Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2592/17.6T8LRS.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: ADVOGADO
NEGLIGÊNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE CHANCE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Cabia à 1ª Ré, advogada e então mandatária da autora, em coerência com a actuação precedente no processo e em conformidade com a posição da sua constituinte, opor-se à realização da venda pelo preço proposto pela agente de execução, cabendo-lhe solicitar à agente de execução a realização de uma avaliação actualizada e, perante a recusa ou resultado da mesma, reclamar do despacho da agente de execução para o juiz de execução, nos termos do Artigo 886º-A, nº7, correspondente ao actual Artigo 812º, nº7.
II. Questão diversa é a de saber se, a terem sido praticados os atos omitidos, e conforme sustenta a apelante, a meação da autora no imóvel teria sido efectivamente vendida por € 123.000, no pressuposto de que o imóvel valeria € 246.000, colocando-se aqui a questão da existência do dano de perda de chance processual.
III. A jurisprudência do STJ tem vindo a consolidar-se no sentido de que, em sede de perda de chance processual, num primeiro momento, é necessário averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
IV. Considerando a situação económica e financeira de recessão vivida no país entre 2011 e 2014, sendo que Troika saiu de Portugal em maio de 2014 e a venda da meação da autora sobre o imóvel ocorreu no mês seguinte, sendo ainda certo que a venda de metade indivisa de imóvel  constitui um negócio pouco apelativo para terceiros porquanto se trata de aquisição de um direito sobre imóvel, o qual constitui – por assim dizer – uma situação provisória, que terá de se resolver numa subsequente ação de divisão de coisa comum ou negociação com o outro comproprietário (cf. Arts. 1412º do Código Civil e 925º do CPC), deve concluir-se que não está demonstrada a probabilidade séria, real e credível ou elevada de que – caso a 1ª Ré solicitasse à agente de execução uma avaliação da metade indivisa do imóvel e/ou reclamasse da decisão da agente de execução para o juiz - a meação da autora sobre o imóvel seria vendida, no processo de execução, pelo valor de € 123.000 ou sequer por valor superior a € 29.751.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AA propôs ação de condenação sob a forma comum de declaração contra BB, Advogada, e CC, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, R. L.,  formulando os seguintes pedidos de condenação das Rés:
a) No pagamento à A. da quantia de € 145.249,00 (cento e quarenta e cinco mil e duzentos e quarenta e nove euros) a título de indemnização por danos patrimoniais,
b) E, ainda, no pagamento do montante não inferior a € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos morais.
c) No pagamento dos juros sobre as quantias referidas nas alíneas anteriores, calculados à taxa legal e contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
As rés contestaram e deduziram o incidente de intervenção principal provocada de Companhia de Seguros MM, S.A. e da Companhia de Seguros OO, o que foi admitido.
Objeto do litígio: ressarcimento dos danos patrimoniais e morais sofridos pela Autora e que foram causados pela conduta da 1ª Ré, advogada e sócia da 2ª Ré, enquanto mandatária forense da Autora, no processo executivo nº (...)/11.0TBTVD. Existência de má-fé processual da Autora ou das Rés.
Questões a solucionar:
- se existiu por parte da ré BB, sócia da 2ª ré, uma conduta ilícita enquanto mandatária forense da autora no processo executivo acima referido;
- se da tramitação do mencionado processo resultaram danos para a autora e se tais danos são suscetíveis de serem imputados às rés;
- responsabilidade das intervenientes no âmbito dos contratos de seguro celebrados com a Ordem dos Advogados (MM) e com a 2ª ré (OO) e que cobriam os riscos decorrentes da atividades profissionais das rés no exercício da advocacia.
 Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo as Rés do pedido.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«CONCLUSÕES:
1. Tendo sido fixadas pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo", como importante apurar para decisão da ação as seguintes questões:
a) Se existiu por parte da Ré BB, sócia da 2.° Ré, uma conduta ilícita enquanto mandatária forense da A. no processo executivo acima referido?
b) Se da tramitação do mencionado processo resultaram danos para a A. e se tais danos são suscetíveis de serem imputados às RR?
2. E, tendo sido considerado estarmos no âmbito da responsabilidade contratual, teria que se ter em conta que na responsabilidade contratual, no caso das obrigações de meios (que é o caso), é necessário:
a) que a A. prove que a Advogada não realizou os atos que normalmente se traduziria numa assistência ou num patrocínio diligente (o que foi provado - art.° 14° e 15. ° dos factos provados);
b) que a A. (credora) prove a falta da verificação do resultado pretendido, no caso, (evitar a venda por valor inferior ao valor do imóvel, o que teria sido evitado caso a Ré, tivesse reclamado do valor base, pelo qual o bem foi posto à venda, o que não fez) - ver também art.° 14. ° e 15. ° dos factos provados.
Pois caso, a Ré o tivesse feito, não teria o bem sido adjudicado, pela única proposta apresentada, e proposta essa que o foi nos termos legais, pois foi pelo valor correspondente a 85% do valor indicado para o bem, e isto, só foi possível devido à conduta omissiva da Ré.
E, se a Ré tivesse reclamado, daquele valor base fixado, pela aplicação dos 85% nunca poderia resultar aquele valor para venda.
3. Donde o resultado seria previsivelmente um de dois:
◦ Ou não havia propostas para a compra da meação da A., e aí o bem não teria saído do seu acervo patrimonial (sem que qualquer prejuízo se verificasse);
◦ Ou, a proposta, a existir, teria que cumprir os requisitos legais, nos termos do disposto nos art.° 812. °, 816. ° n.º 2 e art.° 821. ° n.º 3, "Não sendo aceites as propostas de valor inferior ao previsto no n.º 2 do art.° 816. ° ...". 85%, de, no caso, pelo menos do V.P., ou como diz a Lei, pelo maior dos valores dos dois, o V.P, ou valor venal.
E o bem não iria certamente para venda pelo valor que foi.
E só o foi, devido ao comportamento ilícito da Ré.
Caso tivesse atuado poderia ter evitado o prejuízo da A.
Tendo como resultado para a A. a perda da propriedade do bem, por um valor que comprovadamente não correspondia ao valor do bem (como provado que foi).
4. Ora caso a Ré tivesse atuado diligentemente, cumprido com os seus deveres contratuais, que eram no caso reclamar, nos termos do que dispõe a lei (art.° 812. ° do C.P.C.), do valor atribuído para venda ao bem, quando para o efeito foi notificada (provado n.º 14), evitando dessa forma que o mesmo fosse vendido, por valor inferior aquele que a Ré sabia que ele tinha, e nada fez para o evitar. (n.º 16 dos factos provados)
5. E, tendo ficando provado, pela A., que a Ré não usou dos meios técnicos-jurídicos e dos recursos de experiência ao seu alcance, requeridos pelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas, pressupostos de ilícito da sua conduta.
6. Não tendo a Ré provado que lhe era inexigível esse comportamento, não tendo como tal ilidido a presunção de culpa do art.° 799.°.
7. No caso "sub judice" o bem só foi à venda e vendido pelo valor base, que foi, porque a Ré não usou dos meios técnicos-jurídicos e dos da experiência ao seu alcance, para o evitar.
8. E, só por ter sido posto à venda por aquele valor, pode o bem, naquelas circunstâncias ser vendido/adjudicado pelo valor que foi, o que não sucederia, caso a Ré tivesse atuado diligentemente como lhe incumbia fazê-lo, e tivesse reclamado daquele valor.
9. Porque a Ré nada fez, resultado do seu comportamento ilícito, - ficou a A. sem a sua meação no imóvel, cujo valor patrimonial à data era o conhecimento da Ré - de € 246.000,00 (duzentos e quarenta e seis mil euros).
10. Logo esse prejuízo, esse dano, é certo, ficou a A. sem a sua meação no imóvel cujo valor patrimonial era de € 246.000,00 como referido.
11. Porque caso a Ré tivesse atuado diligentemente como lhe competia, teria pelo menos evitado, que o bem fosse para venda pelo valor que foi, e se assim não tivesse sido, não seria possível ter sido o mesmo vendido/adjudicado nos termos em que o foi, por valor muito inferior ao daquele bem.
