Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35/07.2PJAMD.L1-5
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
PROVA DE RECONHECIMENTO
PROIBIÇÃO DE VALORAÇÃO DE PROVAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº O reconhecimento, efectuado em inquérito ou na instrução, com observância das exigências do art.147, do Código de Processo Penal, tem valor autónomo, não se encontrando sujeito ao regime da prova testemunhal e por declarações, devendo ser valorado como meio de prova em julgamento, nos termos do art.127, C.P.P., tenha-se ou não procedido à leitura do conteúdo do respectivo auto, estando subtraído à regra (do nº1 do art.355, C.P.P.) de que só valem em julgamento as provas produzidas em audiência;
IIº Ao contrário do que é afirmação corrente, a lei processual penal não proíbe o depoimento indirecto. Só a admissibilidade do “depoimento de ouvir dizer” justifica que haja um preceito legal (o artigo 129, do C.P.P.) a regular os termos em que pode ser produzido e valorado em julgamento o depoimento indirecto.
IIIº Ao abrigo do disposto nos arts.55, nº2, 249 e 250 do C.P.P., os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
IVº Nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio, desde que essas conversas não visem contornar ou iludir a proibição contida no nº7 do art.356, do C.P.P. e que seja respeitado o comando do art. 59, do mesmo diploma legal.
Vº O OPC que, no exercício das suas funções, encontra a vítima de um crime, não está impedido de, em audiência, relatar a conversa que nesse momento teve com a mesma, não cabendo essas declarações na previsão daquele art.356, nº7;
VIº A impossibilidade, de fazer comparecer em audiência a “testemunha-fonte” para ser inquirida, a que se refere o art.129, nº1, do C.P.P., não tem que ser absoluta, devendo ter-se por verificada quando os autos evidenciam que foram várias as diligências levadas a cabo para a localizar e fazer comparecer na audiência, mas tal não foi possível porque a mesma regressou ao seu país de origem, no continente africano;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

No âmbito do processo comum que, sob o n.º 35/07.2 PJAMD, corre termos pela 8.ª Vara Criminal de Lisboa, A..., B... e C..., devidamente identificados nos autos, foram submetidos a julgamento, por tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de rapto, um crime de roubo agravado e um crime de ofensa à integridade física simples, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 160.º, n.º 1, al. a), 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2 al. f), e 143.º, n.º 1, do Código Penal, sendo, ainda, imputada a prática, em autoria singular, ao C..., de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada (previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 22.°, 23.°, n.ºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 131.º e 132°, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e g), todos do Código Penal, e ao arguido B... quatro crimes de detenção de arma proibida previstos e puníveis pelo art.º 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio).
Por último, ao arguido D... foi imputada a prática, em autoria material e em concurso efectivo, de quatro crimes de detenção de arma proibida previstos e puníveis pelo art.º 86.°, n.º 1, alíneas c) e d), da citada Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, por acórdão de 13.04.2011 (fls. 1072 e segs.), o Colectivo de juízes decidiu:
Ø Absolver os arguidos A..., B... e C... dos crimes de rapto, roubo agravado e ofensa à integridade física simples, cuja prática, em co-autoria, lhes era imputada, e do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, imputado, em autoria singular, ao arguido C...;

Ø Condenar o arguido B... pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;

Ø Condenar o arguido D... pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punível pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

Inconformado, o Ministério Público, representado pela Sra. Procuradora da República naquela Vara Criminal, veio interpor recurso daquele acórdão para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação e condensados nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
………
                                                *
Os arguidos/recorridos responderam à motivação do recurso do Ministério Público e formularam as seguintes conclusões (em transcrição integral):

1-
2- …..

                                                *
Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer em que sufraga a posição e adere ao entendimento do Ministério Público na 1.ª instância, pois também se lhe afigura merecer reparo a decisão recorrida, que por isso não poderá manter-se.
No entanto, o recurso deverá ser julgado parcialmente procedente, pois que é no tribunal de 1.ª instância que deve proceder-se à determinação das penas (parcelares e única) para cada um dos arguidos, já que só assim fica garantido o duplo grau de jurisdição.  
                                                *
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
                                                *
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, e 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[2], sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso.
Conforme resulta das conclusões do recurso que ficaram transcritas, o recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto e essa impugnação assenta em três pontos:
§ (não) valoração de depoimento indirecto;
§ (não) valoração de prova por reconhecimento;
§ reapreciação da prova produzida em audiência.
As questões cuja apreciação é suscitada a este tribunal de recurso estão enunciadas de forma clara e consistem em saber se há alguma proibição de prova relativamente ao reconhecimento presencial de pessoas e ao depoimento indirecto e se o tribunal errou na apreciação e valoração da prova produzida em audiência.
Assim, o objecto do recurso em apreciação centra-se nas seguintes questões:
§ se existe algum obstáculo legal a que a prova por reconhecimento de pessoas, produzida na fase de inquérito do processo, seja aproveitada e valorada pelo tribunal de julgamento;
§ se e em que termos pode ser valorado o depoimento indirecto;
§ se o tribunal recorrido apreciou e valorou mal a prova produzida.

II – Fundamentação
Para uma correcta decisão, não só das questões colocadas à apreciação deste tribunal pelo recorrente, mas também de outras que se imponha conhecer, por serem de conhecimento oficioso, é fundamental conhecer a factualidade em que assenta a decisão proferida, pelo que aqui se reproduzem (ipsis verbis) os factos que o tribunal recorrido deu como provados e não provados:

Factos provados
1. Cerca das 22h00 do dia 21.02.07, E... foi atingido por um disparo de uma arma de fogo antes de chegar ao “Café P...”, na Rua Principal do …, tendo seguido depois de ambulância para o Hospital Amadora-Sintra, onde recebeu tratamento às feridas causadas na coxa pelo disparo.
2. Foi efectuada busca domiciliária à residência do arguido B..., sita na Rua do, onde habitava o arguido D..., tendo-se apreendido os seguintes objectos e valores:
3. No quarto do arguido D..., foi encontrado e apreendido: Uma pistola semi-automática, que examinada e testada a 692 a 701, conclui-se, ser de marca TANFOGLIO, de modelo GT 28, sem número de série visível, de origem italiana, constitui-se como uma arma de fogo de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-arnericana), resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma essencialmente de alarme, encontrando-se em boas condições de funcionamento; Um carregador de cor preta com as inscrições “CAL 8mm-FT” e “MADE IN ITALY” contendo no seu interior, - examinado a fls 201; Sete (7) munições, não deflagradas, de calibre 6,35m, com a inscrição “HP 6.35” que examinadas a fls 692 a 701, revelou tratar-se de munições, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), da marca HIRTENBERGER, de origem austríaca e testadas nas armas examinadas, verificando-se que se encontravam em boas condições de utilização, tendo deflagrado normalmente à primeira percussão; Uma embalagem de aerossol de cores preta, amarela e vermelha, com difusor de cor preta, e as dimensões aproximadas de 8.5 cm de altura e 3.5 cm de diâmetro. No rótulo apresenta as referências “ORIGINAL TW 1000, PEPPER-FOG, OLEORESIN OC CAPSICUM”, tratando-se de aerossol vulgarmente conhecido como spray de defesa pessoal, ou spray lacrimogéneo, cujo princípio activo é a substância oleoresina de capsicum, também denominada capsaicina, vulgarmente conhecido como “gás pimenta”, nos termos que constam do exame de fls. 583 a 584; Uma navalha sem marca, com cabo em madeira de cor castanha, com o comprimento total de 25 cm e lâmina com 10 cm em aço inox, examinada a fls. 525; e Um (1) telemóvel de marca “Samsung”, modelo “C 100” de cor prateada, com IMEI 351 770 006 224 334, sem qualquer cartão inserido.
4. Os supra referidos objectos encontravam-se no quarto do arguido D... e pertenciam a este.
5. A pistola com o carregador e munições encontravam-se no interior de uma bolsa de cintura de cor cinzenta, colocada em cima da cama.
6. Na Sala encontravam-se: 3 (três) munições, não deflagradas, de pistola com a inscrição “6.35.”, que examinadas a fls 692 a 701, revelaram tratar-se de munições, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), da marca GECO, de origem alemã e testadas nas armas examinadas, verificando-se que se encontravam em boas condições de utilização, tendo deflagrado normalmente à primeira percussão.
7. No quarto ocupado pelo arguido B..., foi encontrado e apreendido:
a. Numa gaveta do guarda-fatos, um maço de notas do Banco europeu, constituído por: Uma nota de cem euros e nove notas de cinquenta euros, num total de quatrocentos e cinquenta euros (€ 450); Quarenta e uma notas de 20 euros, totalizando oitocentos e vinte euros (€ 820); Treze notas de 10 euros, totalizando cento e trinta euros (€ 130); Tudo num total de mil e quinhentos euros.
b. Noutra gaveta do guarda-fatos: Um bastão extensível e flexível, com o comprimento total de 52 cm, em mola metálica, com ponta de latão, e punho revestido a borracha de cor preta, examinado a fls. 525.
c. Nas gavetas da mesa-de-cabeceira encontrava-se: Uma navalha sem marca, vulgarmente conhecida por “borboleta”, com cabo em metal cromado, com o comprimento total de 22 cm e lâmina com 8 cm, de lâmina em aço inox, examinada a fls. 525; Uma navalha sem marca, tipo canivete, com cabo em metal de cor prata, com o comprimento total de 16 cm e 6 centímetros de lâmina em aço inox, examinada a fls. 525; Dois cartões da operadora “TMN”, com os números “000018530537078 cartão 64” e “000018197517643 cartão 64”.
8. No sótão foi encontrado e apreendido: Uma pistola semi-automática, foi examinada e testada 692 a 701, dos autos, concluindo-se ser de marca BBM, de modelo AUTOMATIC 96, sem numero de série visível, de origem italiana, constituí-se como uma arma de fogo de calibre 7.65 mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO na designação anglo-americana), resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma essencialmente de alarme, encontrando-se em condições de efectuar disparos, apresentando, no entanto, deficiências frequentes que condicionam a obtenção da sequência de automatismo; 1 (um) carregador pertencente à arma anteriormente descrita, de cor preta, examinado a fls. 201; 1 (uma) munição não deflagrada com a inscrição “S&B 7,65 Br”, que examinada a fls 692 a 701, revelou, tratar-se de (1) munição, de calibre 7,65 mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO na designação anglo-americana), da marca SELLIER & BELLOT, de origem checa e testadas nas armas examinadas, verificando-se que se encontravam em boas condições de utilização, tendo deflagrado normalmente à primeira percussão.
9. Os supra referidos objectos encontrados na sala, no quarto do arguido B... e no sótão, pertenciam ao arguido B....
10. Foi efectuada busca domiciliária à residência do arguido A…, sita na …, tendo sido encontrado e apreendido ao arguido: Uma (1) caixa de algemas de fantasia, da marca “Arrest”.
11.O arguido B... agiu livre, voluntária e conscientemente, ao deter consigo as supras referidas, 3 (três) munições de pistola com a inscrição “6.35.” de marca BBM, um bastão extensível e flexível, uma navalha tipo “borboleta”, uma pistola semi-automática, transformada e um munição não deflagrada com a inscrição “S&B 7,65 Br”, cuja posse não justificou, nem razão alguma poderia existir para tal, sabendo que a detenção dos supra referidos objectos era proibida, cujas características conheciam bem, sabendo assim, que não podiam deter, os referidos objectos.
12. O arguido D..., agiu, deliberada, livre e conscientemente ao deter consigo uma pistola semi-automática transformada, de marca TANFOGUO, sete munições, não deflagradas, com a inscrição “HP 6.35”, uma embalagem de aerossol, cujo princípio activo é a substância oleoresina de capsicum e uma navalha com lâmina, com 10 cm, cuja posse não justificou, nem razão alguma poderia existir para tal, sabendo que a detenção dos supra referidos objectos era proibida, cujas características conheciam bem, sabendo assim, que não podiam deter, os referidos objectos.
13. Os arguidos B... e D... tinham perfeito conhecimento de que tais condutas eram contrárias à lei.
14. No relatório social elaborado sobre o arguido C... e que foi junto ao processo, a fls. 933/936 concluiu‑se que: “Do percurso vivencial do arguido destacam-se, sobretudo na sua juventude, o confronto com uma realidade social para a qual não se encontrava preparado. As suas características de imaturidade, de baixo sentido de responsabilidade social e de influenciabilidade, associadas ao consumo de estupefacientes e a ligação a pares pró-criminais, ter-se-ão constituído factores de risco e promovido a inadaptação. C... surge-nos como um indivíduo com necessidades elevadas de reinserção social aos níveis pessoal, social e laboral. A motivação para a mudança que agora anuncia, avalia-se por ora como incipiente, dado persistirem as necessidades de aquisição de competências pessoais e sociais que lhe confiram um funcionamento adaptativo e responsável Avalia-se como imprescindível que, em meio prisional, mantenha uma atitude pró-activa no que concerne à aquisição de maiores competências pessoais, sociais e laborais conducentes ao “dever-ser” social”.
15. Do certificado de registo criminal respeitante ao arguido C... consta:
§ Uma condenação, por decisão proferida em 6/02/1998, já transitada em julgado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 21º do D.L. nº 15/93, de 22/01, na pena de seis anos de prisão (proc. comum nº 614/97,4TBLLE do Tribunal Judicial de Loulé);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 19/02/2004, já transitada em julgado, pela prática, em 26/07/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 120 dias de multa (proc. abreviado nº 1542/03.1SILSB do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 20/10/2005, já transitada em julgado, pela prática, em 01/10/2004, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 240 dias de multa (proc. nº 412/04.0PIAMD do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 26/11/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 15/12/2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de sete meses de prisão cuja execução foi suspensa por um ano, e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27/06, na pena de 110 dias de multa (proc. comum nº 292/05.9PTALM do 2º Juízo Criminal de Almada);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 20/04/2006, já transitada em julgado, pela prática, em 11/11/2003, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27/06, na pena de três anos de prisão cuja execução foi suspensa por três anos (proc. comum nº 941/03.3PDAMD do 4º Juízo Criminal de Lisboa);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 6/03/2008, já transitada em julgado, pela prática, em 11/09/2005, de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artº 143º/1 do Código Penal, e de um crime de dano, previsto e punido pelo artº 212º/1 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão cuja execução foi suspensa por um ano (proc. comum nº 1022/05.0PEAMD da 5ª Vara Criminal de Lisboa);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 22/02/2005, já transitada em julgado, pela prática, em 8/09/2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 90 dias de multa (proc. abreviado nº 502/03.7PGAMD do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa);

§ Uma condenação, por decisão proferida em 29/11/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 18/04/2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 150 dias de multa (proc. comum nº 199/06.2PHPRT do 3º Juízo Criminal do Porto); e

§ Uma condenação, por decisão proferida em 9/07/2009, já transitada em julgado, pela prática, em 26/02/2007, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210º/1 do Código Penal, na pena de seis anos e três meses de prisão com pena acessória de expulsão pelo período de sete anos (proc. comum nº 1946/06.8PASNT do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra).

16. No relatório social elaborado sobre o arguido A... e que foi junto ao processo, a fls. 945/948, refere‑se: “A... foi acompanhado pela nossa Equipa de Lisboa Pena13, em liberdade condicional, até 20 de Abril de 2009, exercendo actividade na área comercial com S. Tomé, exportando peças para automóveis, géneros alimentares e roupas, actividade que era já exercida em data anterior ao período de reclusão. Não era possível contabilizar ao certo o que auferia, mas A... sempre referiu que as necessidades do agregado constituído estavam salvaguardadas, até porque M… (a mulher) trabalha como cozinheira num restaurante em Lisboa. Também nos apresentou uma declaração passada pela firma “San…”, em como também trabalhava como estafeta naquela, e ainda o cartão da autorização de residência válido ate 04.10.2010. Em relação ao relacionamento com H…, que também cumpriu pena de prisão, assume que também a auxiliou no início da actividade dela como cabeleireira, financiando o projecto e explorando também os resultados do mesmo. Durante o acompanhamento da liberdade condicional, foi concedida pelo Tribunal de Execução de Penas, a sua deslocação a S. Tomé, após 25 de Setembro de 2008 por 40 dias, alegando como motivo os negócios a efectuar, contudo durante o período de acompanhamento compareceu sempre com regularidade, não havendo indícios de incumprimento. Após o termo da liberdade condicional, segundo nos referiu, continuou a exercer a mesma actividade comercial, e continua a manter uma boa integração a nível familiar, recebendo todo o apoio por parte dos vários elementos. Tem sido, contudo, mais interveniente na vida política do país de onde é oriundo, estando ao serviço do Partido (MLSTP/PSD - Movimento de Libertação de S. Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata). Apresentou-nos documento comprovativo de que apoiou o partido durante o período pré-eleitoral e eleitoral (entre 8 de Julho a 10 de Setembro de 2010) participando nas eleições ocorridas nessa altura.”.

17. Do certificado de registo criminal respeitante ao arguido A... consta:
§ Uma condenação, por decisão proferida em 29/11/1999, já transitada em julgado, pela prática, no ano de 1996, de crime de receptação, previsto e punido pelo artº 231º do Código Penal, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artº 256º do Código Penal, e de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, previsto e punido pelo artº 359º do Código Penal, na pena única de três anos de prisão cuja execução foi suspensa por quatro anos (proc. comum nº 11287/96.1JDLSB da 8ª Vara Criminal de Lisboa); e
§ Uma condenação, por decisão proferida em 25/06/2003, já transitada em julgado, pela prática, em 23/07/2001, de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27/06, na pena de sete anos e seis meses de prisão (proc. comum nº 2677/01.0JDLSB do Tribunal Judicial de Oeiras), tendo o arguido sido colocado em liberdade condicional pelo período de tempo de prisão que lhe faltava cumprir no dia 21/10/2006.
18. No relatório social elaborado sobre o arguido D... e que foi junto ao processo, a fls. 979/983, conclui‑se: “D... nasceu há cinquenta e cinco anos em Cabo Verde e o seu processo de socialização foi profundamente marcado por carências ao nível afectivo e material. Oriundo de uma família pobre e monoparental, não teve possibilidades de frequentar a escola. A sua trajectória esteve desde cedo ligada à procura de melhores condições de vida, razão pela qual veio para Portugal em 1972, com dezassete anos de idade. No nosso país, o isolamento sócio-familiar e vários problemas de saúde dificultaram o seu percurso laboral. Encontra-se actualmente aposentado por invalidez. D... é um arguido primário, que demonstra possuir juízo crítico, revelando consciência do ilícito e, apesar das dificuldades económicas, tudo aponta para que mantenha um modo de vida credível e consentâneo com os normativos sociais. Pelo acima exposto, e porque nos parece ser diminuto o risco de reincidência, consideramos que o arguido reúne condições para, caso seja condenado) a sua situação jurídica o permita e esse tribunal assim o entenda, cumprir uma medida de execução na comunidade sem intervenção desta DGRS.”.

19. O arguido D... não tem condenações registadas.

20. O arguido D... é considerado, na comunidade em que se insere, como pessoa pacífica e de bom trato.

21. O arguido D... está reformado, auferindo uma pensão mensal no valor de € 207,00 (duzentos e sete euros).

22. O arguido D... confessou parcialmente os factos.

23. Do certificado de registo criminal respeitante ao arguido B... consta:
§ Uma condenação, por decisão proferida em 27/05/1998, já transitada em julgado, pela prática, em 26/05/1998, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 100 dias de multa (proc. sumário nº 244/98.3SOLSB do 1º Juízo de Pequena Instância Criminal do Lisboa);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 12/11/1998, já transitada em julgado, pela prática, em 21/09/1996, de um crime de posse ilícita de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 40º/1 do D.L. 15/93, de 22/01, na pena de 30 dias de multa (proc. comum nº 896/96.3SS do 4º Juízo Criminal do Lisboa);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 20/05/1999, já transitada em julgado, pela prática, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210º/1 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por três anos (proc. comum nº 17/99 da 2ª Vara Criminal de Lisboa);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 12/06/2000, já transitada em julgado, pela prática, em 31/05/1998, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artº 275º/2 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão substituída parcialmente por multa (proc. comum nº 948/98.0PCSNT da 1ª Vara Mista de Sintra);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 9/07/2001, já transitada em julgado, pela prática, em 20/03/1997, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artºs 203º/1 e 204º/1/a) do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão cuja execução foi suspensa por três anos (proc. comum nº 308/97.0PAPTM do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 25/01/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 9/04/1997, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artº 210º/1 do Código Penal, na pena de um ano e quatro meses de prisão cuja execução foi suspensa por dois anos (proc. comum nº 1034/97.6SRLSB da 8ª Vara Criminal de Lisboa);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 6/03/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 31/12/1998, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artº 146º e 132º/2 do Código Penal, na pena de um ano e oito meses de prisão cuja execução foi suspensa por dois anos (proc. comum nº 58/04.3TCLSB da 5ª Vara Criminal de Lisboa);
§ Uma condenação, por decisão proferida em 13/04/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 14/01/2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, na pena de 100 dias de multa (proc. sumaríssimo nº 265/06.4PAAMD do 2º Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa); e
§ Uma condenação, por decisão proferida em 18/04/2007, já transitada em julgado, pela prática, em 21 e 24/07/2000, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artº 3º/2 do D.L. 2/98, de 3/01, e de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artº 348º/1/b) do Código Penal, na pena única de 160 dias de multa (proc. abreviado nº 56/00.6TFLSB do 2º Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa).

Factos não provados
a) Entre, sensivelmente, as 19h38m e as 21h10m do dia 21.02.07, os arguidos A..., B..., e C..., após plano previamente consertado, dirigiram-se às Bombas da “Cepsa” na estrada que vem do Casal da … para …, local onde o arguido A... tinha já marcado um encontro com o ofendido E..., a fim de efectuar uma transacção de produto estupefaciente, ficando acordado que neste encontro lhe entregaria o dinheiro da "transacção" ao ofendido, como prova de boa vontade e no dia seguinte este iria verificar num Banco se as notas eram verdadeiras.
b) Na concretização do plano, - que tinha como objectivo apropriarem-se do produto estupefaciente e outros bens do ofendido -, e em conjugação de esforços, o arguido A..., através do telemóvel, informa os arguidos, B... e C..., que o ofendido chegou ao local e diz a este para aguardar.
c) Quando o ofendido se encontrava dentro do seu veículo a aguardar, conforme combinado, os arguidos B... e C... dirigem-se ao mesmo e o arguido C... aponta-lhe uma pistola à cabeça, enquanto o arguido B... o mandava sair.
d) Assim que o ofendido saiu do veículo o arguido B... começou a agredi-lo, com murros e pontapés, enquanto o ia puxando e enfiou-lhe um gorro na cabeça, de maneira a tapar-lhe os olhos.
e) Mandaram o ofendido entrar para a bagageira do próprio automóvel - uma “carrinha” Opel Astra, de carga, só com dois lugares à frente - e iniciaram a marcha, mantendo sempre, o arguido C..., a pistola apontada ao ofendido.
f) Quando pararam a viatura, mandaram o ofendido sair devagar e pegando-lhe um em cada braço levantaram-no, para casa do arguido C..., sita no Beco dos …, Bairro …, onde já se encontrava o arguido A....
g) Aí, mandaram o ofendido deitar-se no sofá, taparam-lhe a cabeça com um cobertor, e os arguidos B... e C... colocaram-lhe as algemas que o arguido A... levava consigo e lhes entregou.
h) O arguido A... saiu, e os arguidos B... e C... começaram a bater no ofendido perguntando-lhe onde tinha o “produto” que ia vender ao A..., e onde tinha o dinheiro.
i) O ofendido respondia que não tinha “produto” nem dinheiro nenhum, mas, como lhe continuaram a bater, o ofendido disse que tinha dinheiro com a sua namorada V....
j) Os arguidos B... e C... obrigaram, o ofendido a ligar à V... e dizer‑lhe para trazer o dinheiro e o produto e encontrar-se com amigos seus no café do largo da “E...”.
k) Nesta altura o arguido B... saiu ficando apenas o arguido C..., com o ofendido, aproveitando-se de tal facto, e tendo-se apercebido que as algemas tinham uma patilha alcançável que permitia a abertura, o ofendido pediu para ir à casa de banho, o que lhe foi negado.
l) Entretanto o arguido A... liga para o arguido C... dizendo-lhe que a namorada do ofendido não apareceu e para “lhe dar”, o arguido C..., dirige-se então, ao ofendido e aponta-lhe a pistola à cabeça.
m) Como o ofendido já tinha conseguido libertar a mão esquerda agarrou a arma, tirou o gorro e lutou com o arguido C..., que disparou um tiro, durante a luta, mas não chegou a atingir o ofendido, que conseguiu deitar o arguido ao chão, fugindo rapidamente da casa.
n) Quando corria, já na rua, o arguido C... disparou contra o ofendido, pelo menos duas vezes, tendo acertado, com um disparo, na coxa esquerda do ofendido.
o) Durante o tempo em que os arguidos A..., C... e B... mantiveram o ofendido sob o seu domínio, apoderaram-se do cartão de contribuinte; da carta de condução; da autorização de residência; do cartão da Segurança Social; do Cartão multibanco do Montepio; do documento único da viatura de matrícula …-…-…, marca Opel, modelo Astra, ligeiro de mercadorias do ofendido, da quantia de € 780 (setecentos e oitenta euros), de dois telemóveis, de marca “Nokia” ambos de modelo “3330”, que operavam com os números 96… e 96…., da rede T.M.N., pertencentes ao ofendido, fazendo-os seus.
p) O arguido B... não exerce qualquer actividade lícita remunerada, sendo o dinheiro apreendido ao mesmo, num total de mil e quinhentos euros, resultado da prática, pelo arguido, de ilícitos criminais.
q) Os arguidos A..., B... e C..., deliberada, livre e conscientemente, mantiveram o ofendido E... sob o seu domínio desde as 19h38m até às 21h10m, conduzindo-o em veículo, desde as Bombas da “Cepsa”, sita na estrada que vem do Ca… para P… até casa do arguido C... onde o mantiveram contra a sua vontade, bem sabendo que os expedientes por si utilizados eram meio adequado a forçar o ofendido a entregar-lhe o que lhes pediam, prejudicando gravemente a liberdade de decisão e de acção do ofendido, agredindo e ameaçando-o com arma, fazendo-o recear pela sua vida e viver, durante cerca de duas horas e meia, momentos de verdadeiro terror, bem sabendo, os referidos arguidos, que as suas condutas eram proibidas por lei e penalmente censuráveis.
r) Da mesma forma, deliberada, livre e consciente, os arguidos A..., B... e C..., apoderaram-se do cartão de contribuinte; da carta de condução; da autorização de residência; do cartão da Segurança Social; do Cartão multibanco do Montepio; do documento único da viatura de matrícula …-…-…, marca Opel, modelo Astra, ligeiro de mercadorias do ofendido, da quantia de € 780 (setecentos e oitenta euros), de dois telemóveis, de marca “Nokia” ambos de modelo “3330”, que operavam com os números 96… e 96…., da rede TMN e do veículo Opel Astra, de carga, pertencentes ao ofendido, fazendo-os seus.
s) Também, de forma deliberada, livre e consciente, os arguidos A..., B... e C..., quiseram agredir o ofendido, desferindo o arguido B... e C... murros e pontapés no ofendido, seguindo as orientações do arguido A..., bem sabendo que as suas condutas não lhe eram permitidas e que daquela forma causavam dores e lesões no corpo do ofendido.
t) Agiu, ainda, o arguido C..., deliberada, livre e consciente, ao disparar sobre o ofendido, procurando impedir a sua fuga, ainda que, para tal, fosse preciso tirar-lhe a vida, atingindo-o na coxa esquerda, apesar de bem saber, que ao disparar daquela forma, poderia atingir órgãos vitais do ofendido e provocar-lhe a morte.
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Prova por reconhecimento – sua valoração em julgamento
A inobservância dos requisitos do reconhecimento estabelecidos no art.º 147.º do Cód. Proc. Penal, mais que a nulidade do acto, implica uma proibição (de valoração) de prova: nos termos do n.º 7 daquele preceito, o reconhecimento “não tem valor como meio de prova”.
Se outras não houvesse, essa seria razão mais que suficiente para que quem realiza a diligência probatória cumpra, escrupulosamente, os requisitos legais e lhe dê a máxima transparência.
No caso, como refere o recorrente, o ofendido E… fez o reconhecimento presencial dos arguidos B... e C... (e não também do arguido A..., como, certamente por lapso, se afirma na decisão recorrida).
Ninguém questionou a validade formal dos reconhecimentos e no acórdão afirma-se mesmo que “foram concretizados em total conformidade com o disposto no art. 147º do Código de Processo Penal”.
Por que razão não foram, então, valorados pelo tribunal recorrido? 
“…em virtude da não concordância dos arguidos – diz-se no acórdão em crise -  não pode o Tribunal atender aos relatos que aquelas (testemunhas) produziram em sede de inquérito e nem mesmo aos reconhecimentos presenciais realizados por E... em total conformidade com o disposto no artº 147º do Código de Processo Penal por a tanto obstar o preceituado no artº 356º/5 do Código de Processo Penal (vide, entre outros, Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal (…)”, 2ª Edição, págs. 413/414)”.
É certo que Paulo Pinto de Albuquerque, na obra citada, abona a posição assumida pelo tribunal recorrido, pois escreve, em anotação àquele artigo, que, não se tratando de um reconhecimento efectuado ao abrigo do disposto no art.º 271.º (reconhecimento para memória futura), as garantias de defesa e os princípios do contraditório e da imediação impõem limites à sua valoração em julgamento: “as declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas feitas em reconhecimento durante o inquérito ou a instrução sem obediência ao procedimento do artigo 271.º só podem ser lidas, visualizadas ou ouvidas na audiência de julgamento e valoradas como meio de prova nos termos do artigo 356.º, n.º 2, al. b), n.º 3, als. a) e b), n.º 4 e n.º 5[3].
Considera mesmo inconstitucional “…por violar as garantias de defesa, o princípio do contraditório e o princípio da imediação, a leitura, visualização ou audição em julgamento (e o consequente aproveitamento como meio de prova) de declarações do assistente, das partes civis e das testemunhas prestadas em reconhecimento ocorrido antes do julgamento quando aquela a leitura, visualização ou audição tenha lugar fora das condições referidas…”.
Fica-nos a dúvida: a que declarações (do assistente, das partes civis e das testemunhas) se refere o autor citado?
Nos termos do n.º 1 do art.º 147.º do Cód. Proc. Penal, é solicitado à pessoa que há-de proceder à identificação que descreva o identificando, com indicação de todos os pormenores de que se recorda, sendo depois perguntado se já a tinha visto antes e em que condições e, por último, sobre outras condições que possam influir na credibilidade da identificação.
Estes procedimentos, que permitem introduzir uma válvula de segurança de controlo da credibilidade do reconhecimento e, em consequência, da sua efectiva atendibilidade, são, para uns[4], actos preliminares ao reconhecimento e para outros[5] um dos tipos de reconhecimento (reconhecimento por descrição)[6] em que o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem pronunciar-se e colocar ou requerer que sejam colocadas perguntas à pessoa que deva fazer a identificação.
No reconhecimento presencial efectuado no inquérito ou na instrução, posto perante o identificando e várias pessoas que com ele tenham as maiores semelhanças possíveis, é perguntado ao sujeito activo se reconhece alguma das pessoas que integram a linha de reconhecimento e, na afirmativa, qual (2.ª parte do n.º 2 do art.º 147.º).
Uma vez que na citada anotação não é feita qualquer restrição, deduz-se que para Paulo Pinto de Albuquerque, também, as respostas a estas perguntas não podem ser valoradas como prova válida se não forem lidas em audiência, para o que se exige sempre o assentimento do arguido (que foi reconhecido).
Não o acompanhamos em tal entendimento, pelas razões que vamos expor. 
Conforme decorre dos artigos 262.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e 1.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto (a designada Lei de Organização da Investigação Criminal), na nossa lei processual penal, o inquérito abrange as diligências destinadas a investigar a existência de um crime.
Sempre que haja notícia de um crime (ou melhor, de factos susceptíveis de constituir crime), inicia-se um inquérito que se destina, justamente, à descoberta, recolha e, sempre que tal for possível, à verificação e comprovação dos factos que condicionam a aplicação posterior do direito, verificação que, para efeitos de prosseguimento do processo criminal, há-de consistir na sua demonstração feita por meio de provas. A procura e recolha das provas e, essencialmente, a conservação de todos os elementos probatórios que forem apurados constitui a finalidade precípua do inquérito, com vista à dedução da acusação e posteriormente à prova directa, em julgamento, dos factos que integram essa acusação, de forma a desembocar na decisão condenatória.
Mas não basta que a investigação tenha permitido recolher provas de que resulte (indiciado) que foram praticados factos susceptíveis de consubstanciarem um ou mais crimes.
É preciso, ainda, que se determine o seu agente ou agentes e a respectiva responsabilidade, o que nem sempre é fácil ou possível.
O reconhecimento está finalisticamente preordenado ao esclarecimento de situações de incerteza quanto à imputação subjectiva dos factos apurados.
Ora, se não é difícil encontrar pontos de contacto entre o reconhecimento e a prova testemunhal (e, em geral, a prova por declarações), também é certo que existem “diferenças qualitativo-funcionais entre estes dois domínios probatórios”, a começar pelo “pressuposto específico – que autonomiza o reconhecimento e o erige como meio de prova – traduzido num inequívoco juízo de necessidade, direccionado (…) ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas «quando houver necessidade de procede ao reconhecimento de qualquer pessoa» (…)”[7].
É esse juízo que legitima a valoração autónoma do reconhecimento face à da prova testemunhal[8].
Se assim não fosse, se esse meio de prova não tivesse valor autónomo face à prova testemunhal e por declarações, não se vislumbra qual a vantagem na sua realização, como bem observa a digna magistrada do Ministério Pública na motivação do recurso.
O entendimento acolhido no tribunal recorrido integra (funde) o reconhecimento presencial feito em inquérito na prova por declarações e desse modo, não lhe reconhecendo valor autónomo, acaba por transformá-lo numa completa inutilidade. Basta que o arguido não dê a sua anuência (e não a dará se o reconhecimento tiver sido positivo) para a leitura do respectivo auto.
 Conforme se pode constatar pelos autos de fls. 224 e 227, a testemunha E... foi chamada a efectuar o reconhecimento dos arguidos B... e C....
Foi inquirido nos termos previstos no n.º 1 do art.º 147.º, mas do auto não constam (sem que se saiba porquê) a descrição que fez nem as respostas que deu sobre as circunstâncias susceptíveis de influir na credibilidade da identificação[9].
No entanto, perguntado se reconhecia algum dos presentes (que integravam a linha de reconhecimento), em ambos os casos reconheceu, sem qualquer dúvida, os referidos arguidos.
Esses reconhecimentos podiam (podem) ser valorados como meio de prova em julgamento, nos termos do art.127.º do Cód. Proc. Penal, tenha-se ou não procedido à leitura do conteúdo dos respectivos autos, uma vez que como tal foram indicados na acusação e não vemos como pode sustentar-se que, em relação a ele, não foi exercido o contraditório e não foram asseguradas as garantias de defesa. É óbvio que os arguidos puderam contraditar esse meio de prova e pôr em crise o seu valor probatório[10], tal como se nos afigura que, não se tratando de prova testemunhal ou por declarações, não estava vedada a leitura em audiência do respectivo auto sem a anuência daqueles[11].
Bem vistas as coisas, numa perspectiva de valoração probatória, não existem diferenças de substância entre um auto de reconhecimento pessoal e um auto com a transcrição de conversações telefónicas escutadas.
Ora, é abundante a jurisprudência[12] no sentido de que, para valer como meio de prova e de nelas o tribunal basear a sua convicção, não se impõe que se proceda à leitura ou ao exame, em audiência, da transcrição em auto das conversas telefónicas interceptadas e gravadas, mesmo que nela o arguido se remeta ao silêncio.
Pode, também, considerar-se firme a jurisprudência no sentido de que o auto de reconhecimento (feito com observância do formalismo legalmente prescrito), desde que seja indicado na acusação como meio de prova, é livremente valorado pelo tribunal, nada obstando a que o juiz nele alicerce a sua convicção[13].
Em suma, não sendo o reconhecimento de pessoas, realizado no inquérito ou na instrução, prova testemunhal ou por declarações, antes se lhe reconhecendo um valor autónomo, o respectivo auto (oferecido como prova por um dos sujeitos processuais – no caso, o Ministério Público - e notificado aos outros sujeitos) pode ser lido em audiência, nos termos do art.º 356.º, n.º 1, al. b), estando assim subtraído à regra (do n.º 1 do art.º 255.º do Cód. Proc. Penal) de que só valem em julgamento as provas produzidas em audiência, pelo que nada impede que concorra para a formação da convicção do tribunal[14].   
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Depoimento indirecto – sua valoração em julgamento
Ao contrário do que é afirmação corrente, a lei processual penal não proíbe o depoimento indirecto[15]. Só a admissibilidade do “depoimento de ouvir dizer” justifica que haja um preceito legal (o artigo 129.º do Cód. Proc. Penal) a regular os termos em que pode ser produzido e valorado em julgamento o depoimento indirecto.
Essa ideia errada de proibição está reflectida no acórdão recorrido quando nele se afirma que “…está expressamente vedado o aproveitamento do relato realizado pelo agente T1..., responsável pela elaboração do auto de notícia junto a fls. 112/113, relativamente ao que foi dito por E... (artº 356º/7 do Código de Processo Penal)”. 
A regra é a de que a testemunha deve ser inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo (art.º 128.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), mas não é, de todo, proibido o testemunho de ouvir dizer, desde que se indique a pessoa a quem se ouviu dizer e que essa pessoa seja chamada a depor (1.ª parte do n.º 1 do citado artigo 129.º) ou, mesmo não se fazendo comparecer a fonte do conhecimento dos factos para ser inquirida, isso aconteça por impossibilidade devida a morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada (2.ª parte do n.º 1 do mesmo preceito legal).   
Como se esclarece no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/99 (DR, II, de 09.11.1999), “…embora o testemunho directo seja a regra, o depoimento indirecto não é, em absoluto, proibido. Não existe, de facto, entre nós, uma proibição absoluta do testemunho de ouvir dizer (hearsay evidence rule), o princípio hearsay is no evidence (ouvir dizer não constitui prova) sofre, assim, limitações”.
São abundantes as decisões judiciais sobre este tema e, em particular, sobre a questão da admissibilidade dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal, e pode dizer-se que existe dessintonia entre a jurisprudência (quer dos tribunais comuns, quer do Tribunal Constitucional) e a doutrina portuguesa (pelo menos, uma parte dela) sobre esta matéria.
As divergências começam logo a propósito do que deve entender-se por depoimento indirecto e por isso convém precisar este conceito.
Depoimento directo é aquele em que a testemunha que o presta revela uma aquisição originária do conhecimento dos factos, ao passo que no depoimento indirecto esse conhecimento do depoente é uma aquisição derivada (em segunda mão), não resulta de uma percepção (visual, auditiva, olfactiva, etc.) directa e imediata, antes é transmitido por outrem.
Como se escreveu, com sageza, no acórdão do TRP, de 24.09.2008 (www.dgsi.pt), “o critério operativo da distinção entre depoimento directo e indirecto é o da vivência da realidade que se relata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade, o seu depoimento é directo, se não, é indirecto”.
Na doutrina, o Prof. G. Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, vol. II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, 221) avança a seguinte definição: “Conhecimento directo dos factos é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos seus próprios sentidos. No testemunho indirecto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos”.
Na mesma linha, M. Simas Santos, Leal-Henriques e João Simas Santos (“Noções de Processo Penal”, Rei dos Livros, 2010, p. 202), realçam, como critério de distinção, a natureza (directa ou indirecta) do contacto que a testemunha teve com os factos objecto de prova:
Tem-se conhecimento directo de um facto quando dele se colheu percepção através dos sentidos, isto é, quando se apreende o facto por contacto imediato com ele por intermédio dos olhos, dos ouvidos, do tacto, etc.
O conhecimento é indirecto quando provém de percepção exterior a esses mesmos sentidos e só chega à área do depoente através de veículos que lhe são alheios.
Assim, sempre que alguém relata um facto com base num conhecimento apreendido por si próprio através dos seus sentidos diz-se que faz um depoimento por ciência directa; quando o relata com base num conhecimento que obteve por intermédio de outrem ou por elementos informativos que não colheu de forma imediata (v.g., por ouvir dizer, através de um documento, de uma fotografia, de um filme, etc.) diz-se que faz um depoimento por ciência indirecta”.
Na prática, nem sempre se faz a mais adequada aplicação destas noções.
No acórdão do STJ, de 30.09.1998 (processo n.º 366/98-3.ª), afirma-se que não estamos perante depoimento indirecto proibido se o ofendido/demandante civil, prestando declarações, diz “o que ouviu directamente da boca do arguido”; não constitui depoimento indirecto a afirmação de uma testemunha de que ouviu o arguido dizer que era o condutor de um automóvel que acabara de intervir num acidente de viação (acórdão do TRP, de 07.02.2007, www.dgsi.); não profere depoimento indirecto o agente da PJ que em audiência depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido e por uma empregada sua (acórdão do TRL, de 15.03.2007, processo n.º 2287/07-9.ª); as declarações de uma testemunha relatando a conversa que manteve com a arguida não constituem depoimento indirecto (acórdão do TRP, de 04.07.2007, processo n.º 0647256); se uma testemunha conta que o arguido lhe disse que foi participante num furto e até lhe indica, com pormenores significativos (posteriormente confirmados) onde se encontram os objectos furtados, não está a fazer um depoimento indirecto (acórdão do TRG, de 25.05.2009, processo n.º 359/06GVCRM.G1).
Porém, como bem se observa no acórdão do TRG, de 11.02.2008, CJ XXXIII, Tomo I, 296; Relator: Des. Cruz Bucho), há que distinguir: “Quando a testemunha relata em tribunal aquilo que ouviu da boca de outra pessoa, o depoimento é directo porque a testemunha dele teve conhecimento directo por o ter captado por intermédio dos seus próprios ouvidos. Mas, no caso em apreço, não é esta conversa o facto que interessa ao tribunal, mas antes o de saber se foi o arguido quem agrediu fisicamente a ofendida e, quanto a esta realidade, o depoimento daquelas testemunhas é manifestamente indirecto na medida em que, relativamente ao mesmo, as referidas testemunhas não possuem conhecimento directo, já que o seu conhecimento resultou do que ouviram dizer a ofendida”.
Volvendo ao nosso caso, verifica-se que a testemunha T1..., agente da PSP que, na altura, estava no exercício das suas funções, narrou que recebeu uma comunicação para se dirigir ao Bairro da ..., na freguesia da ..., e aí chegado constatou que E... tinha dois orifícios num dos membros inferiores, pois tinha sido baleado. Em conversa com o E..., este contou-lhe o que tinha acontecido.
Neste segmento, tal como na parte em que relata as medidas cautelares que tomou para recolha e preservação de provas, a testemunha faz um depoimento directo, pois transmite aquilo que percepcionou (viu e ouviu) directamente no local.
No entanto, do acervo de factos (os que o tribunal a quo considerou não provados) que sustentam a imputação que o Ministério Público faz aos arguidos B..., A... e C... da autoria dos crimes de rapto, roubo agravado e ofensa à integridade física simples e ao último, ainda, do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, não teve a testemunha T1... conhecimento directo, porque não os presenciou, e o que sabe é aquilo que o ofendido E... lhe contou e que ele consignou no auto de notícia que elaborou.
Nessa parte, porque esses factos não pertenciam ao universo cognitivo do depoente, é de primeira evidência que temos um depoimento indirecto.
O tribunal recorrido fez a destrinça, considerando que estava vedado o aproveitamento do relato do agente T1... “relativamente ao que lhe foi dito por E...” por ser depoimento indirecto e por isso não o valorou como meio de prova.
Na mente de algumas pessoas, persiste a ideia de que os órgãos de polícia criminal (OPC) sofrem de uma espécie de capitis diminutio que os excluiria da prova testemunhal (no seu “Código de Processo Penal Anotado”, 9.ª edição, o Sr. Conselheiro Maia Gonçalves, dá-nos notícia dessa tese peregrina).
É óbvio que nada impede um inspector da Polícia Judiciária, um agente da PSP, um soldado da GNR, etc., de depor sobre factos de que tomou conhecimento.
Por outro lado, é, igualmente, claro que não se questiona aqui a proibição de um órgão de polícia criminal depor sobre o conteúdo de declarações que recolheu, quer de testemunhas, quer de pessoas já constituídas arguidas, e que foram formalizadas em auto (n.º 7 do art.º 356.º do Cód. Proc. Penal).
A questão coloca-se em relação às declarações não formalizadas em auto prestadas perante um órgão de polícia criminal: é admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente da polícia que reproduz o que ouviu dizer à vítima de um crime ou a uma pessoa que depois vem a ser constituída arguida?
Vamos cingir a nossa análise à primeira hipótese, ou seja, aquela em que o OPC relata aquilo que ouviu da vítima, pois foi através do ofendido que a testemunha T1... tomou conhecimento dos factos que consubstanciam os referidos ilícitos penais.
O Prof. Germano Marques da Silva[16], a este propósito, pronuncia-se nos seguintes termos:
“Poder-se-ia questionar se as pessoas referidas no art.º 356.º poderão ser inquiridas sobre o conteúdo de declarações que não foram reduzidas a auto. Parece-nos que é de aplicar o princípio geral traduzido no brocardo quod non est in auto non est in mundo. Tudo o que for relevante deve constar do auto e se há declarações que do auto não constam não podem ser consideradas”.
No entanto, sentiu necessidade de afirmar que os agentes policiais não sofrem de qualquer incapacidade nem impedimento:
Os órgãos de polícia criminal podem testemunhar sobre todos os factos de que tenham conhecimento directo, só não podendo ser objecto do seu depoimento os conhecimentos que tiverem obtido através de depoimentos cuja leitura seja proibida ou que deveriam ser reduzidos a auto e não foram, sendo a leitura desse auto também proibida. Por isso que os órgãos de polícia criminal possam testemunhar sobre todos os factos de que tomaram conhecimento fora do processo, nomeadamente declarações feitas pelo arguido ou terceiros, observando-se, neste caso, as regras do testemunho indirecto”.
Radical é a posição de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário…, 347, anotações 7, 8 e 9):
“…não é admissível o depoimento do agente policial que ouviu declarações feitas por uma testemunha ou declarante depois da prática dos factos criminosos, mesmo que essa pessoa venha a falecer antes da audiência (…).
Se as declarações dessa pessoa ao agente policial tivessem sido registadas por escrito elas não poderiam ser lidas na audiência (artigo 356.º, n.º 4), salvo se o Ministério Público, o assistente e o arguido estivessem de acordo na sua leitura (artigo 356.º, n.º5), e, portanto, não tendo sequer sido reduzidas a escrito, não passam de uma «conversa informal» mantida pelo agente policial cujo conteúdo não pode ser reproduzido em audiência. Dito de outro modo, o artigo 356.º, n.º 7, também veda o aproveitamento em julgamento de conversas informais havidas, antes ou depois da abertura formal do inquérito, entre os agentes policiais e quaisquer testemunhas ou declarantes, ainda que estas pessoas venham a falecer posteriormente ou a padecer de anomalia psíquica superveniente ou seja impossível localizá-las (…)” – anotação 7.
A mesma conclusão vale correspondentemente para os depoimentos dos agentes policiais que mantiveram conversas informais com o suspeito ou arguido depois da prática do crime e fora do inquérito” - (anotação 8).
Em síntese, o depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356.º, n.º 7, e 357, n.º 2. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer outros declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha ser instrutor do inquérito ou não. A única excepção a esta regra tolerada pela proibição legal dos artigos 356.º, n.º 7, e 357, n.º 2, é a do depoimento do agente policial quando depõe sobre as declarações que ouviu fazer durante a prática da actividade criminosa. Esta, e só esta, é uma prova directa do facto criminoso inteiramente lícita” - (anotação 9).
Este entendimento, que se insere numa corrente doutrinária que tem uma posição extremista sobre proibições (de produção e de valoração) de prova, não tem tido acolhimento na jurisprudência, como se vê, v.g., pelo acórdão do STJ, de 15.02.2007, www.dgsi.pt (Relator: Cons. Maia Costa), que, depois de considerar irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes policiais e os arguidos, pois essas conversas podem ser uma forma ilegítima de frustrar o direito do arguido ao silêncio, sustenta:
“IV – De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (artigo 249.º do CPP).
V – Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VII – O que o artigo 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o artigo 249.º do CPP”.  
É evidente que aos órgãos de polícia criminal não está vedado ter com determinadas pessoas conversas que não são formalizadas em auto.
Essas conversas podem reportar-se a factos que estão em investigação e a fonte de informação pode até ser um suspeito do crime investigado.
Aliás, ao abrigo do disposto nos artigos 55.º, n.º 2, 249.º e 250.º do Cód. Proc. Penal, os órgãos de polícia criminal podem e devem colher notícias do crime, descobrir os seus agentes e praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
Nada impede que os agentes de investigação, em audiência, deponham sobre o conteúdo dessas diligências, incluindo sobre o conteúdo das conversas havidas com suspeitos que, entretanto, foram constituídos arguidos e mesmo que estes, na audiência, se remetam ao silêncio.
Essencial é, no entanto, que as conversas não visem contornar ou iludir a proibição contida no n.º 7 do art.º 356.º do Cód. Proc. Penal e que seja respeitado o comando do art.º 59.º do mesmo diploma legal.
Isso mesmo resulta dos seguintes acórdãos, seleccionados pelas evidentes afinidades que têm com o caso sub judice:
Acórdão do S.T.J. de 20.11.2002 (C.J./Ac.s STJ, Ano X, Tomo III, 232. Relator: Cons. Virgílio de Oliveira).
O arguido respondeu pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e, na altura do julgamento, o ofendido já está de boas relações com ele e por isso, em audiência, afirma não se ter apercebido por quem fora baleado.
Um agente da P.S.P. que foi ao local onde ocorreram os factos relata em audiência que a vítima, quando se encontrava baleada no chão, disse-lhe que quem o tinha atingido foi o “Zé do Barbeiro”, tendo um outro agente averiguado e apurado que esta era a alcunha do arguido.
O S.T.J. considerou que, não obstante o arguido ter optado por não prestar declarações, nada impedia o tribunal de valorar tal depoimento, já que, embora os órgãos de polícia criminal não possam ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo de declarações que hajam recebido e cuja leitura não seja permitida, “nada impede que possam ser ouvidas sobre factos de que tomaram conhecimento por outra via, mormente em resultado de haver tomado conta da ocorrência”.
Acórdão do S.T.J. de 24.02.93 (C.J./Ac.s STJ, Ano I, Tomo I, 202. Relator: Cons. Armando Pinto Bastos).
O arguido respondeu, além do mais, pela prática de um crime de furto qualificado e, na sequência das declarações prestadas em interrogatório e com base nelas, foi efectuada uma busca domiciliária.
Em audiência, apesar de o arguido ter optado pelo silêncio, aos agentes da P.J. foi perguntado se este, durante a busca, tinha referido que os objectos que não lhe pertenciam tinham sido por ele furtados.
O S.T.J. considerou que nada obstava a que os agentes fossem inquiridos nesses termos, porquanto “os agentes da PJ não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo, ainda que também as possam ter ouvido e que elas não possam ser lidas em audiência”.
Acórdão da Relação de Coimbra de 18.06.2003 (C.J. XXVIII, Tomo III, 51. Relator: Desembargador Oliveira Mendes).
O arguido respondeu pela prática de um crime de homicídio negligente cometido no exercício da condução automóvel e na audiência não prestou declarações.
O T.R.C. decidiu que “nada obsta à valoração e utilização dos depoimentos prestados em audiência por dois agentes da GNR na parte em que transmitiram ao tribunal aquilo que ouviram dizer ao arguido no Hospital onde ele havia sido conduzido após o acidente de viação objecto do processo”.     
O mesmo Tribunal entendeu que são os princípios da investigação e da verdade material que impõem que se valorem os depoimentos indirectos: “tudo aconselha a que os tribunais, no cumprimento dos princípios da investigação e da verdade material, utilizem sem peias os depoimentos indirectos, obviamente, desde que validamente prestados, depoimentos que no Direito Alemão, segundo nos dá conta Costa Andrade, são considerados e valorados indiscriminadamente, em sede de livre apreciação da prova, sendo que a sua exclusão de acordo com os tribunais alemães seria inteiramente incompatível com uma jurisprudência capaz, tendo o Tribunal Constitucional alemão, sempre que foi chamado a tomar posição sobre a constitucionalidade daquele meio de prova, decidido no sentido da sua admissibilidade”.
  No mesmo acórdão faz-se notar que “neste preciso sentido se tem pronunciado a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, ao considerar que a prova por ouvir dizer, quando reportada a afirmações produzidas extraprocessualmente pelo arguido, é passível de livre apreciação por parte do tribunal, designadamente quando o arguido se encontra presente na audiência e, por isso, com plena possibilidade de a contraditar, isto é, de se defender”.
Acórdão do S.T.J., de 08.01.2003 (C.J./Ac.s STJ, 2003, Tomo I, 149; Relator: Cons. Lourenço Martins).   
Um indivíduo, de nome V…, foi detido por agentes da P.S.P. quando procedia à venda de heroína, tendo na sua posse vinte embalagens desse produto estupefaciente.
Na altura, o indivíduo confidenciou aos agentes de autoridade que procederam à sua detenção, nomeadamente ao subchefe AC, que a droga era dos arguidos (nesse processo) e que eles, diariamente, lhe entregavam, para vender, cerca de 40 embalagens desse produto, que iam comprar a Espanha.
O STJ considerou que os depoimentos dos agentes da P.S.P., designadamente o do subchefe AC, que relatou o que ouviu do referido V… (que não chegou a depor em audiência) eram depoimentos indirectos e como tal podiam ser valorados, desde que cumprida a exigência contida no art.º 129.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
Acórdão do TRC, de 02.02.2005 (CJ XXX, Tomo I, 42):
“Os depoimentos de testemunhas que ouviram o relato de factos da boca do próprio ofendido, quase de seguida à ocorrência dos mesmos, podem ser valorados pelo tribunal, não constituindo prova proibida”.
Acórdão do TRP, de 24.09.2008 (www.dgsi.pt):
“O artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos de testemunhas que relatem o que ouviram dizer a um arguido que, podendo depor, se recusa a fazê-lo, no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge de forma intolerável e desproporcionada o direito de defesa do arguido nem o contraditório”.
Acórdão do TRL, de 10.11.2005 (www.dgsi.pt):
I – O artigo 129.º do Código de Processo Penal autoriza, no último segmento do seu n.º 1, a utilização e valoração, como meio de prova, do depoimento indirecto, isto é, baseado no que se ouviu dizer a pessoas determinadas, quando não for possível interrogar as pessoas indicadas, por impossibilidade de as encontrar.
II – É o caso do depoimento da testemunha, agente da autoridade, na parte em que revela ao tribunal o que lhe foi dito pelo queixoso, cidadão japonês, no acto em que apresentou a denúncia por crime de roubo, relativamente ao qual, indicado como testemunha, se tentou, por carta expedida para a sua residência no Japão, a notificação, frustrada, tendo a carta sido devolvida.

Feita esta breve incursão pela doutrina e pela jurisprudência, é tempo de tomar posição sobre a questão submetida à nossa apreciação, ou seja, se podia (devia) ser valorado o depoimento prestado na audiência pelo agente T1... (naturalmente, na parte em que tem de ser considerado um depoimento indirecto).
Importa fazer notar que aquele OPC nunca tomou declarações (nem participou na sua recolha) ao ofendido. Referimo-nos, é claro, a declarações que tivessem sido (ou devessem ter sido) formalizadas com a elaboração do respectivo auto, como aconteceu com as que o ofendido E... prestou perante um inspector da Polícia Judiciária, a entidade competente para a investigação deste caso (cfr. auto a fls. 56 e segs.). As únicas declarações que o agente T1... ouviu do ofendido foram aquelas a que já aludimos, quando ele estava ferido depois de ter sido baleado numa perna e lhe contou o que tinha acontecido. Por conseguinte, são declarações que, manifestamente, não cabem na previsão do n.º 7 do art.º 356.º do Cód. Proc. Penal.
Por outro lado, os autos evidenciam que foram várias as diligências levadas a cabo (inclusive já no decurso do julgamento) para localizar e fazer comparecer na audiência o ofendido para prestar depoimento, mas tal não foi possível porque ele regressou ao seu país de origem (S. Tomé e Príncipe).
Entendendo-se, como deve entender-se, que a impossibilidade de fazer comparecer em audiência a “testemunha-fonte” para ser inquirida não tem que ser absoluta (assim, o acórdão do TRP, de 13.12.2006, www.dgsi.pt; Relatora: Des. Maria Leonor Esteves), está verificado o condicionalismo previsto no n.º 1 do art.º 129.º do Cód. Proc. Penal para que o depoimento indirecto da testemunha T1... pudesse ser produzido e possa ser valorado como meio de prova válido.
Não obstante, o tribunal recorrido não seguiu o caminho que a lei lhe apontava, optando antes por aderir a uma tese doutrinária que, merecendo, obviamente, todo o respeito, é contrária a orientação jurisprudencial uniforme, aspecto que não foi devidamente ponderado.
Quando estão em causa direitos e garantias fundamentais do arguido, o juiz deve ser intransigente na sua defesa, cabendo-lhe assegurar que o processo seja justo, equitativo, transparente, o que passa por garantir o respeito por princípios fundamentais como sejam o da imediação e do contraditório.
O problema está em que a orientação doutrinária que o tribunal recorrido acolheu e seguiu acriticamente é unilateral por se preocupar apenas com as garantias da defesa e ignorar finalidades primárias que o processo penal tem de prosseguir, como sejam a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a tutela de direitos fundamentais das pessoas e o restabelecimento da paz jurídica e a reafirmação da norma jurídica violada.
Não podendo pretender-se que seja conseguida a qualquer preço, a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico.
Com efeito, componente essencial do princípio do Estado de Direito é a ideia de justiça, a qual exige também a manutenção de uma administração de justiça capaz de funcionar, devendo reconhecer-se as necessidades irrenunciáveis de uma acção penal eficaz e acentuar-se o interesse público numa investigação da verdade, o mais completa possível, no processo penal, sendo o esclarecimento dos crimes graves tarefa essencial de uma comunidade orientada pelo aludido princípio.
Como em adequada síntese refere João Conde Correia[17]: “A máxima protecção dos direitos fundamentais colocaria barreiras intransponíveis à descoberta da verdade e, em consequência, à realização da justiça, e a busca da verdade a todo o custo eliminaria os mais elementares direitos, conduzindo a uma mistificação da justiça. Este conflito revela-se, em toda a sua amplitude, de forma exponencial, no domínio dos meios de prova e de obtenção da prova. Com efeito, o interesse punitivo do Estado e a plêiade de métodos, tendentes a determinar a existência de um facto ilícito, a punibilidade do seu autor e a determinação da pena ou medida de segurança aplicáveis, dada a natureza das coisas, podem afrontar, de forma grave e irreversível, os direitos fundamentais inerentes a um ser livre e digno”.
Sempre que se verifique a existência de uma tensão entre princípios e interesses fundamentais potencialmente conflituantes, há que procurar a sua harmonização.
Ora, no já citado acórdão do TC n.º 440/99 (que reproduz os fundamentos de um outro, com o n.º 213/94, do mesmo tribunal), a este propósito, escreveu-se:
“…entende-se que a regulamentação consagrada na norma do n.º 1 do art.º 129.º do Código de Processo Penal se revela como proporcionada, nela se precipitando uma adequada ponderação dos interesses do arguido em poder confrontar os depoimentos das testemunhas de acusação, os da repressão penal, prosseguidos pelo acusador público, e, por último, os do tribunal, preocupado com a descoberta da verdade através de um processo regular e justo (due process of law).
A disciplina contida no referido art.º 129.º, n.º 1 (…) também não viola o princípio da estrutura acusatória do processo, nem o da imediação, nem a regra do contraditório; de facto, aquele preceito, ao mesmo tempo que admite o testemunho de ouvir dizer, impõe que as pessoas referenciadas nesse depoimento sejam, elas próprias, chamadas a depor. E, desse modo, garante a imediação e possibilita a cross-examination.
Só assim não será (isto é, as pessoas referidas não são chamadas a depor), se a inquirição não for possível, «por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas». Nessa hipótese, tornando-se impossível interrogar as pessoas que as testemunhas de outiva indicaram como fonte, tem de considerar-se razoável e proporcionada a limitação introduzida à proibição do depoimento indirecto. Tanto mais que este depoimento é apreciado pelo tribunal segundo as regras da experiência e o princípio da livre convicção (cf. o artigo 127.º do Código de Processo Penal)”.
Tendo decidido trilhar caminho oposto, o Colectivo de juízes que julgou este caso desenvencilhou-se mal na tarefa do balanceamento das finalidades em tensão, pois optou, unilateral e exclusivamente, pela afirmação dos interesses e direitos da defesa, em total detrimento da realização da justiça, um valor, também, com tutela constitucional.
Por isso não pode manter-se a decisão de excluir do processo probatório o depoimento indirecto da testemunha T1....
                                                 *

O erro de julgamento em matéria de facto
O acto de julgar tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina o Professor Figueiredo Dias (“Lições de Direito Processual Penal”, 135 e segs.), na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
A recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
Sobre esses dados recai a apreciação do tribunal – que é livre (artigo 127.º do Código de Processo Penal), mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
A liberdade da convicção aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz reflectir, segundo as regras da experiência humana;
Assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis, como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Só é legítima a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal que assente na violação de qualquer dos passos que conduzem a essa convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos.
Ora, já concluímos que o tribunal recorrido, na apreciação que fez da prova, excluiu indevidamente dois importantes meios de prova: o reconhecimento pessoal efectuado pelo ofendido e o depoimento (ainda que indirecto) da testemunha T1....
Esse desaproveitamento de meios de prova, por si só, faz com que o resultado do processo probatório (uma resposta de não provado em relação ao complexo factual que constitui a base da imputação dos crimes de rapto, roubo, ofensa à integridade física e tentativa de homicídio) esteja, necessariamente, viciado.
Mas a decisão recorrida fornece outros motivos de censura.
Referindo-se a outro importante meio de prova – as transcrições das conversações telefónicas interceptadas e escutadas – nela se diz que “lidas sem qualquer enquadramento, podem ter inúmeros significados”.
Acontece que fazer a análise e valoração da prova de forma atomizada, fragmentária, desenquadrada e segmentada, em vez de a fazer concatenadamente, estabelecendo as necessárias conexões, relacionando e conjugando os diversos meios de prova, é erro grave que o juiz não pode cometer. 
Aqui chegados, cremos ser o momento oportuno para nos debruçarmos sobre a questão suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, isto é, a questão de saber se deve o recurso proceder total ou apenas parcialmente, já que só deixando a tarefa de determinação das penas (parcelares e única) para a 1.ª instância ficaria garantido o duplo grau de jurisdição.
Também é nosso entendimento que, em caso de procedência de recurso de sentença absolutória que tenha como consequência a condenação do arguido, o direito a duplo grau de jurisdição só é respeitado se a determinação da pena ficar a cargo do tribunal de primeira instância, pois, se for o tribunal de recurso a fazê-lo, os sujeitos processuais ficam impossibilitados de impugnar a decisão e, portanto, de discutir a(s) pena(s).
Processualmente, não há qualquer obstáculo a que assim se decida, pois é autónoma a parte da sentença que se referir à “questão da culpabilidade” relativamente àquela que se referir à questão da determinação da sanção (artigo 403.º, n.º 2, al. d), do Cód. Proc. Penal).
Mas, se bem se atentar, o que acabámos de dizer para a questão da determinação da pena vale para a “questão da culpabilidade”. Com efeito, tendo agora uma base probatória mais alargada, a decisão em matéria de facto será uma decisão nova, provavelmente diferente, que poderá dar lugar à condenação dos arguidos absolvidos.
Decidindo-se que existem meios de prova que foram excluídos do processo probatório, mas erradamente, pois deviam ter sido valorados, o tribunal terá de proceder a uma nova apreciação da prova na sua globalidade e se for este tribunal da relação a fazê-lo estará a decidir em primeira e única instância a matéria de facto, dado que, dessa decisão, qualquer que ela seja, não haverá recurso[18]
Com efeito, é bem sabido que o recurso em matéria de facto não implica uma reapreciação, pelo tribunal de recurso, da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, pois que duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso.
O recurso que incide sobre matéria de facto implica a reponderação, pelo Tribunal da Relação, de factos pontuais incorrectamente julgados e o que se impõe aqui é uma reponderação da totalidade do material probatório, incluindo os meios de prova indevidamente excluídos, e uma nova decisão da matéria de facto que há-de resultar dessa reapreciação.
Importa frisar que não temos aqui um erro-vício da sentença dos contemplados no n.º 2 do artigo 410.º do Cód. Proc. Penal.
Estamos, isso sim, perante um erro de direito, pois o tribunal recorrido violou regras sobre o modo de formação da convicção, já que não fez a correcta interpretação e aplicação de normas sobre proibição (de produção e valoração) de provas.
Esse erro requer uma nova decisão em matéria de facto que, pelas razões que acabámos de expor, tem de ser proferida na primeira instância, proporcionando assim aos sujeitos processuais a possibilidade de contra ela reagir[19].


III – Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que resulte da apreciação e valoração da globalidade dos meios de prova postos a disposição do tribunal, incluindo a prova por reconhecimento pessoal e o depoimento da testemunha T1…, indevidamente excluídos do processo de formação da convicção do tribunal.
Sem tributação.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2012

Relator: Neto de Moura;
Adjunto: Alda Tomé Casimiro;
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[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[3] Em sentido idêntico se pronuncia Alberto Medina de Seiça (“Legalidade da prova e reconhecimentos «atípicos» em processo penal” in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, Coimbra Editora, 2003, p. 1398): “…julgamos que, além do procedimento prescrito no artigo 147.º, aos reconhecimentos efectuados antes da audiência deverá aplicar-se, com as adaptações convenientes, o regime que disciplina as declarações para memória futura (cf. artigos 271.º e 294.º) de molde a que a informação assim obtida «possa, se necessário, ser tomada em conta no julgamento» (artigo 271.º, n.º 1, in fine), através da leitura do auto (ex vi artigo 356.º, n.º 2, alínea a)) ou de outro suporte documental (gravação videográfica, p. ex.).  
[4] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”; II, Verbo, 5.ª edição revista e actualizada, 257.
[5] Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., 409.
[6] M. Simas Santos, Manuel Leal-Henriques e João Simas Santos in “Noções de Processo Penal”, Rei dos Livros, 2010, p. 211, designam-no como “reconhecimento intelectual”.
[7] Acórdão do TC n.º 425/2005, DR, II, de 11.10.2005.
[8] Neste sentido, considerando o reconhecimento “um meio autónomo e material de prova” que “deve ser atendida em julgamento, sem prejuízo (…) de ser submetida ao contraditório”, o acórdão do TRE, de 07.12.2004 (disponível em www.dgsi.pt).
“Prova autónoma pré-constituída”, assim é designado o reconhecimento realizado em inquérito no acórdão deste TRL, de 15.11.2011 (www.dgsi.pt).
[9] Admitimos, no entanto, que, como se diz no aresto citado na nota anterior, a documentação do acto do reconhecimento físico seja efectuada em auto próprio, diferente daquele em que é documentado o chamado reconhecimento intelectual.
[10] Embora o objecto do recurso fosse a interpretação da norma do artigo 147.º do Cód. Proc. Penal segundo a qual não é obrigatória a presença de defensor na diligência de reconhecimento, no Acórdão do TC n.º 532/2006 (DR, II, de 10.11.2006) considerou-se que o arguido não fica, de forma alguma, impedido de, em audiência de julgamento, “contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório”.  
[11] Neste sentido, cfr. o acórdão do STJ, de 15.02.2006 (CJ/Acs STJ, XIV, T. I/2006, 190).
[12] Cremos mesmo poder afirmar que é jurisprudência pacífica (por todos, cfr. o acórdão do STJ, de 23.02.2005, disponível em www.dgs.pt/jstj).
[13] Citados acórdãos do STJ, de 15.02.206, e do TRE, de 07.12.2004, e os arestos citados pelo Ministério Público na motivação do seu recurso. Com um alcance mais amplo, mas ainda assim com manifesto interesse para o caso sub judice, o acórdão do STJ, de 17.09.2009 (Relator: Cons. Rodrigues da Costa), de que se transcreve a parte relevante do respectivo sumário: “X – Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal. XI – Conforme jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do art. 355.º, n.º 1, do CPP prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas em audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. XII – Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las a exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal”.   

Defendendo esta orientação jurisprudencial (“não existe qualquer razão para colocar em causa a posição defendida pela jurisprudência”), Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2.ª edição, 976.
[14] Exactamente neste sentido, o acórdão do TRL, de 22.06.2010 (relatora: Des. Margarida Bacelar) do qual extraímos a seguinte passagem: “…se um reconhecimento já foi realizado em inquérito ou instrução, restará analisá-lo em audiência e aí sujeitá-lo ao contraditório. E aí, sujeito ao disposto nos artigos 355.º, nº 2 e 356.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal – e apenasna medida em que se trata de meio autónomo de prova que se não confunde com declarações e depoimentos, não lhe sendo aplicável, pois, o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 356.º do Código de Processo Penal”; Na mesma linha de orientação se situa o acórdão do TRC, de 05.05.2010 (relator: Des. Gomes de Sousa), nele se afirmando que o reconhecimento é uma prova autónoma obtida no inquérito, “com validade intrínseca que se projecta, de per se, na audiência de julgamento”, na qual pode (deve) ser exercido o contraditório em relação a tal prova, “a ser examinada (…) nos termos dos artigos 355.º, n.º 1, in fine, n.º 2 e artigo 356.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal”.
Ainda na mesma linha, o acórdão do TRG, de 03.05.2011 (Relatora: Des. Maria Isabel Cerqueira), de que transcrevemos, na íntegra, o respectivo sumário: “I – O n.º 2 do artigo 355.º do CPP não impõe que as provas produzidas em inquérito e cuja leitura seja permitida em audiência só sejam válidas se a sua leitura for efectivamente feita, bastando-se com a legalidade da eventual leitura. II – A alínea b) do n.º 1 do art.º 356.º do CPP estatui que é permitida a leitura em audiência de autos de “De instrução ou de inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas”. III – Por isso, não obstante não ter sido examinado e discutido em sede de audiência de julgamento, é valida a valoração do auto de reconhecimento efectuado em inquérito, indicado como prova na acusação, bastando tal indicação, para que o arguido não possa ignorar a sua existência e aptidão probatória, e possa defender-se desse auto “…em termos de dispor e poder usar todos os instrumentos processuais necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação” (Ac. do TC n.º 110/2011)”. 
[15] Absolutamente proibido é o depoimento que se limita a reproduzir vozes ou rumores públicos (art.º 130.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal).
[16] “Op. cit.”, 231.
[17] Revista do Ministério Público, n.º 79, 45
[18] Assim também o acórdão do TRL, de 11.10.2006, www.dgsi.pt (Relator: Des. Carlos Almeida), embora a situação aí apreciada fosse a inversa, isto é, de depoimento indirecto que foi indevidamente valorado e por isso se impunha uma nova apreciação da prova.   
[19] Sobre esta questão de provimento condenatório de recurso de decisão absolutória, J.M.Damião da Cunha (“O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória”, Publicações Universidade Católica, Porto 2002, 519) pronuncia-se no sentido de que “não deve haver possibilidade de um tribunal superior alterar uma decisão, de absolutória para condenatória, porque não é possível declarar culpado um arguido sem que essa declaração seja precedida por uma audiência de julgamento (ou uma qualquer renovação de prova) em que lhe sejam concedidas, ex novo, todas as possibilidades de defesa. Ou seja, a declaração de absolvição pode ser “revogada”, mas não alterada (se se quiser, pode ser “cassada”, mas não “reformada”).