Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27942/16.9T8LSB.L2-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
OMISSÃO DE CONVOCAÇÃO
CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A revogação pelo Tribunal da Relação de Lisboa de um despacho saneador inicialmente proferido com o fundamento de que, não o tendo sido, deveria ter sido proferido despacho concedendo prazo à Autora para corrigir a petição inicial por si apresentada nestes autos, por forma a serem elencados também como réus, para além da Administração do Condomínio, todos os condóminos do prédio constituído em propriedade horizontal e não apenas os que votaram favoravelmente as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos, com a consequentemente determinação de que um tal despacho tinha de ser proferido, não implica necessariamente a anulação ou a declaração sem efeito do processado anterior a esse despacho revogado.
II. E, porque essa anulação ou declaração sem efeito desse processado não foi decretada pelo Tribunal da Relação, uma vez que a Autora tinha apresentado, em tempo oportuno, uma resposta às excepções invocadas na primeira contestação introduzida em Juízo pelo Réu Condomínio, não é nula a decisão que apenas admitiu a segunda resposta da Autora na parte respeitante às novas questões suscitadas na segunda contestação apresentada pelo Réu Condomínio na sequência da nova petição inicial da Autora.
III. A omissão de convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos consubstancia uma conduta que é, em termos conceptuais - lógicos e ontológicos -, totalmente inconfundível e distinta de uma deliberação aprovada numa tal assembleia, pelo que o disposto no art.º 1433º do Código Civil, e em particular o que aí se estatuí acerca do prazo de caducidade para intentar uma acção de anulação de deliberações da assembleia de condóminos, não pode aplicar-se à regulação da primeira dessas situações.
IV. E não existindo no Código Civil uma norma que expressamente regule e estabeleça os efeitos de um tal comportamento omissivo (não convocação de um condómino para a assembleia de condóminos), porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (art.º 8º n.º 1 do Código Civil), forçoso se torna encontrar uma solução jurídica para essa situação litigiosa.
V. Para efeito da construção dessa norma reguladora, é indispensável recordar que, nos termos do disposto no art.º 294º do Código Civil, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, tudo isto sendo certo que, por força do estatuído no art.º 295º do mesmo Código, aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente, e, sem lugar para qualquer dúvida, a convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos é um acto jurídico.
VI. E, para o mesmo efeito, importa também lembrar que, como estabelecem, respectivamente, os nºs 2 e 1 do art.º 280º ainda do Código Civil, também aplicáveis à regulação dos efeitos dos actos jurídicos, cometidos ou omitidos, são nulos os negócios jurídicos contrários à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, sendo também nulos os negócios jurídicos cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, não se aplicando aqui a ressalva prevista no art.º 281º («Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.»), porque, repete-se, o que está em causa nestes autos é um acto jurídico unilateral (apesar de receptício).
VII. É eticamente indefensável e socialmente muito grave omitir um acto com essa dignidade institucional e legal, porque essa não convocação priva um condómino da possibilidade de participar na assembleia defendendo os seus interesses legítimos e os seus direitos, o que constitui uma falha inaceitável nas Sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da Republica), tanto mais que o direito à propriedade e à iniciativa privadas são direitos fundamentais de todas as pessoas, estando como tal reconhecidos, respectivamente, nos artºs 62º e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 17º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948.
VIII. E é exactamente porque esses direitos têm esse mais elevado nível de protecção ética, institucional e legal (constitucional), que a sua violação constitui uma ofensa à ordem pública e aos bons costumes, logo, um abuso de direito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:

1. M. intentou a presente acção declarativa com processo comum na qual pede que seja declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos do prédio denominado “Edifício...”, constituído em propriedade horizontal, sito na ..., ocorrida em 07.02.2014, inicialmente apenas contra a sociedade “P..., LDA”, mas demandando essa entidade imputando-lhe a qualidade de «representante judiciária dos condóminos do Edifício ..., constituído em propriedade horizontal, sito na ...» (sic).
O processo correu termos, sob o n.º 27942/16.9T8LSB, pelo Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira - Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, tendo no mesmo sido proferido o despacho saneador com valor de sentença, com a referência 136188277, que ocupa fls. 358 a 364 dos presentes autos e cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“Termos em que, face ao exposto, julgo a R. parte ilegítima e, ao abrigo dos artºs 278º, n.º 1, al. d), 576º, nºs 1 e 2, e 577º, al. e) do C.P. Civil, absolvo a mesma da instância.
Valor da causa: o indicado pela A., na ausência de elementos que permitam fixar valor diferente (artºs 297°, n.º 1 e 306º, nºs 1 e 2 do C.P. Civil).
Custas pela A. que a elas deu causa – art.º 527°, n.º 1 do C.P. Civil.
Registe e notifique.” (sic).
Inconformada com essa decisão, a Autora apresentou contra ela o recurso cujo mérito foi apreciado por este Tribunal Superior através da decisão liminar do relator que constitui fls. 385 a 393 verso, datada de 21/12/2018, que transitou em julgado e pela qual se decretou o seguinte:
“Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 3.4. da presente decisão liminar do relator, não obstante se julgar no essencial improcedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, ordena-se que seja proferido despacho concedendo prazo à Autora para corrigir a petição inicial por si apresentada nestes autos, por forma a que sejam elencados também como réus, para além da Administração do Condomínio, todos os condóminos do prédio denominado “Edifício Columbia”, constituído em propriedade horizontal, sito na Av. Júlio Dinis, nº 14, em Lisboa, e não apenas os que votaram favoravelmente as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos que teve lugar no dia 07 de fevereiro de 2014, mais podendo essa demandante aperfeiçoar e desenvolver os argumentos expostos nesse articulado para fundamentar o pedido que nele deduziu, seguindo o processo a ulterior tramitação prevista no CPC 2013.
Custas da apelação pela parte (ou partes) vencida(s) a final.” (sic).
Dando cumprimento a essa determinação, a Autora apresentou nova petição inicial corrigida (articulado que tem a referência 31550890 e que ocupa fls. 401 a 408 verso do processado em suporte físico da presente acção), relativamente à qual apenas a Ré “ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO ...” deduziu contestação, na qual se defende também por excepção (articulado que tem a referência 31734479), à qual a Autora deu resposta (articulado que tem a referência 31851744).
Designada data para concretização de audiência prévia, que teve lugar no dia 20/02/2020, e tendo aí sido cumpridos os trâmites legais, foram pela Mma Juíza a quo ditadas para a acta, que tem a referência 144050014, sucessivas decisões, sendo uma delas o despacho saneador com valor de sentença que ocupa fls. 497 verso a 500 destes autos, das quais, dada a sua relevância, a seguir se transcrevem na íntegra duas delas, mas, no que respeita ao sentenciamento final, do mesmo apenas se enunciará a parte relevante do seu decreto judicial, tudo nos seguintes termos:
A) primeira decisão interlocutória:
“Tendo em conta o requerido pelo Ilustre da Autora quanto ao exercício do contraditório, nos termos e para os efeitos do artigo 3° n.º 4 do C.P.Civil, importa ter em conta que quanto às exceções de caso julgado ou autoridade do caso julgado, caducidade, e abuso de direito, a Autora já se havia pronunciado, na sequência de despacho que a convidou para o efeito, tendo-o feito designadamente através do seu articulado de 10-06-2017.