12. E, era, salvo melhor opinião, da responsabilidade da Ré, evitar, que assim tivesse sucedido, pois claramente ao permitir que o bem fosse para venda por aquele valor, sabendo que aquele valor, não era de todo, o valor do bem, prejudicou deliberadamente com a sua atuação a A.
13. Prejuízo esse, resultante da atuação ilícita da Ré, e prejuízo esse perfeitamente contabilizável, porquanto se saber que o bem valia pelo menos € 246.000,00, correspondendo, pois, a 1/2 da A., € 123.000,00, uma vez que ficou sem o bem.
14. No entanto e atendendo a que aquela sua 1/2 foi vendida por € 29.751,00, sempre se apurará, que no mínimo, sempre se poderia contabilizar em € 123.000,0 X 85% = € 104.550,00 - € 29.751,00 = € 74.799,00 o valor do prejuízo da A.
15. Isto, caso o bem tivesse sido vendido, e tendo como valor base, o valor patrimonial acima referido.
16. Pois caso o bem não tivesse sido vendido, ainda o bem (a 1/2 da A.) poderia continuar na sua propriedade, sem qualquer prejuízo para a A.
17. Como tal, e perante todos os factos dados como provados pelo Tribunal "a quo", nunca, salvo melhor opinião, se poderá concluir como conclui o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" - até porque estamos perante um caso de responsabilidade contratual e não de responsabilidade por perda de chance.
18. Devendo ser aplicadas ao caso "sub judice" como tal, as disposições legais que a seguir se indicam:
- Ora como dispõem os artigos 798.5,799°, e os art.°s 562 e 563. °, 564. °, 566. ° do C. Civil, e os arts. 812°, 816° e n° 2 e artigo 821° n° 3 do C.P.C. bem como os art.° 496. ° n.º 4 com referência ao 494 do C. Civil, no que respeita à indemnização por danos morais.
19. Ao não o fazer a sentença recorrida violou os antes mencionados artigos, com especial relevo para os art.° 812. °, 816. ° n.º 2 e 821. ° n.º 3 do C.P.C.
20. Ou, no caso de se entender estar-se no âmbito da "perda de chance" o que só à cautela, e sem prescindir, se pode equacionar, deveria então, ter sido seguida a doutrina e jurisprudência atualmente maioritárias considerando o dano autónomo, da oportunidade perdida, com o recurso à equidade nos termos do disposto no artigo 566° do C.C.
21. O que não fez a sentença recorrida pois apesar de remeter para a "perda de chance", acaba por justificar a sua decisão na inexistência de nexo de causalidade.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências por ser de JUSTIÇA!!!»
*
Contra-alegaram todas as apeladas, concluindo pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, a questão a decidir consiste em saber se a 1ª Ré , ao adotar a conduta omissiva que adotou, causou à Autora danos ressarcíveis, de natureza patrimonial e não patrimonial.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1º (1º)
A ora A. foi executada no processo n.º …/11.0TBTVD, que correu temos no Tribunal Judicial de (...), no 2.º Juízo, transitado depois, para a Comarca de Lisboa Norte, Loures – Unidade Central, Instância Local – Secção de Execução – J2, onde findou, tendo a dívida exequenda sido paga por acordo extrajudicial e a dívida do credor reclamante sido paga pelo produto da venda do imóvel penhorado nos autos.
2º (2º)
A A. enquanto Executada no referido processo executivo foi representada pela sua I. Mandatária, a Dra. BB, a qual no dia 10/08/2012 enviou comunicação à Exma. Agente de Execução solicitando informação sobre o valor total para liquidar a quantia exequenda e custas.
3º (3º)
A A. após a notificação que lhe foi feita para se pronunciar sobre a modalidade da venda e o valor base do bem penhorado, por requerimento datado de 11/9/2012, indicou como valor mínimo base de venda, o valor de 350.000,00 € (Trezentos e cinquenta mil euros), conforme requerimento junto com a p. i. como doc. 3.
4º (4º)
A primeira Ré, na qualidade de mandatária da Executada e ora A., foi notificada em 15/11/2012 da decisão da Agente de Execução, de venda do bem penhorado mediante propostas em carta fechada e pelo valor base de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros).
5º (5º)
O mandato exercido pela primeira Ré ocorreu até ao dia 8 de Maio de 2015, data em que a referida mandatária substabeleceu na Colega Dra. HH.
6º (6º)
A referida notificação datada de 15/11/2012, feita à ora Ré, Dra. BB, na qualidade de mandatária da ora A., respeitava à decisão da Sra. Agente de Execução, sobre a modalidade da venda de 1/2 indivisa do imóvel de que a ora A. era proprietária e que havia sido penhorado, imóvel esse que se identifica:
- Prédio urbano sito no lugar de (…), freguesia de (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da freguesia de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...)/(...), constituído por casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação com garagem e logradouro, com superfície coberta de 400 m2 e descoberta de 5560 m2.
7º (7º)
A referida notificação de 15/11/2012 feita à primeira Ré, Dra. BB, mencionava ”Nos termos e para efeitos do disposto no n.°7 do artigo 886°-A do CPC, em caso de discordância da decisão supra, deverá reclamar no prazo de 10 dias para o Meritíssimo Juiz do processo; da decisão deste não há recurso.”
8º (8º)
A primeira Ré, Dra. BB nada reclamou ao Juiz do processo e tinha conhecimento de que o imóvel acima referido havia sido avaliado em Maio de 2008 por 350.000,00 € e que a Executada, ora A., se tinha pronunciado quanto ao valor da venda por 350.000,00€.
9º (9º)
A referida meação do bem da A. foi vendida no dia 11/06/2014, pelo valor da única proposta que foi apresentada, pelo comproprietário, o ex-marido da ora A., pelo valor de €29.751,00 (vinte e nove mil setecentos e cinquenta e um euro), correspondente a 85% do valor base anunciado para venda, acrescido de 1 euro.
10º (10º)
À data dessa venda o imóvel tinha o valor patrimonial de € 246.700,00, avaliado em 17.01.2013, conforme teor da caderneta predial junta com a p. i. como doc. nº 6.
11º (11º)
Em 2008 foi feita uma avaliação a pedido da A. e do seu ex-cônjuge, ao referido imóvel, na qual foi atribuído ao bem o valor venal de € 350.000,00.
12º (12º)
A primeira Ré tinha conhecimento do valor da avaliação, por ter sido também ela a mandatária da A. no processo de divórcio, o processo n.º 2519/05.8TBTVD, no decurso do qual foi avaliado o imóvel em causa.
13º (13º)
Em 26.08.2013 a agente de execução informou no processo executivo n.º (...)/11.0TBTVD que existe uma outra penhora sobre o imóvel acima referido, constando do auto de penhora a quantia de € 246.700 como valor patrimonial do imóvel acima referido, conforme teor de fls. 22-23 dos autos.
14º (15º)
A 1ª Ré foi notificada, para reclamar, quer da modalidade da venda, quer do valor base
do bem a vender, na qualidade de mandatária da A., aí executada, e nada fez.
15º (24º)
A primeira Ré conhecia o imóvel em causa, conhecia a sua localização e a sua origem.
16º (25º e 26º)
A 1ª Ré sabia que caso não reclamasse do valor indicado pela agente de execução para
efeito de venda do imóvel, este poderia ser vendido pelo valor pelo qual veio a venda veio a acontecer.
17º (40º)
Tal imóvel havia sido doado à A. por seu pai, sendo o local onde o pai nasceu e foi criado, anteriormente pertencera aos seus avós paternos, e em virtude das obras ali realizadas tornou-se na casa onde a A. habitou com o seu marido e filho até à data da separação.
18º (42º)
A 1ª Ré sabia que a A. tomava medicação para o estado depressivo em que se encontrava, situação que se prolongou com a perda do imóvel e se mantém até ao presente, sendo a A acompanhada para o efeito por um médico especialista.
19º (45º)
A A. não se conformou com o facto de ter ficado sem a sua meação no imóvel em causa.
