Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
591/19.2T8ALQ.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: POSTE DE ELECTRICIDADE
PEDIDO DE REMOÇÃO
COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– Discutindo-se a legalidade da atuação duma concessionário de serviço público, o objeto da ação quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos.

II– Em termos de critério normal, no que concerne à legitimidade singular e directa, a solução legal encontrada assenta na titularidade da relação material controvertida, conforme surge delineada pelo autor, mas como decorre da própria norma, casos existem em que a própria lei identifica o detentor da legitimidade passiva (ou ativa), a qual prevalece sobre eventual alegação diversa feita pelo autor.

III– O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, estando assim em causa um prazo curto de prescrição que tem por subjacente compelir os lesados ao exercício do respetivo direito, para que o mesmo não seja apreciado a longa distância pelo Tribunal, consubstanciando assim os imperativos da segurança, certeza jurídica e fixação da prova.

IV– A consequência a retirar da verificação duma situação de abuso de direito, para além do que expressamente se mostre consignado, deverá ser achada no atendimento do caso concreto, contrariando a pretensão daquele que procura usar o direito, de uma forma abusiva.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I–Relatório:


1.– A interpôs a presente ação declarativa com processo comum contra EDP-ENERGIAS DE PORTUGAL, SA, pedindo que a R. seja condenada:
a)-A pagar à A. a quantia de 13.684,50€, acrescida de juros vincendos contados após a citação e até integral pagamento;
b)-Na remoção do poste de eletricidade implantado na propriedade da A., sendo condenada em sanção pecuniária compulsória, de 5.00€, por cada dia de atraso no cumprimento.

2.– Alega para tanto, que no dia 30.07.2016, a meio do período da tarde deflagrou no prédio da A. composto por mato e eucaliptal, um incêndio florestal, sendo causa direta deste incêndio a queda de uma linha de média tensão pertencente à R. e consequente curto-circuito verificado.
A A. sofreu prejuízos, pela madeira que desde logo ardeu, estimados em 2.500,00€, tendo deixado de ter o rendimento relativo ao ano de 2016, bem como os rendimentos certos que teria nos três cortes subsequente, cerca de 9.000,00€, vendo-se ainda obrigada a proceder à rearborização de toda a área ardida despendendo quantia não inferior a 2.000,00€.
O poste de eletricidade respeitante à linha de média tensão em causa encontra-se erigido sobre o terreno da A., que não prestou o seu consentimento à colocação, tendo aliás se oposto manifestando a sua vontade diretamente à R.
A decorrência da existência deste poste no seu terreno, provoca dificuldades no gozo e fruição plenos do terreno, impossibilitando de plantar nas áreas designadas de “zonas de segurança” e obriga a manter um maior espaçamento entre as árvores plantadas, diminuindo o rendimento do eucaliptal.
3.– A R. veio contestar invocando a sua ilegitimidade passiva, por não exercer qualquer atividade de exploração da rede de distribuição de energia elétrica, não retirando proveito económico, nem projetando, instalando, conservando ou mantendo as respetivas infraestruturas equipamentos e materiais. Tal atividade é desenvolvida por outra sociedade do Grupo EDP, a EDP Distribuição – Energia, SA, exercendo em regime de concessão de serviço público a atividade de Operador de Rede de Distribuição, sendo titular da concessão para a exploração da Rede Nacional de Distribuição de Energia Elétrica em Média Tensão (MT) e Alta Tensão (AT) e das concessões municipais de distribuição de energia elétrica em Baixa Tensão (BT).
4.– A A. veio requerer a intervenção principal provocada da EDP – DISTRIBUIÇÃO – ENERGIA S.A., que foi admitida.
5.–A Interveniente veio contestar, enquanto concessionária da rede nacional de distribuição, estando em causa uma linha de média tensão, invocando a prescrição do direito de indemnização da A.
Vem também invocar a existência de licenciamento e ónus de servidão administrativa prévios à aquisição da propriedade do terreno pela A, que nem o era aquando das modificações realizadas e também elas devidamente licenciadas. Acresce que a A. se desinteressou do processo de desvio da linha elétrica, tendo sido informada em conformidade, não tendo a mesma mostrado interesse em dar continuidade à solicitação do desvio.
Mais invoca que colocando a A. a tónica do pedido de remoção do apoio na ausência de consentimento, que constitui um pressuposto de licenciamento, a questão tinha que passar pela revogação da licença do estabelecimento da linha elétrica, e tratando-se de um ato administrativo, a competência está atribuída aos Tribunais Administrativos, verificando-se a exceção da incompetência absoluta do tribunal judicial.
Impugna ainda o factualismo aduzido pela A.
6.–Dispensada a audiência prévia, foi proferida decisão, declarando o tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado na alínea b), absolvendo da instância a R. e a Interveniente, julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da R., quanto ao pedido formulado na alínea a) absolvendo-a da instância e julgou procedente a exceção da prescrição, absolvendo a Interveniente do pedido formulado na alínea a) do pedido.
7.–Inconformada veio a A. recorrer formulando nas alegações seguintes conclusões:
A.-A A., ora Recorrente, não se conforma com a decisão preferida pelo Tribunal “a quo”, por várias ordens de razões. Em suma:
B.-A A. intentou contra a R. EDP - Energias de Portugal, S.A., ação declarativa de condenação sob a forma única de processo comum, pedindo que a mesma fosse condenada a indemniza-la pelos prejuízos sofridos em consequência da queda de uma linha de média tensão na propriedade da A. que provocou um incêndio, que por sua vez deu causa aos ditos prejuízos. Mais requereu a condenação da R. a retirar o poste da sua propriedade, que ali fora colocado sem a sua autorização, e a indemniza-la quando assim não procedesse.
C.-Na sua contestação veio a EDP - Energias de Portugal, S. A. invocar a sua ilegitimidade porquanto não exerce qualquer atividade de exploração da rede de distribuição de energia elétrica, nem está a seu cargo o projeto, instalação, conservação ou manutenção das respetivas infraestruturas, mas sim a cargo de outra empresa do Grupo - EDP Distribuição - Energia, S.A. Em consequência disso requereu a A. a intervenção principal da EDP Distribuição - Energia, S.A. Esta, por sua vez, veio invocar quanto ao primeiro pedido a prescrição porquanto, quando foi citada haviam já decorrido três anos sobre o incêndio.
D.-O Tribunal “ a quo” declarou-se materialmente incompetente para conhecer o segundo pedido, apreciou favoravelmente a exceção de ilegitimidade passiva da EDP - Energias de Portugal, S.A., e quanto à interveniente EDP Distribuição - Energias, S.A., julgou procedente a exceção de prescrição.
E.-Quanto à incompetência do Tribunal, entendeu-se que o pedido formulado na alínea b) - remoção do poste de eletricidade implantado na propriedade da A. - é da competência do Tribunal administrativo e como tal verifica-se um obstáculo à cumulação de pedidos por desrespeito das regras da competência absoluta.

Entendemos que não lhe assiste razão, pois:
- No litigio delineado na p.i, o que se colocou em causa foi o direito de propriedade da A. e a sua segurança, em consequência da perigosidade da atividade levada a cabo pela R.; e justamente, porque esta em momento algum dera autorização à colocação do poste em causa, o mesmo deveria ser retirado do local onde estava colocado. Vide neste sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09.04.2013, disponível na net.
- Por outro lado, o licenciamento da linha do pedido da A. não está demonstrado nos autos, e assim sendo também a competência para conhecer do pedido de remoção do poste de média tensão será dos Tribunais comuns. Vide neste sentido o Ac. Tribunal Central Administrativo do Norte, de 15.07.2016, disponível na net.

F.-No que concerne agora à ilegitimidade passiva da R. EDP - Energias de Portugal,S.A., também entendemos mal ter andado o Tribunal “ a quo”. Em primeiro lugar, aquando da verificação da queda do poste e do incêndio, a própria GNR que lavrou o auto de ocorrência diz ter sido chamada ao local o piquete da R. Posteriormente, quando apresentou reclamação do sucedido, por escrito, a A. fê-lo junto da R., e esta em momento algum alegou que a responsabilidade era de outra empresa do grupo. Mais, as missivas seguintes, sobre a reclamação vieram, já por banda da EDP distribuição, mas sempre e exatamente com o mesmo logotipo e designação comercial “edp”, atente-se ao canto superior esquerdo das missivas juntas aos autos com a p.i.
G.-A significar que não podia a A., enquanto mera consumidora, entender este enredo societário. Impunha-se à R. e à Interveniente, terem esclarecido a A. do mesmo e de uma forma muita clara, como se impõe a qualquer pessoa de boa fé; não o tendo feito atuaram com abuso de direito, pelo que premiá-las por esse facto constitui uma verdadeira denegação de justiça. - É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, conforme disposto no artigo 334.° do Código Civil, - e que se entende ter aqui aplicação.
H.-Em conclusão, constitui abuso de direito a conduta de uma parte que exerce um direito em contradição com uma sua conduta anterior, em que, fundamentadamente, a outra parte tenha confiado.
I.-Inclusivamente, a R. já foi obrigada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), a adotar um grafismo diferente (logotipo e designação comercial) com vista a evitar confusões por parte dos consumidores; o que poderá ser confirmado com uma simples pesquisa na internet. De facto, todas as empresas do grupo EDP partilhavam o mesmo logotipo e designação comercial, mas mais, partilhavam também outros meios, como recursos humanos e locais de atendimento. O que é corroborado pelo facto supra referido constante do auto de ocorrência, isto é, foi chamado ao local o piquete da R., e ainda, pelo facto que também fica demonstrado que enviada correspondência para a R. a mesma vem a ser respondida pela Interveniente, como se da mesma pessoa se tratasse.
J.-Por outro lado, o poste aqui em causa, encontra-se na propriedade da A. já há muitos anos. E em momento nenhum a A. foi avisada da alegada alteração de propriedade ou posse das linhas, subestações e postos de seccionamento! Bem pelo contrário conforme fica amplamente demonstrado.
K.-De onde, se impõe que R. e Interveniente sejam responsáveis solidariamente pelos prejuízos sofridos pela A. e pela retirada do poste da sua propriedade, sob pena de flagrante violação do disposto no artigo 334.° do Código Civil.
L.-Por último, no que concerne agora à prescrição também se entende que o Tribunal “a quo” não andou bem. Em primeiro lugar, o Tribunal “a quo” ignorou completamente, e conforme resulta sem sombra de dúvida do doc. n.º 11, junto com a p.i., que houve um processo crime, e que a existência do mesmo determinaria uma interrupção continua da prescrição. Consequentemente, nunca se poderia considerar que o prazo de prescrição teve início a 30.07.2016, contrariamente ao entendido.
M.-Sem conceder, e sem discutir que quanto à R., dúvidas não se levantam quanto à interrupção da prescrição no prazo concedido pela lei, não se poderia deixar de considerar que interrompido o prazo quanto à R., pelas razões que se deixaram expostas, também teria que se considerar interrompido quanto à Interveniente. Na verdade, pese embora a R. e a Interveniente, de direito fossem sociedades distintas, certo é, é público, que na prática agiam como se fossem a mesma sociedade, sendo confundíveis, e aos olhos do comum cidadão são a mesma pessoa, agindo como tal! Repita-se: ocorrido o incêndio foi chamado ao local o piquete da R., remetida correspondência para a R., respondia a R. e a Interveniente, utilizavam o mesmo logotipo e designação comercial, utilizavam os mesmos meios humanos e os mesmos espaços; o que inclusivamente obrigou a uma intervenção da ERSE.
N.-Em conclusão, mal andou o Tribunal “ a quo” ao decidir conforme decidiu que se verificava a exceção da prescrição quanto à Interveniente, pois neste caso R. e Interveniente não podem ser considerados devedores distintos.

8.–Nas suas contra-alegações a Apelada apresentou as seguintes conclusões:
1.-O presente recurso vem interposto da Sentença dos Autos, na parte em que julga procedente a exceção de ilegitimidade da EDP Energias de Portugal, e consequentemente, absolve a Ré do pedido.
2.-Quanto às pretensas conclusões da Recorrente, cumpre referir que as mesmas são manifestamente infundadas e nada sintéticas, não passando afinal, de uma reprodução integral das suas alegações, pelo que ao abrigo do art.º 639, n.º 3 do CPC, deve a mesma ser convidada a sintetizar as conclusões sob pena de não se conhecer do presente recurso.
3.-Refere a douta sentença recorrida que “julgo procedente por provada, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da ré (...) e, em consequência absolvo-a da instância“, e não obstante, a Recorrente mantém a posição de que a EDP Energias de Portugal é parte na relação material controvertida.
4.-Ora, esta posição não podia estar mais errada, incorrendo a Autora numa falácia; por um lado “logotipo“ não é confundível com marca e, por outro estão em causa duas marcas distintas: “EDP“ e “E-Redes“, anteriormente denominada “ EDP Distribuição“;
5.-A E-Redes é uma empresa concessionária da rede de distribuição de energia de média tensão do Conselho de Alenquer e, por esse motivo, eventualmente responsável pelos factos descritos;
6.-Não tendo a EDP Energias de Portugal qualquer relação com os factos alegados com a indemnização solicitada nem interesse direto em contradizer, devendo ser considerada, como foi, parte ilegítima:
7.-Caso assim não se entenda, há também que ter em conta que a relação material controvertida tal como descrita pela Recorrente, não foi corretamente configurada, pelo que também não poderá por essa via, ser a EDP Energias de Portugal ser considerada parte legítima;
8.-Para além de estar em causa duas sociedades – EDP Energias de Portugal e E-Redes distintas entre si, com personalidade jurídica própria e objetos comerciais, que por imposição normativa são diferentes.
Das comunicações juntas à Douta PI, sempre se concluiu que a sociedade que deveria ter sido demandada seria a E-Redes e não a EDP Energias Portugal;
9.-Ocorre ainda que a EDP Energias de Portugal não poderá ser solidariamente responsável, por força do art.º 497, do CC, pelos danos alegados pela Recorrida uma vez que é parte ilegítima, não existindo nenhum “ enredo societário“ entre as empresas do Grupo, mas sim uma separação, inequívoca e jurídica de ambas as sociedades, tendo a EDP Energias de Portugal agido sempre de boa fé e de forma ética;
10.-Pelo que os argumentos apresentados pela Recorrente nas suas alegações não poderão proceder, devendo ser mantida a douta sentença da 1.ª instância.

9.–Apelada Interveniente formulou nas suas contra-alegações, as seguintes conclusões:
A.-Recorrente vem identificar três temas como objeto de recurso, mas, por referência a nenhum deles, cumpre os requisitos e ónus que sobre a mesma recaem em sede de recurso, nomeadamente o previsto no artigo 639.° do CPC;
B.-A Recorrente não logra, sequer, identificar quais os dispositivos legais que caracterizam o recurso interposto e que fundamentam o respetivo intuito.

A.–Todavia, quanto a cada um dos temas objeto do recurso interposto, cumpre referir:
a) Incompetência material do Tribunal
i.-A Recorrente pretende, no essencial, com a procedência da presente ação, a condenação das RR., ora Recorridas (i) no pagamento da quantia de Euros 13.684,50 (acrescida de juros vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento) e (ii) na remoção do apoio da linha elétrica existente na atual propriedade da A.
ii.- Para tanto, alega, respetivamente, que incorreu em prejuízos em virtude da ocorrência de um incêndio, cuja responsabilidade imputa às ora RR., e que a permanência do apoio na propriedade lhe causa dificuldades no gozo e fruição plenos.
iii.-Pelo modo como a Recorrente configura ação, o segundo pedido funda-se numa alegada violação do direito de propriedade, por falta de cumprimento de uma das fases do processo de licenciamento que é a obtenção de consentimento.
iv.- Tanto assim é que, quanto a este segundo pedido e como bem destaca o Tribunal a quo na douta sentença:
“Em resposta às exceções deduzidas pela interveniente, a autora coloca, ainda, em causa, o licenciamento da instalação e o ônus de servidão administrativo, ”
v.-Curioso se torna, alias, que quanto à improcedência deste pedido, a Recorrente dedica-lhe apenas 3 artigos, naturalmente infundados, nos termos dos quais se verifica que não deixa de fazer referência, uma vez mais, ao tema do licenciamento (artigo 10.°), concluindo, de forma ininteligível, que, por não estar demonstrado nos autos, a avaliação do tema correrá por conta dos tribunais comuns.
vi.-Ora, não só a Interveniente, ora Recorrida, alegou e demonstrou a existência de licenciamento e o ónus de servidão administrativo, prévios à aquisição do terreno pela A., como estes temas apenas não foram ponderados, na medida em que se determinou - e bem - que a respetiva competência cabe aos Tribunais Administrativos,
vii.-Pelo que se acompanha quanto referido pelo Tribunal a quo, ao determinar que: “Ora, centrando-nos no pedido e na causa de pedir que coloca, efetivamente em causa, o devido licenciamento, argui que a colocação do poste ou apoio não foi precedido do seu consentimento e, ainda, que se opôs expressamente a tanto, em que funda a pretensão da sua remoção e a expensas da autora, forçoso se torna concluir que caberá ao tribunal aferir da existência e regularidade de tal licenciamento, apreciando os seus pressupostos, entre os quais o consentimento, de que depende a constituição da servidão administrativa, para a decisão sobre a condenação da concessionária à prática de um ato - a remoção do poste do terreno da autora ”.
b)Declaração de ilegitimidade passiva da Recorrida EDP Energias (e a enviesada relação com a alegada confusão entre entidades)
viii.-A então EDP Distribuição - Energia, S.A. surge como parte nos presentes autos na sequência da procedência do incidente de intervenção principal provocada.
ix.-A A. fundamenta o recurso nesta parte, na alegada confusão de designações sociais entre a R. e a Interveniente Principal, o que é uma falsa questão, pois o que esta verdadeiramente em causa é determinar qual a entidade que, de acordo com o regime legal aplicável e com os factos que constituem a causa de pedir, devera assumir a qualidade processual de Ré.
x.-Não pode, com efeito, a Recorrente refugiar-se numa alegada confusão de designações sociais para sustentar um lapso que lhe é imputável, atendendo, ademais, ao facto de reconhecer que a entidade que respondia às comunicações enviadas era a então EDP Distribuição.
xi.-Neste sentido, o Tribunal a quo foi claro ao identificar a questão a analisar e a respetiva decisão foi incisiva, “Ademais, para ultrapassar o alegado desconhecimento e a suposta confusão entre as várias empresas do Grupo EDP, não era exigível qualquer diligência extraordinária, bastando procurar informar-se, já que a separaçâo das várias empresas vocacionadas exclusivamente para cada uma das atividades, resultante da aludida desintegração vertical da antiga EDP, ocorrida uma década antes do evento em discussão, foi do conhecimento público, resulta de diplomas legais e o objeto social das empresas é publicitado através do registo comercial.
Encontrando-se, além disso, patrocinada por mandatário, como refere na missiva, desde fevereiro de 2017.
Assim, a alegada ignorância da autora da pessoa do responsável não pode deixar de se considerar imputável a falta de diligência, isto é, a culpa sua. ”
xii.-Pelo que, também nesta parte, se acompanha a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo.
xiii.-Acresce referir que esta vertente do objeto do recurso tem direta relação com a vertente que se segue, na medida em que procura a Recorrente alegar o mesmo critério - infundado! - da alegada indistinção das entidades aqui Recorridas para afastar a procedência da exceção da prescrição.

c)–Procedência da exceção perentória de prescrição
i.-Em relação ao pedido de indemnização, o mesmo funda-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual, em particular no disposto no artigo 509.° do Código Civil, sendo que o facto gerador da responsabilidade civil extracontratual é identificado, pela A., como sendo o incêndio ocorrido no dia 30 de julho de 2016 (Cf. artigo 3.° da petição inicial).
ii.-A Recorrente configurou, inicialmente, a relação controvertida no sentido de imputar responsabilidades à R. EDP - Energias de Portugal, S.A., sendo que a ação terá sido intentada em 22 de julho de 2019, ou seja, 8 dias antes de prescrever o direito e em época de férias judiciais, sem que, ademais, tenha sido requerida citação urgente.
iii.-Ora, a Interveniente, ora Recorrida, foi citada no dia 31 de Dezembro de 2019, ou seja, quatro meses depois de decorrido o prazo de prescrição do direito de indemnização da A.
iv.-Consabidamente, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso (artigo 498.° n.º 1, Ex vi do artigo 499.°, ambos do Código Civil).
v.- Por outro lado, por força do disposto no n.º 2 do artigo 498.° do Código Civil, prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
vi.- Com efeito, tendo a Interveniente, ora Recorrida, sido citada cerca de quatro meses após decurso do prazo para exercício do direito de indemnização, com fundamento exclusivo na responsabilidade civil extracontratual, nos termos configurados pela A., resulta claro que esse direito se extinguiu.
vii.-E que a data em que a Recorrida EDP Energias de Portugal terá sido citada não tem qualquer influência nem contamina o decurso do prazo de prescrição na relação com a ora Interveniente,
viii.-Tanto mais que se reitera quanto determinado pelo Tribunal a quo e acima já transcrito, ou seja, “Encontrando-se, além disso, [a Recorrente] patrocinada por mandatário, como refere na missiva, desde fevereiro de 2017.Assim, a alegada ignorância da autora da pessoa do responsável não pode deixar de se considerar imputável a falta de diligência, isto é, a culpa sua "
ix.-Com efeito, foi corretamente julgada procedente, por provada a exceção perentória de prescrição do direito, absolvendo-se, em consequência, a Interveniente do pedido, nos termos e para os efeitos do n.º 3 artigo 576.° do CPC.
D.–Em face de todo o exposto, resulta clara a ausência de fundamento do recurso interposto pela Recorrente, quer em termos formais, quer em termos substantivos;
E.–Deverá, outrossim, ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que a mesma não padece de qualquer vicio ou inconformidade que imponha a respetiva revisão, nem, por seu turno, os parcos fundamentos alegados pela Recorrente terão a virtualidade de a alterar.

10. Cumpre apreciar e decidir.

***

II–Enquadramento facto-jurídico

Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 635.º, 608.º e 663.º, do CPC[1], não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3.
No seu necessário atendimento, embora não sejam um exemplo de concisão, clareza e apreciação da subsunção jurídica tendo em conta o disposto no art.º 639, entende-se que cumprem o mínimo exigível nesta última disposição legal, pelo que a saber está, se contrariamente ao decidido, inexiste a incompetência em razão da matéria, não se verifica a exceção da ilegitimidade passiva, nem decorreu o prazo prescricional, perpassando por todo o alegado a referência a situação de abuso de direito por parte das Recorridas, sobretudo na vertente de venire contra factum proprium.

As Recorridas pronunciaram-se no sentido da manutenção do decidido.
a)-Da incompetência em razão da matéria.
O Tribunal a quo entendeu quanto ao pedido (alínea b) da condenação das Recorridas da remoção do poste de eletricidade implantado na propriedade da Recorrente, e condenação em sanção pecuniária por cada dia de atraso, centrando-se o pedido e a causa de pedir no licenciamento para a colocação do poste, invocando a mesma a sua expressa oposição, importava aferir da existência e regularidade do mencionado licenciamento de que dependia a constituição da servidão administrativa, com vista a que a Recorrida EDP-Distribuição enquanto concessionária de serviço público detentora da propriedade do poste/apoio pudesse ser condenada à remoção, para tanto, isto é, para dirimir tal conflito, o Tribunal competente materialmente era o Tribunal Administrativo.
Em sede do presente recurso, a Apelante alega que visa a sua propriedade e segurança, reafirmando a sua não concessão de autorização, invocando que não se mostra demonstrado nos autos o licenciamento da linha.
Conhecendo.
Importa aferir se a matéria colocada como objeto da causa, melhor dizendo, o pedido e a causa de pedir configuram alguma situação a que a lei atribua a competência dos tribunais administrativos, por regulando a relação de modo diferente de correspondentes relações privadas, e/ou por incluir um poder da parte pública ou uma sujeição especial, tendo subjacente a tutela do interesse público.
Decorre do art.º 212, n.º 3, da Constituição da Republica o âmbito da jurisdição administrativa, por referência a relação jurídica administrativa, pois compete aos tribunais administrativos o julgamento das ações e recursos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes de relações administrativas e fiscais, e na articulando com os artigos 1,º n.º1, e 4 .º do ETAF[2], permite delinear a competência da jurisdição administrativa e fiscal como aquela a que compete a apreciação dos conflitos, nomeadamente e para além do mais, da tutela de direitos fundamentais, bem como dos interesses legalmente protegidos dos particulares com relação direta a normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo e fiscal.
A procura de um critério material de distinção terá assim de assentar no conceito de relação jurídica administrativa, mas também na de função administrativa, verificada quando a Administração se mostra, de modo típico ou nuclear, dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas para a realização do interesse público, para qual são por vezes chamadas entidades concessionárias para colaborar com a Administração.
Com efeito importa relevantemente que o litígio a dirimir esteja no âmbito da atividade de “gestão pública”, que pode ser empreendida por entidades privadas, desde que sujeitas ao direito administrativo, e por esse meio tenham que organizar o serviço público em que colaboram, ou operar o seu funcionamento em conformidade com regras e princípios dessa natureza, o que acontece com as empresas concessionárias, que sendo privadas, exercem atividades materialmente administrativas[3].
Estando assim a delimitação do poder jurisdicional atribuído aos tribunais administrativos à natureza da questão posta sob apreciação, a competência do tribunal determina-se pelos termos em que a ação é proposta, como se estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, atendendo aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentados, ou seja, a causa de pedir invocada e aos pedidos formulados[4].
No caso sob análise a Apelante demandou as Recorridas questionando a legalidade da colocação do poste de eletricidade respeitante à linha de média tensão erigida no seu terreno, desde logo manifestando a sua oposição a tal colocação, tendo sido constituída uma servidão que afeta o pleno gozo e fruição do seu terreno para além de posteriormente, reafirmando a sua oposição, como já se aludiu, questionar o licenciamento da linha.
A invocação de tais atos, como lesiva, não é, contudo, realizada fora do âmbito das atribuições e competências das Recorridas, como entende a Apelante, isto é, em termos de gestão privada.
Com efeito como se sabe a EDP, enquanto empresa concessionária do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia elétrica, beneficiava do reconhecimento de utilidade pública das suas instalações[5], decorrendo da mesma, nomeadamente, o acesso a terrenos que não lhe pertenciam para montar os necessários apoios, após terem obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação[6].
Da desintegração vertical da EDP – Eletricidade de Portugal[7], resultaram várias empresas vindo a constituir o designado Grupo EDP, na qual se encontram as Recorridas, entidades jurídicas distintas, incumbindo à Apelada/Interveniente a atividade de distribuição de eletricidade, exercida em regime de concessão de serviço público, mediante a exploração da Rede Nacional de Distribuição de Eletricidade em Média e Alta Tensão e das redes de Baixa tensão, conforme resulta do art.º 70, do DL 29/2006, de 15.02, expressamente estabelecendo: “ A licença de distribuição de eletricidade em MT e AT, da titularidade da EDP Distribuição – Energia, SA, é convertida em concessão, mediante a celebração do respetivo contrato, (…) passando a processar-se nos termos do presente decreto-lei e da legislação complementar, salvaguardando-se o princípio do equilíbrio da exploração”, e do art.º 31 do mesmo DL 29/2006, de 15.02[8], assim como do disposto no DL 172/2006, de 23.08, definindo as bases da concessão, em regime de serviço público, sendo as suas atividades consideradas para todos os efeitos, de utilidade pública, Base IV[9], considerando-se afetos à concessão os bens que constituem as redes de média e alta tensão, nomeadamente, linhas, subestações, todo o equipamento indispensável ao seu funcionamento, Base VI[10], detendo a concessionária a propriedade ou posse dos bens que integram a concessão, até à extinção, Base XI[11].
A Apelante deduziu a sua pretensão contra as Recorridas, repita-se no seu entendimento, não escamoteando a sua qualidade de concessionárias do serviço público de distribuição de eletricidade.
Não está em causa uma ação de reivindicação, para o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio e a restituição correspondente. Antes se patenteia que a Apelante invocou o seu direito de propriedade para fundamentar o pedido de remoção do poste, fundado numa invocada atuação das Recorridas em termos não conformes com os ditames legais que regem a sua atividade de concessionárias do serviço público de distribuição elétrica[12].
Discutindo-se, assim, a legalidade da atuação duma concessionário de serviço público, o objeto da ação quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos, no atendimento do aludido art.º 4, do ETAF.
Improcede, deste modo, nesta parte, o recurso formulado.

b)-Da ilegitimidade passiva.
Considerou-se na decisão sob recurso que a Recorrida EDP- Energias de Portugal, SA, não desenvolvendo a atividade de distribuição, nem sendo detentora da propriedade ou posse das instalações, nem as explorando no seu exclusivo interesse, não detinha interesse em contradizer os factos, sendo assim parte ilegítima.

Contrapõe a Recorrente a informação prestada aquando da verificação da queda do poste e do incêndio e quando apresentou a sua reclamação o fez junto da Ré, não tendo a mesma alegado que era responsabilidade do grupo, pelo que apesar das missivas seguintes virem em nome de EDP – Distribuição, a Interveniente, tinham a mesma designação de EDP, não podendo enquanto consumidora compreender o enredo societário, sendo que o poste encontrava-se há muito no seu terreno, não tendo sido avisada da propriedade ou posse das linhas, verificando-se uma situação de abuso de direito.

Apreciando, desde logo quanto à questão da existência de uma situação de abuso de direito, à frente e globalmente será apreciada, nomeadamente na vertente do desconhecimento do alegado “enredo”, sendo que a factualidade invocada em termos da confusão em sentido próprio no que concerne a recursos humanos e locais de atendimento, assenta em factualidade alegada tão só em sede do presente recurso, e como tal da mesma não será tomado conhecimento.

No enquadramento jurídico a realizar, importa ater-nos ao disposto no art.º 30, consignando que o réu é parte legítima, quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares de interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Assim, em termos de critério normal, no concerne à legitimidade singular e direta, a solução encontrada assenta na titularidade da relação material controvertida, conforme surge delineada pelo autor[13], sabendo-se que a legitimidade constitui um mero pressuposto processual, necessário para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, distinguindo-se dos requisitos que respeitam à procedência do pedido, com os mesmos não se confundindo.

Mas como decorre do próprio texto legal, casos existem em que a própria lei identifica o detentor da legitimidade passiva (ou ativa), a qual como normativamente está estabelecido prevalece sobre eventual alegação diversa feita pelo autor[14].

A Apelante, enquanto autora formulou a sua pretensão, na parte para a qual assiste competência ao Tribunal Judicial, como uma ação que visa a responsabilização pelo transporte, condução e entrega da energia elétrica, em termos de direção efetiva, nos termos do art.º 509, n.º1 do CC, isto é responsabilidade a título objetivo, excecional e legalmente prevista, enquanto responsabilidade civil pelo risco.

Na decisão sob recurso foram enunciados como elementos apurados com relevância para o conhecimento da exceção deduzida:
- A ré, EDP - Energias de Portugal, S.A., Sociedade Aberta, tem por objeto social a promoção, dinamização e gestão, por forma direta ou indireta, de empreendimentos e atividades na área do setor elétrico, tanto a nível nacional como internacional, com vista ao incremento e aperfeiçoamento do desempenho do conjunto das sociedades do seu grupo - cf. certidão permanente com o código de acesso indicado na contestação.
- A interveniente, EDP DISTRIBUIÇÃO - Energia, S.A., tem por objeto social a distribuição de energia elétrica, bem como a prestação de outros serviços acessórios ou complementares - cf. certidão permanente com o código de acesso indicado na contestação (atualmente denominada E-REDES - DISTRIBUIÇÃO DE ELETRICIDADE, S.A.).
- Exerce, em regime de concessão de serviço publico, a exploração da rede nacional de distribuição, em alta e média tensão, e das redes de baixa tensão, nos termos dos D.L. n.º 29/2006, de 15/02 e n.º 172/2006, de 23/08.

Acresce o já aludido supra, salientando-se no que concerne às bases da concessão, as Bases X e XXIII[15], isto é, a atribuição à concessionária do dever de manter, as expensas suas, em bom estado de funcionamento, conservação e segurança os bens e meios afetos à concessão, efetuando as reparações, renovações e adaptações necessárias ao bom desempenho do serviço concedido, bem como, para efeitos do disposto no art.º 509, do CC, entende-se que a utilização das instalações integradas na concessão é feita no exclusivo interesse da concessionária.

Manifesto se torna, assim, tendo em conta os termos como a autora configurou a sua pretensão em juízo, independentemente do mérito que a mesma possa ter, sempre a ação teria de ser interposta contra a concessionária, que a Apelante entendia ser a responsável e estava obrigada a indemnizar, e que segundo os termos legais enunciados, é a Interveniente, a Recorrida EDP Distribuição – Energia, SA, inexistindo, como igualmente decorre do regime enunciado, qualquer outra corresponsável, caso da Ré, EDP – Energias de Portugal, que mesmo tendo em conta a formulação geral, não detém interesse direto em contradizer os factos.

Deste modo, na concordância com o decidido, a Ré/Recorrida EDP – Energias de Portugal, SA, é parte ilegítima.
Improcede, também, nesta parte, o recurso formulado.

c)-Da prescrição.
Na decisão sob recurso, tendo em conta que os elementos constantes dos autos habilitavam o Tribunal a conhecer da exceção da prescrição invocada, considerou que à data da citação da Recorrida Interveniente, parte legítima nos autos, mostrava-se esgotado o prazo de três anos, contados desde a ocorrência do facto danoso.
Insurge-se a Apelante contra tal entendimento, invocando que conforme documento constante dos autos, junto com a petição inicial, houve um processo crime cuja existência determina uma interrupção contínua da prescrição, para além da já aludida “confusão” societária.

O Tribunal a quo considerou com relevo para o conhecimento da exceção deduzida a seguinte factualidade apurada:
O evento danoso descrito na petição inicial verificou-se no dia 30/07/2016;
A presente ação foi instaurada por petição inicial apresentada em juízo, através do Citius, em 22/07/2019;
A ré EDP Energias de Portugal, S.A. foi citada para a ação por via postal registada com aviso de receção no dia 24/07/2019, junto sob Ref.a CITIUS 8641471, 01/08/2019;
Deduziu contestação em 04/10/2019 - Ref.ª CITIUS 8846132, de que a autora foi notificada através do Citius na data de 07/10/2019 - Ref.ª CITIUS 142540645;
A autora deduziu o incidente de intervenção provocada por requerimento submetido a juízo em 21/10/2019 (Ref.ª CITIUS 8912592, 21/10/19), admitido por despacho de 18/12/2019 - Ref.ª CITIUS 143180191;
A Interveniente foi citada por via postal registada com aviso de receção no dia 31/12/2019, junto sob Ref.ª CITIUS 9217798, 13/01/2020.
Mais consta dos autos que a Apelante juntou aos mesmos um despacho, datado de 11.09.2016, no qual se menciona que perante os elementos indiciários existentes e constantes dos autos de inquérito, era forçoso concluir que não se tinham reunidos indícios que permitissem, por ora, levar a concluir pela existência de um crime, nomeadamente o previsto no art.º 274, do CPenal, determinando o arquivamento dos autos, nos termos do art.º 277, n.º2, do CPPenal.

Apreciando.

Nos termos do art.º 498, n.º1, do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, estando assim em causa um prazo curto de prescrição que tem por subjacente compelir os lesados ao exercício do respetivo direito, para que o mesmo não seja apreciado a longa distância pelo Tribunal[16], consubstanciando assim os imperativos da segurança, certeza jurídica e fixação da prova[17].

De tais finalidades não pode alhear-se a interpretação à expressão legal “data em que o lesado teve conhecimento do direito”, entendendo-se que a lei faz um efetivo apelo para um dado intelectivo do titular da indemnização, isto é a tomada de consciência, em sentido amplo, abrangendo a consciência legal do seu direito[18], ainda que imperfeita.

No caso sob análise, não se configura que a existência de desconformidade temporal entre o evento danoso, o conhecimento que do mesmo teve a Recorrente.

Atente-se, em nota, que cabendo ao réu a alegação e prova do decurso do prazo prescricional, nos termos do aludido art.º 498, isto é, a passagem dos três anos, a partir daqui todos os factos que infirmem essa prescrição, que o início do prazo se protelou, o prazo suspendeu-se ou interrompeu-se, ou houve um alargamento do prazo, devem ser alegados e provados pelo titular do direito cuja tutela se pretende, o autor, enquanto elementos constitutivos da existência e sobrevivência do direito.

A justeza lógica de tal entendimento assenta na própria razão de ser da distribuição do ónus probatório feita pelo art.º 342, do CC, em função da maior facilidade de prova que a parte onerada tem em cumprir o ónus, no pressuposto que, em regra, o autor do direito tem maior proximidade em relação aos factos constitutivos que fundam a sua pretensão, enquanto, por outro lado, essa maior proximidade quanto aos factos que extinguem, modifica, ou impedem o direito pertence, em geral, ao réu.

Fechando este parêntese, importa sublinhar, na sequência do já apreciado, que as partes legítimas nestes autos são a autora, ora Recorrente e a interveniente EDP- Distribuição – Energia, SA, ora Recorrida, sendo apenas quanto a esta última apreciada a questão do decurso do prazo prescricional.

Também releva salientar, quanto ao alargamento do prazo de prescrição, nos termos do n.º 3, do art.º 498, do CC, no caso das situações em que o facto ilícito constitua crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição mais longo, é este o aplicável, no entanto, no caso de responsabilidade objetiva ou pelo risco, está excluída a existência de alongamento do prazo, pois não existe crime a imputar ao obrigado a indemnizar[19].

Não podendo a Recorrente beneficiar de qualquer alargamento, releva considerar a documentada existência de um inquérito enquanto causa de interrupção do prazo de prescrição que, pese embora a mesma não indique a premissa legal para o silogismo a realizar, se reportará ao disposto no art.º 323, com vista a inutilizar o prazo anteriormente decorrido, começando a correr a partir do facto interruptivo, art.º 326, não se contabilizando contudo enquanto não for proferida decisão que ponha termo a eventual processo correndo termos, art.º 327, todos do CC.

Na dubitável admissão de tal enquadramento ao caso dos autos, face aos elementos trazidos pela Recorrente, a quem incumbia o ónus de os alegar, resulta tão só que face a um auto de notícia lavrado na sequência da ocorrência, foi aberto inquérito, arquivado em 11.09.2016, por inexistirem indícios que permitissem concluir pela existência de um crime, decisão que não sendo jurisdicional não é passível de recurso, nem de trânsito em julgado[20].

Em conformidade, considerando ainda assim, face ao factualismo trazido aos autos pela Recorrente que o prazo de prescrição se iniciou em 11.09.2016, certo é, que quando a mesma veio deduzir o incidente de intervenção provocada em 21.10.2019, chamando aos autos a Interveniente, parte legítima, já decorrera na totalidade o prazo prescricional.

Mencione-se por fim que, em termos idênticos dos acima aludidos, a Recorrente pretende invocar a existência da suspensão da prescrição, tendo em conta o disposto no art.º 321, do CC, num alegado desconhecimento da entidade responsável, face à confusão gerada entre ela e as outras sociedades do Grupo EDP, perdurando por mais de três anos – até à data da contestação da EDP – Energias de Portugal, SA.

A decisão sob recurso analisou de forma cuidadosa tal questão, em termos que merecem concordância, porquanto, face aos elementos que a própria Recorrente juntou aos autos – a mesma trocou correspondência com a Recorrida EDP – Distribuição – Energia, SA, a partir de Fevereiro de 2017, com a indicação expressa que “(…) O processo já está entregue a uma advogada para correspondente pedido de indemnização (…)”, configura-se, desse modo, inverosímil o alegado desconhecimento, maxime provocado intencionalmente pela obrigada, de modo a produzir uma suspensão do prazo, n.º2, do art.º 321, do CC.
Improcede, assim, também, nesta parte, o recurso deduzido.

d)-Do abuso de direito.
Alega a Recorrente que as Recorridas atuaram com abuso de direito, decorrente da falta de esclarecimento das respetivas qualidades, até porque mantém uma estrutura societária confusa gerando dúvidas na Apelante que determinaram a sua conduta processual, a qual estava estribada num comportamento anterior das Apeladas em que aquela confiava, exercendo as mesmas, agora em juízo, um direito em contradição com tal atuação.

Apreciando.

Diz-nos o artigo 334.º do CC, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Presente que a conceção legalmente adotada é essencialmente objetiva[21], isto é, não é necessária a consciência de se estar a exceder com o exercício do direito os limites impostos, quer pelos bons costumes, quer pelo fim social económico do direito, importando apenas que os limites sejam excedidos, por forma, manifesta, como a própria lei indica, sempre se terá de ter presente, no que diz respeito ao fim social e económico do direito, os juízos de valor positivamente consagrados na lei.

Assim compreende-se que, como pressuposto lógico da situação de abuso de direito, esteja a existência de um direito, reportado a um direito subjetivo, ou a um poder legal, caracterizando-se o abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito, ou do contexto em que ele deve ser exercido[22].

Dir-se-á, em conformidade, que a noção de abuso de direito assenta no exercício legal de um direito, que, no entanto, é feito em termos clamorosamente ofensivos da justiça[23], ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito.

Tal contradição mostra-se mais patente nos casos configurados como venire contra factum proprium, que se verificam quando alguém exerce um direito depois de ter feito crer à contraparte que não o iria fazer, na medida em que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

Na realidade, a boa fé, traduzida na conduta leal e correta com vista à obtenção dos fins legitimamente prosseguidos pelas partes, bem como a confiança que cada uma delas atuará de tal forma, em termos de razoabilidade, constitui uma das fundamentais exigências éticas no âmbito do comércio jurídico, surgindo assim como um princípio aplicável em todos os domínios em que possa existir um vínculo específico entre determinados sujeitos, com consagração legal em vários preceitos legais, sobretudo no n.º 2 do art.º 762, do CC.

Para que a conduta sobre a qual incide a valoração negativa resulte ilegítima, importa que se verifique uma situação objetiva de confiança, existente quando se pratica um determinado ato que, em abstrato, é apto a incutir em outrem a expectativa de adoção no futuro, de um dado comportamento coerente com aquele primeiro e que, em concreto, gera efetivamente tal convicção.[24].
Diga-se também, ser necessário que haja, igualmente, boa fé da contraparte que confiou, por supor que o autor da conduta contraditória estava vinculado a adotar a conduta prevista, e convencendo-se de tal, atue com o cuidado e as precauções usuais no tráfego jurídico.

Reitera-se que o venire contra factum proprium constitui uma manifestação da tutela da confiança, atendendo[25], na respetiva concretização a um quadro de proposições enunciadas como, situação de confiança, justificação para essa confiança, investimento de confiança e imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante, que devendo articular-se entre si, não obedecem a uma hierarquização, não se exigindo, em absoluto, a sua cumulação, pois a falta de um de tais requisitos para a proteção da confiança pode ser compensada pela especial intensidade de outro, ou outros, no atendimento, do caso em concreto.

A consequência a retirar da verificação duma situação de abuso de direito, para além do que expressamente se mostre consignado, deverá ser achada no atendimento do caso concreto, contrariando a pretensão daquele que procura usar o direito, de uma forma abusiva[26].

Ora da apreciação dos elementos probatórios trazidos aos autos pela Recorrente não avulta que as Recorridas se tenham conduzido de forma a gerar uma confiança, que agora foi contrariada em sede dos presentes autos.

Com efeito a indicação de EDP na documentação gerada pela Recorrida Interveniente não pode ser atendida como tal, pois a referência reporta-se ao Grupo, sendo que a indicação de “Energias Portugal”, surge referenciada no auto de notícia junto, elaborado por terceiro. Já a correspondência estabelecida entre as partes, apresentada pela Apelante, menciona expressamente “Distribuição”, junto à indicação no topo de “EDP”, sendo subscrita pela “EDP – Distribuição de Energia”, e reportando-se a realidade não estranha aos autos – condições de estabelecimento e segurança.

Por outro lado, não é inócua a indicação feita pela Apelante em Fevereiro de 2017 da existência de mandato judicial conferido com vista ao respetivo patrocínio judiciário para a obtenção de indemnização, por tal situação se mostrar adequada a suprir alguma fragilidade ou confusão em que a Recorrente pudesse incorrer no caso dos autos.

Assim, não se evidencia que as Recorridas tenham no exercício dos seus direitos no presente processo excedido, maxime, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, de modo a permitirem a paralisação dos efeitos produzidos e acima enunciados.

Conclui-se deste modo pela total improcedência da apelação.

***

III–DECISÃO
Nestes termos, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, e em conformidade manter a decisão sob recurso.
Custas pela Apelante.
*


Lisboa, 9 de Novembro de 2021



Ana Resende, Relatora                                      
Dina Monteiro, 1.ª Adjunta
Isabel Salgado, 2.ª Adjunta



[1]Diploma a que se fará referência, se nada mais for dito.
[2]Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, e suas alterações, caso da decorrente do DL 214-G/2015, de 2 de outubro.
[3]Acórdão do Tribunal de Conflitos, 19.06.2014, in www.dgsi.pt.
[4]Cfr. Ac. STJ de 14.05.2009, in www.dgsi.pt.
[5]Art.º 1, do DL 43335, de 19.11.1960.
[6]DL 26852 de 30.06.1936, com as alterações do DL 446/76, de 5.06, e Portaria 344/89, de 13.05.
[7]Conforme o decorrente dos DL 7/91, de 8.01, DL 131/94, de 19.05, e 182/95, de 27.07.
[8]Diploma que “(…) estabelece o regime jurídico aplicável às atividades de produção, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização de eletricidade (…)”, redação do DL 215-B/2012, de 8.10.
[9]Anexo IV a que se refere o n.º 6, do art.º 38, do DL 172/2006, isto é, bases de concessão da Rede Nacional de Distribuição de Eletricidade em Média e Alta Tensão.
[10]Do mesmo Anexo.
[11]Do mesmo Anexo.
[12]Cfr. Acórdãos do Tribunal de Conflitos, de 10.7.2012 e 3.12.2015, ambos in www.dgsi.pt.
[13]Próxima da posição do Prof. Barbosa de Magalhães na famosa controvérsia que o pôs ao Prof. Alberto dos Reis, visando sanar-se uma querela jurídica que se vinha desenrolando há várias décadas.
[14]Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 64.
[15]Do já aludido Anexo IV a que se refere o n.º 6, do art.º 38, do DL 172/2006, isto é, bases de concessão da Rede Nacional de Distribuição de Eletricidade em Média e Alta Tensão.
[16]Cfr. Acórdão da RL de 7.10.2008, in www.dgsi.pt, também subscrito pela agora Relatora.
[17]Cfr. Acórdão do STJ de 18.02.2021, in www.dgsi.pt.
[18]Cfr. Acórdão da RL de 7.10.2008, acima aludido.
[19]Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, pág. 504.
[20]Cfr. Acórdão da RE de 11.03.2008, in www.dgsi.pt.
[21]Veja-se, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I volume, 3ª edição, pág. 296 e seguintes, referindo Carvalho Fernandes, in Lições de Direitos Reais, pág. 198, reportando-se a estes últimos, que o instituto do abuso de direito, na sequência da sua evolução histórica, assumiu uma configuração objetiva e funcional.
[22]Obra e autores citados, a fls. 297, mencionando-se expressamente Castanheira Neves, Questão de Facto – Questão de Direito, e Cunha e Sá, Abuso do Direito, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1973, sobretudo págs. 456, e seguintes.
[23]Cfr. entre muitos, o Ac. do STJ de 8.11.84, in BMJ, n.º 341, pág. 418.
[24]Veja-se, Batista Machado, Tutela de Confiança e Venire Contra Factum Proprium, in Obra Dispersa, vol. I, pág. 415 e segs, bem como, entre outros, Acórdão do STJ de 14.01.1998, in www.dgsi.pt.
[25]Cfr. Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, pág. 290 e seguintes.
[26]Cfr. Ac. STJ de 2 de junho de 2009, in www.dgsi.pt.