Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2501/11.6TBPDL.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Nas obrigações de meios características dos contrato de prestação de serviço, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o não cumprimento;
(AP)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

João e mulher Maria, residentes na Rua (…) Ponta Delgada, instauraram a presente ação declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária contra José, residente (…) Ribeira Grande, pedindo a condenação deste a pagar ao primeiro autor a quantia de 36.518,36 €, acrescida de juros de mora.

Para tanto alegaram, em síntese, que o autor, que é empresário agrícola, contratou o réu, que é contabilista, para lhe tratar dos assuntos da contabilidade da sua indústria, incluindo os assuntos fiscais, mediante uma contraprestação mensal, que no período mais recente era de 100€. Nesse contexto o réu apresentou à administração fiscal a declaração de rendimentos singulares do autor, relativos ao ano fiscal de 2009, mas fé-lo apenas em 2011 e nela não referiu o estado civil daquele, que se alterou para casado (com a autora mulher) justamente no ano de 2009, como era de seu conhecimento. Daí vieram a surgir erros, apontados pelo sistema informático das finanças, e a final veio a resultar que a administração liquidasse de IRS aos autores a quantia de 44 954,16€ de imposto, acrescida de 1 177,42€ a título de juros compensatórios quando, se tudo fora bem feito, teriam apenas de pagar 9 613,22€.
Contestou o réu aduzindo, em síntese, que a declaração de rendimentos do autor entrou fora de prazo por vontade do próprio autor e que só teve conhecimento do casamento dele em meados de 2010. Em março de 2011 foi despedido pelo autor, pelo que não teve conhecimento nem intervenção nas comunicações ou diligências que as finanças mantiveram com o autor em data posterior àquela. Foram os autores que não esgotaram os meios de defesa dos seus interesses perante a administração fiscal, pelo que a responsabilidade que lhe é imputada não lhe pode ser assacada.

A final, foi proferida esta decisão:

Destarte e pelo exposto, na total improcedência da ação, absolvo o réu do pedido.”

É esta decisão  que os AA impugnam,formulando estas conclusões:

1a) Pelas razões expressamente invocadas em II. 1, destas alegações e que por economia processual aqui se dão por reproduzidas, temos que a resposta ao n.° 9 da BI deve ser: O R. teve conhecimento do aviso especificado em L), por lhe ter sido dado pelo autor, com base na consulta que fazia ao sistema informático das finanças. Na verdade;

2a) Esta resposta resulta a única coerentemente e possível, imposta pela resposta afirmativa à matéria do n° 5 BI e resultante do depoimento do próprio réu e supra transcrito. O que;

3a) Agora se pede, em sede de reaparição da matéria de facto, a esse douto tribunal Ad quem.

4a) Atentas as obrigações do Réu, para ele emergentes do contrato celebrado com o autor (Vide a resposta afirmativa ao quesito 1° uma vez mais por confissão do Réu, Cfr. fls. 3 da resposta à matéria de facto). e que, entre outros aspectos, impunham ao Réu;

- A interpelar o A. para o cumprimento de todas as obriaacões deste, perante o fisco e a sequranca social.

- A elaborar e fazer entregar nos prazos legais, as respectivas declarações na Reparticão de Finanças e sequranca social.

5a) Neste contexto, cabia ao réu demonstrar perante o seu conhecimento da situação que tinha actuado de acordo com as suas obrigações contratuais e profissionais. E;

6) É certo que nenhum facto o réu alegou e provou nesse sentido, sendo que sobre o Réu impende a presunção de culpa derivada do n° 1 do artigo 799° do CC.

7) Importa ter presente que, com os esclarecimentos constantes da resposta à matéria de facto, desta ficaram provados com relevância para a decisão da causa os seguintes factos (acrescendo ainda a pretendida alteração à resposta aoNr. °9 da BI)

O A marido e o R celebraram um contrato nos termos do qual o R se obrigou perante o A a elaborar os registos contabilísticos do autor, de acordo com o plano oficial de contabilidade (POC) e agora o sistema de normalização contabilístico (SNC)

 -A interpelar o A para o cumprimento de todas as obrigações deste, perante o fisco e a segurança social.

 - A elaborar e fazer entregar nos prazos legais, as respectivas declarações na Repartição de Finanças e Segurança Social.

 - A pagar os impostos e taxas manifestados nessas declarações, e que são da responsabilidade do autor, após interpelar o A, e este o habilitar a proceder a tal pagamento

 Como contrapartida das obrigações referidas no quesito 1° o A marido obrigou-se a pagar mensalmente ao R uma quantia que em Março de 2011 ascendia a €100

 No âmbito do contrato referido no quesito 1° o A marido entregava ao R sempre que este lhe pedia, toda a documentação contabilística referente á actividade por si desenvolvida?

 Sempre que recebia carta/oficio das Finanças o A entregava a mesma ao R.

 Foi o R quem procedeu ao preenchimento e entregava, via lntemet, da declaração do IRS referida em G). O casamento dos AA era do conhecimento do R?

A comunicação especificada em I) foi recebida pelo R. Foi devido ao R não ter procedido á correcção dos erros especificados em 1 que não foi tida em conta pelos serviços de finanças as deduções á Colecta e os benefícios fiscais

 Determinando a liquidação do /RS especificada em N)

 Se a declaração de IRS dos AA relativa a 2009 tivesse sido apresentada e, tempo a corrigida, o imposto liquidado ascenderia a €10 507,22.

 E á quantia quesitada em 13 teria que ser abatida a retenção na fonte da mulher, no valor de €894
9a) Donde conclusivamente se retira o prejuízo peticionado pelos autores 36.518€36 (46.131€58 - 9.613€22) — Cfr. artigos 28 a 29 da petição inicial e documentos a ela juntos. Por outro lado;
10a) Cumpre realçar que como refere a própria resposta à matéria de facto (com as exactas restrições e contextualizações nela referidas) «no seu depoimento de parte, o réu confirmou, no essencial, a matéria que estava vertida nos n .°s 1°,4°,5°,6°,7°, 8°,11°, 12°, 13° e 14° da BI. Ou seja;
11) Verificou — se a confissão desses factos pelo R., perante o Tribunal, a qual tem força plena contra o réu (artigo 358° do CC).
12a) Da leitura da factualidade assente resulta, que ficaram provados os factos constitutivos do direito que os autores, na presente acção, pretendem ver declarado, com as legais consequências, na condenação do réu. Com efeito;
13a) Deles resulta que o Réu violou os seus deveres para com o autor, designadamente os referidos nos artigos 6, n°1 a) a c) do e artigo 54° e 55° do Estatuto da Câmara dos Técnicos de Oficias de Contas, aprovado pelo DL n° 452/99 de 5 de Novembro. Por outro lado;
14a) Importa não esquecer que estamos no domínio, como se disse, da responsabilidade contratual, em que a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor (neste caso o réu apelado) cabendo, portanto, a este demonstrar que o não cumprimento da obrigação, não procedeu de culpa sua (artigo 799, n° 1 do CC). Ora;
15a) O réu, não elidiu minimamente esta presunção, como ressuma da matéria de facto apurada. Assim;
16a) Ao julgar improcedente a acção, a sentença recorrida violou nos artigos 6, n°1 a) a c) do e artigo 54° e 55° do Estatuto da Câmara dos Técnicos de Oficias de Contas, aprovado pelo DL n° 452/99 de 5 de Novembro, e o n° 1 do artigo 799° do CPC.

O R contra-alegou ,pugnando pela improcedência do recurso.

Os factos apurados:
a) A autora mulher é funcionária pública e o autor marido é empresário agrícola, dedicando-se à exploração agropecuária. (Al. A) dos Factos Assentes)
b) O réu exerce a sua atividade profissional de prestação de serviços de contabilidade e de administração de empresas, estando inscrito no Ministério das Finanças e na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, com a carteira profissional CP (…), como Técnico Oficial de Contas. (Al. B) dos Factos Assentes)
c) Em data não apurada mas anterior a 2009, o autor marido acordou com o réu que este se obrigava perante aquele a fazer-lhe a contabilidade, bem como a fazer as diligências necessárias ao cumprimento das suas obrigações fiscais, nomeadamente quanto a IVA e a IRS, elaborando as respetivas declarações e dando delas entrada nas Finanças, bem assim como a fazer os pagamentos necessários relativos ao IVA, depois de habilitado e provido com os meios a tal necessários, mediante a contrapartida mensal que em 2011 era de 100€. (Resp. quesitos 1.° e 3.°)
d) No âmbito desse contrato o autor marido entregava ao réu, sempre que este lhe pedia, toda a documentação contabilística referente à atividade por si desenvolvida. (Resp. quesito 4.°)
e)    E sempre que recebia carta/oficio das finanças, o autor entregava a mesma ao réu. (Resp. quesito 5.°)

 f)1) Os autores contraíram casamento civil, sob o regime imperativo da separação de bens, no dia 3 de janeiro de 2009. (Al. C) dos Factos Assentes)
g) O réu passou a conhecer o novo estado civil de casado do autor em março de 2010. (Resp. quesitos 7.° e 24.°)
h) A declaração de IRS dos autores referente ao ano de 2009 não foi apresentada em 2010. (Al. D) dos Factos Assentes)
i) O que aconteceu por opção do autor marido... (Resp. quesito 23.°)
j) que deliberadamente entregava tais declarações de rendimentos fora do prazo... (Resp. quesito 21.°)
k) optando por pagar a coima devida pela apresentação tardia das declarações fiscais, para não ficar sujeito à exigência de proceder aos pagamentos de IRS por conta à administração fiscal. (Resp. quesito 22.°)
1) Por em 2010 não ter dado entrada a declaração de rendimentos relativa ao ano fiscal de 2009 os serviços de finanças procederam à liquidação oficiosa do IRS, como se os autores não estivessem casados, dando origem ao processo de liquidação 2011 5000043900, e efetuada em 28/1/2011, na qual se apurou um rendimento do autor marido de 230 408,63€, e o valor do imposto liquidado de 48 170,62€. (Al. E) dos Factos Assentes)
m) Quanto à autora mulher apuraram os serviços de finanças, pelo processo 201140000066229, que o rendimento dela fora de 14 897€, com a retenção na fonte de 894€ e a contribuição de 1 681,16€, sendo liquidado de IRS de 163,20€. (Al. F) dos Factos Assentes)

 n) no dia 22/1/2011 deu entrada, via internet, a declaração de IRS dos autores, relativa ao ano de 2009, com a indicação de que eram casados entre si. (Al. G) dos Factos Assentes)

 o) Foi o réu quem procedeu ao preenchimento e entrega, via internet, dessa declaração de IRS. (Resp. quesito 6.°)
p) Tal declaração não foi, porém, validada centralmente pelos serviços de finanças, por já constarem do sistema as liquidações oficiosas referidas em 1) e m). (Al. H) dos Factos Assentes)
q) Por tal razão, os serviços centrais da DGCI, por comunicação de 9/2/2011, alertaram os autores, enquanto sujeitos passivos, para procederem à correção da declaração modelo 3 relativa ao IRS de 2009, por a mesma apresentar os erros B52 (NIF titular de rendimento assinalado como titular dependente noutra declaração de rendimentos) e E79 (NIF A ou B em agregados diferentes para o mesmo período). (Al. I) Factos Assentes)
r) O réu teve conhecimento dessa situação (erros na declaração de rendimentos) através da consulta que fez à situação fiscal do autor no sistema informático das finanças, para o que se encontrava autorizado e habilitado. (Resp. quesito 8.°)
s) Por tal razão o réu apresentou nova declaração de rendimentos, no dia 15/2/2011, respeitante ao ano de 2009, em que reitera a autora como mulher do autor. (sujeito B). (Resp. quesito 27.°)
t)E no dia 25/2/2011 fez dar entrada no serviço de finanças de Ponta Delgada, o requerimento de fls. 61, subscrito pelos autores, juntando-lhe uma certidão do assento de casamento, nele requerendo que fosse considerada certa a declaração referida em n), o que veio a dar origem ao processo de reclamação graciosa n.° 2992201104000439. (Al. J) dos Factos Assentes)

u) A partir do final do mês de março de 2011 o autor prescindiu dos serviços de consultadoria do réu. (Resp. quesito 29.°)
v) No âmbito do referido processo gracioso, os autores foram notificados, através do oficio da Direção de Finanças, n.° 2443, datado de 15/6/2011, no âmbito do direito de audição, para no prazo de 8 dias dizerem o que se lhes oferecesse, e nada disseram. (Al. K) dos Factos Assentes)
w) Após o que foi proferida decisão pelo diretor de finanças de Ponta Delgada, em 30/6/2011, na qual admitiu a correção das liquidações oficiosas, mas apenas quanto ao estado civil dos autores, já não quanto às deduções à coleta e benefícios fiscais indicados por eles nas declarações referidas em n). (Al. L) dos Factos Assentes)
x) Na sequência disso as finanças procederam à liquidação de IRS dos autores, relativo ao ano fiscal de 2009, nos termos que constam a fls. 17, ascendendo o imposto (IRS) apurado a 44 954,16€, a que acresceram 1 177,42€ a título de juros compensatórios, num total de 46 131,58€. (Al. N) dos Factos Assentes)

y) Quantia essa que os autores liquidaram no dia 30/8/2011. (Al. O) dos Factos Assentes)
z) Todas as comunicações fiscais dirigidas ao autor ou aos autores, ocorreram em nome pessoal destes e dirigidas à residência fiscal daqueles. (Resp. quesito 17.°)

aa) Na liquidação referida em x) a administração fiscal não admitiu as deduções à coleta e os benefícios fiscais previstos nos artigos 79.°, n.° 1, al. c) e 97.°, n.° 3 do CIRS, devido à não correção dos erros apontados à declaração fiscal apresentada (referidos em q) e subsequente falta de recurso hierárquico da decisão da reclamação  graciosa que os suscitasse e subsequente impugnação (se necessário). (Resp. quesitos 11.° e 12.°)

ab) Caso se tivessem corrigido os apontados erros e se reclamasse da liquidação, o imposto a liquidar seria de 9 613,22. (Resp. quesitos 13.° e 14.1

 Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.º 684 nº3), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 660 nº 2 CPC), o objecto deste recurso prende-se com a avaliação da condenação do R ao pagamento de determinada indemnização, por via do seu incumprimento contratual, nomeadamente pela alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Vejamos:

(…)

Estarão reunidos os pressupostos da responsibilidade contratual  ,impondo ao  apelado a obrigação de indemnização dos AA ?

Não foi colocado em crise  que entre o autor marido e o réu se convencionou, verbalmente, nas referidas circunstâncias de tempo, um contrato de prestação de serviços (artigo 1154.° C. Civil), pelo qual este aceitou desenvolver os seus serviços de contabilista, nos termos referidos, por conta daquele, mediante a retribuição, cujo montante acertaram e que em 2011 era de 100€ mensais. A esta figura contratual aplicam-se, com as necessárias adaptações, as regras do contrato de mandato (artigo 1156.° C. Civil).
O objecto deste litígio reside em saber se o R incumpriu este contrato e se esse incumprimento originou prejuízos para os AA .
Damos aqui por reproduzidas as considerações teóricas explanadas na sentença acerca dos pressupostos e requisitos da responsabilidade contratual ,já que com elas concordamos.
A tese dos autores no presente caso tem por referência o cumprimento defeituoso das obrigações que impendiam sobre o réu, por no seu entender: a) este ter apresentado intempestivamente a declaração de rendimentos relativa ao ano fiscal de 2009; b) e nela não fazer constar, como deveria, o estado civil dos autores naquele ano. Daí derivando a liquidação de tributos (de IRS) em montante muito superior ao que seria devido se o réu tivesse desempenhado devidamente o serviço de que estava contratualmente incumbido.
Daí que ,a ser verdadeira esta sucessão de factos e ocorrendo danos ,o R terá que ser constituido responsável civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso, em termos de responsabilidade contratual, por força do disposto no artigo 798º, todos do CC.

À luz dos princípios deontológicos que tutelam a actividade dos Técnicos Oficiais de Contas (TOC) previstos no Dl nº 310/2009 (com a rectificação nº 94-A/2009 de 24-12 ) estes devem orientar a sua actuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade, competência, confidencialidade, equidade e lealdade profissional; padrões de honestidade e de boa fé; E tudo isto ,de acordo com o dever objectivo de cuidado,  vinculados a critérios de legalidade e às regras deontológicas próprias da profissão.

Princípios estes que mais se justificam, quando pensamos que estamos perante a existência de obrigações de meios e não de resultado. As primeiras definem-se também se definem por um resultado, mas o devedor, porém, não se obriga a causá-lo, mas a tentar causá-lo, ou melhor, a praticar os actos que, numa apreciação ex ante, sejam adequados a causá-lo. A diferença com as obrigações de resultados está naquilo a que o devedor se obriga: nas de resultado, obriga-se a causá-lo; nas de meios, obriga-se a tentar adequadamente causá-lo, ou seja, nas de meios, há cumprimento quando o resultado é adequadamente tentado.

Note-se que as «obrigações de meios» não se definem por nenhuma indicação dos meios que o devedor usará para cumprir. Pelo contrário, ele é totalmente livre na sua escolha, salvo convenção adicional.         

Porém, nas obrigações de meios, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento, uma concreta ilicitude da falta de cumprimento, que o TOC não realizou os actos em que, normalmente, se traduziria um trabalho diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão../../acapricho/Ambiente de trabalho/48809.4-Perdachance.doc - _ftn4, “que os meios não foram empregues pelo devedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada”[1]

Efectivamente, nas obrigações de meios, não obstante o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade contratual, considerando a existência da presunção «tantum iuris» de culpa que incide sobre o devedor, que terá de demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da prestação a seu cargo não procede de culpa sua, atento o disposto pelos artigos 798º, 799º, nº 1 e 342º, nº 2, todos do CC, vigora o princípio geral de que o credor deve identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência, objectivamente, devida, pois que “a presunção de culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor” isto é, a reduzir-se-á à culpa, em sentido estrito[2]

Assim sendo, demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que a diligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou que omitiu a diligência exigível.

O que sucedeu nos presentes autos ?

A entrega da declaração fora de prazo correspondeu a uma «estratégia fiscal» do próprio autor marido (embora nela, por força das suas obrigações contratuais, tenha participado o réu); e depois porque as Finanças deferiram e tiveram em consideração, na liquidação final dos tributos de. IRS que os autores vieram a pagar, o seu novel estado civil no ano fiscal em causa (2009). E o mais surpreendente é que quer a primeira quer a segunda das referidas circunstâncias eram do conhecimento pessoal dos autores: uma por natureza (planeamento fiscal do autor); e a outra derivada do deferimento da exposição escrita que os próprios subscreveram e que lhes foi devida e atempadamente comunicada (e à qual não reagiram).

Tal como se pode ler na decisão impugnada:

“….Na verdade, a declaração de rendimentos dos autores, referente ao ano fiscal de 2009, não foi apresentada no momento próprio (que deveria ter sido entre 1 de fevereiro até 15 de-março 2010 (se em suporte papel); ou entre 10 de março e 15 de abril do mesmo ano (se por transmissão eletrónica), conforme prescreve o artigo 60.° do CIRS. Tal ocorreu voluntariamente, por isso corresponder a uma estratégia fiscal do autor marido (als. h), i), j). k), que pretendia evitar fazer os pagamentos por conta previstos no artigo 102.° do CIRS. A declaração só veio a dar entrada nas Finanças no dia 22/1/2011, quando a administração tributária, por razão do atraso na entrega da declaração, já tinha elaborado uma liquidação oficiosa relativamente a cada um dos autores, baseada em métodos indiretos, conforme a lei prevê nos artigos 81.° e 85.° e ss. da Lei Geral Tributária (LGT) (ais. 1) e m). Naquele momento, para as finanças, os autores mantinham o estado civil anterior, pois não tinha conhecimento da alteração. E não atendeu a quaisquer deduções nem benefícios fiscais (que igualmente não podia conhecer). Quando veio a entrar a declaração de rendimentos conjunta dos autores, em janeiro de 2011, elaborada pelo réu, o sistema informático registou erros e não a confirmou (aceitou-a apenas condicionalmente), em razão de já ter sido feita a avaliação oficiosa prevista no artigo 76.°, n.° 2 do CIRS (cf. ponto 3 da informação técnica dos Serviços - fls. 14). Nessa circunstância as finanças notificaram os autores para que estes corrigissem os erros (ai. q). O réu reapresentou a mesma declaração (no dia 15/2/2011 - al. s), por a considerar correta. Mas como o sistema continuou a registar erros, apontando-os, o réu elaborou o requerimento de fls. 61, que os autores assinaram, no qual se solicitava que se 'considerasse certa a declaração de rendimentos entregue (e nos termos em que o foi), juntando certidão de casamento para demonstrar o novo estado civil (desse modo autenticamente demonstrado), e no dia 25/2/2011 deu dele entrada nos serviços de finanças (al. t). Se a declaração de rendimentos dos autores, elaborada pelo réu, tivesse sido atendida na liquidação final, o imposto a liquidar seria de 9 613,22€.

Os autores, desgastados entretanto com as contrariedades com que se depararam (haviam sido notificados de uma liquidação oficiosa da qual resultava uma tributação muito superior à que resultava da simulação - fls. 18/19; o sistema informático continuava a assinalar erros; e o tempo passava sem que o assunto se resolvesse) decidiram despedir o réu, prescindindo dos seus serviços, o que fizeram em finais de março de 2011 (al. u). Depois em junho de 2011 foram notificados do projeto de decisão relativa à sua exposição/reclamação entrada nas finanças no dia 25/2/2011. Esta foi-lhes favorável na parte em que não podia deixar de ser (que eles estavam mesmo casados um com o outro); mas desatendeu a sua pretensão no qïe mais relevava: as finanças mantinham a liquidação dos tributos por avaliação indireta, desatendendo a declaração de rendimentos entretanto entregue. Logo perante essa notificação os autores nada disseram. E depois da decisão tomada os autores dela também não reclamaram (o que depois lhes permitiria impugnar a decisão que lhes viesse a ser desfavorável - artigos 140.° CIRS, 69.°, 99.° e ss. CPPT), conforme a lei lhes permitia. Seguiu-se, em agosto de 2011, a nova liquidação (referida em x) - fls. 17), distinta das anteriores (referidas em 1) e m) - tendo já em consideração o estado civil dos autores -, mas nela se mantendo a avaliação dos rendimentos e subsequente cálculo dos tributos através da avaliação indireta, como se os autores nunca houvessem feito uma declaração de rendimentos respeitante aquele ano fiscal. E perante esta os autores também não reclamaram nem impugnaram, podendo fazê-lo (artigos 80.° LGT, 66.°, 67.°, 69.°, 99.° e ss. CPPT). Já o réu não podia ter nenhuma intervenção, porque tinha sido despedido em março de 2011.”
A via reclamatória ou impugnatória, ou esta depois daquela, que os autores totalmente descuraram, auguravam boas hipóteses de sucesso, pois o direito estava do seu lado.
Com efeito, as reclamações de outros contribuintes sobre a desconsideração das declarações apresentadas pelos próprios intempestivamente, em situações similares, vieram a ser todas deferidas, em sequência da alteração do entendimento anterior da própria administração fiscal, conforme se constata no teor do Oficio-Circular n.° 20155, de 4/11/2011 (fls. 101/102). Mas nada disso se pode imputar ao réu. Aliás, ele de nada disso teve conhecimento, por há muito já ter sido despedido.
Resumindo, o prejuízo fiscal que os autores assumiram não decorreu de ato ou omissão relevante do réu. Antes é consequência de uma sucessão de erros (de decisões erradas): primeiro dos autores (que deveriam ter apresentado a declaração em tempo e não o fizeram para obterem outra vantagem); depois da administração tributária (que deveria ter efetuado a notificação prevista no artigo 76.°, n.° 3 do CIRS, e bem assim ter-se apercebido da situação em sequência da exposição de 25/2/2011); e finalmente (e decisivamente) outra vez dos autores (que nada suscitaram a propósito na audição prévia no processo gracioso - rectius: nada disseram -, nem depois reclamaram ou impugnaram a liquidação feita pela administração tributária).
É um facto que o  réu teve uma participação na primeira fase, respeitante à não entrega da declaração de rendimentos dentro do prazo legal (ele nessa altura assessorava o autor em matéria fiscal), pois tal omissão integrou o processo causal do prejuízo fiscal aludido. Mas essa participação não é, todavia, causa adequada do mesmo,por não ser, só por si, adequado a produzi-lo
Com efeito, por ocasião da reclamação apresentada em 25/2/2011 (feita pela mão do réu), a administração fiscal, deveria, ela própria, nos termos já supra referidos, ter reavaliado os rendimentos dos autores com base no que foi por eles declarado e não manter a avaliação indireta. Mas, não o fazendo, como não fez, poderiam e deveriam os autores ter reclamado e se necessário depois impugnado judicialmente essa decisão, e não o fizeram.                
Ora, o réu não teve nenhuma participação nestas decisões, nem podia ter por entretanto ter sido despedido, sendo, estas sim, aquelas que tornaram inevitável o dito prejuízo.
Não há assim prova bastante do incumprimento da obrigação de meios a que o R estava vinculado e muito menos da causalidade entre os actos profissionais particados por si e os prejuizos dos AA

Concluindo: nas obrigações de meios, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não é suficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação, para se considerar demonstrado o não cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento, uma concreta ilicitude da falta de cumprimento, que o TOC  não realizou os actos em que, normalmente, se traduziria um trabalho  diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão

No caso presente não foi feita prova que o R tenha violado as regras deontológicas que pautam a sua actividade ,ou que o prejuízo fiscal dos A tenha decorrido de acto ou omissão relevante do réu.


DECISÃO

Pelo exposto,acordam em negar provimento à apelação e confirmar integralmente a decisão impugnada.

Custas pelos apelantes

Lisboa, 2 de Maio de 2013

Teresa Prazeres Pais

Isoleta de Almeida e Costa

Carla Mendes


[1] Manuel A. Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, Almedina, 2010, 81.
[2] Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, O Método do Caso, 81; STJ, de 28-9-2010, Pº nº 171/2002.S1, www.dgsi.pt