Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35708/19.8YIPRT.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DE SENTENÇA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Constitui um ato manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não têm qualquer relevância para a decisão da causa, não estando o tribunal obrigado a conhecê-la, atento o disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC.
2. Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no n.º 3 do art.º 607.º do CPC, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto proferida, prevista no n.º 4 do mesmo artigo, sendo que só a primeira determina a nulidade da sentença, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
3. O devedor que deixa de residir na morada constante do contrato está obrigado a indicar ao credor a sua nova residência, em alteração da morada constante do contrato, sendo-lhe imputável o facto de não ter tomado conhecimento de declaração enviada para esta morada, que por isso não deixa de ser eficaz.
4. Uma cláusula contratual geral que estabelece uma obrigação acessória para o devedor dirigida o manter o credor informado da sua residência efetiva e do local onde o mesmo pode ser contactado, sob pena das comunicações escritas enviadas para a morada constante do contrato se terem como eficazes, não é abusiva ou desproporcionada, antes decorre da exigência de uma postura de cooperação e lealdade dos contraentes, em decorrência e concretização do princípio da boa fé enquanto regra de conduta que deve estar sempre subjacente na execução dos contratos, como estabelece o art.º 762.º n.º 2 do C.Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem a Cofidis - Sucursal da Sociedade Anónima Francesa Cofidis S.A intentar a presente injunção contra RA… e SP…, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 6.336,65 acrescida dos juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alega, em síntese que a A. no exercício da sua atividade comercial concedeu aos RR. um crédito direto sob a forma de contrato de mútuo, que estes não cumpriram, tendo ficado em dívida a quantia de € 4392,91; mais alega que lhes concedeu um outro crédito sob a forma de crédito em conta corrente que os RR. também não cumpriram, ficando em dívida a importância de € 1.414,22. tendo a A. resolvido o contrato por comunicação que realizou com efeitos a partir de 31/10/2018.
Devidamente citados, apenas a R. SP… veio deduzir oposição. Admite a celebração dos contratos invocados tal como a falta do pagamento das prestações, alegando que em meados de abril de 2018 se separou do R. e saiu da casa de morada de família, morada constante do contrato e disso deu conhecimento à A., desconhecendo por isso a alegada mora no pagamento das prestações. Defende que não há mora e que o contrato não foi devidamente resolvido, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Procedeu-se à realização do julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, condenando os RR. no pedido contra eles formulado pela A.
É com esta decisão que R. não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Andou mal o Tribunal recorrido ao julgar procedente a ação interposta pela Recorrida.
2. No mesmo sentido padece a Sentença recorrida de vários vícios que a enfermam de nulidade pelo que deve a mesma ser revogada.
3. Desde logo verifica-se um erro de julgamento por parte do Julgador ao dar como provados factos que não poderiam ter sido dados como provado à luz da prova produzida.
4. De igual modo, atendendo à prova produzida deveriam ter sido dados como provados factos que o Julgador classificou como não provados o que se traduz numa errónea interpretação e valoração da matéria de facto.
5. Nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 4., ou seja, que “A ré enviou em 19/09/2018 um email à ré a comunicar o incumprimento dos contratos, a ausência de resposta às interpelações e a possibilidade de resolução do contrato”.
6. Do email referido nesse facto não consta a data de envio, nem sequer um recibo de leitura, comunicando-se tão-só à ré que os dados do respetivo contrato poderiam estar desatualizados encontrando-se esta em mora (nunca se mencionando um possível incumprimento).
7. Inversamente tendo sido produzida prova através do depoimento escrito da testemunha indicada pela Autora, ora Recorrida, deveriam ter sido dados como provados os factos 8.º, 9.º, 11.º, 12.º e 18.º.
8. Ao não fazer referência a este depoimento escrito não se alcança se o mesmo foi valorado, inexistindo, portanto, uma análise critica na fundamentação por parte do Tribunal recorrido, o que leva a concluir que este julgou de forma arbitrária, espelhando apenas a convicção pessoal do julgador.
9. De harmonia com o disposto no art.º 607.º, n.º 4, do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção.
10. Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se a motivação do seu sentido, permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso possibilitando ainda, nomeadamente ao tribunal de recurso, a reponderação adequada da decisão judicial.
11. A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
12. Mais, a exigência da motivação da decisão destina-se ainda a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão pelo que através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.