20º (47º)
Quando questionava a primeira Ré, esta respondia-lhe que para resolver o assunto teria que pagar o valor da execução.
21º (49º)
Provado que a A. recorreu a um advogado para que fosse analisada toda a situação relativa à tramitação do processo executivo.
22º (50º)
A A. instaurou a presente ação.
23º (75º)
A 2ª Ré, CC, Sociedade de Advogados, R.L., é uma sociedade de advogados registada na Ordem dos Advogados com o n.º (…), e a 1ª Ré exerce o mandato integrada nessa sociedade.
Da contestação provou-se o seguinte, para além do que se provou acima
24º
No auto de penhora realizado em 01.03.2012 foi atribuído ao imóvel acima mencionado o valor patrimonial de 66.792,12€.
25º
No âmbito do processo executivo acima identificado, em 18/06/2012 a ora autora foi citada da apresentação de uma reclamação de créditos no valor de € 22.148,66 por parte do Banco (...).
26º
O crédito reclamado em questão era garantido por hipoteca sobre o prédio acima identificado.
27º
Em relação a esta reclamação em 19/02/2013 a autora foi notificada da sentença de reconhecimento e graduação de créditos.
28º
Em inícios de agosto de 2012, a Autora contactou a sua mandatária, a ré Dra. BB informando-a que pretendia alcançar um acordo com a exequente para o pagamento da dívida.
29º
E instruindo-a para que obtivesse junto da agente de execução informação sobre o valor em dívida no processo.
30º
Isto por forma a concretizar o mencionado acordo.
31º
Informação essa que foi obtida pela ré Dra. BB em 06/09/2012 e transmitida à ora autora.
32º
Em 15/11/2012 a autora foi também notificada da decisão proferida pela agente de execução GG em que fixou para a venda do bem penhorado o valor base de € 35.000,00 nos termos supra indicado em 6º e 7º da p. i.
33º
A 1ª Ré enviou à Autora a carta constante de fls. 86 datada de 23.11.2012.
34º
A ré Dra. BB veio posteriormente a ter conhecimento do acordo de pagamento alcançado nesse processo entre a exequente e a executada.
35º
Após esse acordo o credor hipotecário acima referido requereu a renovação da instância executiva.
36º
A 1ª Ré remeteu à A. a carta de fls. 158 datada de 20.05.2014.
37º
À data em que a avaliação referida supra em 11º da p. i. foi realizada (22/05/2008), o mercado imobiliário estava no seu ponto mais elevado.
38º
Nos anos que se seguiram a 2008 esse mercado sofreu uma quebra muito significativa.
39º
Em maio de 2008 o imóvel apresentava o seguinte estado de conservação: as paredes, tetos e carpintarias interiores encontram-se com fungos (bolores) devido à humidade, parte delas apresentam fissuras; necessitam de reparações e pintura; as paredes exteriores também apresentam alguma depreciação; os móveis da cozinha também estão degradados, assim como os pisos em madeira que necessitam de afagamento e tratamento a verniz ou cera, não sendo habitado há alguns anos.
40º
O imóvel, à data da venda executiva, ainda estava desabitado.
Da MM
41º
Com data de início a 1 de Janeiro de 2014, foi celebrado o primeiro contrato de seguro entre a ora contestante e a Ordem dos Advogados, tendo a MM assumido, até 31.12.2017, perante o Tomador de Seguro, a Ordem dos Advogados a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia desenvolvida pelos seus segurados, advogados com inscrição em vigor.
42º
Garantindo, até ao limite de capital seguro e nos termos previstos nas referidas condições particulares da apólice de seguro, o pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva, legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados” conforme estipulado no artigo 2.º, n.º 1 das condições especiais do contrato.
43º
À data da participação do alegado sinistro profissional à MM, efetuada por via de comunicação dirigida pela Ilustre Mandatária da A. em 21.11.2016, encontrava-se em vigor a apólice de seguro 60013911000058/3, conforme teor do documento de fls. 193 a 205, sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência, das 00:00 horas do 01 de Janeiro de 2016 às 00:00 de 1 de Janeiro de 2017, fixado em € 150.000,00.
44º
Prevendo-se a aplicação de uma franquia contratual, de € 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados, conforme cláusula 9 de fls. 96 da apólice1.
45º
Ficou estabelecido na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares da apólice 60013911000058 que “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação”.
46º
Nos termos da cláusula 12.1, nº 1 (fls. 196 verso) ficou estabelecido que “nos casos em que a actividade profissional dos SEGURADOS seja desenvolvida ao abrigo de uma Sociedade de Advogados, fica entendido que a cobertura providenciada pela presente APÓLICE, sem prejuízo dos respectivos Limites de Indemnização, funcionará apenas na falta ou insuficiência de Apólice de Responsabilidade Civil Profissional que garanta a dita Sociedade de Advogados, entendendo-se esta última como celebrada primeiro”.
47º
E no nº 2 da mesma cláusula ficou estabelecido que “supondo que a apólice ou apólices de cobertura análoga subscritas pela Sociedade de Advogados contenham uma previsão2 respeitante à concorrência de seguros em termos idênticos à presente, entende-se que esta apólice actuará em concorrência com as mesmas, cada uma respondendo proporcionalmente aos limites garantidos”.
Da OO
48º
Entre a Seguradora OO e a Ré Sociedade de advogados foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional.
49º
Encontram-se abrangidos pelo referido contrato de seguro, nos termos do Apartado 2 da condições particulares da apólice junta a fls. 220 e segs., “ O TOMADOR DO SEGURO, incluindo os seus empregados e colaboradores legalmente habilitados para exercer a profissão em cumprimento dos requisitos que para isso sejam exigíveis a todo o momento, enquanto atuem única e exclusivamente por conta do TOMADOR DO SEGURO”.
50º
A OO assumiu, perante a Tomadora, ora Ré., a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelos seus segurados, garantindo o pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil do segurado ou por pessoal por quem ele legalmente deva responder, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da atividade profissional descrita nas condições particulares.
51º
Encontrava-se em vigor à data da reclamação do sinistro a apólice de seguro n.º PI-00595016H6, junta a fls. 220 e segs., cujo limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência/ “período seguro” foi fixado em € 1.200.000,00.
52º
Está prevista uma franquia cujo valor será dedutível ao valor da indemnização que à Seguradora couber pagar e a cargo do Segurado, cujo montante ascende a 10% por sinistro com um mínimo de € 1.500,00 e máximo de € 6.000,00.
53º
Nas condições particulares da apólice PI-00595016H6, está indicada como Seguradora a interveniente OO INSURANCE COMPANY (EUROPE), LTD.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Resulta da matéria de facto provada que a Autora e a 1ª Ré celebraram um contrato de mandato forense, o qual pode ser definido como o contrato pelo qual um advogado se obriga a fazer a gestão jurídica dos interesses cuja defesa lhe é confiada, através da prática, em nome e por conta do cliente/mandante, de atos jurídicos próprios da sua profissão, designadamente o aconselhamento e subsequente celebração de contrato – cf. Artigos 1157º, 1178º, nº2 do Código Civil; LOPES DOS REIS,  Representação Forense e Arbitragem, Coimbra Editora, 2001, p. 43.
Trata-se de um contrato atípico, cujo regime decorre do Estatuto da Ordem dos Advogados e, no caso do mandato judicial, dos Artigos 40º e seguintes do Código de Processo Civil, aplicando-se – subsidiariamente – o regime do mandato com representação – cf. LOPES DOS REIS, Op. Cit., pg. 45.
Nos termos do Artigo 95º do Estatuto da Ordem dos Advogados, nas relações com o cliente constituem deveres do advogado: dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas (alínea c)); estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e atividade (alínea d)).
