagamento de todas as prestações do remanescente em dívida, de acordo com o disposto no art. 781.º do CC;
II. Essa interpelação pode, indiscutivelmente, realizar-se com a citação do executado em execução para pagamento de quantia certa sujeita à forma ordinária;
III. Também nas execuções sujeitas à forma sumária, em que já foi realizada penhora e citação do devedor/executado, razões de simplificação procedimental e de economia de meios justificam que se tenha o mesmo por interpelado com a respectiva citação, uma vez que daí não decorre prejuízo para si.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. Por apenso aos autos de execução comum que lhes move H, S.A., vieram os executados A e mulher B, deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, e à penhora, concluindo que «(…) devem os presentes embargos serem julgados procedentes e provados e, bem assim, ser a instância declarada suspensa».
Para tanto, e em síntese:
- alegaram não corresponder à verdade as datas de incumprimento indicadas pela exequente/embargada;
- impugnaram a quantia exequenda, por desconhecerem se os pagamentos que efectuaram no decurso dos contratos de mútuo e até à data em que deixaram de os liquidar, foram tidos em conta;
- declararam não ser perceptível a forma de cálculo das quantias peticionadas pela exequente/embargada a título de juros, sendo que a mesma não alegou, nem resulta do requerimento executivo, quais os valores das prestações vencidas;
- impugnaram o valor peticionado a título de despesas, por desconhecerem a que se reportam e como foram contabilizadas;
- afirmaram não corresponder à verdade que a quantia exequenda (capital e juros) se encontre vencida e seja exigível, uma vez que a exequente/embargada não efectuou, previamente, interpelação para pagamento de todas as prestações em dívida até ao final dos contratos, nem emitiu qualquer declaração rescisória dos contratos, limitando-se a comunicar ao embargante marido o montante das prestações e juros em dívida àquela data, solicitando a regularização das mesmas;
- defenderam que a exequente/embargada não podia intentar execução com vista à satisfação do seu crédito, por os executados/embargantes terem, na sequência da comunicação das prestações em dívida, solicitado a regularização da sua situação de incumprimento, não tendo a mutuária dado seguimento ao pedido, não integrando os executados/embargantes no PERSI (DL n.º 227/2012), o que impedia de ceder os créditos à ora exequente/embargada.
1.2. A exequente/embargada contestou, pronunciando-se pela improcedência da oposição, defendendo, em suma, que:
- os executados/embargantes confessam que incumpriram as obrigações decorrentes dos três contratos dados à execução;
- cabe aos executados/embargante o ónus da prova dos pagamentos realizados até à data em que se concretizou o seu incumprimento;
- é do conhecimento dos executado/embargantes o valor das prestações vencidas durante a vigência dos contratos, sendo que, após o vencimento dos contratos, foi aplicada a taxa de juro de mora civil acrescida da sobretaxa contratual;
- as despesas imputadas decorrem do disposto nas cláusulas 7.ªs dos contratos celebrados;
- a quantia em dívida encontra-se vencida e o seu pagamento é exigível, uma vez que a instituição bancária cedente procedeu à interpelação dos executados/embargantes e o contrato prevê o vencimento imediato das prestações no caso do não pagamento de uma prestação na data do seu vencimento, podendo o credor exigir, não apenas a prestação a que o devedor faltou, mas todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido;
- mesmo que assim não se entendesse, a citação dos executados/embargantes consubstanciou interpelação dos mesmos, determinando o vencimento e exigibilidade da totalidade da dívida peticionada;
- a matéria respeitante ao PERSI não é do conhecimento da exequente/embargada, pelo que não pode pronunciar-se quanto a ela.
1.3. Foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
1.4. Foi realizada audiência final, após o que foi proferida sentença, que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução.
1.5. Inconformados, apelaram os embargantes, pedindo que a sentença recorrida seja «substituída por outra que declare procedente a oposição apresentada pelos apelantes, isto é, declarar-se que a divida exequenda é inexigível e por consequência extinta a execução», formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso versa sobre matéria de direito da Sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente a Oposição à Execução e à Penhora apresentada pelos Executados/Embargantes.
2. A matéria de direito a apreciar no presente Recurso consiste na extinção da execução com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda (capital e juros).
3. Os Apelantes entendem que o Tribunal de 1.ª Instância cometeu um claro erro de julgamento e apreciação da prova ao considerar a oposição por meio de Embargos improcedente.
4. Mostra-se dado à execução pela Exequente/Apelada como título executivo três escrituras públicas de mútuo com hipoteca, nas quais a exequente declarou emprestar as quantias de 100.00,00€ (cem mil euros) (escritura celebrada no dia 04 de Maio de 2005), 25.000,00€ (vinte cinco mil euros) (escritura celebrada no dia 31 de Maio de 2006) e 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) (escritura celebrada no dia 29 de Junho de 2007) aos Executados/Apelantes.
5. Em garantia dos empréstimos concedidos os Executados constituíram a favor da Exequente três hipotecas sobre o prédio sito na …..
6. O requerimento executivo deu entrada no dia 13 de Janeiro de 2018, tendo a penhora sido efetuada a 16/02/2018 e os Executados/Embargantes citados, nos termos do disposto nos arts. 856.º e ss do CPC, a 21/02/2018.
7. O tribunal a quo concluiu que tendo os Apelantes deixado de pagar as prestações mensais acordadas no âmbito dos três contratos, constituíram-se em mora a partir de 04/01/2013, 20/08/2012 e 29/08/2014, datas em que os Executados/Apelantes faltaram ao pagamento das prestações contratadas, vencidas e devidas ao credor, nos termos do disposto nos art.ºs 804.º e 805.º, n.º 2, al. a) do CC.
8. Por essa razão, a exequente teria direito a exigir as prestações vencidas e devidas partir de 04/01/2013, 20/08/2012 e 29/08/2014, o remanescente do capital em divida em relação aos três contratos, bem como os juros remuneratórios e a sobretaxa acordada, como resulta do requerimento executivo.
9. De igual modo, o Tribunal a quo deu como provado na matéria de facto “O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida”.
10. Por comunicação remetida aos autos em 14/07/2021, com a referência 11154401, veio o Banco Montepio informar que não foi enviada carta de resolução contratual por parte aos Executados/Apelantes, o que foi dado como provado na sentença recorrida.
11. Os Apelantes deduziram oposição à execução e à penhora com fundamento na inexigibilidade da dívida (capital e juros) por falta de prévia interpelação para pagamento de todas as prestações em dívida, bem como alegaram não ter existido por parte da credora qualquer declaração rescisória dos contratos, tendo em consequência peticionado a extinção da execução.
12. A cláusula 11.ª do contrato de mútuo celebrado entre as partes a 04 de maio de 2005 e as cláusulas 12.º dos contratos de mútuo celebrados em 31 de maio de 2006 e 29 de junho de 2007, sob a epígrafe «Direito de resolução» dispõem que: “1. A …. reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento pela PARTE DEVEDORA de qualquer das obrigações assumidas neste contrato” (sublinhado nosso).
13. As cláusulas citadas na conclusão anterior consubstanciam uma cláusula resolutiva expressa e, por isso, a exequente teria, para efeitos de exigibilidade (e certeza) da obrigação exequenda, que proceder à resolução dos ajuizados contratos mediante comunicação a efectuar aos devedores/executados, em consonância com o preceituado no artigo 436º do CC.
14. É entendimento dos apelantes que o regime previsto no art.º 781.º do CC não dispensa a interpelação do devedor para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas.
15. Nos contratos de mútuo liquidáveis em prestações, apesar de o credor gozar do direito de exigir o pagamento das prestações em falta, a perda do benefício do prazo e a obrigação do pagamento antecipado das prestações vincendas fica, naturalmente, dependente de interpelação prévia dos devedores por parte do credor, pelo que a dívida só se vence e só é exigível com essa interpelação.
16. Dito de outro modo, faltando o devedor com a realização de uma das várias prestações, o credor, querendo optar pelo vencimento imediato de todas as restantes, tem de notificar o devedor dessa vontade, ou seja, interpelá-lo para a antecipação das prestações vincendas, o que não ocorreu nos presentes autos.
17. As dívidas de capital e de juros têm natureza distinta, pelo que o disposto no art.º 781.º do CC apenas se aplica a uma dívida liquidável em prestações, não determinando, por isso, o vencimento antecipado da prestação de juros.
18. Como também o incumprimento de uma prestação de juros remuneratórios não implica o vencimento das subsequentes, por corresponderem a períodos futuros, não estando constituído ao tempo do incumprimento que o Tribunal da 1ª Instância entendeu ter-se verificado.
19. Não tendo existido manifestação de vontade por parte do credor em aproveitar o benefício de exigibilidade antecipada que a lei lhe atribui, e não tendo interpelado os apelantes para cumprirem imediatamente a totalidade da obrigação, antes de iniciada a instância executiva, o título executivo considera-se inválido e o montante exequendo inexigível.
20. Nesta esteira, atente-se a que foi dado como provado na sentença ora recorrida que a Instituição Bancária cedente (…) não procedeu ao envio de carta de resolução contratual aos Apelantes.
21. Refere Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, 4.ª edição, Revista e Atualizada, volume II, Almedina, 1990 que “O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera, constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor. A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”.
22. Idêntica interpretação foi defendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 07/06/2018, proc. n.º 22574/13.6T2SNT-A.L1, disponível em www.dgsi.pt .
23. Também no mesmo sentido Almeida Costa, in Direito da Obrigações, 1979, pág. 737, refere que faltando o devedor com a realização de uma das várias prestações, o credor, querendo optar elo vencimento imediato de todas as prestações, tem de notificar o devedor dessa vontade, ou seja, interpela-lo para a antecipação das prestações vincendas.
24. Não fez o exequente prova de ter procedido previamente à instauração da execução à interpelação admonitória prevista no artigo 808º, n.º 1, do CC, e muito menos que os contratos de mútuo tivessem sido resolvidos e que essa resolução tivesse sido comunicada aos mutuários, ora apelantes, razão pela qual, em nosso ver, a obrigação exequenda não é (certa) e exigível.
25. A este propósito, entre outros, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça datados de 12/07/2018 e 11/07/2019, proferidos, respetivamente, no âmbito dos proc. n.º 10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1 e n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1, bem como o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 05/11/2020 no âmbito proc. n.º 1049/18.2T8FNC-A.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt .
26. Mesmo que se entendesse, o que não se admite mas que por mera cautela de patrocínio se equaciona sem conceder, que a interpelação ocorreu através da citação para a ação executiva, tal tese terá de improceder.
Porquanto,
27. No caso dos autos, o contraditório dos Apelantes foi deferido para momento posterior à efetivação da penhora, porque seguindo o processo sumário, na data em que se efetivou a penhora do imóvel, o crédito não se encontrava vencido, atendendo a que os ora Apelantes só foram citados após a penhora.
28. Dispõe o artigo 550º nº 1, al. c) do CPC que se emprega o processo sumário nas execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor.
29. Apesar de os contratos de mútuo dados à execução serem títulos extrajudiciais de obrigação pecuniária garantida por hipoteca, entendem os apelantes que a presente execução deveria ter seguido a forma ordinária e não sumária por não se encontrar vencida a obrigação.
30. Tendo a execução assumido a forma sumária, não se encontram preenchidos os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda para que se procedesse ao ato da penhora, não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/11/2020, proc. n.º 1049/18.2T8FNC-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
31. Porém, nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora terá o credor de proceder à interpelação extrajudicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.
32. Seria sempre de se considerar inadmissível a interpelação dos credores mediante a citação, porque, como já demonstrado, ocorreu em momento posterior aos atos de execução, nomeadamente do ato de penhora, sendo a oposição apenas facultada aos executados posteriormente.
33. No caso em apreço, os contratos de mútuo não se encontram resolvidos, por inexistir a correspondente declaração de vontade do credor, aqui apelada, nem a totalidade da divida se pode considerar, por isso, exigível.
34. Sem tal interpelação, o título executivo é insuficiente.
35. Violou, assim, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 781º, 561º e 808º, todos do CC».
1.6. A Exequente/embargada contra-alegou, defendendo a manutenção da sentença recorrida, alinhando, para tanto, as seguintes conclusões:
«I. Vieram os Recorrentes interpor recurso da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente a Oposição à Execução e à Penhora apresentada pelos Executados/Embargantes.
II. Ora, Venerandos Desembargadores, não assiste razão aos Recorrentes nas suas alegações de Recurso.
III. Os Recorrentes confessaram que incumpriram com as obrigações decorrentes dos três contratos aqui em referência.
IV. Acresce que, no caso sub judice, o contrato prevê expressamente relativamente aos mutuários, o vencimento imediato das prestações no caso do não pagamento de uma prestação na data do seu vencimento.
V. Significa isto que, o credor fica com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido.
VI. A Instituição Bancária Cedente procedeu à interpelação dos Recorrentes através de carta como é prática habitual nos contextos de incumprimento reiterados dos mutuários.
VII. Nesta medida, a quantia em divida nos presentes autos encontra-se vencida e o seu pagamento é exigível conforme alegado no Requerimento Executivo.
VIII. De qualquer forma, e mesmo que assim não se entendesse, o que não se admite e apenas por mera cautela de patrocínio se invoca, sempre se teria de entender que a citação dos Recorrentes consubstanciou a interpelação dos mesmos, determinando o vencimento e exigibilidade da totalidade da divida peticionada nos presentes autos, sendo o título executivo perfeitamente exequível e, consequentemente, não existindo violação do disposto no artigo 713º do Código de Processo Civil.
IX. Com efeito, também assim se entende na jurisprudência que considera a obrigação vencida com a citação do executado, por força do estipulado no artigo 805.º do Código Civil que confere plena relevância à interpelação judicial, a qual se consubstancia também na citação para o processo executivo.
X. No sentido de considerar a citação judicial como interpelação para pagamento, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10/22/2013, processo n.º 518/11.0TBFIG – A.C1 e, do mesmo Tribunal, datado de 05/27/2015, processo n.º 6659/12.9TBLRA - A.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
XI. Ora, os Executados não efectuaram o pagamento das quantias a que se refere o ponto 2, dos factos provados, por dificuldades económicas.
XII. A instituição de crédito cedente – … - comunicou ao Embargante marido em 30/11/2012, 16/12/2012, 30/09/2014, 30/09/2016, 29/09/2016 4/10/2016, o montante das prestações e juros em dívida àquelas datas, indicando a sobretaxa aplicada de 2%, comissões e seguros cobrados, dizendo que iria comunicar ao Banco de Portugal o incumprimento ocorrido e solicitando a regularização das mesmas.
XIII. A instituição de crédito cedente – … – enviou para o Embargante/Executado uma carta em 17/02/2013, que se dá por integralmente reproduzida, referente ao contrato nº 155.10.005011-3, com, entre o mais, o seguinte teor: “…No decorrer do acompanhamento permanente efectuado pelo Montepio, e dando seguimento ao Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato abaixo identificado, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de situações de incumprimento (PERSI)…”, tendo solicitado a entrega, no Balcão do Executado/Embargante, da documentação necessária, com vista à promoção da negociação.
XIV. A instituição de crédito cedente – … - comunicou ao Embargante marido em 20/05/2013, por carta, entre o mais, que: “… Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto lei nº 227/12 de 25 de Outubro, em virtude de expiração foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de situações de incumprimento (PERSI)…”;
XV. Os Embargantes, em 15 de Novembro de 2016, solicitaram junto da …, balcão de …, na sequência da comunicação das prestações em dívida que lhes foi dirigida, a liquidação da totalidade do contrato de mútuo nº 155.27.100242-2, a regularização do montante vencido no contrato de mútuo 155.27.100167.-1, a regularização da conta à ordem e o remanescente para o contrato de mutuo 155.21.100412-4 e a restruturação da divida por forma a cumprirem com as suas obrigações.
XVI. O Embargante desinteressou da proposta que apresentara para pagamento parcial da divida, pois deixou de ter disponibilidade para o efeito, o que se mantém até ao momento.
XVII. Assim e no que diz respeito aos documentos remetidos para o Tribunal, e para além dos já identificados como docs. nº 1 a 20, temos várias cartas dando conta dos incumprimentos, a solicitar a regularização do pagamento dos valores em dívida, bem como cartas de integração e extinção no PERSI, nos termos estabelecidos no decreto lei nº 227/2012 de 25/10 e que enuncia que, em consequência, poderá exercer o direito de resolver o contrato e recorrer à via judicial para recebimento dos montantes em divida. E comunicando que, no caso de ter sido enquadrado no PERSI crédito com garantia hipotecária, mesmo no que respeita à resolução e ao direito de retoma do contrato, passa a ser regulamentado pelo decreto Lei nº 349/98 de 11 de Novembro. (da mesma data e para o mesmo efeito, o doc. 1414 junto com ofício 14/07/2021, ref. 11154401).
XVIII. Todos os documentos supra referidos – os juntos com o requerimento executivo e os juntos com os ofícios remetidos para os autos pela … os juntos pelos Embargantes/Executados com o seu requerimento inicial -, que correspondem ao processo existente em arquivo na entidade mutuária, conjugados com os documentos juntos com o requerimento executivo, designadamente as escrituras de mutuo com hipoteca e documento complementar anexo a cada uma das escrituras, documentos estes valorados face as desclarações de parte do Embargante, sustentaram, para o Tribunal e de forma bastante, a factualidade que o Tribunal fez consignar nos pontos 1 a 6 e 8 a 10, dos factos dados como provados.
XIX. Acresce que os Executados/Embargantes, no seu articulado e em declarações de parte o Embargante marido, também confessaram ter deixado de pagar as prestações devidas no âmbito dos mútuos em causa.
XX. Tal foi dito pelo Embargante/Executado em sede de declarações de parte – isto é, que deixaram de pagar as prestações -, dizendo no entanto, que tal falta de pagamento, em relação a dois dos empréstimos, ocorreu em data posterior aquela que a Exequente invoca do requerimento executivo.
XXI. Apesar de o terem dito, os Embargantes não juntaram qualquer documento de transferência de valores ou outro, que pudesse sustentar tal alegação, nem apresentaram prova testemunhal que também o pudesse sustentar. Sendo que o declarante, perguntado pelo Tribunal quanto a tal questão – a de pagamentos de dívida para além do indicado no requerimento executivo -, disse que não sabia data fixa, não conseguindo dar qualquer ordem de grandeza quanto ao montante dos tais pagamentos que arrogou ter feito.
XXII. O mesmo se passou quanto aos concretos valores em dívida reclamados pela Exequente, em relação aos quais o Executado/Embargante disse que achava que o valor em dívida era inferior ao que está a ser reclamado.
XXIII. Mas também aqui não sustentou tal afirmação com documentos ou prova testemunhal, não referiu quaisquer circunstâncias que pudessem ter estado associadas a tais pagamentos e que pudessem indiciar, para o tribunal, que tais pagamentos ocorreram.
XXIV. O Embargante não conseguiu mesmo dar qualquer ordem de grandeza, não se afigurando ao Tribunal que as suas declarações de parte, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova que as pudessem sustentar, sejam suficientes para fazer a prova do por si alegado quanto a pagamentos ou datas de incumprimento da obrigação.
XXV. Não tendo feito, também, a sustentação de declarações feitas por si-, em relação aos demais “pontos 2 e 3”, dos factos dados como não provados: nada resultou, da audiência de julgamento e da prova produzida, quanto ao aconselhamento que teria sido dado ao Executado/Embargante por uma funcionária bancária, para a apresentação ao banco de um pedido de regularização de dívida – documento que foi junto pelo Embargante/Executado com o seu requerimento inicial -, nem quanto ao seu desfecho.
XXVI. Deu, contudo, o Tribunal como provado, a apresentação no banco, por parte do Embargante, do documento referente a um pedido de regularização – ponto 11 dos factos provados -, o que fizemos com base nas declarações do Embargante, conjugadas com o documento relativo a tal questão e que o Embargante juntara com o seu requerimento inicial.
XXVII. Acresce que foi igualmente com base nas declarações de parte prestadas pelo embargante marido perante o Tribunal, que o Tribunal deu provado provada a factualidade a que se refere o ponto 12 dos factos provados, o qual disse que nada mais pagou ao Banco, após a proposta apresentada para pagamento parcial da divida, pois deixou de ter disponibilidade para o efeito, o que se mantém até ao momento.
XXVIII. Mas não resultou também provado, no entendimento do Tribunal, que a primeira interpelação que os Embargantes receberam da …, por situação de falta de pagamento, foi nas datas que os Embargantes/Executados alegaram.
XXIX. Da documentação que - de forma sumária quanto à descrição do seu conteúdo – acima identificámos - documentação esta relativa ao que ainda existe nos registo da entidade mutuária, em relação aos executados -, estão cartas similares às que o Embargante/Executado juntou com o seu requerimento inicial, mas datadas com datas anteriores às constantes dos documentos que o Embargante/Executado juntou com o requerimento de embargos.
XXX. E, nessas cartas, atento o seu teor, foi dado conhecimento aos embargantes da situação de falta de pagamento das prestações, instando a entidade mutuária para que os Embargantes efectuassem o pagamento das quantias em dívida e fazendo referência à remessa do processo para execução da divida.
XXXI. Consta, igualmente, nos documentos remetidos pela … as cartas relativas à comunicação que foi feita ao Embargante em relação ao PERSI, bem como quanto ao seu encerramento.
XXXII. Todas as cartas têm a morada que no contrato consta ser a dos Executados, bem como a que está nos autos.
XXXIII. Ora, atenta a similitude entre as cartas que os Embargante reconhecem ter recebido e as demais entretanto juntas aos autos pela … - na sequência de requerimento apresentado pelo Exequente/Embargado -, sendo a morada a que está no contrato, não se nos afigura verosímil que a … só tivesse mandado as cartas nas datas que o Embargante invoca e que as demais que foram agora juntadas pela …– incluindo as relativas ao PERSI; cartas que se encontra no arquivo da … -, não fizessem parte, também, de cartas igualmente remetida e nas datas que indicam.
XXXIV. Não se afigurando assim, ao Tribunal, também neste segmento, que as declarações de parte do Executado/Embargado, desacompanhadas de qualquer ouro meio de prova, sejam suficientes para a formação da convicção do Tribunal quanto a tais factos por si alegados. Pelo que, em consequência e por falta de prova bastante, foram dados como não provados.
XXXV. Tendo o Tribunal, em consequência e quanto à quantia mutuada em dívida, dado tal factualidade como provada, pelos valores, a título de capital, juros, despesas, ou demais encargos, peticionados pela Exequente no requerimento executivo, bem como dado como provado o envio da correspondência relativa ao PERSI.
XXXVI. A Exequente intentou a execução de que dependem estes autos com base na escritura de mútuo com hipoteca identificada nos factos provados, nos termos da qual os executados se confessaram devedores das quantias aí descritas e se obrigaram ao respectivo pagamento em prestações mensais e sucessivas, tendo, por sua vez, confessado ao Tribunal não ter pago a quantia mutuada, embora apresentando divergência quanto aos valores.
XXXVII. Resultou provado que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas, vencidas e devidas ao mutuante, em cada um dos identificados contratos, respectivamente, em 04/01/2013, 20/08/2012 e 29/08/2014, e que, instados para o pagamento dos montantes em causa, não procederam ao pagamento de qualquer quantia até à data.
XXXVIII. Tendo os Executados/Embargantes deixado de liquidar as prestações mensais acordadas no âmbito dos três contratos, os Executados/Embargantes constituíram-se em mora a partir das datas a que se refere o ponto 4, dos factos provados, nos termos do disposto nos art.ºs 804º e 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil.
XXXIX. Ora, resulta do teor das clausulas do contrato/documento complementar assinado entre as partes e como sustentado pela Embargada/Exequente, que nos termos expressamente convencionados entre as partes - para o caso de incumprimento e recurso a juízo, para recuperação do seu crédito -, que a Exequente tinha o direito de exigir o remanescente do capital em dívida em relação aos três contratos, os juros remuneratórios e a sobretaxa acordada, bem como o demais peticionado, tal como consta no requerimento executivo e conforme Clausula 2º, das escrituras de mutuo e clausula(s) segunda nºs 1 e 2, terceira nºs 1 e 2, sexta e sétima nº 1, do documento complementar.
XL. Acresce que não resultou provado que os Embargantes tenham procedido ao pagamento de qualquer quantia posteriormente à data da constituição em mora dos Executados/Embargantes, bem como não resultou provado que tal constituição em mora tenha ocorrido em data diferente da invocada pela Exequente/Embargada no requerimento executivo, sendo que, como acima enunciámos, o ónus da prova de tal factualidade estava a cargo dos Embargantes, nos termos do artº 342º, nº 2, do Código Civil, por se tratar de facto extintivo do direito de crédito invocado.
XLI. O Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro, visou, como consta do seu sumário, estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
XLII. Resulta da matéria de facto dada como provada que os contratos de mútuo em causa nos autos encontram-se garantido por hipoteca sobre bem imóvel, integrando-se, por isso, no âmbito de aplicação do diploma, quanto ao conteúdo.
XLIII. No que respeita ao âmbito na dimensão temporal, o artigo 39.º, n.º 1, do diploma determina que são automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
XLIV. O diploma entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2013 (artigo 40.º, do mesmo texto legal), os contratos encontrava-se em vigor nessa data, mas as obrigações dos embargantes venceram-se em Janeiro 2013, Agosto 2012 e Agosto de 2014, pelo que o contrato celebrado e cujo vencimento da obrigação ocorreu em Agosto de 2012, estaria integrado no âmbito de aplicação do diploma (artigo 39.º, n.º 1).
XLV. Afigura-se-nos, no entanto, que face à matéria que resultou provada nos pontos 9 e 10, dos factos provados, considerando as datas de tais cartas e o respectivo teor, que o Embargante/executado foi integrado no PERSI.
XLVI. O qual, contudo, foi extinto pelo decurso do prazo a que se refere o art.º 17º, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro e comunicado ao mutuário.
XLVII. A presente acção só foi instaurada em Janeiro de 2018, estando por isso observado o prazo a que se refere o artº 18º, do referido diploma legal.
XLVIII. E no que a esta questão diz respeito, a Jurisprudência tem entendido que a instauração de ação executiva antes da extinção do PERSI, quando haja lugar a este procedimento, configura a existência da falta de uma condição objetiva de procedibilidade, enquadrável, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, conduzindo à absolvição da instância - cfr. Ac. TRE de 6/10/2016, Pº nº 4956/14.8T8ENT-A.E1, in www.dgsi.pt -, dizendo ocorrer “…uma situação de um crédito que não é exigível, por incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objetiva de procedibilidade. Por analogia, na busca do lugar paralelo, este vício encaixa no regime jurídico das exceções dilatórias, embora in casu seja de natureza atípica, sendo que, apelando à filosofia, intenção e objetivos legais, o mesmo não admite o respetivo suprimento da falta de pressupostos processuais, dado que se se trata de uma irregularidade insanável e sujeita a disciplina diretiva e de carácter excecional.
XLIX. Porém, tal não obsta a que a entidade bancária venha a interpor nova ação executiva tendente à satisfação do seu crédito, uma vez cumpridas as exigências específicas contidas no diploma sub judice. (…)”.
L. E quanto ao pedido que o Embargante apresentou junto da entidade bancária com vista a eventual regularização da divida e a que se refere o ponto 11, dos factos provados, tal ocorreu em 15/11/2016.
LI. O Embargante alegou que não lhe foi dada resposta até ao momento, quanto a tal proposta que apresentara, segmento este da sua alegação de facto que não resultou provado, havendo que dizer que resultou provado que o mesmo se desinteressou da proposta que apresentara para pagamento parcial da divida, pois deixou de ter disponibilidade para o efeito, o que disse manter-se até ao momento.
LII. Concluímos, assim e salvo melhor entendimento, que não se verificou a arguida excepção.
LIII. Assim, os Embargantes/Executados não fizeram prova dos factos que opuseram à execução, como impeditivos do direito que a exequente pretende fazer valer na mesma.
LIV. Pelo supra exposto, nomeadamente, com as diversas cartas remetidas aos Recorrentes, tem necessariamente que se considerar que os Recorrentes foram interpelados para o pagamento e não o fizeram, tendo sido avisados, com a extinção do PERSI, da resolução dos contratos, mas mesmo assim não regularizaram as suas dividas, como os próprios assumiram.
LV. Desta forma, fica demonstrado que a dívida é exigível e não existe qualquer fundamento para extinção da acção, devendo a mesma prosseguir os seus termos, conforme peticionado e até final».
1.7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, a questão essencial a decidir consiste em saber se a execução deve ser extinta com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de prévia interpelação para pagamento de todas as prestações em dívida e por falta de declaração rescisória dos contratos.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
«1) A exequente intentou a execução de que dependem estes autos em 13/01/2018, com base em três escrituras de mútuo com hipoteca, que juntou com o requerimento executivo e que se dão como integralmente reproduzidas, pelas quais a …. celebrou com o(s) Executado(s) A e B, os seguintes contratos de mútuo com hipoteca:
a) escritura pública de 4/05/2005, pela qual a …, concedeu aos executados A e B, um empréstimo no valor de €100.000,00, de que os executados se confessam devedores (clausula primeira, da escritura em causa), escritura junta ao requerimento executivo e que se dá por integralmente reproduzida;
b) escritura pública de 31/05/2006, pela qual a …., concedeu aos executados A e B, um empréstimo no valor de € 25.000,00, de que os executados se confessam devedores (clausula primeira, da escritura em causa), escritura junta ao requerimento executivo e que se dá por integralmente reproduzida;
c) escritura pública de 29/06/2007, pela qual a …, concedeu aos executados A e B, um empréstimo no valor de € 12.500,00, de que os executados se confessam devedores (clausula primeira, da escritura em causa), escritura junta ao requerimento executivo e que se dá por integralmente reproduzida;
2) No requerimento executivo a … fez constar o seguinte:
“(…) Factos:
I – Questão Prévia – Da Legitimidade da Exequente
Por Contrato de Venda de Créditos, assinado em 30 de dezembro de 2016, a … vendeu o(s) crédito(s) que detinha sobre o(s) Executado(s) e todas as garantias acessórias a ele(s) inerentes, à …, conforme Documento n.º 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
É parte integrante do mencionado contrato o Anexo 1 (carteira de créditos), no qual se encontra a identificação da globalidade dos créditos cedidos. Contudo, em virtude do elevado número de créditos cedidos, é opção da ora Exequente não juntar aos presentes autos, no que ao ANEXO 1 se refere, o documento completo uma vez que o mesmo ultrapassa os 10MB suportados pela plataforma CITIUS e, não obstante as diversas tentativas de digitalização, o mesmo não se apresenta legível, e que, salvo melhor entendimento, também não traria qualquer mais-valia para o julgamento da presente causa. Deste modo, o Anexo 1, integrado do Documento nº 1, seguirá apenas com a página onde se encontra(m) mencionado(s) o(s) crédito(s) ora cedido(s).
No âmbito do mencionado contrato, a …, desde logo, autorizou a … a ceder a sua posição contratual à H, SA (Cessionária Autorizada).
Posteriormente, em 24 de fevereiro de 2017, por Notificação da Cessão da Posição Contratual, a H, SA adquiriu plenamente os direitos e ficou vinculada às correspondentes obrigações assumidas pela MREO, no Contrato referido em 1. supra, conforme Documento n.º 2 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao(s) crédito(s) cedido(s), designadamente da(s) hipoteca(s) constituída(s) sobre o(s) prédio (s) melhor identificado(s) infra, conforme respectiva(s) certidão(ões) predial(is) permanente (s) que ora se junta(m) e que se dá(ão) por reproduzida(s) para todos os efeitos legais.
Sendo certo que a ora Exequente diligenciou pelo respetivo registo junto da Conservatória do Registo Predial de …, conforme AP. 1047 de 2017/10/12, AP. 1048 de 2017/10/12 e AP. 1049 de 2017/10/12 da CRP que se junta.
No âmbito do contrato supra mencionado, incluiu-se o crédito sobre o(s) ora Executado(s), melhor identificados na relação de créditos cedidos constante do referido contrato e do respectivo DOCUMENTO COMPLEMENTAR, parte integrante do mesmo, cfr. Contrato de Cessão de Créditos junto.
(…) O que faz com que, presentemente, a ora Exequente seja a actual titular dos créditos sub  judice.
II – Dos Factos
No exercício da sua actividade creditícia a …, celebrou com o(s) Executado(s) A e B, a(s) Escritura(s) que serve(m) de título à presente Execução, no montante de €100.000,00, €25.000,00 e €12.500,00, e respectivo(s) Documento(s) Complementare(s), conforme Cópia(s) da (s) Escritura(s) que ora se junta(m) e que se dá(ão) por integralmente reproduzida(s) para todos os efeitos legais.
Para garantia das obrigações assumidas, foi(ram) constituída(s) hipoteca(s) voluntária(s) sobre o Prédio sito em …..
Hipoteca (s) esta(s) que foi registada(s) na referida Conservatória do Registo Predial através da AP. 34 de 2005/02/28, AP. 7 de 2006/05/08 e AP. 41 de 2007/07/18, conforme respectiva(s) certidão(ões) predial(is) permanente(s).
No(s) Documento(s) Complementare(s) anexo(s) à(s) Escritura(s) supra mencionada(s), ficou convencionado que o pagamento do(s) referido(s) mútuo(s) seria efectuado em 420, 420 e 408 prestações mensais de capital e juros, respectivamente.
Ora, sucede que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante em 04-01-2013, 20-08-2012 e 29-08-2014, respectivamente.
Apesar de instados para o respectivo pagamento, não o efectuaram.
O pagamento não se presume e a falta de pagamento de qualquer das prestações implica o vencimento de toda a dívida – cfr. artigos 781.º e 817.º do Código Civil.
Assim,
E tendo os Executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do(s) contrato(s) supra referido(s), encontram-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias:
a) Relativamente ao 1.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €102.520,46
- Juros: €23.732,85
- Despesas: €2.328,76
Total: €128.582,07
b) Relativamente ao 2.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €24.198,33
- Juros: €5.167,02
- Despesas: €549,44
Total: €29.914,79
c) Relativamente ao 3.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €11.219,88
- Juros: €1.776,32
- Despesas: €272,89
Total: €13.269,09
Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativamente ao(s) supra mencionado(s) contrato(s) é de € 171.765,95.
Valor a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à(s) taxa(s) de 7,000%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis.
O mencionado crédito encontra-se vencido e é exigível.
O crédito aqui peticionado, respectivos juros vencidos e vincendos está consubstanciado em título executivo, de harmonia com o disposto no Art.º 703.º do C.P.C e goza de garantia real sobre o bem imóvel, dado como garantia (…)”;
3. Em sede de Liquidação da Obrigação, no requerimento Executivo a Exequente fez constar o seguinte:
“(…) Valor Líquido: 137.938,67€
Valor dependente de simples cálculo aritmético: 33.827,28€
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0.00 €
Total: 171.765,95 €
Tendo os Executados deixado de cumprir as obrigações emergentes do(s) contrato(s) supra referido(s), encontram-se em dívida, na presente data, as seguintes quantias:
a) Relativamente ao 1.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €102.520,46
- Juros: €23.732,85
- Despesas: €2.328,76
Total: €128.582,07
b) Relativamente ao 2.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €24.198,33
- Juros: €5.167,02
- Despesas: €549,44
Total: €29.914,79
c) Relativamente ao 3.º Contrato de Mútuo supra
- Capital em dívida: €11.219,88
- Juros: €1.776,32
- Despesas: €272,89
Total: €13.269,09
Pelo que, na presente data, o valor total em dívida relativamente ao(s) supra mencionado(s)  contrato(s) é de €171.765,95.
Valor a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em dívida à(s) taxa(s) de 7,000%, onde se inclui a sobretaxa de mora, bem como o respectivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis (…)”.
3) No(s) Documento(s) Complementar(es) anexo(s) à(s) Escritura(s) supra mencionada(s), que se dão por integralmente reproduzidos, ficou convencionado que o pagamento do(s) referido(s) mútuo(s) seria efectuado, respectivamente, em 420, 420 e 408 prestações mensais de capital e juros, vencendo-se a primeira das referidas prestações em 1(um) mês após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no ultimo dia do respectivo mês se neste não houver dia correspondente (Clausula 3ª do documento complementar);
4) Os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas, vencidas e devidas ao mutuante, em cada um dos identificados contratos, respectivamente, em 04/01/2013, 20/08/2012 e 29/08/2014, não tendo pago qualquer quantia atá à data;
5) Apesar de instados para o respectivo pagamento, os Executados/Embargantes não o efectuaram;
6) Os Executados/Embargantes foram citados para a acção executiva em 21/02/2018;
7) Os Executados não efectuaram o pagamento das quantias a que se refere o ponto 2, dos factos provados, por dificuldades económicas, pois o Embargante marido dedicava-se à actividade da construção civil e no período de 2012 a meados de 2016, viu a sua situação financeira agravar-se, devido à falta de trabalho nessa área;
8) A instituição de crédito cedente – … - comunicou ao Embargante marido em 30/11/2012, 16/12/2012, 30/09/2014, 30/09/2016, 29/09/2016 4/10/2016, o montante das prestações e juros em dívida àquelas datas, indicando a sobretaxa aplicada de 2%, comissões e seguros cobrados, dizendo que iria comunicar ao Banco de Portugal o incumprimento ocorrido e solicitando a regularização das mesmas;
8.1.) Em caso de incumprimento e se a … tivesse de recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, as partes convencionaram que, além dos juros remuneratórios, seria devida uma indemnização, com a natureza de cláusula penal (sobretaxa) de 4% ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data de constituição em mora;
9) A instituição de crédito cedente – … – enviou para o Embargante/Executado uma carta em 17/02/2013, que se dá por integralmente reproduzida, referente ao contrato nº 155.10.005011-3, com, entre o mais, o seguinte teor: “…No decorrer do acompanhamento permanente efectuado pelo Montepio, e dando seguimento ao Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do contrato abaixo identificado, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de situações de incumprimento (PERSI)…”, tendo solicitado a entrega, no Balcão do Executado/Embargante, da documentação necessária, com vista à promoção da negociação;
10) A instituição de crédito cedente – … - comunicou ao Embargante marido em 20/05/2013, por carta que se dá por integralmente reproduzida, entre o mais, que: “…Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto lei nº 227/12 de 25 de Outubro, em virtude de expiração foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de situações de incumprimento (PERSI)…”;
11) Os Embargantes, em 15 de Novembro de 2016, solicitaram junto da …, balcão de …, na sequência da comunicação das prestações em dívida que lhes foi dirigida, a liquidação da totalidade do contrato de mútuo nº 155.27.100242-2, a regularização do montante vencido no contrato de mútuo 155.27.100167.-1, a regularização da conta à ordem e o remanescente para o contrato de mútuo 155.21.100412-4 e a restruturação da divida por forma a cumprirem com as suas obrigações;
12. O Embargante desinteressou da proposta que apresentara para pagamento parcial da divida, pois deixou de ter disponibilidade para o efeito, o que se mantém até ao momento.
3.2. A sentença sob recurso considerou não provada a seguinte matéria de facto:
1) Os Executados/Embargantes deixaram de cumprir com o pagamento das prestações bancárias decorrentes dos contratos de mútuo, quanto ao primeiro empréstimo, a que corresponde o contrato nº 155.21.100412-4, em 04-02-2013 e quanto ao empréstimo a que corresponde o contrato de mútuo nº 155.27.100167-1, em 30-06-2013;
2) A instituição de crédito cedente – … - apenas comunicou ao Embargante marido em 04 de Outubro de 2016, 30 de Setembro de 2016 e 29 de Setembro de 2016 o montante das prestações e juros em dívida àquela data, solicitando a regularização das mesmas;
3) O pedido a que se refere o ponto 12, dos factos provados, foi instruído com o aconselhamento da funcionária do balcão da mutuante, não tendo sido dada resposta ao embargante até ao momento.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O presente recurso não tem por objecto a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto.
Com efeito, os embargantes/recorrentes afirmam, expressamente, que «o presente recurso versa sobre matéria de direito da Sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente a Oposição à Execução e à Penhora apresentada pelos Executados/Embargantes», colocando, portanto, apenas em causa as consequências que o tribunal a quo retirou dos factos provados, sem impugnar a decisão de facto.
Acresce que, embora a Relação tenha competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto (art.º 662.º do CPC), não se vislumbram motivos para alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, razão pela qual se tem esta por consolidada.
Consideram os embargantes/recorrentes que o tribunal a quo deveria ter declarado extinta a execução com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda (capital e juros), por falta de prévia interpelação para pagamento de todas as prestações em dívida e por falta de declaração rescisória dos contratos.
Sobre esta matéria, a sentença recorrida considerou que:
«Tendo os Executados/Embargantes deixado de liquidar as prestações mensais acordadas no âmbito dos três contratos, os Executados/Embargantes constituíram-se em mora a partir das datas a que se refere o ponto 4, dos factos provados, nos termos do disposto nos art.ºs 804º e 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil.
Ora, resulta do teor das clausulas do contrato/documento complementar assinado entre as partes e como sustentado pela Embargada/Exequente, que nos termos expressamente convencionados entre as partes - para o caso de incumprimento e recurso a juízo, para recuperação do seu crédito -, que a Exequente tinha o direito de exigir o remanescente do capital em dívida em relação aos três contratos, os juros remuneratórios e a sobretaxa acordada, bem como o demais peticionado, tal como consta no requerimento executivo e conforme Clausula 2º, das escrituras de mútuo e clausula(s) segunda nºs 1 e 2, terceira nº 1 e 2, sexta e sétima nº 1, do documento complementar.
Acresce que não resultou provado que os Embargantes tenham procedido ao pagamento de qualquer quantia posteriormente à data da constituição em mora dos Executados/Embargantes, bem como não resultou provado que tal constituição em mora tenha ocorrido em data diferente da invocada pela Exequente/Embargada no requerimento executivo, sendo que, como acima enunciámos, o ónus da prova de tal factualidade estava a cargo dos Embargantes, nos termos do art.º 342º, nº 2, do Código Civil, por se tratar de facto extintivo do direito de crédito invocado».
Vejamos.
Na lição de Lebre de Freitas, in A Acção Executiva Depois da Reforma. 4.ª ed., Coimbra Editora., p. 82 e 83, «A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art.º 777.º. nº. 1 do CC, de simples interpelação ao devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação. É este o caso quando: - tratando-se duma obrigação de prazo certo, este ainda não decorreu (art.º 779.º do CC); - o prazo é incerto e a fixar pelo tribunal (art.º 777.º. n.º 2 do CC); - a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (art.ºs 270.º e 804.º, n.º 1 do CC); - em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (art.º 428.º do CC)».
No mesmo sentido, Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL, 2018, p. 233, refere que a obrigação é exigível quando está em condições substantivas para o credor poder exigir o seu imediato e incondicional cumprimento por parte do devedor.
É indiscutível, em face da factualidade provada, que, no âmbito dos três contratos de mútuo que constituem os títulos dados à execução, os executados/embargantes se obrigaram à restituição do capital mutuado em prestações mensais e sucessivas e que os mesmos deixaram de pagar essas prestações em 04.01.2013, 20.08.2012 e 29.08.2014, nada mais tendo pago até ao presente, apesar de instados para o efeito.
Desta forma, e tal como se concluiu na sentença recorrida, os executados/embargantes constituíram-se em mora a partir das datas referidas, nos termos do disposto nos art.ºs 804.º e 805.º, n.º 2, alínea a), do CC.
Provou-se, também, que as partes convencionaram que, no caso de incumprimento e de recurso a juízo para recuperação do seu crédito, a mutuante teria o direito de exigir, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultasse da aplicação da sobretaxa de 4%, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora, e despesas (cláusulas 6.ª, n.º 1, e 7.ª, n.º 1, dos documentos complementares às escrituras públicas de mútuo com hipoteca).
Dos contratos celebrados, decorre, ainda, que a mutuante «reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido (…) nos casos de falta de cumprimento pela PARTE DEVEDORA de qualquer das obrigações assumidas neste contrato» (cfr. cláusulas 11.ª, e 12.ª dos documentos complementares às escrituras públicas de mútuo com hipoteca).
Tal como bem referem os executados/embargantes, tais cláusulas consubstanciam uma cláusula resolutiva expressa, prevendo o vencimento antecipado das prestações.
Ora, dispõe o art.º 781.º do CC que «se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas».
Como é consabido, em circunstâncias normais de cumprimento dos contratos de mútuo, o mutuante não pode impor a antecipação do vencimento das prestações vincendas, uma vez que, no mútuo oneroso, o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, apenas o mutuário podendo antecipar o pagamento, suportando, salvo em casos específicos (v.g., no âmbito dos créditos para aquisição de habitação), os juros por inteiro (cfr. art.º 1147.º do CC).
A lei prevê, contudo, a possibilidade de o devedor perder aquele benefício do prazo estabelecido em seu favor, com o imediato vencimento da prestação a seu cargo, quando, por causa que lhe seja imputável, ocorra uma diminuição das garantias do crédito ou, ainda, quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações e exista falta de realização de uma única dessas prestações.
Tal como como refere Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 6.ª ed., p. 162, «(…) a perda do benefício do prazo ocorre porque a estipulação do prazo [em favor do devedor ou também a favor do devedor, como sucede no mútuo oneroso] tem por pressuposto a confiança do credor na solvabilidade do devedor, cessando os seus efeitos logo que essa confiança desaparece».
Nestas hipóteses, atenta a perda pelo devedor do benefício do prazo, o credor passa a estar em condições de exigir, para além das prestações já vencidas e em falta, todas as demais que se venceriam no futuro, reclamando o cumprimento integral do contrato por parte do devedor.
O art.º 781.º do CC consagra, precisamente, uma terceira causa de perda do benefício do prazo em favor do devedor (art.º 779.º do CC), para além das duas outras causas previstas no art.º 780.º, permitindo ao credor a possibilidade de exigir, não só as prestações vencidas e não pagas, como, ainda, antecipar a exigência de todas as demais prestações que só no futuro se venceriam de acordo com o prazo convencionado (prestações vincendas).
Coloca-se, no entanto, a questão de saber se, à luz do previsto no art.º 781.º do CC, o não pagamento de uma prestação conduz ao automático/imediato vencimento das prestações vincendas, constituindo-se, assim, o devedor em mora pela totalidade daquelas prestações vincendas, sem necessidade de interpelação do credor para o pagamento da totalidade da dívida, ou se, ao invés, o credor tem de manifestar essa sua vontade junto do devedor, interpelando-o para esse efeito, só aí se verificando mora do devedor e só então sendo a obrigação exigível para efeitos de cobrança coerciva.
No caso dos autos, não se provou que a mutuante, na sequência do incumprimento dos mutuários, ora embargantes, lhes tenha comunicado o vencimento antecipado de todas as prestações e procedido à resolução dos contratos de mútuo sub judice, limitando-se a comunicar a um dos mutuários (o embargante marido) os montantes das prestações e juros em dívida (cfr. n.º 8 dos factos provados), isto é, das vencidas e não pagas.
Teria a exequente/embargada, para efeitos de exigibilidade da obrigação exequenda, que proceder à interpelação dos devedores/embargantes para desencadear o vencimento imediato das prestações vincendas e resolver os contratos?
Os embargantes defendem que sim, considerando que, apesar de o credor gozar do direito de exigir o pagamento das prestações em falta, a perda do benefício do prazo e a obrigação do pagamento antecipado das prestações vincendas estava dependente de interpelação prévia dos devedores para a antecipação das prestações vincendas e para cumprirem imediatamente a totalidade da obrigação, pelo que a dívida só se venceria e só seria exigível com essa interpelação.
E, como efeito, tem sido esse o entendimento da doutrina e da jurisprudência maioritárias, que consideram que, apesar de demonstradas as condições para a exigibilidade das prestações vincendas, o vencimento antecipado das mesmas e a consequente mora do devedor só ocorre após interpelação (judicial ou extra judicial) do devedor para o pagamento de todas as prestações do remanescente em dívida.
Veja-se, neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4.ª ed, p. 52: «(…) O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda não se vencera constitui um benefício que a lei concede - mas não impõe - ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor. A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (…) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui» (no mesmo sentido, Menezes Leitão, Ob. Cit. p. 164; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., p. 1017; Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2.ª ed, p. 109; acórdãos do STJ de 12.07.2018, 11.07.2019, 14.01.2021, 29.04.2021, 14.10.2021 e 28.09.2022, todos disponíveis in www.dsgi.pt).
Muito recentemente o STJ pronunciou-se sobre tal questão, decidindo que: «O disposto no artigo 781.º do Código Civil aplica-se às prestações fraccionadas ou repartidas, isto é, aquelas em que o objecto global está previamente determinado, mas o seu cumprimento se divide no tempo por várias e sucessivas prestações instantâneas, nelas se incluindo a prestação de reembolso do mútuo, quando é dividida em amortizações parcelares que devem ocorrer periodicamente.  II. Apesar da redacção equivoca do referido artigo 781.º, a mesma deve ser interpretada no sentido de que o vencimento antecipado das demais prestações, tendo por causa a falta de pagamento de uma delas, não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações» (cfr. acórdão de 21.03.2023, in www.dgsi.pt).
Nesta Relação de Lisboa, foi proferido acórdão em 30.03.2023, in www.dsgi.pt, com o mesmo entendimento: «I - Nas situações de dívida escalonada ou liquidável em prestações, a falta de pagamento de uma das prestações acordadas, determina, nos quadros do art.º 781º, do Cód. Civil, a exigibilidade imediata das prestações vincendas, ou seja, a perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor;  II - tal perda do benefício do prazo estabelecido a favor do devedor não ocorre ope legis, antes dependendo de expressa manifestação de vontade por parte do credor, que deverá proceder à sua interpelação, no sentido de proceder ao devido cumprimento, sob pena de imediata exigibilidade das prestações escalonadas» (cfr.
É certo que a norma do art.º 781.º do CC não é imperativa, podendo ser derrogada por convenção das partes, que podem afastar a necessidade de interpelação do devedor e prever o vencimento automático das prestações vincendas em caso de não pagamento de uma prestação, mas tal não ocorreu no caso dos autos, conforme decorre da mera leitura dos contratos.
Recorde-se que nos contratos celebrados foi, apenas, estipulado que a mutuante «reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido (…) nos casos de falta de cumprimento pela PARTE DEVEDORA  de qualquer das obrigações assumidas neste contrato», daqui não resultando que ficasse dispensada da interpelação.
Conforme se entendeu no acórdão da RL de 21.05.2020, in www.dgsi.pt., «o sentido da expressão vencimento imediato não é o do afastamento do regime-regra que resulta do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, o qual careceria de ser expresso de forma inequívoca. O vencimento imediato não equivale a vencimento automático de todas as prestações posteriores à que não foi realizada, mas tão só a imediata exigibilidade destas, não ficando a credora dispensada de interpelar o devedor se quiser que este responda pelos danos moratórios das prestações vincendas desde o vencimento da que não foi cumprida».
No caso vertente, não tendo os executados/embargantes sido interpelados para pagamento imediato da totalidade da dívida remanescente nos contratos de mútuo do autos, nem lhes tendo sido comunicada a resolução desses contratos, teríamos que as prestações vincendas atinentes a tais contratos não se mostram exigíveis, o que imporia a extinção da execução nessa parte.
Sucede que os executados foram citados para os termos da execução em 21.02.2018 (cfr. n.º 6 dos factos provados).
Ora, nos termos previstos no art.º 805.º, n.º 1, do CCC, «o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir».
Assim, embora não tenha ocorrido interpelação extrajudicial em data anterior à instauração da instância executiva, a interpelação tem-se por efectuada com a citação dos executados, pois que, nos termos do art.º 726.º, n.º 6, do CPC, o executado é citado para, além do mais, “pagar”, sendo que, de acordo com o art.º 610.º, n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ao processo de execução por força do disposto no art.º 551.º, n.º 1, «quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação (…), a dívida considera-se vencida desde a citação».
Importa relembrar que, na redação do CPC de 1961 (DL n.º 329-A/95, de 12.12), o art.º 804.º, n.º 3, previa expressamente a possibilidade de a interpelação ser substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: «quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado».
Tal norma desapareceu na redação introduzida no art.º 804.º pelo DL n.º 38/2003, de 08.03., situação que se manteve com o DL n.º 226/2008, de 20.11, e assim permaneceu até ao actual CPC de 2013.
Comentando essa eliminação, Lopes do Rego, Requisitos da Obrigação Exequenda, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, n.º 7, 2003, Almedina, p. 70, sublinhou que «no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo».
Mas, se este regime se mostra evidente para a execução para pagamento de quantia certa sujeita à forma ordinária (em que a citação, regra geral, ocorre antes da penhora), já quanto às execuções sob a forma sumária (em que a citação só ocorre após a penhora - art.º 856.º, n.º 1, do CPC), tem sido motivo de algumas reservas.
Assim, por exemplo, Lopes do Rego, Ob. e loc. cit., p. 70, considera que «não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra‑judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.»
Nesta linha de entendimento, não será possível requerer uma execução sumária sem que do título conste a prova do acto que provocou o vencimento da obrigação, ou seja, sem prova da interpelação prévia à instauração da acção executiva, salvo se esta seguir a forma ordinária, uma vez que, nesta última hipótese, a citação sempre precede a penhora.
Argumentam os defensores desta posição que o art.º 550.º, n.º 2 al. c) do CPC só permite a execução sumária de título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, pelo que não é possível requerer uma execução sumária sem que do título conste a prova do acto que provocou o vencimento da obrigação, ou seja, sem prova da interpelação. E prosseguindo a execução sumária sem citação, não é possível considerar que a citação serve de interpelação, pelo que deixar seguir a execução sumária, sem prova da interpelação, seria o mesmo que deixar seguir uma execução sumária relativamente a uma obrigação não vencida, o que a lei não permite.
O acórdão da RL de 21.05.2020 já citado, perfilhou este entendimento, defendendo que a citação torna exigível a dívida vencida nos termos do art.º 781.º do Código Civil, mas apenas nas execuções ordinárias, em que tal acto precede os actos de agressão do património do devedor, citando em abono da sua posição, os acórdãos do STJ de 12.7.2018 e do TRC de 06.02.2016 e de 12.12.2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Lê-se neste acórdão da RL de 21.05.2020, que «(…) não tendo ocorrido in casu a interpelação extrajudicial do devedor antes da propositura da execução (a qual não foi sequer alegada no requerimento executivo, nem posteriormente), para os efeitos do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda nos termos pretendidos pela Exequente/Recorrente», sendo que «(…) o artigo 610.º do CPC não é aplicável sem mais à ação executiva pois, como vimos, esta tem por base um título pelo qual se determinam os fins e os limites da execução. A esta luz, recusando-se à citação do Executado/Embargante a virtualidade substitutiva de uma interpelação prévia, é de concluir pela inexigibilidade da quantia exequenda tal como vem peticionada».
Encontramos no mesmo sentido, os acórdãos da RE de 05.12.2019 e de 24.09.2020, da RG de 14.03.2019 e do STJ de 11.07.2019 e de 05.05.2020, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Em sentido contrário, o acórdão da RL de 10.03.2022, in www.dgsi.pt., considerou que «I. Quando a execução se funda em título que convenciona prestações futuras, a pretensão antecipatória de pagamento da totalidade das prestações pressupõe mora do devedor. II. O vencimento das prestações vincendas não é, contudo, automático: pressupõe interpelação prévia do devedor nesse sentido. III. Tal interpelação pode realizar-se com a citação do executado em execução para pagamento de quantia certa sujeita à forma ordinária. IV. Relativamente a execuções com forma sumária, caso já tenha havido penhora e citação, razões de simplificação procedimental e de economia de meios, sem que daí decorra prejuízo para o devedor/executado, justificam que se tenha igualmente o executado por interpelado com a respetiva citação».
Também o acórdão da RP de 27.06.2022, in www.dgsi.pt., considerou que «(…) não obstante a citação do devedor/executado só ocorra após a realização da penhora, razões de identidade, de simplificação e de economia de meios, sem que daí decorra qualquer prejuízo para o executado (que sempre poderia ser demandado nos mesmos termos em nova execução subsequente e com penhora dos mesmos bens, dados em garantia – artigo 752º, n.º 1, do CPC), “… justificam que se tenha este por interpelado com a respectiva citação, considerando a obrigação exequenda vencida na sua totalidade apenas desde então (…)».
Neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 25.10.2012 e de 30.06.2020 e da RP de 21.11.2109 e de 21.06.2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Quanto a nós, acompanhamos esta última linha de entendimento, por menos formal, aderindo à argumentação dos citados acórdãos do STJ de 30.06.2020 e da RP de 27.06.2022, que pela sua pertinência transcrevemos: «a dúvida que se tem de colocar é a seguinte: sendo certo que na presente execução a penhora teve lugar sem que estivesse demonstrada a interpelação extra judicial dos executados (que não teve lugar) e, portanto, sem que estivesse, naquela data, demonstrada a exigibilidade da obrigação exequenda, deve a oposição proceder com este fundamento, ou, pelo contrário, atendendo a que o acto exigível (a interpelação) já foi, entretanto praticado em relação aos devedores/executados através da sua citação para a execução, deve admitir-se o prosseguimento da execução? Esta pergunta já foi colocada, em processo cuja situação se apresenta como muito similar ao que ora se trata, no AC STJ de 30.06.2020 (…), ali se escrevendo em resposta àquela pergunta, e em termos que nos merecem integral adesão, o seguinte: “O critério orientador ou determinante não poderá deixar de ser o das consequências desta falta de interpelação. Cumpre, mais precisamente, saber quais os interesses tutelados com a exigência da interpelação e se a falta de interpelação lhes causou [aos executados] algum prejuízo grave ou irreparável. Só na hipótese afirmativa se justificará desaproveitar a citação entretanto efectuada, com o inerente sacrifício da economia processual, e dar procedência à oposição nesta parte. Uma solução meramente formalista, que impusesse uma obediência irrestrita às palavras da lei e não desse atenção às circunstâncias do caso concreto (a eventualidade de os interesses em causa estarem acautelados com a citação posterior e da situação não decorrer prejuízo para ninguém) seria excessiva/desadequada. (…) A interpelação pode ser definida, de uma forma geral, como o mecanismo através do qual o credor dá conhecimento ao devedor da sua intenção de exigir o cumprimento da obrigação e dos termos em que ele é exigido e, quanto associada ao artigo 781º do CC, como mecanismo através do qual o credor expressa a vontade em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui de instar o devedor a cumprir imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes). Como claramente resulta do art.º 805º, n.º 1, do CC, a interpelação pode ser extrajudicial ou judicial, sendo consensualmente entendido que esta é um equivalente funcional daquela. Ora, não há grandes dúvidas de que, ainda que tardia, a interpelação efectuada in casu (consubstanciada na citação dos executados) teve o mesmo conteúdo que teria a citação efectuada antes da penhora e desempenhou a mesma função (a função habitual), tendo os executados ficado a saber da pretensão dos exequentes e do alcance desta pretensão. Terá a falta de interpelação atempada (i.e., antes da penhora de bens) afectado gravemente ou posto em risco os interesses dos executados merecedores de tutela? A consequência imediata da penhora dos bens é que os executados foram desapossados destes bens – e desapossados destes bens num momento em que parte da dívida ainda não estava vencida. O certo é que nada garante que este efeito não se produzisse da mesma forma, em função da dívida já vencida na altura. Quer dizer: ainda que a obrigação exequenda se reduzisse às prestações vencidas, seriam, com toda a probabilidade, penhorados aqueles bens aos executados”. No caso dos presentes autos, aliás, como já se referiu, sempre teriam que ser penhorados os imóveis ora em causa pois que, estando eles dados em hipoteca para garantia (real) das obrigações em causa, a penhora sempre teria obrigatoriamente que incidir sobre o dito imóvel, como decorre do preceituado no artigo 752º, n.º 1, do CPC. Mas, como ainda se escreve no citado aresto, que aqui, data vénia, se continua a citar, “[m]esmo que assim não fosse, não só seria já impossível eliminar este efeito como também, e sobretudo, já seria impossível evitá-lo para o futuro, uma vez que o argumento do não vencimento da dívida deixou de valer a partir do momento em que os executados foram citados, com isso tomando conhecimento da execução da totalidade da dívida. Ponderando tudo, o desaproveitamento da interpelação/citação dos executados emerge, em concreto, como não justificado: primeiro, porque ela desempenhou eficazmente a sua função; segundo, e mais importante ainda, porque não se descortinam interesses que reclamassem uma solução destas».
Nesta decorrência, e voltando ao caso dos autos, conclui-se que, verificando-se in casu as condições exigíveis para a perda do benefício do prazo em favor dos executados/embargantes e tendo estes sido, entretanto, citados na execução, as obrigações exequendas, emergentes dos contratos de mútuo, mostram-se exigíveis, improcedendo, por conseguinte, a apelação.
Os recorrentes suportarão as custas do recurso, por terem ficado vencidos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar totalmente improcedente a apelação interposta pelos executados/embargantes, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
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Lisboa, 27.04.2023
Rui Oliveira
Teresa Pais
Rui Vouga