13. Em audiência de julgamento datada de 20 de janeiro de 2020 admitiu-se o depoimento escrito de uma testemunha apresentada pela Autora, razão por que tal depoimento deveria constar da Sentença proferida indicando-se se foi ou não tomado em consideração pelo tribunal.
14. Assim como relativamente aos factos dados como não provados deveriam no mínimo ter sido expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impediram uma convicção sobre a sua veracidade.
15. Estas omissões consubstanciam nulidade nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil.
16. As decisões devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto não se podendo reconhecer a esta Sentença recorrida tais requisitos de clareza e precisão relativamente à matéria de facto não provada e à sua fundamentação dessa decisão, pelo que enferma de nulidade, nos termos supra referidos.
17. Posto isto, deveria ter ficado provado a falta de interpelação admonitória da Recorrida à Recorrente pelo que não houve a resolução dos contratos aqui em discussão.
18. Não se prevê na lei a dispensa de interpelação do devedor para cumprimento, razão pela qual o credor não fica dispensado de fazer a interpelação extrajudicial para o pagamento.
19. Não tendo a Recorrida logrado interpelar a ora Recorrente concedendo o prazo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, tão pouco comunicando intenção de resolver o contrato, não se pode senão concluir, não se encontrarem verificados os pressupostos da resolução dos referidos contratos de crédito.
20. A Cláusula 16.ª das Condições Gerais do contrato … e a Cláusula 21.ª das Condições Gerais do contrato … revelam-se abusivas pois dão origem a “um desequilíbrio significativo” entre os direitos e as obrigações das partes, em detrimento dos interesses do aderente, ora Recorrente.
21. Por na dita cláusula não se entrever, nem proporção nem razoabilidade contratual, antes dela decorrer uma excessiva e desproporcional proteção dos interesses próprios do predisponente, não pode ela manter-se devendo tomar-se por não escrita.
22. Razão por que mais uma vez se reafirma que a ora Recorrente não foi interpelada pela Recorrida, não se efetivando a resolução dos contratos juntos aos autos, nas datas invocadas, ou seja, 31 de outubro de 2018.
23. Por todo o exposto, que são fundamentos e conclusões das presentes alegações, à Recorrente assiste razão, devendo ser concedido provimento ao Recurso, com as demais consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.
A A. veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e confirmação da sentença proferida.
O Exm.º Juiz a quo pronunciou-se no sentido de não se verificarem as nulidades da sentença invocadas pela Recorrente.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da decisão de facto;
- da nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) e d) do CPC;
- da (falta) interpelação admonitória suscetível de fundamentar a resolução do contrato.
III. Fundamentos de Facto
O tribunal da 1ª instância considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1. Entre a Requerente, sediada em Lisboa, no exercício da sua actividade comercial e os requeridos foram celebrados os seguintes acordos escritos:
a. contrato n.º …, através concedeu aos Requeridos crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, no valor de €5000,00.
b. contrato n.º …, através do qual concedeu aos Requeridos crédito directo, sob a forma de crédito em conta corrente, com o montante máximo de €1500,00, permitindo assim aos Requerido(s) solicitar ao abrigo de tal contrato novos financiamentos ou aumentos do valor do crédito inicialmente concedido
2. Foi expressamente acordado que a falta de pagamento das importâncias mutuadas ao abrigo dos referidos contratos implicaria a obrigação do pagamento do valor que se apurasse estar em dívida, acrescido de juros:
a. à taxa anual de 14,10%, desde a data em que a resolução do contrato fosse comunicada aos requeridos e até integral pagamento, referente ao contrato identificado no ponto 1, a);
b. à taxa anual de 16,10%, desde a data em que a resolução do contrato fosse comunicada aos requeridos e até integral pagamento, referente ao contrato identificado no ponto 1, b).
3. Resulta da Cláusula 16.ª das Condições Gerais do contrato … e na Cláusula 21.ª das Condições Gerais do contrato … que os réus se obrigaram a comunicar qualquer actualização de morada sob pena de as comunicações escritas enviadas para a morada constante do contrato serem plenamente válidas e eficazes ainda que não fossem recebidas.
4. A ré enviou em 19/09/2018 um email à ré a comunicar o incumprimento dos contratos, a ausência de resposta às interpelações e a possibilidade de resolução do contrato.
5. Os requeridos não cumpriram com as obrigações que para si derivavam de ambos os acordos escritos a partir do mês de Junho de 2018:
a. tendo a resolução do contrato identificado em 1, a) sido comunicada com efeitos a partir de 31.10.2018;
b. tendo a resolução do contrato identificado em 1, b) sido comunicada com efeitos a partir de 31.10.2018;
6. Nas cartas referidas no ponto anterior, foi comunicado o montante em dívida e concedido um prazo suplementar de 15 dias para regularizar a mesma.