Pelo contrato de mandato, o advogado fica adstrito a desenvolver com adequada diligência e perícia uma determinada atividade jurídica sem, contudo, ficar vinculado à obtenção de um certo resultado. A sua prestação constitui, fundamentalmente, uma obrigação de meios e não de resultado. O que não significa que não deva, na relação contratual que o une ao cliente, executar a atividade para a qual contrataram os seus serviços de forma diligente e proficiente, orientado para proteger os interesses do seu cliente e alcançar determinado resultado, embora não esteja vinculado à obtenção deste resultado – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24.1.2002, Almeida Simões, CJ 2002 – I, p. 262; AFONSO DE MELO, “Responsabilidade civil de Mandatário Judicial”, in BOA, Nº 26, Maio-Junho de 2003, p. 26; GERMANDO MARQUES DA SILVA, “A Responsabilidade profissional do Advogado (Perspectiva Penal) ”, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Almeida Costa, 2002, p. 626; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2004, Maria do Rosário Morgado, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.4.2006, Deolinda Varão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.7.2003, Moitinho de Almeida, acessíveis em www.dgsi.pt.
A responsabilidade do advogado para com o seu cliente pode ser contratual ou extracontratual: se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do contrato de mandato que firmou com o constituinte, tacitamente ou por procuração, incorre em responsabilidade civil contratual para com ele; se o advogado praticou facto ilícito lesivo dos interesses do seus constituinte já a sua responsabilidade civil para com o seu constituinte é extracontratual – cf. MOITINHO DE ALMEIDA, Responsabilidade Civil dos Advogados, 1985, p. 13; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20.4.2006, Deolinda Varão, acessível no site já referido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.7.99, Teixeira Ribeiro, CJ 1999 – IV, pp. 97 a 104, de 25.9.2001, Jorge Santos, CJ 2001 – IV, pp. 94 a 96.
No caso em apreço, do que se cura é da responsabilidade contratual da 1ª Ré, exercida no âmbito do contrato de mandato firmado com a Autora.
No que tange a esta, entendeu o Tribunal a quo o seguinte:
«Olhando para o caso concreto à luz destas regras há que atender aos seguintes factos:
- A A., após a notificação que lhe foi feita para se pronunciar sobre a modalidade da venda e o valor base do bem penhorado, por requerimento datado de 11/9/2012, indicou como valor mínimo base de venda, o valor de 350.000,00 €.
- A primeira Ré, na qualidade de mandatária da Executada e ora A., foi notificada em 15/11/2012 da decisão da Agente de Execução, de venda do bem penhorado mediante propostas em carta fechada e pelo valor base de 35.000,00€.
- A referida notificação datada de 15/11/2012, feita à ora Ré, Dra. BB, na qualidade de mandatária da ora A., respeitava à decisão da Sra. Agente de Execução, sobre a modalidade da venda de 1/2 indivisa do imóvel de que a ora A. era proprietária e que havia sido penhorado.
- A primeira Ré, Dra. BB nada reclamou ao Juiz do processo e tinha conhecimento de que o imóvel acima referido havia sido avaliado em Maio de 2008 por 350.000,00 € e que a Executada, ora A., se tinha pronunciado quanto ao valor da venda por 350.000,00€.
- A referida meação do bem da A. foi vendida no dia 11/06/2014, pelo valor da única proposta que foi apresentada, pelo comproprietário, o ex-marido da ora A., pelo valor de €29.751,00 (vinte e nove mil setecentos e cinquenta e um euro), correspondente a 85% do valor base anunciado para venda, acrescido de 1 euro.
- À data dessa venda o imóvel tinha o valor patrimonial de € 246.700,00, avaliado em 17.01.2013.
- Em 26.08.2013 a agente de execução havia informado no processo executivo n.º (...)/11.0TBTVD que existe uma outra penhora sobre o imóvel acima referido, constando do auto de penhora a quantia de € 246.700 como valor patrimonial do imóvel acima referido.
O fundamento do litígio em apreço é exatamente as circunstâncias da venda da meação da autora no imóvel em questão. Não obstante o valor comercial do imóvel e o valor patrimonial que já havia sido informado no processo há cerca de 10 meses à data da venda, que era de 246.700€, a venda do direito da autora realizou-se por 29.751€.
O imóvel tratava-se de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação com garagem e logradouro e com superfície coberta de 400 m2 e descoberta de 5560 m2. O imóvel havia sido avaliado em 350.000€ em 2008. Tudo isto eram circunstâncias que a 1ª ré conhecia.
Em face destes factos consideramos que cabia efetivamente à 1ª ré, enquanto mandatária da autora, diligenciar pela venda nas melhores condições para esta ou, pelo menos, diligenciar pelo cumprimento dos normativos legais que regulam o valor a anunciar para venda, nomeadamente o disposto no artº 812º do CPC (atual, atendendo a que o novo CPC se aplicava às execuções pendentes, nos termos do artº 6º/1 da lei nº 41/2013, de 26.06). Nos termos do nº 3 desse preceito, o valor a considerar para venda deveria ter sido, pelo menos, o de 246.700€. Ainda que se considerasse o anterior valor patrimonial (66.792,12€), em todo o caso a 1º ré deveria ter indicado um valor superior pois tinha indicações de que o valor de mercado, mesmo em 2014, seria claramente superior. A 1ª ré nada fez em face do valor que lhe foi comunicado.
Independentemente de a autora estar a diligenciar no sentido de resolver extrajudicialmente a questão da dívida em causa na execução, cabia à 1ª ré diligenciar pela correta tramitação do processo executivo de modo a que este não prejudicasse a autora, tratando de forma diligente dos interesses desta. Tal diligência impunha que a 1ª ré se opusesse ao valor indicado pela agente de execução. Isso decorria até do facto de saber que a autora considerava que o imóvel valia 350.000€ pois apresentou um requerimento ao processo nesse sentido.
A autora provou que houve insucesso na ação na medida em a sua meação no imóvel foi vendida por um valor muito inferior ao valor real, e provou também os factos demonstrativos de que a 1ª ré não usou dos meios técnico-jurídicos adequados ao caso concreto e que estavam ao seu alcance, decorrentes do regime processual aplicável e impostos pelas respetivas regras profissionais estatutárias e deontológicas. A 1ª ré não atuou de forma diligente, não agiu de forma a defender os interesses legítimos do cliente, violando o disposto no artº 92º/2 do EOA (em vigor à data dos factos). Há pois que concluir pela ilicitude da conduta da 1ª ré no âmbito do processo executivo em apreço.»
Cremos que é de acompanhar – em grande parte - o raciocínio expendido pelo tribunal a quo no que tange à ilicitude da conduta da 1ª Ré, sendo que a mesma – em coerência com a atuação precedente no processo e em conformidade com a posição da sua constituinte – deveria ter-se oposto à realização da venda pelo preço proposto pela agente de execução, cabendo-lhe solicitar à agente de execução a realização de uma avaliação atualizada e, perante a recusa ou resultado da mesma, reclamar do despacho da agente de execução para o juiz de execução, nos termos do Artigo 886º-A, nº7, correspondente ao atual Artigo 812º, nº7.
Questão diversa é a de saber se, a terem sido praticados os atos omitidos, e conforme sustenta a apelante, a meação da autora no imóvel teria sido efetivamente vendida por € 123.000, no pressuposto de que o imóvel valeria € 246.000 (Conclusões 10 a 16). Conforme se verá infra, a terem sido praticados os atos omitidos daí não derivaria, necessariamente, que a meação da autora seria vendida por € 123.000, podendo questionar-se, isso sim, até que ponto esse resultado seria verosímil perante a prática efetiva dos atos omitidos.
Ou seja, o que está em causa é a existência do dano perda de chance, a qual «É chamada à colação quando, em virtude de determinado comportamento, um sujeito perdeu a oportunidade de ganho ou de eliminação de uma situação desvantajosa. (…) não sendo possível estabelecer – nos moldes tradicionais – a causalidade entre o comportamento do sujeito e o dano final, considera-se que a chance/a oportunidade deve ser valorada como um bem jurídico em si mesmo, abrindo-se a porta a indemnização que cobrirá não o dano total (final), mas a chance que se perdeu. A indemnização será, assim, diminuída e calculada em função daquela» - Ana Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Responsabilidade Civil, Principia, 2017, p. 329. Na perda de chance o que está em causa não é o dano final incerto mas a impossibilidade de evitar este último, a qual é certa, ou seja, o dano que se indemniza não é o dano final mas o dano avançado constituído pela perda de chance – cf. Patrícia Cordeiro da Costa, Causa, Dano e Prova, A Incerteza na Responsabilidade Civil, Almedina, 2016, pp. 107 e 141.
Sobre o âmbito, história e densificação da perda de chance, são pertinentes as considerações expendidas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Tomé Gomes, 5105/12, nos termos do qual:
« (…) a questão da ressarcibilidade do chamado dano por perda de chance é uma questão cuja problemática repousa na dificuldade em saber se estamos perante um dano tutelado pela nossa ordem jurídica e, em caso afirmativo, qual o critério a adotar.
Assim, as sub-questões que se colocam consistem em saber:
a) – se o dano por perda de chance constitui um dano autónomo que mereça tutela na nossa ordem jurídica;
b) – em caso afirmativo, que pressupostos deve reunir para assim ser considerado;
c) – depois, como estabelecer o respetivo nexo de causalidade com o facto ilícito em causa;
d) – face ao quadro traçado, se o caso dos autos suporta um tal enquadramento;
e) - qual o critério a adotar na determinação do montante indemnizatório.
A doutrina jurídica sobre a indemnização pela designada perda de chance, também conhecida por perda de oportunidades de realizar um ganho ou evitar um prejuízo, sem que se possa apurar a sua verificação efetiva, terá despontado, implicitamente, em França, no âmbito de um acórdão proferido pela Cour de Cassation, em 17/07/1889, no qual foi dado provimento a uma pretensão indemnizatória fundada numa gerada impossibilidade de prosseguir um processo judicial[2]. A partir de então, a jurisprudência dos tribunais franceses veio a acolher e alargar, gradualmente, aquela doutrina a outros tipos de casos, a ponto granjear, hoje, aceitação unânime naquele país, tanto no domínio do direito privado como do direito público, com o enfoque polémico centrado agora nos requisitos de ressarcibilidade desse tipo de dano e nos critérios de determinação do montante reparatório[3].
Também em Itália, a perda de chance tem sido admitida pelos tribunais em campos diversos, com especial relevo no direito de trabalho, exigindo-se, para a sua própria existência, um grau de probabilidade da vantagem pertinente[4]. Por sua vez, nos ordenamentos de matriz anglo-saxónica, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a ressarcibilidade da perda de chance numa multiplicidade de casos, estabelecendo, para tanto, patamares probabilísticos[5]; na mesma linha, a doutrina austríaca, holandesa e alemã tem propendido para a chamada “causalidade probabilística”, sendo que a solução predominante na doutrina alemão vai no sentido de admitir a inversão do ónus da prova ou uma facilitação da prova da causalidade.
A par desse desenvolvimento jurisprudencial, a perda de chance encontra-se consagrada nos princípios relativos aos contratos comerciais internacionais da UNIDROIT[6], segundo os quais:
“1 – Só há dever de reparar o prejuízo, ainda que futuro, que possa ser determinado com razoável grau de certeza;
2 – A perda de uma expectativa pode ser reparada na medida da probabilidade da sua realização;
3 – O prejuízo cujo valor não possa ser determinado com suficiente certeza será avaliado discricionariamente pelo tribunal.” Em Portugal, a doutrina da perda de chance não teve, até há poucos anos, um tratamento alargado, para além de afloramentos genéricos ou muito marginais, nomeadamente no domínio da responsabilidade médica e dos concursos públicos, mas recentemente têm sido produzidos estudos e monografias de aprofundamento dessa temática[7].
De um lado, situam-se os Autores que, face ao direito positivo português, recusam a ressarcibilidade da perda de chance, como dano autónomo, na medida em que o regime legal da responsabilidade civil exige certeza na identificação do dano e do respetivo nexo de causalidade com o evento lesivo, como fundamento ou pressuposto da obrigação de indemnizar, o que nunca seria possível aferir em sede de perda de chance.
Nesse sentido, para Júlio Vieira Gomes[8], o reconhecimento do dano de perda de chance inscreve-se numa “tendência para a ampliação gradual do dano ressarcível”, levantando um “sem número de problemas”, tanto ao nível conceitual como ao nível prático, não sendo claro que tal dano deva “ser concebido como “uma modalidade de dano emergente ou de lucro cessante”, considerando mesmo que a chamada “perda de chance” encobre questões que se colocam em dois planos distintos, ainda que interferentes, como são o plano do dano e o da causalidade. Depois de observar que a doutrina firmada nos ordenamentos jurídicos estrangeiros implica uma ruptura com a conceção da causalidade adequada, o mesmo Autor conclui que: “a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória” e que “na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, (…) a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de jure condito”.
Na mesma linha, Paulo Mota Pinto[9] sustenta que, “no plano de jure condito, não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance, sendo claro que o legislador do Código Civil não fornece qualquer apoio nesse sentido, e, pelo contrário, parte da prova da existência de um dano certo (só admitindo a fixação pela equidade do seu valor exacto)”. E mesmo, no plano de jure condendo, observa que a indeterminabilidade do dano por perda de chance pode ofender os princípios balizadores da obrigação de indemnizar com primordial função compensatória, como são os da reparação total e da proibição do enriquecimento do lesado.
De outro lado se posicionam os Autores que aceitam a ressarcibilidade do dano por perda de chance, no quadro do nosso ordenamento jurídico, procurando, no entanto, delimitar os seus contornos e requisitos.
Assim, Carneiro da Frada[10] considera “a perda de oportunidade um dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano final (apenas hipotético …), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo causal suficiente”. E, tomando como exemplo a chance erigida pelas partes no âmbito de um contrato, ou seja, como bem jurídico contratualmente protegido, sustenta que a perda daquela oportunidade pode desencadear responsabilidade contratual, embora reconheça que, em sede de responsabilidade delitual, a primeira alternativa do n.º 1 do artigo 483.º do CC não dê espaço para tal e que, fora desse contexto, tudo dependerá da possibilidade de individualizar a violação de uma norma cujo escopo seja precisamente a salvaguarda da chance. Além disso, entende que, para a quantificação do dano, é indispensável um juízo de probabilidade, mas que, não sendo possível averiguar o seu valor exato, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º do CC.
Propõe ainda o mesmo Autor a via alternativa de considerar, “em nome da função preventiva da responsabilidade civil coligada ao pensamento da imputação do dano àquele que aumentou o perigo da sua ocorrência”, a inversão “do ónus da prova da causalidade e exigir a quem violou o dever a demonstração de que o prejuízo não radicou nela ou de que, no caso concreto, o dano se teria produzido apesar dessa violação”. Também Sinde Monteiro[11] aponta para um eventual alargamento do limiar da relevância da causalidade por via da mera “elevação do risco”.
Por sua vez, Rute Teixeira Pedro[12] qualifica a perda de chance como categoria de dano autónomo, “substancialmente diverso do dano decorrente da perda do resultado por ela proporcionado”, que identifica como dano atual, emergente e certo, por ter “… por objecto a perda da possibilidade actual de conseguir um resultado determinado”, já existente no momento da lesão, a qual tem de ser provada com o grau de verosimilhança exigido em termos de consistência ou seriedade.
Para esse efeito, destaca três fatores indispensáveis:
1.º - a existência de um determinado resultado positivo futuro que pudesse vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa;
2.º - a verificação de que, apesar daquela incerteza, a pessoa lesada reúne as condições de poder vir a alcançar tal resultado;
3.º - a verificação de um comportamento de terceiro (o agente do ato lesivo) suscetível de gerar a sua responsabilidade, em termos de eliminar de forma definitiva as (ou algumas das) possibilidades existentes de o resultado se vir a produzir.
Nessa base, aquela Autora distingue a certeza respeitante à inviabilização definitiva do resultado possível, pela qual se afere o dano certo, da verificação efetiva desse resultado, que é, por natureza, incerta.