Consequentemente importa apenas acautelar o exercício do direito de contraditório da Autora relativamente às novas exceções suscitadas pela Administração do Condomínio na contestação que apresentou na sequência de juncão da Petição Inicial aperfeiçoada, exceções que se consubstanciam na ilegitimidade da Autora e na falta de interesse em agir da mesma.
Notifique.” (sic);
B) segunda decisão interlocutória:
“Conforme resulta claro do artigo 3° n.º 4 do C.P.Civil, o contraditório que cumpre acautelar é quanto à matéria de exceção deduzida no último articulado admissível, neste caso a Contestação da Administração do Condomínio, matéria essa de exceção que naturalmente se refere ao que foi alegado na petição, sendo que quanto à mesma naturalmente também deverá ter sido apresentada defesa por impugnação.
Relativamente a esta não há exercício do direito ao contraditório pelo que, repita-se, tendo já sido exercido o contraditório quanto às exceções referidas no despacho inicialmente proferido e não tendo sido anulado o processado anterior pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que determinou apenas e somente que a Autora fosse convidada a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, inexiste qualquer fundamento para que a Autora venha repetir-se novamente quanto à resposta às ditas exceções, estando devidamente acautelado o seu direito ao exercício do contraditório relativamente às exceções já anteriormente suscitadas e, nessa medida, o seu direito de defesa.
Por conseguinte mantém-se o já decidido, e dá-se a palavra ao Ilustre Mandatário da Autora para, querendo, exercer o contraditório quanto às novas exceções de ilegitimidade ativa e falta de interesse em agir.
Notifique.” (sic);
C) decreto judicial relevante do despacho saneador com valor de sentença:
“Em face do exposto julga-se procedente a exceção de caducidade e em consequência absolvem-se os Réus do pedido.
Fixa-se o valor da causa em 30.000,01, - artigos 303º n.º 1 e 306º nº 2 do C.P.Civil.
Custas pela Autora- artigo 527º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil.” (sic).
Entretanto, a primitiva Ré “P.., LDA” cessou funções como Administradora do Condomínio antes referenciado, sendo substituída nessas funções pela agora demandada “P.., LDA”, julgada habilitada pela primeira parte da decisão de fls. 515, que tem a referência 146028113.
Confrontada com essas decisões proferidas em acta, a Autora deduziu recurso no qual pede que este Tribunal Superior “… (julgue) com a Justiça de melhor Direito” (sic), formulando para sustentar essa pretensão as seguintes 16 conclusões:
I. O despacho da Mma Juiz a quo pelo qual indeferiu a apresentação da resposta à nova contestação por excepção de caducidade, levada à lide pela Recorrida, infringiu o disposto no art.º 3º/4 CPC.
II. Representa o cometimento de uma nulidade nos termos e para os efeitos do art.º 195º/1 CPC, na dominante de uma irregularidade de processo com influência no exame e boa decisão da causa.
III. Depois - porque a ofensa ao contraditório, neste caso, repercutiu e repercute sobre o teor único da decisão recorrida - deve ser encarada a solução do n.º 2 do preceito citado: ... anulam-se também os termos subsequentes que del[a] dependam absolutamente.
Em todo o caso,
IV. Não procede a excepção de caducidade do direito de propor a acção, porque não se trata nesta acção da anulação das deliberações tomadas na assembleia, mas de ser condenada a Recorrida a reconhecer a nulidade de todas elas, em razão de, no procedimento de convocatória (falhado quanto à Recorrente, que não foi convocada, como Condómina que era, para nela estar presente), foi cometida a nulidade de origem, prevista nos art.°s 286º e 1432º/1 CC, norma esta imperativa.
V. Ou, a entender-se haver lacuna de regime (por todos, Pinto Duarte "Propriedade Horizontal", Almedina, Coimbra, 2019, p 106), nulidade também por força do disposto no art.º 56º/1 a) CSC: "são nulas as deliberações ... tomadas em assembleia geral não convocada." (vd pontos 42 a 48 da P.I. reformulada).
VI. Com efeito, no caso dos investimentos patrimoniais, tal como é na aquisição das fracções prediais em propriedade horizontal, a convocatória é essencialíssima ao exercício e sobretudo à defesa dos direitos patrimoniais de cada um dos Condóminos.
VII. E daqui se retira a imperatividade da convocatória da assembleia geral como pressuposto do exercício, precisamente, dos referidos direitos privativos e de defesa (proprietária) da posição de cada Condómino, na Assembleia Geral, esta que delibera sobre assuntos que dizem respeito ao quantum do concreto benefício, perda ou oneração de rendimento do capital investido, fracção a fracção.
VIII. Enfim, é imperativa a convocatória no âmbito e alcance da protecção constitucional proporcionada, sob o princípio da convergência prática (no conflito com um outro direito fundamental) da iniciativa e propriedade privada (cfr. artºs 182º/3. 61º/1 e 62º/1 CRP).
IX. (Des)protecção que o estado de emergência covid-19 demonstrou, numa ênfase particular, ao elencar a suspensão do direito fundamental de iniciativa económica privada quanto a certos efeitos de investimento (tal como ficou alegado em 35 supra - vd. a redacção sucessiva do art.º 4º/b) dos Decretos do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de Março, nº 17- A/2020, de 2 de Abril, e, nº 20-A/2020, de 17 de Abril, estabilizando o texto neste último, no segmento final: "fica parcialmente suspenso o exercício do ... direito ... de iniciativa económica privada ... pode ser reduzida ou diferida, sem penalização, a percepção de rendas, juros, dividendos e outros rendimentos prediais ou de capital.").
X. Neste sentido, uma aplicação ao caso da mera literalidade do art.º 1433º/1 CC (apesar de tudo enviesada, na opinião da Recorrente e de que não prescinde) e de maneira a incluir na tatbestand do preceito a mera anulabilidade da não convocatória de Condômino para a assembleia, torna esta disposição legal norma inconstitucional, precisamente por não estar de acordo interpretativo com o segmento de normas da CRP acima citado (vd consequências a retirar, primeiro, do art.º 204° CRP, depois, dos art.°s 70°/1 b. e 72º/2 da LTC).
Subsidiariamente:
XI. A sentença proferida nesse proc. n.º 610/2016-JP (31.08.2017) eliminou, preto no branco, como a Recorrida bem sabe (por ter sido notificada dela, ter recorrido, mas exequível e por fim transitada, nesta parte), a passagem de que pretendeu prevalecer-se, ao arguir a excepção de caducidade.
XII. E, não procedem os argumentos de dolo e de abuso de direito com que a Recorrida enroupou a excepção de caducidade: a acção de nulidade pode ser proposta a todo o tempo, e, repisa a Recorrente, se a lei assim o dispôs, focou-a na indisponibilidade do direito correspectivo, que se extingue apenas por prescrição.
Por fim,
XIII. A decisão recorrida violou as disposições legais acima mencionadas, nomeadamente, os artºs 286º e 1432º/1 CC, ou, mais especificamente o art.º 56º/1 a) CSC, aplicável ao caso por remissão.
XIV. Por consequência, a decisão recorrida deve ser revogada e mandada substituir por outra que faça seguir o debate da causa, ou julgue de fundo no saneador.
XV. Neste último sentido, cabe a condenação no pedido em vez da absolvição da Recorrida.
XVI. Porém, a manutenção do julgado, por aplicação do art.º 1433°/4 CC sob a interpretação de que no âmbito e alcance desta disposição legal cabe a anulabilidade das decisões tomadas na assembleia geral de condóminos para a qual a Recorrente não foi convocada, vicia de inconstitucionalidade o referido preceito, por força de contrariar o disposto nos artºs 18º/3, 61º e 62º CRP.” (sic).
Tal como aconteceu em sede de contestação, só a “ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO ...” veio contra-alegar, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e culminando nestes exactos termos essa sua peça processual:
1. No recurso, em princípio, não se podem conhecer questões novas, como é o caso das conclusões VIII., IX, X e XVI, que versa sobre questão de constitucionalidade, mas apenas apreciar e decidir as questões resolvidas nos tribunais recorridos, pelo que não nos pronunciamos sobre as mesmas.
2. As conclusões da recorrente sob XI e XII são descabidas, pelo que não nos iremos debatê-las, aquela reporta-se a uns outros autos e esta não mereceu qualquer desenvolvimento no corpo das alegações.
3. A decisão que indeferiu a apresentação de nova resposta da autora à exceção de caducidade constante da nova contestação ofende o princípio do contraditório, aludido no n.º 4 do art.º 3.º do CPC, porquanto a recorrente já se pronunciou sobre a mesma quando apresentou o seu articulado de respostas às exceções e por o Ac. da Rel. de Lisboa não invalidou tal peça processual.
4. Apesar da autora convocar para a resolução deste diferendo o art.º 1433º do Cód. Civil, pelo que tem que assumir as respetivas consequências.
5. O pedido formulado em 20º da primitiva petição mantém a sua validade, onde apenas se pede que seja declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na AG 07.02.2014, por a autora não ter sido convocada nem ter estado presente.
6. Os novos pedidos formulados na nova petição não devem contar, porque extintos por preclusão.
7. A regra quanto a deliberações da assembleia dos condóminos contrárias à lei e regulamentos aprovados é a da sua anulabilidade.
8. A omissão de convocatória para a assembleia de condóminos tem como consequência a anulabilidade das deliberações resultantes da mesma assembleia, nos termos do art.º 1433º, n.º 1 do CC.
9. O art.º 56º, n.º 1 do CSC não é aqui aplicável porque a sua aplicação infringiria o art.º 11.º do CC.
10. Termos em que se deve manter a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada justiça!” (sic).
E são estes os contornos da lide que a este Tribunal Superior cumpre neste momento julgar.
2. Considerando o conteúdo das conclusões das alegações da apelante (que definem o objecto do recurso e os limites do poder de cognição do Tribunal ad quem, pois, como impõe - e bem - o n.º 2 do art.º 608º do CPC 2013, o Juiz deve (na verdade, tem de) resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), as questões acerca das quais, em termos lógicos e ontológicos, este Tribunal Superior tem de exercer pronúncia são as seguintes:
- a decisão que indeferiu a apresentação da resposta da Autora à nova contestação por excepção de caducidade apresentada pelo Réu Condomínio é ou não nula?
- a interpretação do art.º 1433º n.º 1 do Código Civil com o sentido de que no âmbito e alcance desta disposição legal cabe a anulabilidade das decisões tomadas na assembleia geral de condóminos para a qual a Recorrente não foi convocada viola ou não o disposto nos artºs 18º n.º 3, 61º n.º 1, 62º n.º 1 e 204º da Constituição da República e 70º n.º 1 b) e 72º n.º 2 da LTC?
- a decisão que absolveu os Réus do pedido viola ou não o estatuído nos artºs 286º e 1432º n.º 1 do Código Civil, e 56º n.º 1 a) do CSC?
E sendo esta a matéria que compete apreciar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas, tendo os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos sido colhidos, no momento próprio.
3. Dados os contornos do pleito, é útil transcrever aqui os segmentos relevantes da decisão recorrida (sendo que o decreto judicial que a culmina já se mostra integralmente transcrito no ponto 1. do presente acórdão, o que torna inútil a sua repetição), o qual é o seguinte:
“O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria da hierarquia e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, e encontram-se devidamente representadas e patrocinadas.
*
Da ilegitimidade ativa

Consequentemente, a Autora continua a ter legitimidade para a causa, não obstante já não ser condómina na presente data, improcedendo, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade deduzida.
*
As partes são assim legítimas.
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Da falta de interesse em agir

Deste modo, e invocando a Autora que não esteve presente nem representada na dita assembleia por não ter sido convocada, resulta desde logo daí e também do que se deixou anteriormente exposto o seu interesse em agir ao pedir a nulidade das deliberações tomadas na mencionada assembleia.
Termos em que improcede também tal exceção arguida pela Administração do Condomínio.
*
Caso julgado

Assim, e em suma, o decidido na referida ação não se impõe nos presentes autos, nem tão pouco a título prejudicial, não se verificando, por conseguinte, a autoridade de caso julgado invocada pela administração do condomínio.
Improcede também tal exceção.
*
Caducidade do direito de propor a ação
Nos termos do artigo 1433º n.º 1 do Código Civil, as deliberações da assembleia contrárias à lei ou regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Preceitua ainda o n.º 4 de tal preceito que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária eventualmente convocada pelo condómino ausente nos termos do n.º 2 de tal preceito ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias contados sobre a data da deliberação.
Este prazo de 60 dias conta-se a partir da data de deliberação e não da data de comunicação da deliberação ao condómino ausente - veja-se a este respeito e a título exemplificativo o Acórdão do STJ de 19/06/2019, relatora Fátima Gomes, processo nº 3125/17.0T8VIS.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
Defende a Autora, contudo, que a falta de convocatória para a assembleia que teve lugar no dia 07-02-2014 implica a aplicação do regime de nulidade das deliberações tomadas ao abrigo do artigo 286º do C. Civil, por violação de norma imperativa, entendendo, por conseguinte, não se aplicar o referido artigo 1433º do C. Civil.
Pese embora a convocatória seja efetivamente obrigatória como resulta do artigo 1432º do C. Civil, nos moldes aí devidamente estabelecidos, discorda-se do entendimento propugnado pela Autora.
Com efeito, como é referido por Pires de Lima e Antunes Varela - no Código Civil Anotado, volume III, Coimbra Editora, 1987, páginas 447 e 448 - só não cabem no âmbito do referido artigo 1433º do C. Civil as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa e que contenham normas de tutela do interesse e ordem pública, caso em que a sanção será efetivamente a nulidade nos termos do artigo 286º do C. Civil, invocável a todo o tempo.
Com efeito, como é referido pelos mencionados autores, se assim não fosse estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa, bastando que nenhum deles impugnasse tais deliberações, por não ter interesse nisso, e assim tal implicaria a derrogação de normas de interesse público.
Dizem ainda tais autores que também sairá do âmbito da norma as situações em que a assembleia extravasa as suas competências, ou seja, quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos relativamente aos quais não lhe cumpre conhecer ou deliberar, caso em que as referidas deliberações não poderão ser tidas como anuláveis, nos termos do mencionado artigo 1433º, mas sim, e desde logo, como ineficazes.
Deste modo a falta de convocatória ou a irregularidade da convocatória para a assembleia de condóminos implica que as deliberações nela tomadas sejam anuláveis nos termos do artigo 1433º do C. Civil, aplicando-se, por conseguinte, o prazo de caducidade previsto no n.º 4 do mencionado preceito.
Verifica-se assim que o direito da Autora de pedir a anulação das deliberações da assembleia de 07-02-2014 caducou 60 dias depois, tendo assim tal direito se extinto muito antes da propositura da presente ação.
...” (sic).
4. Discussão jurídica da causa.
4.1. A decisão que indeferiu a apresentação da resposta da Autora à nova contestação por excepção de caducidade apresentada pelo Réu Condomínio é ou não nula?
4.1.1. Ao iniciar a análise crítica das questões que constituem o objecto deste recurso, compete sublinhar que, não tendo sido apresentada qualquer impugnação da factualidade declarada provada na acção, pode esse elenco de acontecimentos - a chamada verdade formal do processo - ser considerado definitivamente assente nestes autos, sendo que, recorda-se, essa é a única matéria de facto que pode sustentar a decisão do concreto pleito que a este Tribunal Superior cabe dirimir.
Ou seja, o escrutínio do objecto da apelação circunscreve-se à discussão de matérias de Direito, sendo que aquilatar se uma determinada decisão é ou não nula é, inegavelmente, uma questão de Direito e não de facto.
E porque assim é, importa, então, enunciar os princípios que, como habitualmente e também neste caso, irão nortear o julgamento desta Relação, critérios esses que se aplicam integralmente à construção da solução jurídica a dar à questão enunciada em epígrafe (nulidade de decisão judicial) e não apenas ao conhecimento de mérito quanto ao fundo material da causa.
4.1.2. No cumprimento do desiderato agora referenciado, é absolutamente indispensável, logo à partida, acentuar, de forma muito veemente, que, em todas as situações e circunstâncias, a Constituição da República - a Lei Maior do País - é o primeiro dos “Códigos” de que um Juiz, seja qual for a instância em que exerce funções, se deve socorrer para construir a solução jurídica do pleito submetido ao seu julgamento.
Isso não apenas porque alguns direitos nela consagrados são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (art.º 18º n.º 1 dessa Lei Fundamental) - ou seja, não carecem de uma qualquer transposição para a Lei ordinária para serem vinculativos -, mas também porque os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (idem, art.º 16º n.º 2 - sublinhado que não consta do texto do normativo agora transcrito) - isto é, nunca qualquer comando de uma Lei ordinária pode ser interpretado com um sentido que, ainda que apenas de forma limitada, derrogue ou limite a compreensão/extensão lógica e ontológica de um direito fundamental constitucionalmente protegido e assegurado.
4.1.3. De igual modo, é também indispensável deixar muito claro que o direito a ver integralmente cumprido o ritual processual legalmente estabelecido (ou, para usar a mundialmente conhecida expressão em língua inglesa, o due process of law, o que se faz porque foi nesse ambiente cultural /jurídico que o conceito foi construído e apresentado pela primeira vez) e o direito ao contraditório constituem pilares estruturantes fundamentais para assegurar, na prática quotidiana (Law in action), que não apenas na proclamação que consta de inúmeros diplomas legislativos (Law in books), a satisfação do direito a um julgamento leal, não preconceituoso e mediante processo equitativo, razão pela qual os mesmos dão corpo a Princípios Éticos sem cuja real e efectiva consagração não existe, por mais que se afirme o contrário.
Porém e para além disso, não pode igualmente deixar de ser repetido que, como é sabido [ou melhor e novamente, como não pode ser ignorado - art.º 6º do Código Civil], seja qual for o tipo de processo ou processado incidental em causa, a interpretação de uma qualquer norma jurídica, seja ela de natureza substantiva ou adjectiva, tem forçosamente que obedecer aos critérios consubstanciados nos três números do art.º 9º do Código Civil, considerados na sua globalidade, aos quais acrescem, para a construção do conceito “solução mais acertada” - de facto e mais exactamente, a solução ética e socialmente mais acertada -, as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicas e sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição).
4.1.4. Aliás, por assim ser e especialmente por via do disposto no n.º 1 do art.º 9º do Código Civil, o que aos Juízes se exige é que, os mesmos, seja qual for a instância em que exercem funções, tenham consciência de que nenhum comando legislativo do Ordenamento Jurídico do País, e muito menos uma parcela de algum deles, pode ser interpretado isoladamente, e mais do que isso, que esses Julgadores actuem em coerência com essa consciência - na verdade, uma imposição legal.
Por muito que muitos queiram sustentar o contrário, como resulta clara e inequivocamente do estatuído no n.º 1 do art.º 9º do Código Civil [“a unidade do sistema jurídico”], o Ordenamento Jurídico é uno, o que significa que nenhum normativo desse Ordenamento (aí considerando, em igualdade de circunstâncias para os diplomas de igual dignidade institucional, os dispositivos constantes de instrumentos legais internacionais aplicáveis em Portugal mas também as normas que regulam a tramitação dos processos que correm termos perante os Tribunais Judiciais) pode alguma vez ser interpretado isoladamente.
Que seja permitida uma figura de estilo: o Ordenamento Jurídico é um continente, não um arquipélago (ou sequer uma soma de arquipélagos).
Tudo isto porque, efectivamente, para garantir a salvaguarda da solidez do tecido social comunitário é absolutamente necessário que a interpretação manifestada nas decisões (ou deliberações) judiciais seja aquela que não só traduz a essa solução ético-socialmente mais acertada mas também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty), as quais constituem igualmente Valores ético-sociais da maior relevância, pois a segurança e a confiança são condições indispensáveis ao normal funcionamento do comércio jurídico e, mais do que isso, da própria vida em sociedade.
4.1.5. Mais acresce ao agora referido que aqueles que têm como função (e querem) buscar e administrar a Justiça nos casos concretos, devem/têm de ter sempre em conta a natureza de certas coisas (v. Pedro Pais de Vasconcelos in “Última lição: A Natureza das Coisas” - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 16 de maio de 2016), porquanto “a realidade das coisas” (ou seja, a realidade material da vida quotidiana tal como ela verdadeiramente é), não pode ser ignorada ou desprezada já que essa materialidade objectiva acaba sempre por se impor a todos, mesmo àqueles que fingem que ela não existe, sendo certo que, quando uma tal descuidada e desadequada visão/representação dos factos prevalece ou se torna preponderante, é a tutela da certeza e da segurança jurídicas que é posta em perigo e, no final, é a protecção dos direitos de todos aqueles que interagem no comércio jurídico que está a ser desconsiderada.
Até porque, não é por acaso que o dever de administrar a Justiça em nome do Povo está inscrito no n.º 1 do art.º 202º da Constituição da República e não no n.º 2 desse comando dessa Norma Maior, sendo que, em matérias de interpretação e aplicação da Lei e do Direito, a ordem dos factores não é arbitrária, sendo, portanto, essa a primeira obrigação estatutária dos Juízes, o que significa que a actividade hermenêutica a operar sobre as normas legais que compõem o Ordenamento Jurídico tem, necessária e forçosamente que subordinar-se a esse objectivo de administração a Justiça e não o inverso.
Há realmente na Hierarquia de Valores Éticos que a Comunidade definiu para guiar e balizar a conduta de todos os membros que a integram Valores/Princípios ontológicos - que, por sua vez, como ensina o art.º 335º do Código Civil, estão subjacentes e legitimam os direitos que aqueles que interagem no comércio jurídico podem exercer - que têm uma dignidade ética e social superior à de outros e essa hierarquia é definida pela ordem com que os vários direitos são enunciados nos artigos da Constituição da República e, num mesmo artigo, pelo número que os referencia.
4.1.6. Outrossim, na apreciação de um qualquer conflito submetido ao julgamento do Tribunal, não pode ser negligenciado que um dos Valores Éticos mais relevantes para um adequado e saudável funcionamento das Comunidades Sociais organizadas e que emparelha com aqueles atrás referenciados, é o Princípio da Proporcionalidade - cuja aplicação criteriosa é indispensável no julgamento de todos os conflitos (isto é, em todas as interpretações e aplicações da Lei), mas ao qual se torna necessário recorrer em todas as circunstâncias e não apenas quando, para operar a construção da solução jurídica da lide, há que proceder à aplicação de juízos de equidade, sendo que, como adiante melhor ficará esclarecido, esta perspectiva ontológica (ou mundivisão) tem uma importância fulcral o julgamento da presente lide.
De facto, o Princípio da Proporcionalidade constitui, sem sombra de dúvida, um dos pilares fundamentais não apenas do Estado de Direito e do normal funcionamento da Sociedade, mas sim da Civilização, tal como esse conceito é concebido na área do Mundo que é vulgarmente designado “o Ocidente” - havendo, todavia que assinalar que a primeira menção historicamente conhecida a esse principio esteja referenciada ao Código da Hamurabi [ou Khammu-rabi, em língua babilónica] que se acredita que terá sido escrito/compilado na Mesopotâmia por esse rei sumério, aproximadamente em 1772 a.C.; trata-se da famosa, mas infelizmente tão injustamente vilipendiada, Lei ou Princípio de Talião (“olho por olho, dente por dente”) - e, apesar de não existir uma norma constitucional que expressamente se refira a esse Princípio, são várias as manifestações do mesmo que estão subjacentes a vários dos comandos jurídicos que constam dessa Lei Maior.
A título de mero exemplo, podem ser mencionados o n.º 2 do art.º 26º e o n.º 2 do art.º 18º da Constituição da República e, de certa forma, ao fazer referência ao conceito de “justa indemnização”, também o n.º 2 do art.º 62º desse mesmo Diploma Fundamental, sendo que ainda mais do que na Constituição da República, é no n.º 1 do art.º 335º do Código Civil («Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.») que esse princípio encontra uma total consagração.
Em síntese, de acordo com esse postulado várias vezes milenar, nada deve ser feito, também no campo do Direito (ou em especial nele), que ultrapasse a “justa medida”, sendo que é essa “justa medida” que, forçosamente, se tem de alcançar - ou, no mínimo, procurar alcançar - ao ponderar nesta instância recursória, de modo global, quais os efeitos decorrentes do feixe de obrigações cruzadas a que estão respectivamente vinculados todos os intervenientes na relação material controvertida espelhada neste processo e bem assim o peso e valorização legal, ética e social dos deveres que cada uma das partes tem para cumprir no âmbito dessa interacção litigiosa.
4.1.7. Em último lugar, nesta parte introdutória, importa insistir, porque, repete-se, nunca será demais fazê-lo, que, quando está em causa apurar a exigibilidade das condutas dos intervenientes numa dada relação material controvertida ou lide e bem assim tentar encontrar as razões que os levaram a agir nos termos em que o fizeram [ou mais exactamente, tanto quanto esses actos ou comportamentos resultaram provados no processo], é eticamente exigível que o Julgador a quem cabe dirimir o litígio pondere todos os elementos que constam do processo usando uma razoabilidade adequada operada sempre tendo por base raciocínios de experiência comum e de bom senso conformes ou referenciáveis à normal diligência de um/a bom pai/boa mãe de família, instituto jurídico que constitui a corporização ficcionada dos Valores ou Princípios Éticos estruturantes e conformadores da Comunidade inscritos nos artºs 334º e 335º do Código Civil, e que, de igual modo, serve de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade.
Ou seja, exige-se ao concreto Julgador que escalpelize muito cuidadosamente as várias condutas em causa nos autos e que o faça (para usar um conceito originário da cultura jurídica francesa) sem paixão, ódio ou rancor e também (para usar novamente uma expressão muito querida da cultura jurídica anglo-saxónica) sem preconceitos ou ideias pré-concebidas.
Já no que tange às partes e a quaisquer outros intervenientes na tramitação processual, como já antes se referiu, mas nunca será demais repetir, o que se exige é que as mesmas estejam bem cientes que litigar em Juízo constitui uma actividade com um elevado conteúdo ético e, ao mesmo tempo, de uma enorme responsabilidade social, não podendo, por isso, ser conduzida de ânimo leve ou com leviandade e ligeireza, e que, no exercício dos seus direitos legais, estão indiscutivelmente vinculadas aos deveres de boa-fé processual e de recíproca correcção, e bem assim ao princípio da cooperação previstos nos já citados artºs 8º, 9º e 7º do CPC 2013.
Todavia e não menos importante, repete-se, há que deixar bem claro que os intervenientes em qualquer procedimento a correr termos perante um Tribunal têm o direito a ver integralmente cumprido o ritual processual expressa e antecipadamente previsto por Lei e por todos conhecido e aceite (ou due process of law), que, por sua vez, constitui um dos pilares estruturantes do direito a um julgamento leal, não preconceituoso - fair and unbiased, para usar a expressão consagrada na Lei e na Jurisprudência dos países da Common Law - e mediante processo equitativo que está garantido e assegurado a todos os que interagem no comércio jurídico (e está-o com força obrigatória directa - art.º 18º n.º 1 da Constituição da República) não apenas pelo estatuído no n.º 4 do art.º 20º da Constituição da República, mas também pelas disposições conjugadas dos artºs 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa.
Deste modo e em síntese, a interpretação da compreensão/extensão lógica da previsão normativa dos comandos jurídicos aplicáveis à situação em apreço será a resultante da aplicação conjugada de todos esses Princípios Éticos antes referenciados nesta deliberação colegial.
4.1.8. Aplicando os pressupostos ontológicos anteriormente referenciados à análise da concreta situação jurídica submetida ao julgamento, em sede de recurso, deste Tribunal Superior através do presente processo, e como já antes se referiu, importa aquilatar, em primeiro lugar, se a decisão que indeferiu a apresentação da resposta da Autora à nova contestação por excepção de caducidade apresentada pelo Réu Condomínio é ou não nula.
Como é sabido e não pode ser ignorado, que, de acordo com o estatuído no n.º 1 do art.º 615º do CPC 2013 [norma que, mercê do disposto no n.º 3 do art.º 613º do mesmo Código, se aplica, com as necessárias adaptações, aos despachos], é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Não é, todavia, ao abrigo dessa disposição legal que a apelante alega que a decisão cujo mérito neste momento se sindica é nula; de facto, a recorrente invoca que as normas violadas são o n.º 4 do art.º 3º e o n.º 1 do art.º 195º do CPC 2013.
Acontece, porém, que a argumentação desenvolvida pela Mma Juíza a quo é perfeitamente sustentável, porquanto, é inegável que o processado anterior ao despacho anulado por este Tribunal Superior em 21/12/2018 não foi anulada ou declarada sem efeito - porque efectivamente não tinha de o ser.
Todavia, para além disso, o articulado de resposta apresentada pela Autora que tem a referência 31851744 também não foi desentranhado ou declarado sem efeito, antes tendo sido proporcionada à mesma a oportunidade de, na audiência prévia, voltar a criticar a nova defesa por excepção deduzida pelo Réu Condomínio no seu articulado de contestação que tem a referência 31734479.
Tudo isto sendo certo que essa demandante pode livremente apresentar nas suas alegações de recurso os seus argumentos - isto é, todos os argumentos que quis apresentar -, não tendo, portando, sofrido com isso qualquer prejuízo no que tange ao seu direito de defesa, e bem assim sendo inegável que nenhum Juiz está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (n.º 3 do art.º 5º do CPC 2013).
Portanto e em suma, quanto muito (e nem sequer é esse o caso, porque este Tribunal Superior considera que o entendimento perfilhado pela Mma Juíza a quo é perfeitamente compaginável com a compreensão/extensão lógica da previsão normativa do comando legal em causa) teria ocorrido um erro de julgamento na interpretação do alcance ou abrangência conceptual da norma consubstanciada no n.º 4 do art.º 3º do CPC 2013, situação que, em termos lógicos e legais, é totalmente distinta e perfeitamente distinguível de uma nulidade processual.
E, acima de tudo, insiste-se, dessa interpretação do estatuído nesse n.º 4 do art.º 3º do CPC 2013 não resultou qualquer prejuízo definitivo para a Autora/apelante, muito menos teve a mesma uma qualquer influência no exame e na decisão da causa.
O que significa que não pode de todo proceder a pretensão da apelante a que se reportam as conclusões I a III das alegações de recurso dessa litigante.
4.1.9. Em suma e com os fundamentos antes enunciados, julgam-se totalmente improcedentes as conclusões I a III das alegações de recurso da apelante e, consequentemente, declara-se que não é nula a decisão que limitou o âmbito da resposta da Autora apresentada na audiência prévia à nova contestação por excepção de caducidade apresentada pelo Réu Condomínio.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.2. A interpretação do art.º 1433º n.º 1 do Código Civil com o sentido de que no âmbito e alcance desta disposição legal cabe a anulabilidade das decisões tomadas na assembleia geral de condóminos para a qual a Recorrente não foi convocada viola ou não o disposto nos artºs 18º n.º 3, 61º n.º 1, 62º n.º 1 e 204º da Constituição da República e 70º n.º 1 b) e 72º n.º 2 da LTC?
4.2.1. Estando definido que não é nulo o despacho interlocutório ditado para a acta na audiência prévia em momento anterior à prolação, também nessa diligência, da decisão com valor de sentença recorrida, e tendo em conta o ordenamento de matérias enunciado no ponto 2. do presente acórdão, estabelecido, repete-se, por razões de ordem lógica e ontológica (mas também legal - art.º 608º n.º 1 do CPC 2013), o escrutínio das questões que constituem o objecto do recurso intentados contra aquele sentenciamento da lide lavrado em 1ª instância, tem forçosamente que prosseguir com a análise crítica das alegação deduzidas pela apelante contra a interpretação da compreensão/extensão lógica e ontológica do que está previsto no n.º 1 do art.º 1433º do Código Civil que foi feita naquele recorrido despacho saneador com valor de sentença proferido pela Mma Juíza a quo, interpretação essa que é por essa litigante apodada de inconstitucional.
Em defesa dessa sua tese, a recorrente faz apelo a diversos tipos de situações em que a aquisição de uma fracção autónoma de um imóvel constituído em propriedade horizontal tem essencialmente uma natureza de investimento de capital e afirma nomeadamente que “… é imperativa a convocatória no âmbito e alcance da protecção constitucional devida e proporcionada num eventual conflito de direitos fundamentais (e segundo o princípio da convergência prática), à iniciativa económica e propriedade privada (cfr. artºs 18º/3, 61º/1 e 62º/1 CRP)”.
Para essa apelante está em causa nestes autos não as deliberações tomadas na assembleia de condóminos, mas sim um momento temporalmente anterior a essa reunião, a saber: a convocatória da mesma.
E, continua a recorrente, em termos conceptuais, esses actos (a convocação da assembleia, por um lado, e as deliberações tomadas durante o decurso da mesma, por outro) são totalmente distintos e inconfundíveis.
O que, para este Tribunal Superior, constitui uma verdade indiscutível, sendo igualmente inegável que esta é uma das questões a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 672º do CPC 2013 e que permitem a dedução de recurso de revista excepcional.
4.2.2. Mas, retomando a discussão jurídica da matéria neste momento em apreço, havendo previamente que sublinhar, para que dúvidas não se suscitem, que os pressupostos de julgamento enunciados nos antecedentes pontos 4.1.2. a 4.1.7. do presente acórdão se aplicam integralmente e sem qualquer restrição ao que agora se escrutina, merecendo a concordância deste Colectivo Decisor a exercer funções na Relação de Lisboa a afirmação de que a omissão de convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos  consubstancia uma conduta que é, em termos conceptuais - lógicos e ontológicos -, totalmente inconfundível e distinta de uma deliberação aprovada numa tal assembleia e não existindo no Código Civil uma norma que expressamente regule e estabeleça os efeitos de um tal comportamento omissivo, porque o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (art.º 8º n.º 1 do Código Civil), forçoso se torna encontrar uma solução jurídica para essa situação litigiosa.
Na prossecução desse desiderato, é indispensável recordar que, nos termos do disposto no art.º 294º do Código Civil, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, tudo isto sendo certo que, por força do estatuído no art.º 295º do mesmo Código, aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.
O que é o caso, porque a convocação de um condómino para uma assembleia de condóminos é, sem lugar para qualquer dúvida, um acto jurídico.
Por outro lado, como estabelecem, respectivamente, os nºs 2 e 1 do art.º 280º ainda do Código Civil, também aplicáveis à regulação dos efeitos dos actos jurídicos, cometidos ou omitidos, são nulos os negócios jurídicos contrários à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, sendo também nulos os negócios jurídicos cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, não se aplicando aqui a ressalva prevista no art.º 281º (Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes), porque, repete-se, o que está em causa nestes autos é um acto jurídico unilateral (apesar de receptício).
E estes normativos são suficientes para substanciar a construção da solução jurídica do conflito submetido ao julgamento deste Tribunal Superior, sem necessidade de recorrer ao estatuído na alínea a) do n.º 1 do art.º 56º do Código das Sociedades Comerciais, pela simples e muito singela razão de que uma assembleia de condóminos não é, de todo (também em termos conceptuais), uma assembleia geral de uma sociedade comercial.
4.2.3. Claro que as objecções apontadas na decisão recorrida (mas não nas partes em que cita abalizados Doutrinadores como são Pires de Lima e Antunes Varela, porque essas afirmações são inconclusivas e, com todo o respeito, dão corpo a um vício lógico chamado petição de princípio - dá-se por demonstrado o que se visa demonstrar) são merecedoras de cogitação: se a omissão em causa for considerada uma falta sancionada com a nulidade do acto e, nos termos do art.º 286º do Código Civil, a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, os demais condóminos e o próprio Condomínio em si, estariam reféns da vontade do condómino não notificado/convocado para a assembleia.
Mas a essa afirmação pode, por sua vez objectar-se que é eticamente indefensável e socialmente muito grave omitir um acto com essa dignidade institucional e legal - porque essa não convocação priva um condómino da possibilidade de participar na assembleia defendendo os seus interesses legítimos e os seus direitos, o que constitui uma falha inaceitável nas Sociedades que se organizam segundo o modelo do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da Republica), tanto mais que o direito à propriedade e à iniciativa privadas são direitos fundamentais de todas as pessoas, estando como tal reconhecidos, respectivamente, nos artºs 62º e 61º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 17º da já antes referenciada Declaração Universal dos Direitos Humanos.
E é exactamente porque esses direitos têm esse mais elevado nível de protecção ética, institucional e legal (constitucional), que a sua violação constitui uma ofensa à ordem pública e aos bons costumes.
Ou será que alguém ousa configurar como um bom costume não contrário à ordem pública violar impunemente direitos fundamentais consagrados em Diplomas Maiores vinculativos não apenas nacionais, mas mundiais, como são a Constituição da República Portuguesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (sendo que esta última constitui direito interno por força do estatuído no art.º 8º daquela Constituição)?
E acresce a tudo isto, como nunca poderá ser esquecido, que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), ou seja, são vinculativas para as entidades públicas e privadas sem necessidade da intermediação do direito ordinário.
4.2.4. Finalmente, para impor barreiras a comportamentos abusivos por parte desses condóminos não convocados para a assembleia de condóminos do imóvel dividido em propriedade horizontal, estabelece a Lei os suficientes limites consagrados no art.º 334º do Código Civil, cuja epígrafe é “Abuso do direito” e no qual se estatuí que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
E, para este Tribunal da Relação de Lisboa, esta é, nas presentes circunstâncias, a solução ético-socialmente mais acertada [e constitucionalmente sustentada] no que concerne à interpretação de todos os normativos reguladores em referência, e bem assim aquela que tem em atenção a natureza das coisas, sendo, de igual modo e mais uma vez, também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty), e da ética da responsabilidade a que já antes se aludiu, e que, como foi referido, constituem alguns dos mais importantes pilares estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito.
Ou seja, esta é a solução que permite, a todas as partes, incluindo a Requerente, um mais eficaz exercício do já abundantemente referenciado direito a um julgamento leal, não preconceituoso e mediante processo equitativo que lhes está constitucionalmente assegurado e garantido, tal como acontece com todas as entidades que interagem no comércio jurídico.
Deste modo, e para este Tribunal Superior, o julgamento da 1ª instância não assenta numa acertada actividade hermenêutica, o que significa que o mesmo não dá corpo à solução ético-socialmente mais acertada [e constitucionalmente sustentada] no que concerne à construção da solução deste litígio agora apreciado, nomeadamente por não ser aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e da confiança jurídicas (legal certainty) e bem assim, não ser aquela que é mais conforme com a ética da responsabilidade que, repete-se, deveria ser apanágio de todos os que interagem no comércio jurídico - e que a eles tem de ser exigida porque a mesma lhes é exigível à luz dos Valores e Princípios estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito -, Valores esses que tão necessários são para a manutenção da consistência do tecido social comunitário, razão pela qual não pode ser sufragada por esta Relação, havendo, ao invés, que proceder à sua revogação.
4.2.5. E tanto basta para justificar este decretamento respeitante ao litígio submetido à apreciação deste Tribunal Superior, sendo dispensável, por tal ser inútil, impertinente e dilatório, a apresentação de uma mais extensa argumentação fundamentadora dessa conclusão tão evidente e tão simples de formular.
Na verdade, seja qual for a instância em que exercem a sua actividade estatutária, a função institucional e social dos Juízes é a de dirimir os conflitos que realmente existam e sejam submetidos ao seu julgamento e na exacta medida do que é necessário e indispensável à resolução desses conflitos ou litígios (art.º 608º n.º 2 do CPC 2013, que corresponde ao n.º 2 do art.º 660º do entretanto revogado CPC 1961), sendo sua estrita obrigação não só não praticar como, ao mesmo tempo, impedir a prática nos processos de actos inúteis, impertinentes e dilatórios.