7. Tendo ficado em dívida:
a. Em relação ao contrato identificado em 1,a) a importância de €4.392,91;
b. Em relação ao contrato identificado em 1,b) a importância de €1.414,22;
- da impugnação da decisão de facto
Vem a Recorrente impugnar a decisão de facto proferida, quanto ao ponto 4 dos factos provados e pontos 8, 9, 11, 12 e 18 dos factos não provados, dando cumprimentos aos requisitos do art.º 640.º n.º 1 do CPC.
- O ponto 4 dos factos provados tem o seguinte teor:
4. A ré enviou em 19/09/2018 um email à ré a comunicar o incumprimento dos contratos, a ausência de resposta às interpelações e a possibilidade de resolução do contrato.
- Quanto aos pontos 8, 9, 11, 12 e 18 dos factos não provados têm a seguinte redação:
8. Que em meados de abril de 2018 os requeridos se tenham separado, tendo sido decretado o divórcio litigioso em 19 de setembro de 2019, tendo a requerida saído da casa de morada de família, morada constante do contrato celebrado com a requerente, mas aí continuando a residir seu ex-marido.
9. Que a requerida tenha dado conhecimento à Requerente de que não se encontrava a residir na Ilha do Pico, e por isso, desconhecia a alegada mora no pagamento das prestações.
11. Que os serviços de apoio ao cliente da requerente tenham sido contactados pela requerida em 15/06/2018, momento no qual a requerida informou que se encontrava separada e em processo de divórcio, tendo então também referido que iria conversar com o seu advogado e que voltaria a entrar em contacto.
12. Que no dia 21/06/2018, a requerida tenha voltado a contactar telefonicamente os serviços da requerente, tendo em tal data sido prestadas novas informações relativamente ao estado dos contratos dos autos.
18. Que a requerida tenha informado que residia naquele momento numa outra morada sita na Ilha Terceira, em Angra do Heroísmo, tendo os serviços da requerente solicitado em tal momento à requerida o envio de um comprovativo de morada actualizado para que pudessem proceder à formalização de tal alteração no registo dos dados associados aos contratos dos autos.
Questão prévia – do depoimento escrito da testemunha apresentada pela A.:
A Recorrente quando indica os meios de prova que devem ser tidos em conta na alteração dos factos da decisão que impugna faz referência ao depoimento escrito de uma testemunha, depoimento este a que a A. também alude na resposta ao recurso que apresenta.
Constatamos também que em requerimento apresentado pela A. ao processo a 28/12/2019 é requerida pela A. a junção do depoimento escrito de uma testemunha – BA… - e tal requerimento é acompanhado de um anexo que constitui um documento identificado no processo eletrónico como “depoimento escrito”. Este documento eletrónico é composto por nove páginas em branco, o que o tribunal a quo não terá atentado.
No início da audiência de julgamento o tribunal a quo proferiu despacho admitindo os documentos juntos aos autos pela A. e o depoimento junto.
Analisando a sentença proferida, verifica-se que a mesma não faz qualquer menção a um depoimento testemunhal escrito, designadamente na parte dedicada à motivação da decisão de facto. Pelo contrário, aí se refere que o tribunal valorou a sua convicção na conduta das partes e na documentação junta que identifica, mais se acrescentando, no que respeita aos factos não provados, que a prova produzida foi inteiramente documental.
O depoimento escrito de uma testemunha, naturalmente, não se integra no meio de prova por documentos, não deixando de ser prova testemunhal pelo facto do depoimento estar reduzido a escrito.
De tudo isto decorre que o tribunal a quo não levou efetivamente em consideração nenhum depoimento testemunhal escrito, constatando-se que nem sequer o podia ter feito pela razão de tal depoimento escrito não se encontrar no processo, tendo existido, com certeza, um lapso da A. ao carregar eletronicamente tal documento como anexo ao requerimento que apresentou.
Na verdade, nem no processo físico, nem no processo eletrónico se encontra o aludido depoimento escrito, verificando-se que o anexo que é identificado como depoimento escrito, quando aberto, está completamente em branco nas nove páginas que o constituem.