E adianta que, demonstrada a existência de uma chance consistente e séria e provada a sua perda como decorrência de um facto ilícito, se coloca então o problema da determinação do quantum reparatório, para o que propõe uma dupla avaliação baseada na utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final e na probabilidade de o alcançar, compreendendo três operações de liquidação:
“1.º – A avaliação da utilidade que a eventual convolação da chance em resultado final traria ao sujeito, ou seja, a avaliação do prejuízo decorrente da perda da vantagem ou da consumação da desvantagem;
2.º - Apreciação da consistência da chance, que se traduzirá num valor percentual significativo das probabilidades de êxito;
3.º Por fim, aplicação desta percentagem ao valor encontrado na 1.ª operação”.
Passando agora ao panorama da jurisprudência nacional, começaremos por reconhecer que a orientação dominante do Supremo Tribunal de Justiça tem sido restritiva, em particular, no domínio da perda de chances processuais fundada em violação dos deveres profissionais do advogado, ancorando-se na ideia de que “a mera perda de chance não tem, em geral, virtualidade jurídico-positiva para fundamentar uma pretensão indemnizatória, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada”, só podendo ser atendida em situações pontuais e residuais, como aquelas em que ocorra a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se seja ilicitamente afastado de um concurso, ou no caso de atraso de um diagnóstico médico que tenha diminuído substancialmente as possibilidades de cura de um doente[13].
Assim, o douto acórdão do STJ, de 29/04/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, no processo n.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1[14], versa precisamente sobre um caso de responsabilidade de advogado por deserção de um recurso interposto de uma sentença proferida em 1.ª instância, destaca como jurisprudência seguida por aquele Tribunal a dos seguintes arestos:
- um de 9/02/2006 (06B016), a considerar a exigência de alegação e a demonstração de que “há uma forte probabilidade de a oportunidade se não voltar a repetir ou mesmo se perdeu definitivamente”;
- dois, de 6/03/2007 (07-A138) e de 16/06/2009 (1623/03.1TCLRS. S1), a afastarem, na prática, a perda de chance por, tratando-se de casos de concursos públicos, dependeram de juízos de discricionariedade e de manifesta álea, tornando imprevisível a ocorrência do dano e assim afastando o nexos causal;
- e outro de 22/10/2009 (409/09.4YFLSB), a concluir que a perda de chance não releva na vertente jurídica, “por contrariar o princípio da certeza dos danos e da causalidade adequada.
No citado aresto, considera-se que “a perda de chance mais não é do que uma oportunidade de obter uma futura vantagem patrimonial que se gorou”, tratando-se portanto de “imaginar ou prever a situação que ocorreria não fora o ilícito”, o que não se traduz num dano presente, “no sentido de se achar concretizado no momento da fixação da indemnização”, nem também, em rigor, num dano futuro “por não se inserir na definição do n.º 2 do artigo 564.º do CC, já que este tipo de dano tem de ser previsível, tendo-se como certa ou suficientemente provada a sua verificação, afastando-se os prejuízos eventuais, incertos ou hipotéticos”. Daí extrai-se que “a perda de oportunidade, não sendo um dano presente – imediato ou mediato -, só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual e hipotético, salvo se a prova permitir com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”.
Nessa linha de entendimento, ali se considera que não sendo o Direito “de todo, uma ciência exacta, de que são frequentemente reflexo as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, tendo qualquer recurso uma álea dependente das opções (ou perspectivas) dos julgadores”, não se mostra que o seu resultado final seja previsível. E acrescenta-se que o dano patrimonial através da figura de perda de chance só poderia ser ficcionado, o que “implicaria conferir à indemnização uma função punitiva, que não meramente reparatória, esta a exigir a alegação e prova de um dano emergente ou de um lucro cessante que não se apurou em concreto, tornando assim o lesante responsável por todos os prejuízos que necessariamente resultem do não cumprimento do contrato”, como se refere no acórdão do STJ, de 6/03/2007 (07 A138).
Por sua vez, o acórdão do STJ, de 28/09/2010, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Moreira Alves, no processo n.º 171/2002.S1[15], incidindo também sobre um caso de perda de chance processual, imputável a advogado, por falta de apresentação de contestação, reconheceu o direito de indemnização ao litigante, bastando-se com o facto de o advogado demandado ter privado o seu cliente de um direito processual essencial, levando, desse modo, à imediata confissão dos factos alegados pelo impetrante, isto independentemente da sorte da ação, caso tivesse o seu percurso normal, o que se traduz no reconhecimento daquela perda de chance como um dano autónomo.
Também o acórdão do STJ, de 10/03/2011, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro Távora Victor, no processo 9195/03.0TVLSB.L1.S1, em que se discutia a responsabilidade de advogado por falta de pagamento de taxas de justiça devidas num incidente de falsidade de letra e assinatura, que impossibilitou em definitivo a apreciação judicial da questão, considerou que “a chance, quando credível, é portadora de um valor de per si, sendo a respetiva perda passível de indemnização, desde logo quanto à frustração das expectativas que fundadamente nela se filiaram para o expectante”.
Ainda o acórdão do STJ, de 29-05-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Conselheiro João Camilo[16], no processo 8972/06.5TBBRG.G1.S1, em que estava em causa a perda de chances processuais imputáveis a advogado, seguindo na linha do doutrinado nos acórdãos daquele Tribunal, de 26/10/ 2010, (processo n.º 1410/04.0TVLSB.L1.S1) e de 29-04-2010 (processo n.º 2622/07.0TBPNF.P1.S1), concluiu que “a perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante” e que “apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos”.
Em suma, deste espectro de orientações pode concluir-se que a orientação dominante da jurisprudência do STJ vai no sentido de que a perda de chances processuais não constitui um dano autónomo, na medida em que ofende os princípios de certeza do dano e da causalidade adequada, com ressalva das hipóteses em que a prova permita com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida.
Já no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo parece algo mais permissiva na admissibilidade da ressarcibilidade do dano por perda de chance, ao considerar essa vantagem perdida “como um valor autónomo e actual, distinto da utilidade final que potencia e que, por isso, a respectiva perda de oportunidade de ganho não é uma mera expectativa, mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração, determinando-se o montante indemnizatório com referência à vantagem económica final que poderia ter sido obtida e à probabilidade que o lesado teria de a alcançar”.[17]
Sobre tal problemática, o Exm.º Juiz Conselheiro Carlos Cadilha escreve o seguinte[18]:
“Segundo é geralmente aceite, a indemnização por perda de chance traduz-se na probabilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, representando, por conseguinte, o desaparecimento de uma posição favorável preexistente que integrava a esfera jurídica do lesado, Com esse conteúdo, a perda de chance não deixa de constituir um dano certo, na modalidade de dano emergente, na medida em que não equivale à perda de um resultado ou de uma vantagem, mas à perda da probabilidade de o obter. Quando essa consequência negativa é imputável a um facto lesivo de outrem coloca-se a questão da sua possível indemnizabilidade.
Nesse sentido, a perda de chance não corresponde a um mero dano eventual ou a um dano futuro, mas a um dano certo e actual, visto que se trata da perda da possibilidade concreta – e já existente no património do interessado – de obter um resultado favorável. A dificuldade coloca-se na avaliação do dano, uma vez que, embora exista uma expectativa, a obtenção do resultado vantajoso é meramente hipotética. A perda de chance não se confunde, neste plano, com o lucro cessante: o lucro cessante pressupõe que o lesado era titular, no momento da lesão, de uma situação jurídica que lhe proporcionava o direito a um ganho, que, por virtude do facto lesivo, se frustrou. A prova do lucro cessante não incide propriamente sobre os ganhos que se deixaram de obter, mas sobre a titularidade da situação jurídica que permitiria obtê-los, podendo conjecturar-se, por isso, alguma relativa certeza sobre a ocorrência do dano. No caso da perda de chance, os indícios probatórios operam sobre a expectativa de obter um ganho e não sobre a própria verificação desse ganho.
O direito ao ressarcimento com fundamento em perda de chance depende, assim, da avaliação que se faça da probabilidade da obtenção de uma vantagem e do lucro que o lesado teria alcançado se essa probabilidade se tivesse realizado. A questão não está, pois, na demonstração do nexo de causalidade, visto que é sempre possível determinar se existe ou não uma ligação causal entre o facto lesivo e a eliminação da probabilidade de ganho; mas antes na existência ou quantificação do dano, uma vez que este é o efeito lesivo que poderá ter resultado da ilícita eliminação dessa probabilidade, traduzindo-se numa mera expectativa jurídica.
O juiz irá considerar a existência de um prejuízo ressarcível em função do grau de consistência da probabilidade, e, por conseguinte, apenas quando se depara com uma chance real e séria.»
Ainda quanto à caraterização da perda de chace, são pertinentes as considerações do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.7.2014, Fonseca Ramos, 824/06, segundo o qual:
«A figura [perda de chance] visa superar a tradicional dicotomia: responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, summa divisio posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função tuteladora das expectativas e esperanças dos cidadãos, na sua vida de relação que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via da responsabilidade civil.
Nuno Santos Rocha, in “A “Perda de Chance” Como Uma Nova Espécie de Dano” – edições Almedina – 2014 – escreve a fls. 96:
“Além do mais, com a mudança operada no instituto da responsabilidade civil, através da superação do princípio da culpa, progredindo-se para um sistema cada vez mais solidário e menos individualista – onde o enfoque passa a ser dado à vítima e já não à conduta do agente –, o conceito de dano reparável evoluiu, ampliando-se a certas realidades que antes não se admitia que pudesse conter.[3] Entre nós, danos como invasão da privacidade, ofensas à honra, angústia, quebras de confiança e de expectativas jurídicas, ou da violação do dever de dar conselhos, recomendações ou informações, são já assumidamente reparáveis.”
Carneiro da Frada, in “Direito Civil Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, Almedina – Junho 2006 – depois de referir que existe uma “diluição de fronteiras” entre aquelas clássicas formas de responsabilidade civil face às “constantes interferências entre o delito e o contrato”, escreve com acentuada inspiração – pág. 63:
“Isto posto, a questão da unidade da responsabilidade civil deve ser encarada como relativa. Salvaguardadas, na sua diversidade, as soluções juridicamente correctas, a resposta que figurativamente se poderia dar é a de que responsabilidade obrigacional e aquiliana são como peras e maçãs: diferentes, mas similares (não vale a pena indispor quem pense que são antes similares, embora diferentes, mas deplorar tão-só que não se lhes distinga o sabor). E ainda: responsabilidade delitual e obrigacional são como queijo e bolachas, complementam-se[4].
Por isso, a disciplina opcional de Responsabilidade Civil especifica e une, em simultâneo.”
A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afetado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.»
Mais recentemente, a jurisprudência do STJ tem vindo a consolidar-se quanto à admissibilidade da perda de chance processual e aos requisitos da mesma. Assim, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2018, Rosa Tching, 296/16, foi afirmado que:
I. A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.
II. Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.
No acórdão do mesmo Tribunal de 19.12.2018, Fonseca Ramos, 1337/12, foi enunciado que:
II. Para que se considere autónoma a figura da perda de chance, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, ponderando como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, e credível de, não fora a actuação que a frustrou, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, e/ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão desfavorável como o que ocorreu.
III. Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, como é o caso do contrato de mandato forense – art. 1157º do Código Civil – a omissão da diligência postulada por essa obrigação, evidencia de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão do procedimento postulado pelas leges artis inerentes foi determinante para a perda de chance, sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo, capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.
(…)
VIII. O “julgamento dentro do julgamento”, como juízo de prognose, inerente à valoração da chance, claramente aponta para a inexistência de uma chance de ganhar, consistente, séria e plausível, que se perdeu pela omissão cometida pelo Réu, enquanto mandatário da Autora na referida acção.
O requisito da probabilidade séria, real e credível ou da elevada probabilidade de satisfação da pretensão do autor, em sede de perda de chance processual, foi reafirmado nos seguintes arestos do STJ: de 17.5.2018, Graça Trigo, 236/14, de 5.7.2018, Graça Trigo, 2011/15, de 4.10.2018, Cabral Tavares, 287/13, de 30.5.2019, Tomé Gomes, 22174/15, e de 10.9.2019, Graça Amaral, 1052/16.
No que tange à fixação da indemnização pela perda de chance, «(…) o dano de perda de chance é distinto do dano final, pelo que a indemnização deve refletir essa diferença. Esse reflexo é dado pela repercussão do grau de probabilidade no montante de indemnização a atribuir ao lesado. / A reparação da perda de uma chance deve ser medida, pois, com relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava» - Patrícia Cordeiro da Costa, Causalidade, Dano e Prova. A Incerteza na Responsabilidade Civil, p. 144.
Assim,
«(…) a indemnização deve, sim, corresponder ao valor da chance perdida.
Para tanto, devemos realizar uma tarefa de dupla avaliação:
- Em primeiro lugar, proceder-se-á à avaliação do dano final;
- Seguidamente, fixar-se-á o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, em regra traduzido num valor percentual.
(…)
Obtidos tais valores, resta aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, sendo que o resultado de tal operação constituirá a indemnização a atribuir pela perda de chance.
(…)
Nos casos particulares da responsabilidade dos profissionais forenses, a avaliação da probabilidade de sucesso no litígio em questão – e relativamente ao qual a oportunidade de vitória ficou irremediavelmente perdida por ato ou omissão negligente do advogado – passa pela realização daquilo que se tem chamado de “juízo dentro do juízo ” (trial within the trial) (…) o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo.
(…)
Ora, este “juízo dentro do juízo” é de facto essencial quer na determinação da existência de uma chance séria de vitória no processo, quer posteriormente na fixação do quantum indemnizatório» - Patrícia Cordeiro da Costa, Op. Cit., pp. 145-146.
Posto isto, atentemos nos factos do caso.
À data em que a 1ª Ré recebeu a notificação referida em 7 (11 novembro de 2012), o valor base de venda dos imóveis correspondia ao seu valor patrimonial tributário, em termos de avaliação efetuada há menos de três anos ou, nos restantes casos, o seu valor de mercado (Artigo 886º, nº3, do Código de Processo Civil), sendo o valor a anunciar para a venda de 70% do valor base dos bens (Artigo 889º, nº2, do Código de Processo Civil). Todavia, nos termos da nova redação dada pela Lei nº 60/2012, de 9.11, aplicável aos processos pendentes (Artigo 3º), o valor de base dos imóveis passou a ser o maior de dois valores: o valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos, ou valor de mercado, sendo o valor a anunciar para a venda de 85% do valor base (cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, p. 862).
No auto da penhora, realizado em 1.3.2012, foi atribuído ao imóvel o valor patrimonial de € 66.792,12 (24º), não sendo atendível o valor patrimonial de € 246.700 porquanto o mesmo decorre da avaliação fiscal posterior de 17.1.2013 (10º). À data em que foi notificada a 1ª Ré (11.11.2012), não constava da execução uma avaliação feita no processo de execução do valor de mercado atualizada do imóvel, sendo que a posição expressa pela autora a tal propósito através da 1ª Ré (então sua mandatária) não assume o carácter de avaliação do valor de mercado, mas de mera proposta em tal sentido (cf. factos 3º, 8º, 11º). A avaliação extrajudicial feita pela autora e seu ex-marido não vinculava o tribunal no âmbito do processo de execução.
Assim sendo, colocada perante a notificação da agente da execução – que correspondia ao valor patrimonial do auto de penhora (metade do valor referido em 24º)-  e no intuito de aumentar o valor da avaliação e de venda da meação da Autora sobre o imóvel, cabia à 1ª Ré requerer à agente de execução que promovesse uma avaliação atualizada da meação/imóvel, nos termos do nº5 do Artigo 886º-A, correspondente ao atual nº5 do Artigo 812º, o que não fez.
Com efeito, o nº 5 comete ao agente de execução poderes discricionários para, por sua iniciativa ou a requerimento de algum interessado, promover diligências tendo em vista a definição do valor de mercado, o que passará nomeadamente pela realização de perícia singular. Deste modo, querendo, deve o executado requerer ao agente de execução a realização da perícia e não ao juiz, como sucede frequentemente. O juiz só pode determinar a realização da perícia em sede da decisão sobre a reclamação.
O executado, o exequente ou os credores reclamantes, estes limitadamente aos bens sobre que invocaram garantias, caso discordem da decisão do agente de execução, podem reclamar para o juiz, que decide sem recurso (nº 7 e Artigo 809º, nº1, al. c), correspondente ao atual Artigo 723º, nº 1, al. c)). No âmbito da apreciação dessa reclamação, o juiz pode ordenar a realização de uma perícia para o auxiliar na fixação do valor base do bem a vender (cf. Delgado de Carvalho, Jurisdição e Caso Estabilizado, p. 183).
Assim, a agente de execução poderia deferir o pedido da 1ª Ré no sentido da realização de uma avaliação do valor de mercado do imóvel ou poderia indeferi-la. Na primeira hipótese, e caso persistisse discordância com o valor da avaliação, caberia à 1ª Ré reclamar para o juiz. Na segunda hipótese, também caberia reclamação para o juiz de execução da decisão da agente de execução.
Aqui chegados, a questão que se coloca é esta: se a 1ª Ré tivesse adotado a conduta acima referida, existe uma probabilidade séria, real e credível ou elevada da meação da autora sobre o imóvel ser vendida, no processo de execução, pelo valor de € 123.000 como sustenta a apelante?
A este propósito, o Tribunal a quo assinalou que:
«Para a apreciação da pretensão da autora neste concreto âmbito do dano há que ter em atenção o período de crise que à data da venda ainda se vivia e que era notório. Não só o preço do imobiliário desceu a pique, como era muito difícil vender imóveis, ainda para mais fora dos grandes centros urbanos e tendo ainda em consideração que se tratava da venda da meação do direito de propriedade e não da venda da totalidade desse direito, o que dificultava sobremaneira a existência de interessados.
Tendo em conta todas estas circunstâncias e ainda a exigência de um relativo grau elevado de certeza quanto à verificação do dano, consideramos que não podemos imputar à 1ª ré esse dano. Ainda que ela tivesse agido diligentemente, procedendo à reclamação relativamente ao valor anunciado para venda, não podemos afirmar que era certa a venda por valor superior aquele pelo qual a mesma veio a ocorrer. Nesta parte procedem as considerações aduzidas pelas rés na contestação quando invocam as dificuldades/constrangimentos decorrentes da natureza do direito da autora (meação) e da quebra do mercado imobiliário. O valor da venda foi bastante baixo, é certo, mas não se pode afirmar que era possível, naquelas circunstâncias, obter um valor superior.»
Afigura-se-nos que o raciocínio expendido está correto.
A este propósito, está provado que: à data da avaliação realizada em 2008, o mercado imobiliário estava no seu ponto mais elevado (37); nos anos que se seguiram a 2008, esse mercado sofreu uma queda muita signficativa (38).
  E, de facto, a regressão no mercado imobiliário expressa-se no número de transações ocorridas que, entre 2009 e 2018, foi o seguinte:
Tabela 6 - N.º Transações de imóveis para habitação
ANOS N.º Transações

2009 120.4312010 129.950
2011
93.618
2012
76.398
2013
79.775
2014
84.215
2015 107.3022016 127.106
2017 153.2922018 133.072

Fonte: http://www.ine.pt
consoante se alcança do estudo de Hélder Fimino Ribeiro Pereira, Análise da Evolução do Mercado do Crédito à Habitação, 2019, p. 21.
 Decorre da tabela supra que, em 2014, o número de transações de imóveis foi o terceiro mais baixo entre 2009 e 2018, sendo que constitui facto notório (artigo 412º, nº1, do CPC) que, entre 2011 e 2014,  o pais viveu uma recessão económica e finenceira profunda, que determinou a intervenção da Troika que durou até maio de 2014, sendo que a venda da meação da autora ocorreu em 11.6.2014 (no mês seguinte à saída da Troika). A recessão económica e financeira expressa-se também no PIB do pais que foi de: -1,70% em 2011, -4,06% em 2012, -0,92% em 2013 e + 0,79% em 2014. Por sua vez, a taxa de desemprego foi de: 12,7% em 2011, 15,5% em 2012, 16,2% em 2013 e 13,9% em 2014 (dados acessíveis na base de dados da Pordata). Em suma, as transações de imóveis e direitos sobre imóveis sofreram substancial queda no período em causa, com ressalva do segmento de luxo (procedimento Visto Gold), sendo que o imóvel em apreço integra o núcleo comum do imobiliário.
 Por outro lado e independentemente da crise económica e financeira, a venda de metade indivisa de imóvel – como foi o caso – constitui um negócio pouco apelativo para terceiros porquanto se trata de aquisição de um direito sobre imóvel, o qual constitui – por assim dizer – uma situação provisória, que terá de se resolver numa subsequente ação de divisão de coisa comum ou negociação com o outro comproprietário (cf. Arts. 1412º do Código Civil e 925º do CPC). A aquisição de quota de comproprietário em imóvel, como investimento, é pouco apetecível porque não propicia proventos económicos imediatos e gera uma situação jurídica complexa, carecida de clarificação, em regra por via de processo especial de divisão de coisa comum. Tanto assim é que quem acabou por adquirir a metade da Autora foi, precisamente,  o seu ex-marido (facto 9).
Noutra linha de argumentação, há que ressaltar que venda de imóvel em execução por valor inferior a 85% do valor base constitui realidade admissível processualmente, não estando afastada a possibilidade de o imóvel ser alienado por valor manifestamente inferior ao valor pelo qual vai à venda pela primeira vez. Ou seja, ao contrário do que implicitamente sustenta a apelante, o respeito do valor base da venda não constitui , por assim dizer, condição de realização da venda. Conforme se refere em Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2020, Almedina, pp. 252-253:
«A jurisprudência tem vindo a entender que na venda de imóvel por negociação particular é possível transacionar o imóvel por preço inferior ao valor base e, mesmo, ao valor mínimo anteriormente anunciado para a venda por propostas em carta fechada, ainda que, pelo menos nos casos em que não haja acordo entre todos os interessados (que pode ser tácito – RC 8-3-18, 7867/11), seja necessária autorização judicial (RP 11-2-20, 1929/11, RC 26-2-19, 1594/09, RC 8-3-18, 7867/11, RC 165-17, 957/12, RL 21-1-16, 57/10, RC 8-3-16, 1037/10, RP 24-9-15, 1951/12, RL 18-6-15, 5940/10 e RL 25-9-14, 512/09). Cabe ao agente de execução dirigir requerimento ao juiz, com explicitação das diligências efetuadas para a venda, relato das propostas que obteve, características do bem e posição assumida pelos interessados, a fim de habilitar o juiz a decidir. A autorização judicial deve ponderar os interesses em   causa, designadamente a inexistência de outras propostas de aquisição do bem durante período razoável de tempo desde a sua colocação à venda, a conjuntura económica, as qualidades do bem e potencialidade da sua venda, a eventual desvalorização sofrida e os valores de mercado da zona (RC 26-2-19, 1594/09, RC 16-12-15, 2650/08 e RP 5-5-16, 6622/12, www.colectaneadejurisprudencia.com).»
Flui de todo o exposto que, no caso em apreço, não está demonstrada a probabilidade séria, real e credível ou elevada de que – caso a 1ª Ré solicitasse à agente de execução uma avaliação da metade indivisa do imóvel e/ou reclamasse da decisão da agente de execução para o juiz - a meação da autora sobre o imóvel lograria ser vendida, no processo de execução, pelo valor de € 123.000 ou sequer por valor superior a € 29.751, como ocorreu.
No que tange aos danos não patrimoniais, conforme assinalou o tribunal a quo, os mesmos decorrem da venda propriamente dita, ou seja, do facto de o direito da autora ter sido vendido pelo valor que o foi, pelo que, não podendo tal dano ser imputado à 1ª ré, também os danos morais não lhe podem ser imputados.
Termos em que improcede a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 16.6.2020
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
José Capacete
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, p. 115.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 119.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14.