Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5447/2006-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NOTIFICAÇÃO
PRAZOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I - Embora necessário um despacho a declarar interrompida a instância, esse despacho é meramente declarativo e não constitutivo. Assim, a interrupção não nasce com o despacho que a declare, devendo ser entendida como valendo desde que se perfez o tempo, a que a lei se refere, de paragem da marcha do processo.
II - O despacho que declare interrompida a instância não é de mero expediente, devendo ser notificado às partes; porém, a referida notificação apenas servirá para dar conhecimento às partes da situação declarada, habilitando-as à reacção que, em concreto, tiver cabimento, não sendo de aceitar a afirmação segundo a qual aquele despacho só vigoraria a partir da sua notificação às partes.
III - O prazo para a deserção da instância não começa a contar-se a partir do trânsito em julgado – que pressupõe a prévia notificação às partes – do despacho que declare a interrupção, mas sim desde que se perfez o prazo de paragem da marcha do processo previsto no art. 285 do CPC (um ano e um dia).
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Na acção executiva para pagamento de quantia certa que a «Caixa Económica de Lisboa, anexa ao Montepio Geral» intentou contra B., Bb. e Bbb. agravou a exequente do despacho que indeferiu o seu pedido de prossecução da execução mediante a realização de diversas diligências, considerando encontrar-se a instância deserta desde 3-7-2002.
Concluiu a agravante nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. À exequente não foi notificado qualquer despacho de interrupção da instância;
2. Nos termos do artigo 291° do C.P.C., para que fosse julgada deserta a instância era necessário que se tenha verificado a interrupção da instância e, após a interrupção, o prazo de cinco ou dois anos, consoante a legislação aplicável à data;
3. A interrupção não opera "ope legis" começando-se a contar o prazo para a deserção a partir da efectiva interrupção, por trânsito em julgado do respectivo despacho que a declare como tal;
4. A jurisprudência e a doutrina são abundantes na interpretação segundo o qual o prazo da deserção é um prazo processual, produzindo-se esse efeito processual logo que decorrido o prazo de interrupção da instância.
Em face do exposto, deverá o despacho recorrido ser revogado, determinando-se o prosseguimento da execução, nos termos requeridos pela exequente, assim se fazendo Justiça.
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II - Tendo em conta que de acordo com os arts. 684, nº 3, 690, nº 1, 660, nº 2 e 749, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, a questão que nos é colocada no presente recurso é a de se a falta de notificação às partes do despacho que declarou a interrupção da instância implica que não se verifique a deserção da mesma (começando a contar-se o prazo da deserção a partir do trânsito em julgado do despacho que declarou a interrupção).
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III - Com interesse para a decisão há que ter em conta as seguintes ocorrências no âmbito do processo:
1 – Em 17-2-99 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Nos termos do art. 871º do C. Proc. Civil, susto a execução».
2 – Tal despacho foi notificado à exequente em 17-3-1999.
3 – Em 18-10-99 os autos foram remetidos à conta.
4 – Em 27-10-99 o ilustre mandatário da exequente foi notificado da conta, tendo-lhe sido remetidas guias cujo pagamento foi efectuado pela exequente em 3-11-99.
5 - Em 8-11-99 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Aguardem os autos o decurso do prazo de interrupção da instância (art. 285º do C.P. Civil)».
6 – Em 3-7-2000 foi proferido despacho com o seguinte teor: «Declaro interrompida a instância (art. 285º do C.P. Civil)».
7 – Nenhum destes despachos (referidos em 5. e 6.) foi notificado às partes.
8 – Em 19-8-2004 a exequente fez dar entrada a requerimento em que solicitava que os autos prosseguissem, nomeando à penhora diversos bens e pedindo que fossem realizadas várias diligências.
9 – Foi proferido despacho em que, considerada deserta a instância face à sua interrupção por mais de dois anos, foi indeferido o requerimento formulado (despacho recorrido).
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IV- 1 - Consoante resulta da alínea c) do art. 287 do CPC, uma das causas de extinção da instância é a deserção. Ora, como dispõe o nº 1 do art. 291 do mesmo Código, «considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos».
Sobre a aludida interrupção rege o art. 285 do CPC, dizendo que «a instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento».
A interrupção da instância pressupõe, pois, que as partes – designadamente o A., requerente ou exequente – tenham o ónus do subsequente impulso processual e, tendo esse ónus, mantenham o processo parado durante mais de um ano, negligenciando a prática de acto do qual dependa o seu prosseguimento (1).
Reportando-se a lei a um juízo sobre a negligência das partes determinante da interrupção, teremos de concluir que a interrupção não opera automaticamente pelo decurso do prazo previsto no art. 285 do CPC; para o efeito carece-se de um despacho que declare a sua verificação, definindo a situação processual.
Porém, este «despacho não é determinativo da interrupção antes se limitando a constatar que a mesma se verificou sem que, contudo, tal signifique que só na sua data a interrupção tenha ocorrido. Trata-se de um despacho meramente declarativo…» (2).
Portanto, embora necessário um despacho a declarar interrompida a instância, esse despacho é meramente declarativo e não constitutivo. Deste modo, a interrupção da instância tem lugar não na data em que o despacho que a declara é proferido (ou na data em que esse despacho transita) mas quando decorrido o prazo previsto no art. 285 do CPC (3). A interrupção não nasce com o despacho que a declare, devendo ser entendida como valendo desde que se perfez o tempo de paragem da marcha do processo a que a lei se refere.
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IV – 2 - Referem-se os nºs 1 e 2 do art. 229 do CPC às notificações a efectuar pela secretaria, relativas a processo pendente. Entre estas encontram-se as dos despachos que «possam causar prejuízo às partes»; de fora ficam, apenas, os despachos de mero expediente que não designem data para a realização de qualquer diligência a que aquelas devam, ou possam, comparecer (4).
O despacho que declare interrompida a instância não é de mero expediente (ver o nº 4 do art. 156 do CPC) devendo ser notificado às partes; trata-se de um despacho recorrível (arts. 678 e 679 do CPC) .
A agravante – que, saliente-se, não alude à maior ou menor bondade daquele despacho no que tange à verificação dos pressupostos para a declaração de interrupção – estrutura a sua alegação de recurso sobre a (efectiva) falta de notificação do despacho em causa.
Vejamos.
Em consonância com a tese supra perfilhada relativamente à natureza do despacho que declara interrompida a instância a falta de notificação daquele despacho não terá os efeitos pretendidos pela agravante. A referida notificação apenas servirá para dar conhecimento às partes da situação declarada, habilitando-as à reacção que, em concreto, tiver cabimento, não sendo de aceitar a afirmação segundo a qual aquele despacho só vigoraria a partir da sua notificação às partes (5).
Portanto, ao contrário do que a agravante conclui, o prazo para a deserção não começa a contar-se a partir do trânsito em julgado – que pressupõe a prévia notificação às partes – do despacho que declare a interrupção da instância, mas sim desde que se perfez o prazo de paragem da marcha do processo previsto no art. 285 do CPC (um ano e um dia).
Assim, a deserção teria lugar, sem necessidade de despacho que a declarasse – a deserção opera “ope lege”, de forma automática - a partir do momento em que sobre a data da interrupção da instância decorresse o prazo que o art. 291 do CPC estabelece, sendo mero efeito do decurso desse prazo que, actualmente, é de dois anos.
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IV – 3 - Do exposto resulta, todavia, que a falta de notificação daquele despacho que declarou a interrupção da instância corresponderia a uma nulidade processual – à omissão de um acto que a lei prescreve, irregularidade com susceptibilidade de influir no exame e decisão da causa (art. 201 do CPC).
Embora a verificação de tal nulidade pudesse implicar a anulação dos termos do processo subsequentes à referida omissão – logo, de todos os termos do processo posteriores ao despacho que declarou interrompida a instância em 3-7-2000 – a verdade é que a mesma não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser arguida tempestivamente pela parte interessada (arts. 203 e 205 do CPC).
Ora, a agravante não arguiu tempestivamente – junto do tribunal de 1ª instância, onde teve lugar – a aludida nulidade da qual teve forçosamente conhecimento com a notificação do despacho de fls. 58 em que se refere textualmente que «por despacho proferido em 03-07-2000 foi declarada interrompida a instância» (sabendo a agravante que não fora notificada desse despacho). Saliente-se que era perante o juiz do processo e no prazo legal de dez dias que a dita nulidade deveria ter sido arguida (art. 205, nºs 1 e 3 e art. 153 do CPC).
Pelo que a mesma não pode relevar (6).
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IV – 4 - Revertamos para o caso dos autos, tendo em conta as posições assumidas em IV – 1) e IV – 2).
O tempo de paragem da marcha do processo a que o art. 285 se refere (mais de um ano) completou-se forçosamente antes do dia 3-7-2000, data em que foi proferido o despacho que declarou a interrupção, constatando os respectivos pressupostos (sublinhando-se, mais uma vez, que nenhuma alusão é feita pela agravante à eventual falta daqueles pressupostos).
A deserção opera “ope lege”, de forma automática, a partir do momento em que sobre a data da interrupção da instância decorra o prazo de dois anos estabelecido pelo art. 291 do CPC. Assim, em 3 de Julho de 2002 a instância encontrava-se deserta.
Deste modo, quando em 19-8-2004 a agravante apresentou requerimento em que solicitava que os autos prosseguissem, nomeando à penhora diversos bens e pedindo que fossem realizadas várias diligências, já a instância se encontrava extinta por deserção (art. 287-c) do CPC).
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V - Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela agravante.
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Lisboa, 14-9-2006



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1.-Ver Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», pag. 508.

2.-Acórdão do STJ de 8-6-2006, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , proc. nº 06A1519; no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do STJ de 12-1-1999, publicado no BMJ nº 483, pag. 167 e segs., especificando que «deve reconhecer-se ao despacho uma função meramente declarativa» e que «a interrupção não nasce com o despacho que a declare», bem como o acórdão do STJ de 29-4-2003, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , proc. nº 03A955.

3.-Assim, no acima referido acórdão do STJ de 12-1-1999, entendeu-se que a declaração de interrupção «deve ser entendida como valendo desde que se perfez aquele tempo de paragem da marcha do processo». No acórdão do STJ de 15-6-04, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , proc. nº 04A1992, defendeu-se que «tal despacho não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual, mas sem significar sequer que só na sua data a interrupção se tenha completado».

4.-Ver, a propósito, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, obra citada, pag. 379.

5.-Acórdão do STJ de 12-1-99, acima citado. Ver, igualmente, o acórdão do STJ de 16-6-2004, já anteriormente referido.

6.-Ver, a propósito, o acórdão do STJ de 13-5-2003, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , proc. nº 03A584.