Tendo sido um meio de prova validamente apresentado pela parte e admitido pelo tribunal, impunha-se a superação do lapso ou irregularidade verificada, de modo a permitir a efetiva junção aos autos do depoimento em questão, para que o mesmo pudesse ser devidamente valorado pelo tribunal.
Contudo, se tivermos em conta os pontos de facto que são impugnados pela Recorrente, verificamos que tal é absolutamente inútil, na medida em que mesmo a proceder na totalidade a impugnação da decisão de facto apresentada pela mesma, em parte fundamentada no depoimento escrito da testemunha em falta, nunca a alteração pretendida iria ter influência na decisão do mérito da causa.
Na verdade, a mesma impugna o ponto 4 tido como provado que alude ao envio de um email, mas já não impugna o ponto 5 dos factos provados relativo à comunicação da resolução dos contratos, sendo este o facto relevante para a avaliação da existência ou não de interpelação admonitória capaz de fundamentar a resolução do contrato. O email a que alude o ponto 4 não assume qualquer importância para a decisão da causa.
Também os factos não provados que são impugnados pela Recorrente, com base no depoimento escrito da testemunha, não são suscetíveis de influenciar a decisão de mérito, na medida em que se referem apenas à situação de separação da R. e à sua saída da casa de morada de família e da ilha do Pico e informação genérica de estar a residir na Ilha Terceira.
Aliás, na oposição que apresenta, a R. alega ter comunicado telefonicamente à A. a sua situação de separação e divórcio e a sua não permanência na casa de morada de família, correspondendo à morada dada nos contratos, nunca alegando, porém, o que seria relevante: que comunicou à A. em concreto uma nova morada onde pudesse ser notificada, em alteração da morada constante dos contratos.
Ora, nem a situação de separação e divórcio da R., nem tão pouco uma mera comunicação à A. de que já não reside na morada do contrato, desacompanhada de um pedido de alteração da morada, são suscetíveis de determinar a improcedência da ação.
Em face dos factos que constituem o objeto da impugnação da matéria de facto apresentada não serem relevantes para a decisão de causa, não sendo a alteração pretendida suscetível de interferir na mesma, não há que diligenciar pela supressão do vício da falta do depoimento escrito nos autos, atenta a inutilidade da apreciação da impugnação da decisão de facto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do CPC não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo.
No sentido de constituir um ato manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão da matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão, tem vindo a pronunciar-se a nossa jurisprudência, do que são exemplo, entre outros, o Acórdão do TRC de 12 de junho de 2012 no proc. 4541/08, o Acórdão do TRP de 7 de maio de 2012 no proc. 2317/09 ou o Acórdão do STJ de 17 de maio de 2017 no proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1 todos in www.dgsi.pt, referindo-se neste último: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.
Como se referiu e melhor se verá adiante, juridicamente não tem qualquer relevância uma informação dada pela R. à A. de que está separada ou divorciada e já não reside na morada que consta do contrato, quando desacompanhada da comunicação da sua nova residência. O que seria importante e podia ter interesse era a R. ter comunicado à A. a nova morada onde passou a residir, de forma a que aí pudesse ser contactada pela R. – isto a R. nunca alega ter feito, limitando-se a dizer, na sua contestação que deu conhecimento à A. de que já não residia na ilha do Pico, nunca alegando que lhe forneceu a indicação da morada onde passou a residir e onde podia ser encontrada.
Como nos termos do disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC o tribunal não está obrigado a conhecer de matéria cujo conhecimento fica prejudicado pela solução dada a outras questões, estando-lhe aliás vedada a prática de atos inúteis no processo, como decorre do art.º 130.º do CPC já referido, improcede a impugnação da decisão de facto apresentada pela Recorrente.
IV. Razões de Direito
- da nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) e d) do CPC
A Recorrente vem invocar a nulidade da sentença proferida, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) e d) do CPC alegando, por um lado, que não foi devidamente cumprido o dever de motivação da decisão de facto e, por outro lado, que na fundamentação apresentada não há qualquer alusão ao depoimento junto.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
No que se refere à previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC reporta-se a mesma à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importando ter em conta que na elaboração da sentença o juiz deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC.
O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final, o que corresponde à fundamentação da sentença a que alude a al. b) do n.º 1 do art.º 615.
Já o n.º 4 do art.º 607.º reporta-se aos elementos que devem ser considerados pelo juiz e constar da motivação da decisão de facto, com vista ao esclarecimento das partes da convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
As exigências do art.º 607.º n.º 3 do CPC com a imposição da indicação na sentença dos factos provados, bem como das normas jurídicas aplicadas e sua interpretação, incorporam a necessidade de fundamentação das decisões cujo princípio vem previsto não só no art.º 154.º do CPC mas também no art.º 205.º da CRP e cuja falta pode determinar a nulidade da sentença.
O dever de fundamentação das decisões impõe-se ao juiz, nos termos do art.º 154.º do CPC e corresponde a uma exigência constitucional, prevendo o art.º 205.º n.º 1 da CRP que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O art.º 154.º do CPC sob a epígrafe “dever de fundamentar a decisão”, estabelece:
1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2.A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só assim podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade de esclarecimento das partes e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
O grau de fundamentação exigível dependerá tanto da complexidade da questão sobre a qual incide a decisão, como da controvérsia revelada pelas partes sobre a situação a decidir.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da sentença, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10 de julho de 2008 no proc. 08A2179 in www.dgsi.pt
A fundamentação da sentença deve ser de facto – com a indicação dos factos provados e não provados - e de direito – com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim é que a mesma se revela percetível ou inteligível para os destinatários e melhor sindicável, correspondendo a um dever legal e constitucional que se impõe ao juiz nos termos das normas mencionadas.
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que devem constar da sentença, como expressamente previsto no art.º 607.º n.º 3 do CPC é cominada com a nulidade da sentença no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Questão diferente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito na sentença, prevista no n.º 3 do art.º 607.º do CPC, é a falta de fundamentação ou de motivação da decisão de facto, prevista no n.º 4 do mesmo artigo.
Quando está em causa uma deficiente ou insuficiente fundamentação da decisão de facto, na explicação dada pelo tribunal para a formação da sua convicção na decisão que proferiu ao considerar provados e não provados os factos controvertidos em razão dos meios de prova produzidos, tal não determina a nulidade da sentença nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b), apenas podendo haver lugar à remessa do processo ao tribunal de 1ª instância, para que fundamente algum facto essencial para o julgamento que não esteja devidamente fundamentado, conforme prevê expressamente o art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC ao dar a possibilidade à Relação de, mesmo oficiosamente, “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Já quanto à alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC também invocada pela Recorrente, comina esta norma com a nulidade a decisão em que se verifica a omissão ou excesso de pronúncia por parte do juiz.
Relaciona-se esta norma com o princípio expresso no art.º 608.º n.º 2 do CPC segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se também de questões que não sejam suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem vindo a ser comumente entendido que as questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazerem valer as suas pretensões – neste sentido, vd entre outros, Acórdão do STJ de 16 de fevereiro de 2005 no proc. 05S2137 in www.dgsi.pt
O tribunal tem de pronunciar-se sobre o pedido formulado pelas partes e sobre as questões por elas suscitadas que interferem com a decisão da causa, não existindo omissão de pronúncia quando o tribunal não toma posição expressa sobre todos os argumentos apresentados pelas partes. As razões invocadas não se confundem com a questão a decidir, embora a falta de ponderação de alguns argumentos relevantes para a decisão possa determinar a falta de acerto da mesma.
A Recorrente vem invocar a nulidade da sentença com base na falta de motivação apresentada quanto aos factos não provados e omissão de pronúncia sobre um meio de prova, quando a sentença não faz qualquer alusão ao depoimento escrito da testemunha apresentado.
Confunde a Recorrente a nulidade da decisão por falta de indicação dos fundamentos de facto prevista no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, com a deficiente motivação da decisão de facto, que como se viu tem a sua previsão no art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC e confunde também a omissão de indicação de um meio de prova na sentença, que pode sustentar o erro da decisão na discordância com alguns factos que foram tidos como provados ou não provados e que pode dar lugar à impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 640.º do CPC, mas não determina qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Antes se verifica que o que a Recorrente qualifica como nulidade não tem a ver com qualquer vício formal da sentença, mas quando muito com uma deficiente motivação da decisão de facto proferida, suscetível de ser colmatada nos termos do art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC ou com a discordância que tem quanto à decisão de facto proferida e à ponderação dos elementos probatórios que lhe serviram de base, cujo meio próprio para ser impugnada é o previsto no art.º 640.º do CPC, meio que aliás utilizou.
No caso concreto, é claro que a sentença indica os fundamentos de facto que justificam a decisão, enunciando de forma especificada os factos que na perspetiva do tribunal resultaram provados e não provados e toma conhecimento de todas as questões que tinha para decidir, não existindo os vícios a que aludem as alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC que comina a decisão com a nulidade.
