Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
40/14.2T8STB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: MANDATO FORENSE
DEVER DE ZELO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -O advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.
-Nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – artigo 95º nº 1 alínea b) do EOA.
-Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado
-Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.
-O insucesso na lide, na hipótese atrás referida, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o respectivo êxito.
-A mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


L..., intentou contra M..., advogada e COMPANHIA DE SEGUROS ..., SA, acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que as rés sejam condenadas solidariamente no pagamento ao autor da quantia de € 20.845,00 e juros desde a citação, deduzido na responsabilidade da seguradora e eventual franquia convencionada.

Alegou, em resumo, que a 1ª ré exerce a profissão de advogada e a ORDEM DOS ADVOGADOS celebrou com a 2ª ré um contrato de seguro garantindo o risco pela actividade profissional dos advogados, inscritos na Ordem.

O autor mandatou a 1ª ré, como advogada, para o patrocinar num processo criminal, no qual era acusado de um crime de violência doméstica. Realizado o julgamento, o autor foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa, com sujeição a regime de prova. Tendo sido deduzido pedido cível, o autor foi condenado a pagar à assistente uma quantia global de € 36.036,30, por danos patrimoniais e não patrimoniais e juros vencidos e vincendos.

Discordando, quer da pena de prisão, quer dos valores indemnizatórios, o autor e a sua mandatária decidiram interpor recurso da sentença. A 1ª ré informou que o prazo de interposição de recurso findaria em Setembro de 2012, no entanto o autor foi informado já em Setembro que já não poderia recorrer pois o prazo findara em Julho, tendo a sentença transitado em julgado. Com a não interposição do recurso, o autor foi privado do direito de obter uma redução da pena de prisão e de reduzir para valores aceitáveis o montante indemnizatório fixado. A probabilidade de obter vencimento no recurso é de 80%, pelo que o autor tem direito, pela perda de chance a € 20.845,00. A responsabilidade da 1ª ré resulta do facto de não ter cumprido o mandato conferido, omitindo por negligência, o acto de recurso e a responsabilidade da 2ª ré resulta de ter assumido o risco pela actividade profissional da ré.
 
A ré M... impugnou a matéria alegada pelo autor, dizendo que o mandato foi conferido conjuntamente à Drª N... Em Julho de 2012 foi pedida uma provisão ao autor para taxas de justiça e honorários, caso optasse pela interposição de recurso, sendo que o autor não pagou à ré a provisão pedida, tal como nunca pagou quaisquer outras quantias. O autor não pode obter nos presentes autos aquilo que não conseguiu no âmbito do processo-crime.

A ré COMPANHIA DE SEGUROS ... alegou, em síntese, que o autor não invocou ou demonstrou quaisquer prejuízos passíveis de serem indemnizados, bem como a existência de qualquer nexo de causalidade entre os factos e os pretensos danos sofridos, não ficando provado qualquer dano emergente da conta da 1ª ré consubstanciados numa perda de oportunidade ou de “chance”. A conduta da ré não foi negligente nem tão pouco omissa, porquanto não resulta que o autor tenha mandatado a ré para interpor recurso e consequentemente que a provisionou para tal.

O autor respondeu às contestações.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente e absolveu as rés do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu o autor, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
1ª-O recorrente julga incorrectamente julgado o artigo 13° da petição inicial.
2ª-Os concretos meios de prova que impõem decisão diferente são os documentos n° 9 e n° 10 juntos com a petição inicial (e o depoimento de A..., gravado a 00:04 53 a 00:16:08 do depoimento de A...).

SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO:
3ª-O contrato de mandato judicial e normas do Estatuto da Ordem dos Advogados foram violadas pela recorrida F..., como está reconhecido na sentença.
4ª-Está também reconhecida a sua culpa, que não foi ilidida.
5ª-Está provada a perda de chance - omissão do recurso.
6ª-Existe nexo de causalidade entre a omissão de recurso e a perda de chance.
7ª-Na verdade, a sentença proferida tem várias ilegalidades, acabadas de expor na motivação, que vão desde o montante exagerado da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais fixados, ao apuramento da indemnização segundo a equidade, sem previamente se ter relegado o apuramento da indemnização para execução de sentença, e ainda a fixação de juros a partir do momento impróprio.
8ª-Atendendo às circunstâncias em que o arguido praticou os factos, muitos dos quais sem danosidade social que os enquadrasse em ilícito criminal, a pena de prisão não deveria exceder o período de um ano, sendo certo que se justificava a atenuação especial.
9ª-Não tem de se provar que o recurso obteria, necessariamente, ganho de causa, mas que era provável o êxito do recurso.
10ª-Atentos os erros de direito da sentença criminal, parece-nos demonstrada essas fortes possibilidades de obter ganho no recurso.
11ª-A indemnização por danos morais não devia ultrapassar, por excesso, os € 5.000,00 e por danos patrimoniais, não devia exceder, também por excesso, os € 10.000,00, razão pela qual foi suportado um diferencial de € 21.056,03.
12ª-Foram violados, por erro de interpretação, os artigos 483º, 562º a 564°, 798° e 799° do Código Civil.
13ª-A Mmª Juiz interpretou tais normas no sentido de que exigiam para conferir direito a indemnização mais factos provados, quando, na nossa interpretação, todos os factos integradores de indemnização estão alegados e provados.
Termina, pedindo que seja revogada a sentença recorrida e a recorrida M... condenada no pagamento de € 5.000,00 (valor da franquia) e juros e a recorrida Companhia de Seguros ... na quantia de € 15.845,00 e juros, ambos desde a citação.
 
As recorridas contra-alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.
 
A)Fundamentação de facto.

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º-A 1ª ré M... exerce a profissão de advogada, tendo escritório em Lisboa, estando inscrita na Ordem dos Advogados Portugueses desde 30 de Janeiro de 1987, com a cédula profissional nº 6294L - (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
2º-A Ordem dos Advogados celebrou com a 2ª ré COMPANHIA DE SEGUROS ... um contrato de seguro, garantindo o risco pela actividade profissional dos advogados inscritos na Ordem, pela apólice nº 2866129 - (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
3º-Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe “Período de Cobertura”, a apólice em causa vigora pelo período de “24 meses, com data de início de 01 de Janeiro de 2012 às 00:00h e vencimento às 00:00 de 01 de Janeiro de 2014” - (artigo 6º da contestação da 2ª ré).
4º-De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares da apólice: “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice” - (artigo 7º da contestação da 2ª ré).
5º-Nos termos do Ponto 12 do artigo 1º das Condições Especiais da Apólice em causa, considera-se como RECLAMAÇÃO: “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (…) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…)” - (artigo 8º da contestação da 2ª ré).
6º-Nos termos do artigo 3º das Condições Especiais da Apólice 002866129, estabelece-se ainda que “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à data de início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO; (…) ” - (artigo 9º da contestação da 2ª ré).
7º-Nos termos do artigo 10º/1 das Condições Especiais da Apólice em causa: “ O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. do artº 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efectuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. (…) ”
A comunicação referida em 1, dirigida ao Corretor ou à SEGURADORA ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais réus de modo tal que o conhecimento da RECLAMAÇÃO possa chegar à SEGURADORA no prazo razoável.” - (artigo 10º da contestação da 2ª ré).
8º-O montante limite de indemnização – € 150.000,00 – sempre deverá ser descontada a franquia geral contratada, no montante de € 5.000,00, a qual, nos termos contratados, fica a cargo exclusivo do arguido - (artigo 11º da contestação da 2ª ré).
9º-O autor outorgou procuração a favor da 1ª ré F... para o patrocinar no processo-crime que correu termos no 3º Juízo Criminal de Lisboa – 3ª secção – processo nº 1128/11.7S6LSB - (artigo 3º da petição inicial).
10º-O autor era acusado, nesse processo, de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 192º nº 1 alínea b) e nº 2 do Código Penal - (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
11º-Realizado o julgamento, o autor foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa, com sujeição a regime de prova (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
12º-Tendo sido deduzido, na acção penal, pedido cível pela assistente e sua companheira, A..., o mesmo foi julgado parcialmente procedente e foi o autor condenado a pagar a esta a quantia global de € 36.036,30 por danos patrimoniais e não patrimoniais e juros vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, a partir da data de notificação da dedução do pedido de indemnização até integral e efectivo pagamento (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).

13º-Os valores parcelares da indemnização foram:
-€ 20.000,00 (vinte mil euros) por danos patrimoniais relativos a lucros cessantes;
-€ 306,30 (trezentos e seis euros e trinta cêntimos) por despesas com assistência médica e medicamentosa e
-€ 15.750,00 (quinze mil e setecentos e cinquenta euros) por danos morais (medo, angústia, dor, vexame, insegurança) - (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).

14º-O autor discordou, quer da pena de prisão, quer dos valores indemnizatórios em causa, razão pela qual foi decidiu interpor recurso da sentença - (artigo 8º da petição inicial).
15º-A 1ª ré informou o autor de que o prazo de interposição de recurso findaria em Setembro de 2012, uma vez que se interrompia com as férias judiciais de Verão - (artigo 9º da petição inicial).
16º-O processo tinha natureza urgente e o prazo de interposição do recurso corria em férias - (artigo 10º da petição inicial).

17º-No que respeita à matéria criminal foram provados, no essencial, os seguintes factos:
-Durante o período em que viveram juntos, no decurso de discussões que ocorreram na residência do casal, o arguido, esporadicamente, apelidava a demandante de “puta, vaca, mentirosa”;
-No dia 4 Julho de 2011, pelas 20h00, na Estrada de Camarate, no Parque das Merendas, em Azeitão, o arguido deferiu uma bofetada na cara da assistente, ao mesmo tempo que lhe dizia: “filha da puta, cabra de merda, vaca”. Tudo na presença da M..., filha do casal desavindo.
-No dia 22 de Agosto de 2011, pelas 20h32, o arguido, a partir do seu telemóvel com o número 932825501, enviou uma mensagem de texto à assistente, para o número 965157918, na qual a apelidava de “puta, porca e vaca”.
-No dia 31 de Agosto pelas 20h50, o arguido dirigiu-se à residência da assistente e, após uma troca de palavras com a mesma, desferiu-lhe murros, pontapés e bofetadas pelo corpo, ao mesmo tempo que lhe chamava: “filha da puta, vaca, puta de merda, mentirosa, vigarista”.
-A assistente procurou refugiar-se dentro do prédio, mas foi seguida pelo arguido, o qual lhe conseguiu retirar as chaves da residência da mão, posto o que se introduziu no interior da mesma, contra a vontade da assistente.
-Após ter, finalmente, franqueado a entrada à assistente na sua própria residência, já no interior desta voltou a desferir-lhe murros e pontapés, provocando a queda desta ao chão.
-O desacato só terminou com a intervenção da Polícia de Segurança Pública, que foi chamada ao local.
-Tais factos foram presenciados pela filha do casal, M...;
-A agressão praticada pelo arguido, no dia 31 de Agosto de 2011, na pessoa da assistente, provocou nesta traumatismo da cabeça, face, dorso e membros, em consequência dos quais sofreu 10 (dez) dias de doença, sendo 3 (três) com afectação para o trabalho.
-Como consequência dos actos do demandado, a demandante ficou afectada psicologicamente e emocionalmente debilitada.
-O que levou a recolher-se dentro de casa, evitando sair à rua sozinha, com medo do demandado.
-E a faltar algumas vezes ao trabalho.
-Durante o ano de 2011 a demandante não conseguiu trabalhar como era habitual, o que lhe alterou o estatuto de que gozava na empresa, deixando e pertencer ao “Clube de Excelência” da “AXA”.
-Deixou de ser consultora principal, o que, em termos de rendimentos, representa na sua carteira uma diminuição de cerca de € 3.500,00 a € 4.000,00 anuais.
-Perdeu prémios de produtividade no valor de cerca de € 30.000,00 anuais.
-Passou de 767 clientes para pouco mais de 520 clientes em 2011.
-Viu reduzidos os seus rendimentos de € 75.000,00 anuais, em 2010, para cerca de € 25.000,00 anuais em 2011.
-Esteve sem trabalhar em Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2011, só tendo regressado definitivamente ao trabalho após o decretamento da medida de proibição de contactos com vigilância electrónica imposta ao arguido.
-As referidas quebras de rendimentos fora, pelo menos em parte, provocadas pela perturbação psicológica e emocional causada pelos comportamentos descritos do arguido.
-A título de despesas médicas despendidas na assistência hospitalar e tratamento, a demandante despendeu € 306,30.
-A demandante sentiu angústia, dor, sofrimento, ansiedade, medo e temor vividos durante todo este período de tempo (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia e artigo 49º da contestação da 2ª ré).

18º-No que respeita à matéria cível, foi provado que a assistente perdeu prémios de produtividade de € 30.000,00 (trinta mil euros) anuais, que o seu rendimento baixou de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) em 2010 para € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em 2011, que esta quebra foi pelo menos em parte provocada pela perturbação psicológica e emocional causada pelos comportamentos do arguido (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
19º-Foi ainda dado como provado que o autor agiu num quadro de descontrolo emocional, causado por uma nova relação da sua companheira, preocupado com o bem-estar da filha, bem inserido sócio profissionalmente, sem antecedentes criminais, sendo bom profissional e pessoa normalmente calma e ponderada (facto admitido por acordo – vide acta de audiência prévia).
20º-No processo-crime, o autor não apresentou contestação.

B)Fundamentação de direito.

A decisão recorrida delimita o objecto do recurso (artigo 663º nº 2 do CPC); e é nesse âmbito que as conclusões do recorrente circunscrevem depois o mesmo objecto (artigo 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC).

Nesse enfoque, a hipótese dos autos pode assim ser enunciada:
-Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
-A questão de direito.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO:

O apelante julga incorrectamente julgado o artigo 13° da petição inicial.
Os concretos meios de prova que impõem decisão diferente são os documentos n° 9 e n° 10 juntos com a petição inicial (e o depoimento de A..., gravado a 00:04 53 a 00:16:08 do depoimento de A...).

No artigo 13º da petição inicial, o autor alegou o seguinte:
“O autor teve de acordar com a assistente A... a forma de pagamento da indemnização, que passou pela dação da metade de um andar, sito em Tróia, que lhe pertencia e pelo pagamento de € 30.050,00, através de cheque nº 1851517341”.

Vejamos o essencial do depoimento da testemunha A... Como consta da respectiva Acta de 06 de Outubro de 2015, “ Aos costumes disse conhecer o autor por ser seu irmão e conhecer a ré, M..., por ter sido aquela advogada do seu irmão em outro processo, tendo ainda referido ter sido testemunha no processo referido” – Cfr fls 264.

A instâncias do Ilustre mandatário do autor, em resumo, referiu:
“O meu irmão pagou a indemnização; inicialmente tentámos chegar a acordo com a outra parte para pagar 29.000,00 euros, da seguinte forma: 5.000,00 euros em Janeiro do ano seguinte, 2.500,00 euros no outro Janeiro do ano seguinte e outros 2.500,00 e o remanescente em 152 prestações de 500,00 euros, porque era a forma que nós encontrámos de a minha mãe, o meu pai e eu conseguirmos ajudar o meu irmão a pagar este valor mensalmente, porque não tínhamos os 36.000,00 euros para pagar. Essa proposta foi recusada pela outra parte porque diziam que tinha de ser o pagamento já, porque não havia qualquer acordo nesse sentido e que iam executar os bens do meu irmão. E, nessa altura, ficámos com a ameaça com o advogado da A... e ficámos um pouco assustados, porque tínhamos que a casa do meu irmão pudesse vir a ser penhorada. O que fizemos foi, pagámos os 20 e tal mil euros a pronto em Janeiro ou Fevereiro do ano seguinte à sentença. Tentámos abater 7.000 euros sendo que o meu irmão se desvinculava do apartamento de Tróia que estava em nome da Alice e dele para o valor ser um pouco mais reduzido. O meu irmão ia-me dando conhecimento destes factos e eu ia tomando conhecimento destas ocorrências todas. A minha mãe contraiu um empréstimo e todos os meses desembolsa 800 e tal euros para pagar esses 20.000,00 euros que tiveram de ser dados em cash. A indemnização que o meu irmão teve de pagar podia ter sido muito mais suave se tivesse feito o recurso”.

A instâncias da Ilustre mandatária da ré M..., no essencial, disse:
“A Drª M... recebeu 250,00 euros de provisão para o julgamento, depois ninguém e pediu nada”.

A instâncias do Ilustre mandatário da ré Companhia de Seguros Tranquilidade, em síntese, disse:
“Instada sobre os emails da Drª F..., respondeu. Não vi os emails todos, li aqueles que me pareceram mais pertinentes. Perguntada sobre se consultou a data dos emails disse, categoricamente: “Não vou responder à sua pergunta”.

Não sei o detalhe do valor mas sei que ele constava da sentença, sei que o valor total era de 36.000,00 euros. A Drª F... achou excessivas a pena e o valor fixado. Instada sobre se foi pedida ao irmão provisão para interpor recurso, disse que “ não tenho conhecimento nem acho que tenha sido pedido”.
 
Após audição atenta do depoimento da testemunha A..., irmão do autor, não temos dúvidas em corroborar a fundamentação da sentença de que a matéria do artigo 13º da petição inicial não ficou provada, como pretende o autor, ora apelante.
A testemunha nada referiu sobre esta matéria.
Melhor será atentarmos no que se escreveu na sentença.

A douta sentença considerou tal matéria como “não provada”, tendo fundamentado a respectiva motivação do seguinte modo:
“Quanto aos factos não provados e face à impugnação dos mesmos, resulta que o autor não logrou fazer prova nem da sua situação económica, nem do modo de pagamento da indemnização, sendo que apesar da testemunha inquirida a essa matéria A... referiu um empréstimo por parte da mãe do autor e tal facto jamais foi alegado pelo mesmo. Também de referir que a testemunha em causa tinha um efectivo conhecimento de determinados factos que interessavam directamente à discussão da presente causa e quando interpelada relativamente a factos circunstanciais a mesma já não se lembrava ou respondia de forma genérica, sem qualquer concretização ou certeza. Assim, o tribunal não teve em consideração o seu depoimento”.

Nesta conformidade e mantendo a resposta negativa à matéria alegada pelo autor no artigo 13º da petição inicial, concluímos pela improcedência das conclusões 1ª e 2ª das alegações do apelante.

A aplicação do disposto no nº 2 do artigo 636º do NCPC (Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido)

Preceitua o nº 2 deste artigo o seguinte:
“Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.

Foi o que fez a ré M..., ora apelada, nas contra-alegações, pugnando para que sejam dados como não provados os factos nºs 14º e 15º, correspondentes aos artigos 8º e 9º da petição inicial, impugnados nos artigos 7º e 9º da sua contestação. Efectivamente, consta da respectiva motivação da decisão de facto que a matéria dos artigos 14º e 15º não foi contrariada na contestação da 1ª ré.

Como já se disse, tal matéria foi impugnada nos artigos 7º e 9º da contestação. Todavia, a pretendida ampliação do âmbito do recurso por parte da apelada torna-se inútil face à improcedência da questão suscitada pelo apelante em relação ao artigo 13º da petição inicial, face ao que se dispõe na parte final do nº 2 artigo 636º do NCPC.

A QUESTÃO DE DIREITO.

O autor, invocando o incumprimento de um contrato de mandato que celebrara com a ré, advogada, vem pedir a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos decorrentes da sua conduta negligente, por não ter interposto recurso da sentença proferida no processo crime. Tal condenação é solidária com a condenação da ré seguradora.

O problema da responsabilidade civil do advogado, por incumprimento do contrato de mandato, levanta diversas questões, devendo ser analisada à luz das disposições do Código Civil (v.g. artº 798º e ss), mas também das normas reguladoras da sua profissão (Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro.

Existindo uma relação contratual estabelecida entre o profissional e o cliente, qualquer que seja a sua natureza jurídica, a responsabilidade derivada do incumprimento das suas obrigações, por negligência ou imperícia, assume natureza contratual.

Em geral, o advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.

O que não significa que o advogado não deva, na relação contratual que o une ao cliente, executar a actividade para a qual contrataram os seus serviços, orientado para proteger os interesses do seu cliente e alcançar determinado resultado, embora não esteja vinculado à obtenção deste resultado.

Nos casos em que o advogado é contratado para desenvolver uma actividade jurídica, devendo executar determinadas actividades processuais, o seu comportamento omissivo, por vezes, faz precludir a possibilidade de o cliente fazer valer os seus direitos perante um órgão jurisdicional.

Na maioria destes casos, a omissão deve ser qualificada como negligente, por traduzir desde logo uma evidente violação das regras de bem agir exigidos a um profissional.

Por sua vez, a execução negligente pelo advogado da prestação contratualmente assumida, ao não adequar o seu comportamento aos cânones de perícia e diligência profissional exigíveis, determina o incumprimento obrigacional, que poderá causar danos de diversa natureza ao cliente.

Importa, porém, estabelecer a relação de causalidade entre a conduta omissiva do advogado e os danos alegadamente sofridos pelo cliente, tarefa sempre complexa.

Na verdade, uma vez assente que o advogado não cumpriu as suas obrigações profissionais, importa estabelecer a relação de causalidade (material) entre os danos e a conduta negligente e, seguidamente, determinar quais os danos juridicamente relevantes, ou seja, os que se encontram numa relação de causalidade adequada com o evento.

Dito isto; é inequívoco para o caso concreto dos autos a existência do contrato de mandato forense, a unir o autor (como mandante) e a ré (como mandatária).

A responsabilidade da ré seguradora existe, porque a 1ª ré exerce a profissão de advogada e a ORDEM DOS ADVOGADOS celebrou com a 2ª ré um contrato de seguro garantindo o risco pela actividade profissional dos advogados, inscritos na Ordem.

No geral, o mandato acha-se definido no artigo 1157º do Código Civil; o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra. A especificidade do mandato forense é a de que os actos a praticar são actos no processo (artigo 44º nº 1 do CPC). E como aquele se sustenta em procuração, o mandato é, aqui também, representativo (artigo 262º nº 1 do Código Civil).

Ainda no geral, é vínculo do mandatário, o de praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante (artigo 1161º alínea a) do Código Civil). A acentuada tecnicidade da intervenção forense exige porém, aqui, algum ajustamento; e assim ao advogado deve permitir-se uma margem de liberdade, própria da sua autonomia profissional e independência técnica. Por outro lado, é comummente sublinhado que a prestação devida pelo mandatário é uma prestação de meios, que não uma prestação de resultados; o que o advogado se dispõe é a atender os interesses do mandante, seu cliente, e a utilizar os meios possíveis e ajustados, mas não se obriga pelo sucesso da demanda.

Escreve, a este respeito, Paulo Correia[1]:
“Aquilo que pode oferecer ao mandante são os seus conhecimentos, o seu trabalho, esforço, prudência, sagacidade e apego na satisfação da pretensão.
O advogado, tal como o médico, não promete a cura do paciente, mas sim o tratamento adequado, segundo as normas de prudência, perícia, diligência e padrão de conduta ético por parte do profissional no sentido de obter os melhores resultados.
Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se o mesmo agiu correctamente no patrocínio da mesma.”

Dispõe o nº 2 do artº 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, que o advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas.

Nesta sequência, nas suas relações com o cliente, o advogado tem o dever de dar a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que cliente invoca – artº 95º nº 1 alínea a) do EOA.

E coligado a este dever está o disposto no artº 95º nº 1 alínea b) do mesmo Estatuto: nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recurso da sua experiência, saber e actividade.

Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado[2].

A preterição desses seus deveres pode fazer incorrer em responsabilidade civil (artigo 99º do EOA). É corrente a jurisprudência no sentido de que a responsabilidade do advogado pelos danos causados ao seu cliente, no âmbito e exercício do mandato forense, tem natureza contratual, uma vez que decorre da violação de deveres jurídicos emergentes do contrato com ele firmado[3]. Nesse particular, o facto ilícito constituir-se-á do comportamento consistente na preterição de vínculos decorrente do contrato firmado (artigo 798º do Código Civil); o juízo de censura presumir-se-á (artigo 799º nº 1 do Código Civil); e o prejuízo, consistente na quebra que se faça sentir na esfera do lesado, há-de ter sido adequadamente gerado por aquele comportamento (artigo 563º do Código Civil).

No caso dos autos importa apreciar a conduta da mandatária do autor, a ora ré, no cumprimento do mandato em que estava em causa a interposição de recurso da sentença proferida no processo-crime.

Há que aplicar os princípios gerais, ou seja, o cumprimento ou incumprimento das obrigações do mandatário é apreciado segundo as normas que regulam o cumprimento ou incumprimento das obrigações em geral (artigos 762º e seguintes do Código Civil).

Assim, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelos prejuízos que causa ao credor (artigo 798º), cabendo ao devedor provar que a falta de cumprimento não precede de culpa sua, (artigo 799º) e competindo ao credor provar que houve incumprimento.

De acordo com o nº 2 do artigo 487º do Código Civil, que se aplica também à responsabilidade contratual, a culpa deve ser apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

O advogado deve provar que foi diligente na obrigação de meios que assumiu, sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias (artigos 487º nº 2 e 799º nº 2).

O autor havia decidido interpor recurso da decisão proferida no processo crime e que a 1ª ré não interpor esse recurso, pelo que a mesma não logrou provar a ausência de culpa ou de actuação diligente na condução do processo na eventual fase de recurso, concluindo assim pelo ilícito contratual invocado. Não tendo ilidido a presunção do nº 1 do artigo 799º do Código Civil, a ré, mandatária do autor no processo crime, incorre em responsabilidade, se presentes os restantes pressupostos, isto é, o dano e nexo causal. É, pois, necessário que os prejuízos que o credor invoca e pretende ver ressarcidos hajam sido causados pela falta de cumprimento, como bem se observa na douta sentença.

Sem margem de dúvida, a ilação de que a (completa) inércia da ré advogada do autor, no referido contexto – não interposição de recurso -, retrataria preterição das obrigações do exercício do patrocínio assumido e, consequentemente, de responsabilidade.
Por isso, apesar de ter existido incumprimento do contrato imputável à mandatária, ora apelada, a responsabilidade civil contratual depende ainda do apuramento de danos e da relação de causalidade entre os danos e a conduta negligente.

Importa, pois, apreciar se existe a obrigação de indemnizar o autor.

Ao mesmo tempo, e por decorrência, vislumbra-se também o dano de perda de oportunidade, ou perda de chance; quer dizer, de algum modo a ora apelada, advogada, nos autos, inviabilizou a oportunidade de o seu cliente poder ver reapreciado o caso em recurso a interpor para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Comporta este procedimento omissivo um efeito gerador da obrigação de indemnizar a cargo da mandatária, e em benefício do mandante.

A presente acção é de responsabilidade civil de advogado. Com ela se pretende o reconhecimento de uma obrigação de indemnizar, na esfera do advogado, com o correspectivo crédito, na esfera do cliente.

Uma das situações em que a noção de perda de chance tem sido empregue é, precisamente, nos casos em que um mandatário judicial não propõe uma acção ou não interpõe um recurso de uma decisão desfavorável ou não contesta uma acção dirigida contra o seu cliente, ou pratica qualquer acto depois de expirados os prazos legalmente previstos[4].

Júlio Gomes analisa a questão da perda de chance, concluindo:
Afigura-se-nos, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito…Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no Direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete da lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado dum concurso ou de uma fase posterior dum concurso. Trata-se de situações em que a chance já se “ densificou” o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se pode falar (…) de uma “ quase propriedade de um bem”[5].

Também Armando Braga[6], refere:
“ O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de uma obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização”.

No caso sub judice, devido ao facto de a 1ª ré não ter diligenciado pela interposição do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa da sentença proferida no processo crime, o arguido nesse processo, o ora autor, perdeu a chance de ver apreciada a bondade da decisão, quanto à indemnização em que foi condenado a pagar à assistente A..., por danos patrimoniais e não patrimoniais – Cfr facto provado sob o nº 12º.

Mas terá o autor direito à indemnização que peticiona? Existe a probabilidade de o autor ter obtido a procedência do recurso no processo crime, seja pela redução da pena aplicada, seja também pela redução da indemnização em que foi condenado?

A argumentação traçada pela primeira instância afigura-se-nos correcta, pelo que a iremos seguir e mesmo transcrever:

“A questão está em saber se ao incumprimento culposo das obrigações assumidas pelo advogado se liga causalmente um prejuízo para o seu cliente. É que o resultado de uma acção judicial depende do concurso de múltiplos e, normalmente, imponderáveis factores, como sejam a conduta processual das partes, a falta ou ocultação de dados por parte do cliente, o estado da doutrina e da jurisprudência ao tempo em que o juiz é chamado a pronunciar-se, o erro judiciário, etc., sendo estes últimos estranhos ao cumprimento ou incumprimento do advogado.

Como é perceptível, uma hipótese de perda de oportunidade apenas pode colocar-se verdadeiramente quando não se alcança a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final.

No caso em apreço afigura-se-nos que não se provaram factos que permitam formular um juízo de causalidade naturalístico. O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida e não ao benefício esperado.

A doutrina da perda de chance propugna, em tese geral, a concessão de uma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto e o dano final, mas simplesmente que as probabilidades de obtenção de uma vantagem, ou de evitamento de um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis. Sustenta-se que, para efeitos de verificação do nexo de causalidade, se deve colocar o acento tónico não no resultado final, mas nas possibilidades de ele ser atingido (é necessário que o acto ilícito e culposo seja a causa jurídica da perda da chance).

Trata-se de uma técnica a que se recorre, pois, para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada (Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa, “Dissertação de Mestrado, Dano de Perda de Chance e a sua Perspectiva No Direito Português”,
página 4,consultada no link http://www.verbojuridico.com/ /doutrina/2011/patriciacosta_danoperdachance.pdf).

A chance surge, assim, como uma entidade autónoma, como um dano emergente, sendo o seu “quantum” inferior ao dano final, a determinar de acordo com a equidade e em função do grau de seriedade (probabilidade de êxito) da chance perdida. Através da noção da perda de chance faz-se “avançar” a incerteza do encadeamento causal de acontecimentos para o da valoração dos danos, transformando-se o problema da prova da causalidade numa questão de avaliação do dano (Rute Teixeira, “A Responsabilidade Civil do Médico”, páginas 221, 225, 229, 230 e 408).

(…) “E o que se verifica na não interposição de um recurso (ou na sua interposição extemporânea ou no facto de o deixar deserto por falta de alegações), em que por definição, a causalidade não pode ser demonstrada, porque o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudências dos julgadores chamados a reapreciar a causa.

Certo ainda, a propósito, não se confundir a perda de chance com a frustração de expectativa juridicamente tutelada, e que ficcionar-se o dano patrimonial através da figura de perda de chance implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto.

Assim, no caso em apreço, apurado que está o facto de a 1ª ré, ao não recorrer da sentença condenatória, ter cometido um acto ilícito e culposo, há que formular um juízo (julgamento) hipotético sobre as consequências da falta de interposição desse recurso, o que passa pela aferição do grau de risco, ou probabilidade de verificação do resultado danoso.

Acontece que, no processo em causa, alegou o autor que a maior parte dos factos que integram o crime não assumem grande relevância enquanto violação de valores sociais e por outro lado que a indemnização por danos morais é exorbitante. Porém, resultou que o autor no processo-crime não apresentou qualquer contestação, nem mesmo ao pedido de indemnização cível formulado pela assistente naqueles autos. Mais o pedido de indemnização cível formulado foi julgado parcialmente procedente.

Perante o exposto, temos de concluir que os factos apurados na presente acção não permitem concluir que, caso tivesse sido interposto recurso, existisse um mínimo grau de probabilidade de êxito por parte do autor e que tenha existido um prejuízo patrimonial e não patrimonial pelo facto de não ter o autor visto a questão reapreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

Ora, o autor não demonstrou nos presentes autos, para além de considerações genéricas sobre o excessivo valor da indemnização ou a excessiva pena aplicada, que existiam argumentos fácticos e/ou jurídicos que permitissem que a questão fosse reapreciada e que essa reapreciação tivesse para o autor um desfecho favorável.
É certo que ocorreu incumprimento do mandato por parte da 1ª ré, mas o mesmo, atento o exposto, é insusceptível de gerar a obrigação de indemnizar. Assim, não se demonstrou que a falta de apresentação do recurso foi causa (real, efectiva) adequada da perda de uma oportunidade de ver o quantum indemnizatório reduzido”.

E assim sendo, temos de concluir que a viabilidade das pretensões do autor era nula e, como tal, não existe direito a indemnização pela perda de chance.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 3ª a 13ª das alegações do autor.

SÍNTESE CONCLUSIVA[7]

I-O advogado, pelo contrato de mandato, fica adstrito a desenvolver com adequadas diligência e perícia uma determinada actividade jurídica, sem contudo ficar vinculado à obtenção de um certo resultado, daí que se considere que a sua prestação constitui (fundamentalmente) uma obrigação de meios, e não de resultado.
II-Nas suas relações com o cliente, o advogado deve estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade – artigo 95º nº 1 alínea b) do EOA.
III-Impõe-se-lhe assim que exerça o mandato com a diligência de um bom pai de família, na consideração da diligência do homem médio, mas também do tipo de mandato e das circunstâncias em que é executado
IV-Se no exercício da tarefa do mandato o advogado estiver confrontado com uma alternativa entre procedimentos processuais e, em seu critério, optar por prosseguir um deles, não viola o seu vínculo de mandatário se a opção assim escolhida for, num juízo de prognose e do ponto de vista técnico, razoável e plausível para acautelar os interesses do cliente.
V-O insucesso na lide, na hipótese atrás referida, não comporta responsabilidade, ainda que se mostre que, tendo o advogado seguido outra escolha, seria previsível o respectivo êxito.
VI-A mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória. Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção de causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito.

III-DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.


Lisboa,  28/4/2016


Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Carla Mendes


[1]“Da responsabilidade civil do advogado pelo incumprimento dos deveres de competência e de zelo” na Revista do Ministério Público nº 119, ano 30 (Jul-Set 2009), página 149.
[2]Manuel Januário da Costa Gomes, “Contrato de Mandato” em “Direito das Obrigações”, 3º volume, 1991 (sob a coordenação de António Menezes Cordeiro), página 345; e Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 na Colectânea de Jurisprudência V/2002-91
[3]Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2010, proc.º nº 171/2002.S1, da Relação de Guimarães de 23 de Fevereiro de 2010, proc.º nº 8/04.7TBEPS.G1, da Relação de Lisboa de 9 de Novembro de 2004, proc.º nº 6127/2004-7, de 15 de Maio de 2008, proc.º nº 3578/2008-6, e de 24 de Junho de 2010, proc.º nº 9195/03.0TVLSB.L1-6, e da Relação do Porto de 1 de Junho de 2006, proc.º nº 0631913, e de 14 de Julho de 2010, proc.º nº 2555/07.3TBVNG.P1, todos em www.dgsi.pt.
[4]Rute Teixeira, “A Responsabilidade Civil do Médico”, página 190).
[5]Direito e Justiça, XIX, 205, II.
[6]A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Extracontratual, pág. 125.
[7]Vide o nosso Acórdão de 18.06.2015, processo nº 403-13.0TVLSB.L1-8, in www.dgsi.pt/jtrl


Decisão Texto Integral: