Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
574/18.0IDLSB.L1-5
Relator: ANABELA CARDOSO
Descritores: CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ACORDO DE PAGAMENTO
CONDIÇÃO DE PUNIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Os acordos de pagamento em prestações, celebrados no âmbito dos processos de execução fiscal, relativos à não entrega nos prazos legalmente estabelecidos das quantias devidas, em nada contendem com a verificação do crime de abuso de confiança fiscal e a sua punibilidade, porquanto, aquando da notificação prevista na alínea b), do nº 4, do artigo 105º, do RGIT, não tinha ocorrido, com esse plano, o pagamento integral dos impostos em dívida, condição para a não punibilidade.

Como tal, o acordo de pagamento, entre o devedor da prestação tributária e a administração tributária, não obsta à verificação e funcionamento da condição de punibilidade da conduta, consagrado no artigo 105.º, n.º4 al. b) do RGIT, não produzindo qualquer descriminalização dos factos praticados pelo arguido.



Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:



1.No âmbito do Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 574/18.0IDLSB, que corre termos no Juiz 12, do Juízo Local Criminal de Lisboa, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi o arguido, PA, condenado, por sentença proferida em 5 de Maio de 20210, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos arts. 6º, nº 1 e 105º, nºs 1, 2, 4 al. a) e b) 5 e 7, ambos do RGIT, com referência aos arts. 30º nº 2 e 79º nº 1, ambos do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

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2.Sem se conformar com esta decisão, o arguido interpôs recurso, onde formulou as conclusões que se transcrevem:
i.-Por douta sentença proferida a fls , foi o arguido condenado, pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, previsto e punido nos termos dos artigos 6º e 105º, nº 1, nº 2, nº 4, alíneas a) e b), nº 5 e n.º 7, ambos do R.G.I.T., e com referência aos artigos 30º nº 2, e 79º nº 1, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
ii.- Contudo e salvo o devido respeito, que, aliás é muito, não pode o ora recorrente concordar com a douta decisão.
iii.- Aquando da notificação nos termos do artigo 105º do RGIT já se encontrava solicitado um pedido de pagamento das quantias em dívida em prestações, já havia sido aprovado o pedido de pagamento em prestações e já havia sido homologado o referido plano prestacional.
iv.-O douto Tribunal deu como provado que, aquando da notificação nos termos do artigo 105º do RGIT já se encontravam pagas as quantias €118.782,95, €18.556,20 e €10.478,25 - ponto 14 dos factos provados.
v.- Ao exposto acresce o facto de que, na data de notificação nos termos do artigo 105º do RGIT - 26.07.2019 - os valores estavam totalmente garantidos.
vi.-Com efeito, aquando da notificação para se proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento voluntário (26.07.2019), já o montante se encontrava a ser devidamente liquidado através e um plano prestacional aprovado pela própria AT com garantia prestada.
vii.-Pelo que não estão preenchidas as condições de punibilidade do tipo de crime.
viii.-Com efeito, quer se conte o prazo a partir dos 90 dias para proceder ao pagamento dos valores em dívida, ou a partir dos 30 dias após a notificação nos termos do artigo 105º do RGIT, a alegada dívida já não existia.
ix.-Isto porque quer numa situação quer noutra, já havia um plano prestacional aprovado pela AT e uma garantia prestada para suspensão dos processos executivos.
x.-O legislador pretendeu diferenciar as situações daqueles que cumprem as suas obrigações - seja de imediato, seja através de planos prestacionais - daqueles que nada fazem e que esse sim, cometem um crime de abuso de confiança fiscal nos termos do artigo 105º do RGIT.
xi.-Fez o Mmº Juiz uma interpretação errónea dos factos dados como provados uma vez que, os mesmos demonstram claramente a existência de uma descriminalização por parte do ora arguido, devendo este ser absolvido da pratica do crime de que vem acusado por inexistência de responsabilidade criminal uma vez que estão descriminalizados os factos por eles praticados.
xii.-Violou a douta sentença o dever de pronuncia, por omissão - artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP - bem como o artigo 105º do RGIT.”

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3.A Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal de primeira instância, respondeu ao recurso, concluindo no sentido de o mesmo ser julgado improcedente, tendo extraído as seguintes conclusões:
• QUESTÃO PRÉVIA - Da violação do disposto no art.412.° n.° 2 e 3 do C.P.P.:
• O recorrente impugna a matéria de facto constante da decisão recorrida, invocando erro notório na apreciação da prova (na motivação do recurso).
• Das motivações apresentadas pelo recorrente resulta a intenção do mesmo em impugnar a decisão relativa à factualidade dada como provada.
• Contudo, apesar de manifestar a intenção de impugnar a matéria de facto, o recorrente não deu cumprimento ao exigido pelo art. 412.° n.° 3 do C.P.P.
 No caso concreto o recorrente nem sequer indica qual a factualidade que entende que não deve ser dada como provada ou não provada.
 Assim sendo, não cumpre o ónus de impugnação que se encontra contido no art.412.° n.° 3 e n.° 4 do Código de Processo Penal.
 Acresce que, não obstante alegar erro na apreciação da prova e alegar que tal prova deveria ter outro desfecho jurídico não indicou, da prova colhida nos autos e da produzida em julgamento, quais as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas.
• Antes veio o recorrente, no final do seu recurso indicar nova prova, com indicação de duas testemunhas.
 Para se impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto teria o arguido que indicar as provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que não fez.
Concluindo o recorrente não identifica qual a matéria de facto que impugna nem identificou quais as provas que impunham decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo.
Quanto a uma eventual impugnação da matéria de direito que o recorrente pretendesse fazer, também não deu cumprimento ao disposto na lei (art. 412.° n.° 2 do C. P. P.), dado que não indicou quais as normas jurídicas violadas; o sentido que no seu entendimento o tribunal recorrido interpretou cada norma ou a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou aplicada; e em caso de erro na norma aplicável, qual a norma jurídica que no seu entendimento devia ser aplicada.
Nada disto fez o arguido, sendo que o que pretendia - tal como invocou (erro notório na apreciação da prova) - era impugnar a decisão quanto à matéria de facto embora não o tenha conseguido, dentro dos parâmetros legais.
 Assim, concluímos que não estão reunidas, as condições necessárias para que o tribunal ad quem conheça da matéria de facto, por violação do previsto no art.412.° n.° 3 do C.P. Penal, devendo ser o presente recurso rejeitado, nos termos do previsto no art. 417.° n.° 3 e 420.° n.° 1, al. c) ambos do C. P. Penal.
Caso assim não se entenda, constata-se da leitura dos factos dados como provados - e que não são postos em causa pelo arguido recorrente - o arguido, administrador efectivo da sociedade, agindo em nome, representação e interesse da sociedade "KC, S.A.", sabia que os montantes resultantes da liquidação efectuada em sede de IVA não pertenciam à sociedade, mas ao Estado e ainda assim decidiu não cumprir as obrigações de entregar ao Fisco os aludidos montantes, agindo com a consciência de que era obrigação da sociedade entregar ao Fisco as quantias de IVA recebida pela mesma.
Quanto às quantias declaradas pela sociedade às Finanças, recebidas e em dívida às Finanças, nos vários momentos, chegou o tribunal recorrido à conclusão que - facto dado como provado n.° 12 - as quantias de € 118.782,95 (facto provado n.° 5), € 55.668,60 (facto provado n.° 6) e €50.295,61 (€ 100.591,23 -€ 50.295,62 - facto provado n.° 11), não foram pagas nem dentro do prazo legal nem nos 90 dias subsequentes ao termo de tal prazo - facto dado como provado n.° 12.
Considera assim o tribunal que mesmo depois da notificação do artigo 105.° n.° 4 do RGIT os valores mantiveram-se por pagar - facto dado provado n.° 14.
Quanto às quantias em dívida à data da primeira sessão de julgamento deu-se como provado o seguinte - pontos 18 e 19 dos factos dados como provados - provou-se:
- que a quantia mencionada no ponto 5 foi paga € 118.782,95 e;
- as quantias referidas a ponto 6 e 7 estavam ainda em dívida os valores de € 46.390,50 e € 35.626,05, estando tais dívidas a ser pagas no âmbito de um plano de pagamento em prestações.
 Dos factos dados como provados e da sua fundamentação resulta bem explicados os valores declarados pela sociedade às Finanças quanto aos períodos de imposto em dívida, valores efectivamente recebidos pela sociedade e quais os valores que, nos vários momentos, não foram entregues ao Estado, concluindo-se que após todos os prazos legais ainda estavam por entrega ao Estado os valores acima mencionados, todos eles superiores a €7.500,00.
Não procede a alegação do recorrente de que houve um erro na apreciação da prova atenta a matéria de facto dada como provada e a prova que a suporta e que serviu a decisão de condenação.
Considera o M. P. não existir nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.° n.° 1 al. c) do CPP, por omissão de pronúncia dado que nenhuma questão - que tenha sido apresentada/alegada em julgamento ou durante o processo - ficou por apreciar.
Quanto à invocada não verificação de condição de punibilidade por ter a sociedade acordado com a Autoridade Tributária um plano prestacional na pendência do processo crime tal não deve proceder sendo reconhecida, quer na jurisprudência quer na doutrina a autonomia da responsabilidade tributária (pelo imposto devido) quanto à responsabilidade penal tributária, confundido (ou querendo confundir) o recorrente estas duas esferas, entendemos que a argumentação expendida pela defesa falece. Acresce que o crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro e, como tal é consumado no momento em que o agente não entrega a prestação tributária devida -neste sentido vide o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 5.6.2017, in www.dgsi.pt.
Segundo o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 14.1.2015, proc. n.° 2689/13.1IDPRT.P1, disponível em fontes abertas: "I- O acordo de pagamento da dívida fiscal não extingue a responsabilidade penal. II- Há apropriação quando se prova que o arguido utilizou os valores retidos para pagamento de dívidas da sociedade.".
Por sua vez o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 17.2.2021, proc. n.g 35/19.0IDPRT.P1, disponível em fontes abertas, refere: "Em caso de prática de crime de abuso de confiança fiscal, a existência de um acordo de pagamento anterior ao termo dos prazos estabelecidos como condição objetiva de punibilidade no artigo 105.°, n.° 4, b), do R.G.I.T, ou deles contemporâneo, e até o cumprimento parcial desse acordo no âmbito desses prazos, é irrelevante no plano da responsabilidade penal, que é distinto do da responsabilidade tributária.".
Para o M. P. a sentença recorrida não merece qualquer reparo, não violou qualquer norma jurídica e devendo a sentença manter-se nos seus exactos termos, confirmando-se a condenação do arguido na pena em que foi condenado pelo tribunal a quo.”

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4.Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Ex.ma Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos.

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5.Foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.

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6.A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
“2)Fundamentação:
2.1)-Facto:
2.1.1)-Factos relevantes para a existência ou inexistência do crime, punibilidade ou não punibilidade do arguido e determinação da pena (artigo 124°, n.° 1, do Código de Processo Penal), respectiva motivação e exame crítico da prova (artigo 374°, n.° 2, do citado código):

2.1.1.1)Provados:
1)- A sociedade é uma sociedade comercial anónima.
2)- Exerce a actividade de bares e restaurantes com espaço de dança.
3)- No exercício da sua actividade, e no exercício fiscal dos anos de 2017 e de 2018, a sociedade encontrava-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal, com periodicidade trimestral.
4)- No quarto trimestre do ano fiscal de 2017 e nos dois primeiros trimestres do ano de 2018, a sociedade prestou serviços tributáveis, em consequência dos quais recebeu IVA.
5)- No dia 16.02.2018, a sociedade enviou à administração fiscal a declaração periódica relativa ao quarto trimestre do ano de 2017, respeitante a IVA, sendo que, na referida declaração, no campo 93, denominado “Imposto a entregar ao Estado”, fez constar o valor de € 118.782,95.
6)- E, no dia 12.07.2018, enviou à mesma entidade, a declaração periódica relativa ao primeiro trimestre do ano de 2018, respeitante a IVA, sendo que, no mesmo campo, fez constar o valor de € 55.668,60.
7)- E, no dia 14.08.2018, enviou à mesma entidade, a declaração periódica relativa ao segundo trimestre do ano de 2018, respeitante a IVA, sendo que, no mesmo campo, fez constar o valor de € 100.591,23.
8)- No que respeita ao trimestre referido em 5), a sociedade recebeu de IVA liquidado aos seus clientes, até ao último dia do prazo legal de pagamento (16.02.2018), a quantia de € 103.550,03.
9)- No que respeita ao trimestre referido em 6), a sociedade recebeu de IVA liquidado aos seus clientes, até ao último dia do prazo legal de pagamento (15.05.2018), a quantia de € 68.668,86.
10)- No que respeita ao trimestre referido em 7), a sociedade recebeu de IVA liquidado aos seus clientes, até ao último dia do prazo legal de pagamento (16.08.2018), a quantia de € 76.803,66.
11)-Antes do último dia do prazo legal de pagamento (16.02.2018), e que no tange ao trimestre referido em 7), a sociedade pagou a quantia de € 50.295,62.
12)- O valor referido em 5), em 6) e em 7), este deduzido do valor referido em 11), não foi pago no respectivo prazo legal, nem no prazo de 90 dias subsequentes ao termo de tal prazo.
13)-No período supra mencionado, o arguido era o administrador efectivo da sociedade.
14)-No que concerne às quantias referidas em 5), em 6) e em 7), deduzidas dos valores então já pagos, respectivamente, de € 118.782,95, € 18.556,20 e € 10.478,25, a sociedade e o arguido foram notificados, no dia 26.07.2019, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n.° 4, alínea b), do R.G.I.T. (de que não seriam punidos pela prática  do crime de abuso de confiança fiscal caso procedessem ao pagamento de tais quantias e respectivos acréscimos legais, no prazo de 30 dias), não tendo pago em tal prazo, as quantias referidas em 6) e em 7), bem como os juros respeitantes à quantia mencionada em 5).
15)-Os valores não pagos inicialmente ao Estado foram utilizados pela sociedade para satisfazer outros compromissos relacionados com sua a actividade normal.
16)-Ao actuar do modo acima descrito, em nome e em representação da sociedade, o arguido:
-Sabia que os montantes resultantes da liquidação efectuada em sede de IVA não pertenciam à sociedade, mas ao Estado;
-Decidiu não cumprir as obrigações de entregar ao Fisco os aludidos montantes;
-Agiu com consciência de que era obrigação da sociedade entregar ao Fisco as quantias de IVA recebida pela mesma;
-Agiu livre e conscientemente determinados;
-Sabia que a sua conduta era punida por lei.
17)-No certificado do registo criminal do arguido, consta que este foi condenado


Data

Factos

Data

    Decisão
Data

    Trânsito
Crime
(entre parêntesis, número de crimes)
    Pena Principal
(A=ano / M=mês / D=dia)
    09.07.1988
09.07.198818.09.1988Condução de veículo em estado de embriaguez60D multa, a € 5
    26.08.2006
09.07.201026.05.2011Desobediência (2)90D multa, a € 20
    17.05.2014
02.10.201412.01.2015Condução de veículo em estado de embriaguez120D multa, a € 5
    07.08.2015
21.08.201530.09.2015Condução de veículo em estado de embriaguez70D multa, a € 6
    26.12.2015
07.01.201608.02.2016Condução de veículo em estado de embriaguez3M prisão, suspensa 1A
    Fevereiro

2016
20.01.201720.02.2017Desobediência (2)100D multa, a € 10


18)- A quantia referida em 5) encontra-se paga.
19)- No dia 26.04.2021 (data da realização da primeira sessão da audiência de julgamento), relativamente às quantias referidas em 6) e em 7), encontrava-se em dívida, respectivamente, as quantias de € 46.390,50 e € 35.626,05, que se encontram a ser pagas no âmbito de um plano de pagamento em prestações.

2.1.1.2) Não provados:
20)- A sociedade fez constar na declaração respeitante ao trimestre referido em 7) o valor de € 50.295,61.
21)-No que tange ao trimestre referido em 5), a sociedade recebeu, até ao último dia do respectivo prazo legal de pagamento, a quantia de € 118.782,95.

2.1.1.3) Motivação e análise crítica da prova:

2.1.1.3.1)- Factos provados:
A convicção do tribunal resultou dos seguintes meios de prova:
  Número 1): Certidão permanente que constitui fls. 3 a 5.
  Número 2): Informação fiscal que constitui fls. 18 a 20, mormente, fls. 19, verso.
 Números 3) a 7): Autos de notícia que constituem fls. 11, 59 e 81, e declarações periódicas que constituem fls. 15 a 17, 60 a 62 e 226 a 228, respectivamente respectivamente, concernentes aos trimestres referidos nos factos provados números 5) a 7).
 Números 8) a 10): Mapas que constituem fls. 251, 252 e 253, respectivamente, respeitantes aos trimestres referidos nos factos provados números 8) a 10), anexos ao relatório elaborado pela testemunha JA..., inspectora tributária que elaborou o mencionado relatório.
• Número 11): Auto de notícia que constitui fls. 81.
• Número 12): No que respeita aos trimestres do ano de 2018, a respectiva factualidade resulta provada pelo simples facto de se encontrar provado que a totalidade da quantia em causa ainda não se encontrava paga na data de 26.07.2019 (data referida no facto provado n.° 14). Quanto ao trimestre do ano de 2017, a respectiva factualidade resulta provada por no documento que constitui fls. 24, verso, junto aos autos em 10.07.2018, conforme data aposta no carimbo constante de fls. 24, frente (explicação: o último dia do prazo legal de pagamento era 16.02.2018, pelo que, acrescida de 90 dias, alcança-se uma data anterior ao aludido dia 10.07.2018).
• Número 13): Conjugação dos seguintes meios de prova:
- Depoimento da testemunha LM..., o qual, na parte que interessa, disse ser chefe de sala de um dos restaurantes explorados pela sociedade, razão pela qual tem conhecimento que o arguido é o director-geral da sociedade, tendo sido contratado pelo mesmo e pessoa com a qual sempre resolveu os problemas que havia para resolver no restaurante em que trabalhava.
- Depoimento da testemunha LM..., o qual, na parte que interessa, relatou que exerce há cerca de 6 anos as funções de contabilista da sociedade, pelo que tem conhecimento que o arguido é o gestor efectivo da sociedade;
- Depoimento da testemunha VJ..., o qual, na parte que interessa, contou que trabalhou num dos restaurantes explorados pela sociedade, tendo sido promovido há cerca de 4 anos a chefe de sala, razão pela qual tem conhecimento que o arguido era o seu patrão, tendo sido ele quem o contratou, quem acordou consigo o valor do salário e era quem lhe dava ordens.
Apreciando criticamente estes meios de prova, cumpre explicitar que o tribunal não tem qualquer dúvida que, ao tempo da prática dos factos, o arguido administrava, de facto, a sociedade, uma vez que todas as testemunhas em causa, todos trabalhadores da sociedade, questionados quanto tal situação, assim o afirmaram.
• Números 14) e 18):Notificação que constitui 204, sendo que, no concerne ao valor dos juros não pagos, esta factualidade resulta provada por documento que constitui fls. 233, verso, junto aos autos em 09.09.2019 (esta data encontra-se aposta no carimbo constante de fls. 223, frente), ou seja, decorridos os 30 dias após a notificação efectuada no dia 26.07.2019.
Números 15) e 16):Regras da experiência comum, por não ser crível, de todo, face à demais factualidade fixada como provada, equacionar qualquer outra hipótese.
Números 17):Certificado do registo criminal que constituiu fls. 342 a 349.
•Número 19):Depoimento da testemunha JA..., inspectora tributária, em razão de ter relatado toda a factualidade em causa, da qual disse ter conhecimento por ter consultado a documentação de que se fez acompanhar, extraída do sistema informático da autoridade tributária.

2.1.1.3.2)Factos não provados:
Número 20): Por se ter feito prova dissemelhante, conforme resulta do facto provado n.° 7).
 Número 21): Por se ter feito prova dissemelhante, conforme resulta do facto provado n.° 8).
O tribunal não apreciou, em termos de factualidade provada ou não provada, a demais factualidade descrita na acusação, por a ter considerado irrelevante para a decisão do presente processo.

2.2)Direito:
2.2.1)- Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, previsto e punido nos termos dos artigos 6° e 105°, n.° 1, n.° 2, n.° 4, alíneas a) e b), n.° 7, ambos do R.G.I.T., e artigo 30°, n.° 2, e 79°, n.° 1, ambos do Código Penal:

Dispõe o artigo 105° do Regime Geral das Infracções Tributárias:
1-Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias (redacção introduzida pelo artigo 113° da Lei 64-A/2008, de 31.12, com entrada em vigor em 01.01.2009 - artigo 174° da Lei 64-A/2008).
2- Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3-É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a)-Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b)-A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito. (redacção introduzida pelo artigo 95° da Lei 53-A/2006, com entrada em vigor em 01.01.2007 - artigo 163° da Lei 53-A/2006).
5- Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a € 50 000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.
6- (Revogado pelo artigo 115° da Lei 64-A/2008, de 31.12).
7-Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.”
Pressuposto indispensável para que um arguido pratique o crime em apreço é que não seja entregue à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7.500,00 que tenha efectivamente deduzido (n.° 1 do citado artigo 105°, aplicável às situações de IRS) ou recebido (n.° 2 do citado artigo 105°, aplicável às situações de IVA), sendo que, no caso de a não entrega ser superior a € 50.000,00, verifica-se a gravação da pena.

Com efeito, “A omissão de entrega total ou parcial, à administração tributária de prestação tributária de valor superior a € 7.500 relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado em relação às quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas, só integra o tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, previsto no artigo 105 n.° 1 e 2 do RGIT, se o agente as tiver, efectivamente, recebido.” - transcrição «ipsis verbis» - (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.° 8/2015, de 29.04.2015, publicado no Diário da República n.° 106, Série I, de 02.06.2015), sendo que esta jurisprudência é extensível ao IRS.

Igualmente pressuposto da prática do crime em apreço é que a não entrega, isto é, o facto negativo do ilícito em apreço, se tenha verificado até à data em que a declaração tem de ser apresentada e a prestação paga (no caso do IVA, e actualmente, até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações e até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações - artigo 41°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado) ou até à data do respectivo pagamento (no caso do IRS, e actualmente, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas - artigo 98°, n.° 3, do Código de Imposto Sobre Rendimento de Pessoas Singulares).

Na verdade, de harmonia com o disposto no artigo 5°, n.° 2, do R.G.I.T. “As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários.”. Deste modo, se o valor do IVA for recebido após a data da entrega da declaração não pode tal recebimento ser contabilizado como IVA efectivamente recebido, para efeitos de criminalização (No mesmo sentido, vide, entre outros, os seguintes acórdãos, todos disponíveis na internet, em www.dgsi.pt, cujos sumários ou respectivos trechos se transcreve para alumiar a questão em apreço:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25.03.2014, processo n.°86/10.0IDSTB.E1, cujo relator foi o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Carlos Berguete Coelho:IV- O momento relevante para esse recebimento é, em concreto, a data até à qual a declaração periódica tivesse de ser apresentada.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19.12.2013, processo n.°388/11.8IDFAR.E1, cujo relator foi o Exmo. Sr. Desembargador João Gomes de Sousa: I- O momento da consumação criminosa no crime de abuso de confiança fiscal é o momento em que a prestação tributária deveria ter sido paga. II- O mero pagamento parcial no âmbito da condição da alínea b) do nº 4 do artigo 105º do RGIT não exclui a punibilidade. E não exclui essa punibilidade mesmo que o montante ainda em dívida nesse momento [no final do prazo de 30 dias da al. b)] seja inferior aos 7.500 € previstos no n° 1 do preceito. III- Ou seja, consumado o crime, só o pagamento integral das indicadas quantias e no prazo da al. b) do n° 4 do artigo 105° do RGIT afasta a punibilidade da conduta. IV- Isto porquanto os 7.500 euros são um “patamar” do tipo de ilícito e este verificava-se - estava preenchido - no momento da consumação do ilícito criminal. Assim, o momento chave para fazer operar o n° 1 do preceito (logo, para verificar o requisito 7.500 €) é o momento da consumação do crime e não o momento de verificação da condição objectiva de punibilidade, já que estas são duas realidades distintas.”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10.09.2013, processo n.° 346/09.2IDSTB.E1, cujo relator foi o Exmo. Sr. Desembargador António Latas: I- Para o cometimento do crime de abuso de confiança fiscal, quando se trate de prestações tributárias referentes a IVA, é necessário que fique demonstrado o efectivo recebimento do correspondente montante pelo sujeito passivo obrigado à sua entrega ao Estado até ao momento da entrega das respectivas declarações periódicas à Autoridade Tributária. II.- Não tendo o tribunal diligenciado pelo apuramento das concretas datas do recebimento parcial ou total do IVA com referência ao momento estabelecido para a entrega de cada uma das sobreditas declarações e do imposto devido, incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.”
Trata-se de um tipo de ilícito doloso.
Por fim, cumpre evidenciar que, “A jurisprudência, reiteradamente, vem afirmando que o crime de abuso de confiança fiscal é um crime omissivo puro que se consuma no momento em que o agente não entregou a prestação tributária que devia, ou seja, consuma-se no momento em que o mesmo não cumpre a obrigação tributária a que estava adstrito, haja ou não haja entrega da declaração tributária.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.04.2013, processo n.° 496/11.5IDLSB.L1-3, disponível na Internet, em www.dgsi.pt)
Assim, e citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.10.2015, processo n.° 92/09.7IDVIS.C2, disponível na Internet, em www.dgsi.pt: “I - São pois elementos constitutivos do tipo deste crime ...:

[Tipo objectivo]
Que o agente, estando legalmente obrigado a entregar à administração fiscal,
i)-  prestação tributária deduzida nos termos da lei,
ii)- prestação deduzida por conta daquela prestação tributária, ou
iii)- prestação que tendo recebido, tenha a obrigação legal de liquidar, de valor superior a € 7.500 ... omita, total ou parcialmente, tal entrega;

[Tipo subjectivo]
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art. 14° do C. Penal, posto que não se exige a verificação de um qualquer dolo específico.”
A exigência de terem decorrido 90 dias sobre o termo do prazo legal para a entrega da prestação funciona como uma condição objectiva de punibilidade (vide artigo 105°, n.° 4, alínea a), do R.G.I.T.), aliás, tal-qualmente, como a prevista na alínea b) do n.° 4 do citado artigo 105° (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência, publicado no Diário da República n.° 67, Série I, de 04.04.2008).
Pese embora, o elemento “apropriação” não integre, actualmente, de forma expressa, os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança fiscal, como pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.2003, este elemento do tipo “está contido no espírito do texto, pois se o agente não entrega à administração tributária as prestações que deduziu e era obrigado a entregar, é porque se apropriou delas, dando-lhes assim um destino diferente daquele que lhe era imposto por lei. ”, daí que, na prática, a actual não exigência na lei do elemento “apropriação” acabe por não ter qualquer relevância criminal.
A obrigação de retenção ínsita no citado artigo 105° resulta dos artigos 98° e seguintes do Código de Imposto Sobre Rendimento de Pessoas Singulares.
A obrigação de entrega ínsita no citado artigo 105° resulta do artigo 27° do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Expostas algumas breves considerações, veja-se o caso em apreço.
Encontra-se provado que, a sociedade, quanto aos trimestres referidos nos factos provados números 5) a 7), recebeu, efectivamente, de IVA, até aos respectivos fins dos prazos legais de pagamento (16.02.2018, 15.05.2018 e 16.08.2018), respectivamente, as quantias de € 103.550.03, € 68.668,86 e € 76.803,66, todas superiores a € 7.500,00, bem como superior a € 50.000,00 (daí que se verifique a previsão do n.° 5 do supra transcrito artigo 105°), não tendo o arguido, na qualidade de administrador de facto da sociedade, os entregue ao Estado, naqueles prazos.

Mais se encontra provado que, ao do modo acima descrito, em nome e em representação da sociedade, o arguido:
- Sabia que os montantes resultantes da liquidação efectuada em sede de IVA não pertenciam à sociedade, mas ao Estado;
- Decidiu não cumprir as obrigações de entregar ao Fisco os aludidos montantes;
- Agiu com consciência de que era obrigação da sociedade entregar ao Fisco as quantias de IVA recebida pela mesma;
- Agiu livre e conscientemente determinados;
- Sabia que a sua conduta era punida por lei.
Os factos provados evidenciam que o arguido, actuando na qualidade de administrador de facto da sociedade, actuou com dolo directo (artigo 14°, n.° 1, do Código Penal).
Não se verifica qualquer causa que exclua a ilicitude da conduta ou a culpa.
Mais se encontra provado que a totalidade das quantias em apreço não foram pagas no prazo de 90 dias, após os fins dos respectivos prazos legais.
Mais se encontra provado que o arguido, não obstante notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n.° 4, alínea b), do R.G.I.T., não procedeu à entrega dos quantitativos em causa (trimestres dos anos de 2018 e juros sobre a quantia do trimestre do ano de 2017), no prazo de 30 dias.
Como tal, o arguido deverá ser condenado pela prática do crime em apreciação e pelo qual se encontra acusado, crime este continuado, como infra se passará a explicar. (…).”

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7.Questão prévia:
No final das conclusões de recurso, o recorrente indicou prova [duas testemunhas não anteriormente indicadas nos autos], sem que dai, contudo, tenha retirado qualquer consequência ou feito algum pedido, mais concretamente não foi solicitada a realização de audiência, nem a renovação de prova.

A Ex.ª Sra. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, considerou que o recorrente, com a indicação de duas testemunhas, no final das conclusões de recurso, pretende a renovação da prova, em audiência, de acordo com o disposto no art. 430º nº 1 e 2 do C.P.P.

Vejamos:

A renovação da prova só faz sentido caso se detectem na decisão recorrido algum dos vícios indicados nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sendo que os factos a provar e as provas a renovar devem dizer respeito a tais vícios e visarem o suprimento destes, evitando o reenvio.

A renovação da prova realiza-se em audiência (art. 430º nº 3 do CPP) e, na situação em apreço, não só não foi requerida audiência, como tal pedido se pode presumir como tendo sido feito, por se ter indicado prova no final das conclusões de recurso, desde logo por da leitura da motivação, ou das conclusões de recurso, se não mostrarem especificados quaisquer pontos da motivação de recurso que se pretendesse ver na mesma debatidos, conforme especificado no art. 411º nº 5 do C.P.P.

Por outro lado, a renovação da prova na Relação é inadmissível quando a prova cuja renovação se requer não tenha sido de alguma forma produzida em 1.ª instância, pois de outro modo o recurso para a Relação deixaria de ser um remédio para suprir deficiências da decisão daquela instância e passaria a ser um 2.º julgamento, um novo julgamento, desvirtuando o regime recursivo em processo penal. [1]

Assim, qualquer tomada de declarações às duas testemunhas indicadas no recurso constituiria prova inteiramente nova, pelo que estranha ao instituto de renovação da prova.

Acresce que a renovação da prova só faz sentido caso se detectem na decisão recorrida algum dos vícios indicados nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, sendo que os factos a provar e as provas a renovar devem dizer respeito a tais vícios e visarem o suprimento destes, evitando o reenvio.

No caso, como se constata da leitura da motivação e conclusões de recurso o recorrente não invoca qualquer dos mencionados vícios reportados ao depoimento de qualquer testemunha, designadamente das que indicou no final das conclusões, para que se pudesse sustentar qualquer renovação de prova.

Pelo exposto, por nada ter sido requerido pelo recorrente e por inverificados os indicados pressupostos de que o artigo 430.º, n.º 1 do Código de Processo Penal faz depender a «renovação da prova», nada temos a determinar em relação à indicação de duas testemunhas no final das conclusões de recurso, que, assim, se terá como não escrita.

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8. Questões que são objeto deste recurso:
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995, (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o recorrente alega:
- Existência do vício do erro notório na apreciação da prova;
- Inexistência da condição de punibilidade a que se refere o art. 105º do RGIT. – Descriminalização dos factos que lhe imputados – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

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9.  Apreciando do mérito do recurso:
O recorrente veio invocar a existência do vício do erro notório na apreciação da prova, porquanto, aquando da notificação, nos termos do artigo 105º do RGIT [26.07.2019], já se encontrava solicitado um pedido de pagamento das quantias em dívida em prestações, já havia sido aprovado o pedido de pagamento em prestações, já havia sido homologado o referido plano prestacional e já se encontravam pagas as quantias €118.782,95, €18.556,20 e €10.478,25, ou seja, os valores estavam totalmente “garantidos”, assim concluindo que não estão preenchidas as condições de punibilidade do tipo de crime de abuso de confiança fiscal, por que foi condenado.
Mais sustenta o recorrente que o Mmº Juiz do tribunal recorrido fez uma interpretação errónea dos factos dados como provados, uma vez que os mesmos demonstram claramente a existência de uma descriminalização dos factos que lhe são imputados, pelo que deveria ter sido absolvido da pratica do crime de que vem acusado, termos em que, tal não tendo ocorrido, se verifica a nulidade da sentença recorrida, por omissão do dever de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c), do CPP , bem como do artigo 105º do RGIT.   

Apreciando:
O cerne do recurso, conforme se extrai de toda a motivação e conclusões apresentadas, alicerça-se numa questão de direito, ou seja, no entendimento a seguir quanto à relevância, para efeitos de procedimento criminal, dos pagamentos efectuados à AT, por acordo com ela realizado durante a pendência do processo, e não em qualquer impugnação da matéria de facto, seja pela via do erro de julgamento [sendo certo que, no caso, nem se mostra satisfeito o ónus de especificação previsto no art. 412º nº 3 do CPP], quer na vertente de invocação dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, mais concretamente, como intitulado pelo recorrente, na motivação do recurso, pela via do erro notório na apreciação da prova.

Nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento «erro notório na apreciação da prova», «desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum».

Em causa está o equívoco ostensivo, de tal modo evidente a partir da simples leitura da decisão, que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta - Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III volume, edição de 2000, página 341, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, página 1119., e Acs do STJ de 14.05.2009, Processo n.º 1182/06.3PAALM.S1 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, de 25.06.2009, Processo n.º 4262/06 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros e de 29.10.2009, Processo n.º 273/05.2PEGDM.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Souto Moura, in www.stj.pt/jurisprudência/sumáriosdeacórdãos /secção criminal. Como se lê no Ac. do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p. 169, ocorre quando a matéria de facto sofre de uma irrezoabilidade passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum.

O aqui recorrente não concretiza este vício, referindo-se a ele em função de um diferente entendimento que tem, daquele efectuado pelo Tribunal recorrido, na subsunção dos factos provados ao direito, o que se mostra impróprio, atenta a sua definição, acima preconizada, para sustentar a existência daquele vício.

Observada a decisão recorrida, o texto da mesma apresenta-se lógico e conforme com as regras da experiência comum, não decorrendo qualquer erro, muito menos notório, susceptível de integrar o vício invocado de erro notório na apreciação da prova.

Com efeito, é manifesto, desde logo por não contestado pelo recorrente, que, no caso em apreço:
- A sociedade KC, SA, quanto aos trimestres referidos nos factos provados números 5) a 7), recebeu, efectivamente, de IVA, até aos respectivos fins dos prazos legais de pagamento (16.02.2018, 15.05.2018 e 16.08.2018), respectivamente, as quantias de € 103.550.03, € 68.668,86 e € 76.803,66, todas superiores a € 7.500,00, bem como superior a € 50.000,00, não tendo o arguido, na qualidade de administrador de facto da sociedade, os entregue ao Estado, naqueles prazos.
- Do modo acima descrito, nos factos dados como provados, em nome e em representação da referida sociedade, o arguido: - sabia que os montantes resultantes da liquidação efectuada em sede de IVA não pertenciam à sociedade, mas ao Estado; - decidiu não cumprir as obrigações de entregar ao Fisco os aludidos montantes; - agiu com consciência de que era obrigação da sociedade entregar ao Fisco as quantias de IVA recebida pela mesma; -  agiu livre e conscientemente determinados; - sabia que a sua conduta era punida por lei.
- A totalidade das quantias em apreço não foram pagas no prazo de 90 dias, após os fins dos respectivos prazos legais.
- O arguido, não obstante notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105°, n.° 4, alínea b), do R.G.I.T., não procedeu à entrega dos quantitativos em causa (trimestres dos anos de 2018 e juros sobre a quantia do trimestre do ano de 2017), no prazo de 30 dias.

Ou seja: dentro do prazo de 90 dias previsto, na lei, como condição objectiva de punibilidade, o arguido, agindo em nome, representação e interesse da sociedade KC, S.A., não procedeu ao pagamento integral das prestações, tal como não o fez após o prazo de 30 dias concedido, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do nº4 do artigo 105º do RGIT., não obstante ter efectivamente recebido dos seus clientes IVA nos montantes apurados.

Ora, se, nestas circunstâncias, o agente não entrega à administração tributária as prestações, que deduziu e era obrigado a entregar, é porque se apropriou delas, dando-lhes, assim, um destino diferente daquele que lhe era imposto por lei, como sucedeu, no caso, em que os valores não pagos inicialmente ao Estado foram utilizados pela sociedade para satisfazer outros compromissos relacionados com a sua actividade normal [cf. facto provado sob o ponto 15].

Alega o recorrente que não lhe era exigível proceder ao pagamento exigido, aquando da notificação que recebeu, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105º nº 4 al. b) do RGIT, perante a circunstância de ter celebrado acordo prestacional com a AT, ainda antes do prazo de 90 dias previsto como condição objectiva de punibilidade, por as quantias em dívida se mostraram garantidas. Sucede que uma dívida garantida não significa que está paga.

Com efeito, o invocado acordo prestacional tem relevância, no âmbito da responsabilidade tributária do arguido, ou seja, no processo de execução fiscal, mas não obsta à verificação do crime, visto que tal condição objectiva de punibilidade só não operaria caso o arguido tivesse procedido ao pagamento integral, dentro de tal prazo, o que manifestamente não é o caso, tal como não o fez após o prazo de 30 dias concedido, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), do nº4 do artigo 105º do RGIT.

É o que, também, sem qualquer dúvida, resulta do teor das notificações, que recebeu, nos termos da alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, onde expressamente se menciona que “…poderá V/exa beneficiar do consagrado na alínea b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, (a extinção do procedimento criminal) se, no prazo de 30 dias, a contar desta data, efectuar o pagamento das prestações/impostos ainda em falta no referido inquérito, acrescidas de juros respectivos e da coima aplicável que se mostra devida (…)”.  

Isto posto, provou-se, como bem considerou o tribunal recorrido, que o arguido, agindo em nome, representação e interesse da sociedade KC, S.A., agiu livre e conscientemente, com intenção de obter para si um benefício, que sabia indevido, à custa da defraudação da Fazenda Nacional, sendo certo que estava obrigada a entregar aos cofres do Estado os montantes de IVA em causa, não ignorando que o seu comportamento era proibido por lei.

Assim, perscrutando a decisão recorrida, facilmente se observa não ser possível surpreender nela qualquer asserção contrária às regras da experiência comum ou qualquer juízo ilógico, arbitrário ou contraditório, não se verificando o invocado vício do erro notório na apreciação da prova (art. 410º nº 2 al. c) do CPP), nesta parte improcedendo o recurso.

***
Analisemos, agora, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP, por o tribunal recorrido não ter considerado a inexistência da condição de punibilidade a que se refere o art. 105º do RGIT., com a consequente descriminalização dos factos imputados ao arguido.

Apreciando:
Como bem se refere no Acórdão do STJ de 12.02.09, proferido no Processo nº 131/11.1YFLSB, mencionado por António Henriques Gaspar e outros, na anotação ao art. 379º no “Código de Processo Penal, Comentado”, Almedina, 2014, p. 1185: A nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte, tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidas pela parte na defesa da sua pretensão.”

No caso em apreciação, o arguido foi condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime continuado de abuso de confiança fiscal agravado, p. e p. pelos arts. 6º e 105º, nºs 1, 2, 4 al. a) e b), 5 e 7, ambos do RGIT.

Pressuposto indispensável para que um arguido pratique o crime em apreço é que não seja entregue à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a € 7.500,00 que tenha efectivamente deduzido (n.° 1 do citado artigo 105°, aplicável às situações de IRS), ou recebido (n.° 2 do citado artigo 105°, aplicável às situações de IVA), sendo que, no caso de a não entrega ser superior a € 50.000,00, se verifica agravação da pena.

Com efeito, A omissão de entrega total ou parcial, à administração tributária de prestação tributária de valor superior a € 7.500 relativa a quantias derivadas do Imposto sobre o Valor Acrescentado em relação às quais haja obrigação de liquidação, e que tenham sido liquidadas, só integra o tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, previsto no artigo 105 n.° 1 e 2 do RGIT, se o agente as tiver, efectivamente, recebido.” - transcrição «ipsis verbis» - (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.° 8/2015, de 29.04.2015, publicado no Diário da República n.° 106, Série I, de 02.06.2015), sendo que esta jurisprudência é extensível ao IRS.

Igualmente pressuposto da prática do crime em apreço é que a não entrega, isto é, o facto negativo do ilícito em apreço, se tenha verificado até à data em que a declaração tem de ser apresentada e a prestação paga (no caso do IVA) ou até à data do respectivo pagamento (no caso do IRS).

E, como é sabido, a responsabilidade tributária pelo imposto devido e a responsabilidade penal tributária não podem ser confundidas. A dívida fiscal e a execução fiscal (que tem como escopo o pagamento da quantia do imposto) não se confundem com o crime fiscal, que visa sancionar os comportamentos criminais.

Como refere Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário”, Lisboa, 2009, p. 113, a propósito de autonomia de ambas as realidades:
«O facto gerador da dívida de imposto existe independentemente da prática de qualquer crime: a obrigação tributária é autónoma relativamente à responsabilidade penal pela prática de crime tributário e é geralmente proveniente da prática de facto ilícito, ainda que entre a dívida tributária e a responsabilidade pelo crime exista conexão».

Com efeito, uma coisa é a dívida fiscal e o procedimento tributário tendente à sua cobrança, inclusivamente na fase da cobrança coerciva, que naturalmente deverá suspender-se caso haja um acordo de pagamento a ser pontualmente cumprido pelo devedor. Outra coisa diferente é o procedimento criminal e suas regras, sendo certo que, por um lado, nem o acordo em causa, nem o seu deferimento pelas finanças, fazem qualquer referência ao procedimento criminal, nem à sua eventual instauração, ou suspensão, ou aos prazos necessários para o efeito, e, por outro lado, há um princípio de legalidade ao qual, também, as finanças estão vinculadas quando constatam o cometimento de um crime, de onde resulta a respectiva obrigatoriedade de ser efectuada a notificação a que alude o art. 105º, nº 4, alínea b), do R.G.I.T., após o decurso do prazo da alínea a), do mesmo preceito legal, sem que a quantia em dívida se mostre paga, sob pena de, se assim não agirem, poderem ser as próprias finanças a prevaricar por acção consciente contra direito e a incorrer, por isso, em responsabilidade criminal.

E, ainda que, de alguma maneira, o arguido assim não tivesse alcançado, o que é certo é que, aquando das notificações, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº 4, alínea b), do R.G.I.T., ficou a perceber que não ocorre qualquer suspensão, ou interrupção de prazo.

Com efeito, os acordos de pagamento em prestações, celebrados no âmbito dos processos de execução fiscal, relativos à não entrega nos prazos legalmente estabelecidos das quantias devidas, em nada contendem com a verificação do crime e a sua punibilidade, como sucede, no caso, porquanto, aquando da notificação prevista na alínea b), do nº 4, do artigo 105º, do RGIT, não tinha ocorrido, com esse plano, o pagamento integral dos impostos em dívida, condição para a não punibilidade [na jurisprudência, de forma massiva, tem sido considerado irrelevante a existência de um acordo de pagamento anterior ou contemporânea ao termo do prazos estabelecidos como condição objectiva de punibilidade e, até mesmo, o seu cumprimento parcial no âmbito dos referidos prazos (cfr. Acórdãos do TRLisboa, desta mesma Secção, designadamente processo, 777/16.11DLSB.L1-5, relator Desembargador JORGE GONÇALVES, datado de 17-04-2018ISBOA; e processo: 1262/12.6IDLSB.L1-5, Desembargador ARTUR VARGUES, datado de 05.04.2016; e, ainda, do TRPorto, processo nº2607/13.7IDPRT.P1, do TRGuimarães, processo nº480/15.0T9PTL.G1, do TRCoimbra, processo nº122/09.IDVIS.C1, do TRÉvora, processo nº 388/11.8IDFAR.E1, e TRPorto, processo 35/19.0IDPRT.P1, de 17.02.2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt)].

Temos, assim, em suma, que, na situação em apreço, o recorrente confunde realidades diferentes, como são a execução fiscal, que visa o pagamento da divida do imposto, e o crime fiscal, que visa sancionar os comportamentos criminais, no caso traduzidos na falta de pagamento do mesmo imposto, com o atinente desvalor face ao bem jurídico que a incriminação visa tutelar, pondo em causa o sistema financeiro público do Estado, através do qual este obtém as receitas necessárias ao funcionamento do próprio Estado, propiciador de bem-estar a todos os seus cidadãos.

O pagamento em prestações não equivale a pagamento da dívida, nem à extinção desta, mas a um pagamento que se vai realizando, no âmbito das execuções fiscais, pelo que, não estando a divida paga, teria o arguido, como responsável criminalmente, de ser notificado, como foi, nos termos e para os efeitos do artigo 105.º, n.º 4, al. b), RGIT.

Com efeito, o legislador, quando desenhou a norma da alínea b) do n.º4 do artigo 105º do RGIT, conhecia perfeitamente as possibilidades de pagamento em prestações constantes do Código de Procedimento e de Processo Tributário e de diplomas avulsos que ao longo do tempo foi criando.

Ora, partindo dos critérios de interpretação constantes do artigo 9.º do Código Civil, a única conclusão a tirar é a de que se o legislador não consagrou a celebração de acordo de pagamento em prestações, como excludente da punibilidade, foi porque não quis.

Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 03.02.2016, processo nº 2607/13.7IDPRT.P1, relatado por António Gama, disponível in www.dgsi.pt.: diremos apenas que essa “equivalência”, podendo o legislador tê-la feito, o certo é que não a fez, e não pode o juiz, a pretexto de interpretação, invadir a competência do legislador”. [2]

Conclui-se, assim, que o acordo de pagamento, entre o devedor da prestação tributária e a administração tributária, não obsta à verificação e funcionamento da condição de punibilidade da conduta, consagrado no artigo 105.º, n.º4 al. b) do RGIT, que, no caso, se mostra preenchida, não tendo, em consequência, se verificado qualquer descriminalização dos factos praticados pelo arguido, não ocorrendo, por isso, a suscitada nulidade da decisão recorrida, por omissão do dever de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.° n.° 1 al. c) do CPP, por nenhuma questão, que importasse decidir, tivesse ficado por apreciar.
E, assim sendo, também, nesta parte, improcederá o recurso.
*
*

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores, do Tribunal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso, interposto pelo arguido, PA, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa justiça em 5 (cinco) UCS.
         

(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto).



Lisboa, 18 de Janeiro de 2022



Juíza Desembargadora Relatora: Anabela Simões Cardoso
Juiz Desembargador Adjunto: Jorge Antunes



[1]Em recurso, não podem ser requeridos (…) novos meios de prova, isto é, meios de prova distintos dos “produzidos em primeira instância”» Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 1180.
[2]Com efeito, no referido Ac TRPorto, numa situação semelhante à dos presentes autos, mencionou-se: “A afirmação do recorrente de que quando em 27/11/2013 foi notificado para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento do IVA de Dezembro/2012, acrescido dos juros e o mais legal, nos termos do disposto na al. b) do art. 105°, nº 4 do RGIT, já a Administração Tributária tinha autorizado tal pagamento em prestações, estando em curso o plano, sendo verdadeira, é inconsequente e inconclusiva, pois, a partir dela, não formula o recorrente, pelo menos de modo claro, qualquer questão.
Se o recorrente pretende fazer derivar desse acordo de pagamento o mesmo objectivo da condição de punibilidade estatuída no na al. b) do art. 105°, nº 4 do RGIT, (…) devendo considerar-se tal condição não verificada quando o acordo é pontualmente cumprido, como acontece no caso dos autos, diremos apenas que essa “equivalência”, podendo o legislador tê-la feito, o certo é que não a fez, e não pode o juiz, a pretexto de interpretação, invadir a competência do legislador.
As realidades são diferentes o que justifica materialmente a diversidade de tratamento jurídico: pagar a prestação acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito (art.º 105º, n.º4 al. b) do RGIT), não é assimilável ao acordo de pagamento, do mesmo montante em 24 prestações mensais sucessivas. O pagamento imediato como modo de liquidação de uma prestação tributária é um facto que ocorreu numa data determinada; o acordo de pagamento, diferido no tempo, reportando-nos à mesma prestação tributária, só se transforma em pagamento total, que é o que releva no caso, com a liquidação da última prestação, facto que à data da acusação, proferida nos autos em 23.1.2014, ainda não tinha ocorrido e não se pode ficcionar.
Conclui-se, assim, que o acordo de pagamento, entre o devedor da prestação tributária e a AT, não obsta à verificação e funcionamento da condição de punibilidade da conduta, consagrado no art.º 105º, n.º4 al. b) do RGIT.”