Ou seja e dito de outro modo, no exercício dessa sua função constitucional, devem os Juízes, no mínimo, ter sempre presente o Princípio da Parcimónia ou Navalha de Occam (ou de Ockham), postulado lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu entre 1287 e 1347 dC, que enuncia que “as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade”, sendo, neste caso, as “entidades” os passos lógicos do silogismo judicial através dos quais se opera a subsunção dos factos provados na previsão das normas que regulam a concreta relação material controvertida.
O que significa que nas decisões e deliberações judiciais deve ser evitado tudo o que não seja necessário ao julgamento do real e efectivo objecto do litígio submetido ao julgamento do Tribunal em qualquer das suas instâncias, mais se devendo ter sempre em mente que é a Lei e não a doutrina ou sequer a jurisprudência (o instituto dos Assentos desapareceu há muito do universo que constitui o Ordenamento Jurídico português) que reconhecem e atribuem direitos a todos aqueles que, pessoas físicas/singulares ou pessoas colectivas, interagem no comércio jurídico.
4.2.6. Em suma e com os fundamentos antes enunciados, julgam-se procedentes as conclusões X e XVI das alegações de recurso da apelante e, consequentemente, declara-se inconstitucional a interpretação do n.º 1 do art.º 1433º do Código Civil com o sentido de que o mesmo é aplicável à regulação dos casos de não convocação de um condómino para a assembleia de condóminos de um determinado imóvel.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
4.3. A decisão que absolveu os Réus do pedido viola ou não o estatuído nos artºs 286º e 1432º n.º 1 do Código Civil e 56º n.º 1 a) do CSC?
4.3.1. Face ao decretado no antecedente ponto 4.2. do presente acórdão, bem pouco cabe argumentar quanto ao objecto do recurso intentado pela apelante.
Na verdade (e repetindo-se aqui que os pressupostos de julgamento enunciados nos antecedentes pontos 4.1.2. a 4.1.7. do presente acórdão se aplicam integralmente e sem qualquer restrição ao que agora se escrutina), uma vez que está assente que à regulação do presente litígio não se aplica o estabelecido no n.º 1 do art.º 1433º do Código Civil, mas sim e mercê do disposto no art.º 295º desse mesmo Código, o que se encontra estatuído nos artºs 294º e 280º nºs 2 e 1 ainda desse diploma legal (logo também não o previsto no art.º 56º n.º 1 a) do CSC), fácil se torna concluir que não caducou o direito da Autora a instaurar a presente acção e que, portanto, se impõe determinar o prosseguimento da tramitação da lide.
O que terá de ser realizado em conformidade com o disposto, pelo menos, nos nºs 1 e 2 do art.º 6º e no art.º 595º, ambos do CPC 2013, tudo com vista a alcançar o julgamento leal e não preconceituoso (fair and unbiased) e mediante processo equitativo do objecto da acção [isto é, aquela em que todos possam usufruir de uma lide cuja tramitação obedeça ao ritual processual expressa e antecipadamente previsto na Lei (ou, para usar, uma vez mais, a referência em língua inglesa, o due process of law)], que lhe está garantido e assegurado, como a todos os que interagem no comércio jurídico, mercê do estatuído nos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa.
Aliás, como está garantido a todos os que interagem no comércio jurídico) o direito ao pleno reconhecimento de que “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação” (art.º 2º n.º 2 do CPC 2013).
E, sublinha-se uma vez mais, esses são direitos que a todos estão reconhecidos e garantidos com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República).
Em suma, ao ser proferida a decisão recorrida, foi operada uma violação do estatuído nas disposições conjugadas dos normativos do Código Civil atrás indicados, razão pela qual se impõe, naturalmente, a revogação da mesma.
E, uma vez mais por aplicação do já anteriormente aludido “Princípio da Parcimónia”, tanto basta para fundamentar este julgamento agora concretizado nesta Relação de Lisboa.
4.3.2. E, novamente, a posição assumida por este Tribunal Superior, agora no que tange à matéria que agora se aprecia, é não apenas a solução ético-socialmente mais acertada no que concerne ao desfecho da lide mas também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty) e bem assim, o que veementemente se assinala, aquela que é mais conforme com a ética da responsabilidade que deveria ser apanágio de todos os que interagem no comércio jurídico - e que a todos eles tem de ser exigida porque a mesma lhes é exigível à luz dos Valores e Princípios estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito.
Ao contrário do que é proclamado e praticado por positivistas e neopositivistas, uma norma só é “Direito” se consubstanciar e der corpo a um Valor Ético que através dela se manifesta - e é isso que justifica o determinado no art.º 335º do Código Civil.
E, sobretudo, convém nunca esquecer que a função institucional que justifica a existência social dos Juízes e a atribuição aos mesmos da categoria de (e a responsabilidade de serem) titulares de um Órgão de Soberania é a de administrar a Justiça em nome do Povo (art.º 202º n.º 1 da Constituição da República).
Administrar a Justiça, repete-se, e não cumprir programações que visam apenas alcançar resultados estatísticos que escondem a realidade profunda da tal “natureza das coisas” e que, demasiadas vezes, impedem que esse desígnio constitucional seja sequer minimamente alcançado.
4.3.3. Deste modo e em conclusão, pelas razões supra expostas (e não com fundamento em quaisquer outras), revoga-se, na íntegra, o segmento recorrido do despacho saneador com valor de sentença objecto da apelação cujo mérito neste acórdão foi sindicado e, em sua substituição, julga-se improcedente a exceção de caducidade do direito da Autora suscitada pelos Réus e determina-se o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos, para apreciação das demais questões jurídicas suscitas pelas partes na presente acção.
O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
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5. Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados no ponto 4. do presente acórdão, julga-se, no essencial improcedente, a apelação e, consequentemente.
a) declara-se que a decisão recorrida não é nula;
b) declara-se que é inconstitucional a interpretação do disposto no art.º 1433º n.º 1 do Código Civil que é feita no segmento recorrido do despacho saneador com valor de sentença objecto da apelação deduzida pela Autora; e
c) revoga-se o segmento recorrido do despacho saneador com valor de sentença proferido em 1ª instância no presente processo e, em sua substituição, julga-se improcedente a exceção de caducidade do direito da Autora suscitada pelos Réus e determina-se o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos, para apreciação das demais questões jurídicas suscitas nesta acção pelas partes em litígio.
Custas pela apelante e pela apelada que apresentou contra-alegacões, na proporção de 1/4 para a primeira e 3/4 para a segunda.

Lisboa, 26/01/2021
Eurico José Marques dos Reis
Ana Maria Fernandes Grácio
Maria do Rosário Pita Pegado Gonçalves