Improcedem as nulidades da sentença reclamadas.
- da (falta) de interpelação admonitória suscetível de fundamentar a resolução do contrato
Alega a Recorrente que para haver incumprimento contratual não basta que a prestação vencida não tenha sido paga, exigindo-se a interpelação do devedor para cumprir, o que no caso em presença entende que não aconteceu. Conclui que não podem ter-se os contratos como resolvidos, invocando ainda, apenas em sede de recurso, a nulidade da cláusula das condições gerais dos contratos que exigem a comunicação escrita da alteração de morada, sob pena de se terem como válidas as comunicações feitas para a morada constante do contrato, por excessiva e desproporcional.
A sentença proferida teve como verificada a interpelação admonitória para o cumprimento pela comunicação que a A. enviou aos RR., considerando válida a resolução dos contratos operada.
É o art.º 1142.º do C.Civil que nos dá a noção de contrato de mútuo, estabelecendo: “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.”
O contrato de mútuo, correntemente denominado de empréstimo, é alvo de uma regulamentação especial, quando está em causa um contrato de crédito a consumidores, que é prevista no DL 133/2009 de 2 de junho, diploma que transpõe para a nossa ordem jurídica a Diretiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de abril, que se reporta a essa mesma matéria.
No caso, não merece controvérsia que os dois contratos em questão que foram celebrados entre as partes podem ser qualificados de crédito a consumidores, atenta o disposto no art.º 4.º n.º 1 al. a), b) e c) do DL 133/2009 de 2 de junho.
O art.º 20.º deste diploma, referindo-se ao incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, estabelece:
“ 1-Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10/prct. do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
2 - A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.”
A previsão da al. a) do n.º 1 do art.º 20.º ao estabelecer para a perda do benefício do prazo ou para a resolução do contrato, a necessidade de estar em falta o pagamento de duas ou mais prestações que têm de exceder 10% do montante total do crédito, vai ao encontro de um princípio de proteção do consumidor, instituindo uma maior exigência relativamente à regra geral prevista no art.º 781.º do C.Civil para a dívida liquidável em prestações, em que a falta de realização de uma prestação importa o vencimento de todas.
O mesmo acontece com a exigência prevista na al. b) ao estabelecer um prazo suplementar mínimo de 15 dias para que o consumidor possa proceder à liquidação das prestações em atraso, com expressa advertência da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, norma especial relativamente à interpelação admonitória a que alude o art.º 808.º n.º 1 do C.Civil que faz apenas menção à fixação de um prazo razoável pelo credor.
No caso, não restam dúvidas que os contratos não foram cumprido pelos RR., na medida em que as prestações a que os mesmos se obrigaram para com a A. não foram realizadas a partir do mês de junho de 2018, nos termos do disposto no art.º 762.º n.º 1 do C.Civil, o que é aceite por ambos.
O incumprimento de qualquer contrato assume um caráter provisório, quando há simples mora, nos termos do art.º 804.º do C.Civil correspondendo esta a um atraso culposo no cumprimento da obrigação, quando o devedor, na concreta estatuição do art.º 804.º n.º 2 C.Civil, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível.
E pode assumir também um caráter definitivo, de acordo com o art.º 808.º n.º 1 do C.Civil, quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Diz-nos o Acórdão do STJ de 31 de março de 2004 no proc. 03B4465 in www.dgsi.pt : “a interpelação para o contraente em mora cumprir - conhecida por interpelação admonitória - não é uma interpelação qualquer. Ela constitui uma expressa e formal intimação ou advertência ao devedor moroso de que, se não cumprir dentro do prazo razoável que o credor lhe fixar, incumpre definitivamente o contrato.”
A chamada interpelação admonitória a que alude o art.º 808.º n.º 1 do C.Civil que representa uma forma de converter a mora em incumprimento definitivo, consiste na notificação formal dirigida ao devedor para que cumpra a sua obrigação num certo prazo, sob pena de incumprimento definitivo. Esta interpelação deve conter a intimação para o cumprimento; a fixação de um prazo perentório para o cumprimento e a cominação da obrigação se ter definitivamente por não cumprida se o cumprimento não ocorrer nesse prazo.
Como nos diz de forma sintética, a respeito dos fundamentos da resolução contratual, o Acórdão do TRP de 02/05/2013 no proc. 1434/10.8TBGDM.P1 in www.dgsi.pt : “O fundamento legal de resolução de um contrato é, nos termos do art. 801º, a impossibilidade de cumprimento decorrente de incumprimento definitivo. O incumprimento definitivo de um contrato pode ocorrer em qualquer destas situações: - Inobservância de prazo fixo essencial para a prestação; - Comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;- Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação;- Se o devedor, caído em mora, não realizar a prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.”
Só o incumprimento definitivo pode fundamentar a resolução do contrato, que se concretiza por declaração à outra parte, nos termos do disposto no art.º 436.º n.º 1 do C.Civil.
Este prazo que pode ser fixado pelo credor para o cumprimento pelo devedor das prestações em mora, sob pena de incumprimento definitivo, tem de ser nos contratos de crédito a consumidores, no mínimo de 15 dias, conforme o disposto no já mencionado art.º 20.º n.º 1 al. b).
Reportando-nos ao caso em presença, os factos provados dão-nos a saber que as partes celebraram dois contratos de crédito a consumidores que os RR. deixaram de cumprir quando não pagaram as prestações mensais com prazo certo a que se obrigaram a partir de junho de 2018.
Esta situação de mora dos RR. e considerando o montante das prestações em dívida, que não é impugnado, conferiu legitimidade à A. para proceder a uma interpelação admonitória, nos termos do art.º 20.º n.º 1 al. b) do DL 133/2009 de 2 de junho e art.º 808.º n.º 1 do C.Civil, o que fez, dirigindo-lhes duas cartas comunicando o valor das prestações em dívida em cada contrato e concedendo o prazo de 15 dias para regularizarem a dívida, logo aí afirmando estarem preenchidas as condições para a resolução do contrato, sem necessidade de outra interpelação para o efeito, no caso do valor em dívida não ser liquidado em tal prazo.
Sobre a eficácia da declaração negocial rege o art.º 224.º do C.Civil, nos seguintes termos:
1.A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; as outras logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.
2.É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.
3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida, é ineficaz.”
No n.º 2 desta norma vem conferir tutela à boa fé do declarante, quando a declaração só não seja rececionada pelo declaratário por culpa deste, assim considerando eficaz a declaração emitida e não recebida.
É certo que a R. vem invocar que já não residia na morada constante dos contratos, devido a uma situação de separação conjugal e subsequente divórcio, contudo, não alega, porém, a mesma que tenha comunicado à A. qualquer alteração de morada, concretizando a sua nova residência de modo a poder ser aí notificada.
No caso, temos de concluir que foi a R. que se colocou na situação de não ter rececionado e tomado conhecimento das cartas enviadas pela A., na medida em que ao deixar de residir na morada constante do contrato estava obrigada a indicar à A. a sua nova residência onde pudesse ser contactada, em alteração da morada constante dos contratos, sendo-lhe por isso imputável o facto de não ter tomado conhecimento das cartas em questão.
Nesta medida não pode deixar de considerar-se eficaz a resolução dos contratos operada pela A. através de declaração constante de cartas enviadas para a morada dos RR. constante do contrato. Neste sentido, vd. entre outros, Acórdão do TRP de 15 de outubro de 2013 no proc. 1127/12.1TVPRT.P1 e Acórdão do TRE de 14 de fevereiro de 2008 no proc. 2804/07-3 in www.dgsi.pt concluindo este último que: “A comunicação dirigida para o domicílio contratual indicado por uma das partes é eficaz mesmo que venha devolvido com a informação “não reclamado”.”
Não se tendo os RR. apresentado a cumprir a sua prestação em falta ou colocado em situação de o fazer, presume-se que o incumprimento lhes é imputável a título de culpa, atento o disposto no art.º 799.º n.º 1 C.Civil, presunção que a R. não logrou ilidir, pelo que não pode deixar de reconhecer-se como válida a resolução dos contratos, pela declaração da credora que foi feita nesse sentido, nos termos do art.º 432.º do C.Civil.
Verifica-se que a obrigação de comunicação da alteração da morada, consta, respetivamente, das cláusulas 16.ª e 21.ª das condições gerais dos contratos de crédito celebrados, que estabelecem o dever de comunicação da atualização de nova morada, sob pena das comunicações escritas enviadas para a morada constante do contrato serem plenamente válidas e eficazes ainda que não sejam recebidas.
Vem a Recorrente em sede de recurso invocar a nulidade das cláusulas 16ª e 21ª das condições gerais dos contratos que refere serem abusivas, contrárias à boa fé e desproporcionadas.
Não obstante a R. não ter invocado esta questão na oposição que veio apresentar, não tendo por isso o tribunal recorrido tomado posição sobre a mesma, importa fazê-lo agora, por ter sido suscitada em sede de recurso, já que estamos perante a invocação de uma nulidade que é de conhecimento oficioso.
Quando estão em causa questões de que o tribunal pode/deve conhecer oficiosamente, como é o caso da nulidade de um cláusula contratual geral inserida num contrato de adesão, contrato esse no qual se fundamenta o pedido da A., não se coloca uma qualquer situação de excesso de pronuncia, uma vez que sendo tal nulidade de conhecimento oficioso não há limitação imposta pelo princípio do dispositivo- vd. neste sentido, a título de exemplo, o Acórdãos do STJ de 1 de fevereiro de 2011 no proc. 133/04.4TBCBT.G1.S1 e de 18 de setembro de 2014 no proc. 2334/10.7TBGDM.P1.S1 ambos in www.dgsi.pt
É o DL 446/85 de 25 de outubro que vem estabelecer o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais, não merecendo dúvidas que merecem esse qualificativo as duas cláusulas em questão, à luz da previsão do art.º 1º de tal diploma que nos diz que cláusulas contratuais gerais são aquelas que são “elaboradas sem prévia negociação individual”, ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
Nos ensinamentos de Almeida Costa e Menezes Cordeiro, in Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao DL 446/85 de 25 de outubro, em anotação ao art.º 1.º que: “As cláusulas contratuais gerais manifestam as características seguintes: a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de existir a declaração que as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários.”
De notar que nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do diploma referido, o regime estabelecido neste diploma aplica-se também às cláusulas inseridas em contratos individualizados, desde que o seu conteúdo seja pré-elaborado e que a parte não pode influenciar.
O art.º 15.º do DL 446/85 de 25 de outubro, estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no art.º 16.º que dispõe:
Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.”
As cláusulas proibidas contrárias à boa fé são nulas, conforme dispõe o art.º 12.º do mesmo diploma.
É preciso não esquecer que quem recorre à utilização de cláusulas contratuais gerais se encontra numa posição de superioridade relativamente aos aderentes, que são privados de interferir na “modelação” das cláusulas. Tal tem como contraponto o dever de levar em consideração os interesses dos aderentes, só assim encontrando correspondência a uma conduta conforme à boa fé. De um ponto de vista objetivo, a cláusula imposta deve ser equilibrada e razoável na ponderação dos vários interesses em presença.
Tal como nos diz Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 anotado, pág. 172: “Uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada.”
As cláusulas impugnadas pela Recorrente estabelecem uma obrigação acessória para o devedor dirigido o manter o credor informado da sua residência efetiva e do local onde o mesmo pode ser contactado, sob pena das comunicações escritas enviadas para a morada constante do contrato se terem como eficazes.
No caso, não se vislumbra como considerar estas cláusulas abusivas ou desproporcionadas, quando o seu conteúdo decorre da exigência de uma postura de cooperação e lealdade dos contraentes, em decorrência e concretização do princípio da boa fé enquanto regra de conduta que deve estar sempre subjacente na execução dos contratos, como estabelece o art.º 762.º n.º 2 do C.Civil.
Esta obrigação afigura-se inteiramente justificada, indo também ao encontro do regime legal da eficácia da declaração negocial previsto no art.º 224.º do C.Civil, não se vislumbrando como é que tal previsão pode configurar uma violação de expectativas ou traição da confiança das partes, ou minar o equilíbrio contratual.
Não podemos por isso dizer que estamos perante cláusulas abusivas, desproporcionadas ou contrárias à boa fé, sendo forçoso considerar que as cláusulas em questão não estão afetadas pelo vício da nulidade, nos termos do disposto nos art.º 15.º e 16.º do DL 446/85 de 25 de outubro.
Em conclusão, a R. não logrou alegar e provar, como lhe competia nos termos do art.º 342.º n.º 2 do C.Civil que não foi por culpa sua que a interpelação admonitória enviada pela A. não foi por si rececionada, pelo contrário, essa culpa não pode deixar de ser afirmada quando a R. não comunicou à A. a alteração de residência como contratualmente se obrigou, não agindo ainda de acordo com a diligência que se lhe impunha no caso.
Sem necessidade de mais considerações, conclui-se se que não merece censura a decisão recorrida, mantendo-se a mesma.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela R., confirmando-se a sentença recorrida. 
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 24 de setembro de 2020
Inês Moura
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues