Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES | ||
Descritores: | DIREITO AO BOM NOME E REPUTAÇÃO LIBERDADE DE IMPRENSA UTILIDADE SOCIAL DA NOTÍCIA INTERESSE NA DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação. II. No direito à honra haverá que distinguir diferentes esferas ou círculos, sendo a geral reportada ao nível pessoal, familiar, honestidade, rectidão, ou ligada directamente à dignidade humana, mas a par desta há a invariável, ligada nomeadamente à honra deontológica e profissional, ou à honra económica consubstanciada no direito ao crédito, ou ainda ao decoro, ligada aos hábitos sociais. III. Perante tais direitos haverá que em confronto considerar o direito do público a ser informado, o qual tem como parâmetro a utilidade social da notícia, bem como pano de fundo a liberdade de imprensa, e com ela a faculdade de livre expressão e divulgação da informação e dos meios da comunicação social, mas esta como liberdade responsável. IV. Quando as peças jornalísticas cumprem os parâmetros exigíveis, diversificando as fontes, obtendo documentação que sustente a notícia, tirando do anonimato e do desconhecimento uma situação grave, sendo do interesse geral a sua divulgação e controle, tendo ainda havido a preocupação de cumprir o contraditório, prevalecerá o interesse público a coberto ainda do princípio da liberdade de imprensa que lhe subjaz. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: J… interpôs o presente processo especial de tutela da personalidade, inicialmente apenas contra C…, S.A., e depois também contra C…, D…, S… e CR… através de incidente de intervenção provocada, que veio a ser admitido, pedindo que os RR. sejam condenados: 1) na retirada, definitiva, do acesso ao público a qualquer conteúdo dos programas e artigos referidos na p.i., bem como quaisquer outras retransmissões dos mesmos, sendo o acesso bloqueado em todos os meios onde os conteúdos possam estar ou vir a ser colocados acessíveis pelos Réus (incluindo nomeadamente sítios de internet, redes sociais, canais que disponibilizem streaming de vídeo como o Youtube e afins), por forma a não serem consultados pelo público; 2) a garantir que não haja qualquer conteúdo do referido programa e matéria acessível ao público, em qualquer meio de comunicação de entidades com as quais têm relações de grupo; Requer ainda que, nos termos do nº 4, do art.º 879º, do Código de Processo Civil, seja aplicada e fixada sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento do requerido, em montante nunca inferior a 10.000,00€ (dez mil euros). Para tanto alega, em suma, que: - a C…, S.A. é proprietária da revista …, do jornal …e do canal de televisão por cabo …; - C… e D… são respectivamente Director e Director de Redação, do … online e …; - S… é Directora da revista … e jornalista, incluindo apresentadora da reportagem ora em causa; - CR… é a jornalista, assinante da reportagem ora em causa. Alega que tais canais de informação divulgaram informações sobre o A. que provocaram ofensa ilegítima e ilícita aos seus direitos de personalidade, designadamente através de uma reportagem emitida a 22.7.2022, conteúdos esses que permanecem acessíveis ao público, sendo que os títulos usados, as imagens difundidas e a exposição de informação pessoal (como nome completo, morada e local de trabalho e rosto dos familiares) provocaram lesão do direito à privacidade e bom nome do A., com exposição do seu agregado familiar. Refere ainda que os moldes em que a reportagem foi difundida constituem ameaça, até física, para o A., aumentam o grau de litigiosidade com os supostos lesados, coloca em causa a saúde do A., sofrendo de perturbação emocional e psicológica e ainda de agravamento de doença reumatológica de que já padecia. Invoca ainda que não é figura pública, nem pessoa politicamente exposta, não existindo qualquer interesse na divulgação deste litígio entre particulares e que a reportagem causou danos na única fonte de rendimentos do A. e da sua família. Conclui que o conteúdo da reportagem resulta de informação especulativa, com falta de isenção e sem qualquer interesse publico subjacente. Os RR. contestaram, excepcionando o erro na forma do processo, a ineptidão da p.i., a ilegitimidade passiva, processual e substantiva, e bem assim impugnando a factualidade vertida na p.i.. Concluem que a notícia em causa é verdadeira, a sua publicação é lícita e tem interesse publico, pelo que pugnam pela improcedência da acção. O A. apresentou articulado superveniente, relatando factos ocorridos na pendencia desta acção, relacionados com a passagem de uma nova reportagem sobre si, nos mesmos moldes da anterior. Foi exercido o contraditório por escrito, quanto à contestação dos RR. e articulado superveniente do A., o qual foi admitido. Foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de erro na forma do processo, de ineptidão da p.i. e de ilegitimidade passiva processual. Realizado o julgamento foi a acção julgada improcedente. Inconformado veio o Autor recorrer, apresentando as seguintes conclusões: «A. O presente Recurso tem por objeto a Sentença proferida nos autos que julgou a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência absolveu todos os constantes Réus das pretensões formuladas pelo Recorrente, versando o mesmo sobre matéria de facto, por incorretamente julgada. B. A consagração legislativa dos artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil visou dotar os tribunais de segunda instância dos meios indispensáveis à formação e expressão da sua convicção em matéria fáctica, com total autonomia. C. A aplicação dos princípios da livre apreciação da prova e da aquisição processual permitem ao Tribunal da Relação de Lisboa, face à gravação da prova, reponderar às questões de facto em discussão e expressar o seu resultado, confirmando a decisão ou alterando-a. D. Este poder de reapreciação, nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, pode ser utilizado quanto a todos os elementos de prova de que o Tribunal a quo fez uso e constem do processo. E. No caso vertente entende o Recorrente que a par do erro de julgamento, que o Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, nomeadamente nos aspectos expressamente referidos infra, cuja alteração se requer pelo presente Recurso, após reapreciação da respectiva prova. F. Nestes termos, não pode o ora Recorrente conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo em dar como NÃO PROVADO o facto enunciado pela alínea a), que determina “a exposição de imagens e locais que permitiam a concreta identificação do Autor, do círculo de pessoas que o rodeiam, dos seus familiares, ou de locais que frequente ou com ele conexos, conduz a um aumento exponencial da ameaça contra o A..” G. Termos em que, atendendo à prova produzida nos autos e à restante matéria de facto considerada provada, deve a presente matéria de FACTO NÃO PROVADA ser dado como PROVADA, o que pelo presente se requer. H. Devendo antes ser dado como provado, pelo menos no tocante à potencial ameaça à integridade física do Autor, que “a exposição de imagens e locais que permitiam a concreta identificação do Autor, do círculo de pessoas que o rodeiam, dos seus familiares, ou de locais que frequente ou com ele conexos, conduz a um aumento exponencial da ameaça contra o A., tendo potencial suficiente e colocando mesmo em causa, a sua integridade física e a dos seus familiares diretos”. I. Porquanto da concreta reportagem resultou a publicitação de uma diversidade de moradas e locais, sejam eles a morada de residência de particulares – também coincidente com a sede social de empresas do Autor –, a morada da sede de uma outra empresa do Autor e a morada correspondente à empresa detida pelos sogro e pai do ora Autor. J. Factualidade que se conclui que de resto se encontra dada como PROVADA nos pontos 12), 13) e 14). K. Concluindo-se que resulta à saciedade que, ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, a filmagem das sedes das empresas não se mostra inócuas, uma vez que foram feitas filmagens directamente dos locais em causa, com referências concretas a moradas e andares, de onde são feitos grandes planos de imagem durante a reportagem a que o Tribunal teve acesso e pode visionar. L. Acresce que, no tocante à empresa do sogro e do pai do Autor, um franchising da imobiliária …, foi inclusivamente captada a imagem directa das competentes instalações e feita igualmente expressa referência ao local onde a mesma se encontrava em funcionamento, circunstância que permite, inclusivamente com fracos recursos, nomeadamente através de qualquer motor de busca da internet, identificar a sua localização exacta. M. Acrescendo que declarou ainda o Tribunal que “os entrevistados na 1ª reportagem, mais pro-activos, mencionaram ter tido conhecimento de tais locais em data anterior à reportagem, devido aos elementos fornecidos pelo próprio A., terem-se deslocados a tais moradas para interpelar pessoalmente o A., diligencias que revelaram ter sido infrutíferas”, tendo o ora Recorrente no entanto de concluir como evidente que o argumento ora em causa não colhe, e muito menos para que se determine como não provado o facto em causa, pois que o que estaria em causa no tocante à ameaça à integridade física ou mesmo à vida do Autor, não se reporta (tão só) aos “lesados” que se apresentam na reportagem, mas antes quanto a uma ameaça eminente que estará sempre em causa se terceiros resolverem recorrer à justiça popular – pondo em perigo e ameaçando os direitos de personalidade do Autor e da sua família. N. Concluindo-se ainda que inexiste qualquer relevo nas transmissões das informações ora em causa, ao contrário do proferido e vertido na decisão do Tribunal de que ora se recorre, onde declara que “para além de necessária à coerência e interesse jornalístico das reportagens em causa, não configura qualquer ameaça acrescida”. A verdade é que a não se demonstra nem necessária, nem legítima, para a coerência e interesse jornalístico da reportagem, a passagem de imagens de qualquer natureza profissional no caso em apreço, muito menos em moldes que permitam concretizar as suas exactas localizações. O. Concluindo-se antes que tais imagens apenas permitem concretizar onde pode ser encontrado o Autor ou, em última instância, onde se encontrariam diariamente pessoas do seu círculo próximo, sempre se impondo como necessária uma rigorosa filtragem das informações disponibilizadas a fim de não aumentar o grau de litigiosidade entre os particulares ou terceiros e/ou muito menos fomentar a justiça popular ou abrir a possibilidade de que a comunidade use as informações disponibilizadas pela comunicação social para perseguir qualquer interveniente - quando dispõe de meios e mecanismos judiciais para o efeito. P. Nos mesmos termos, não pode o ora Recorrente conformar-se igualmente com o entendimento do Tribunal a quo em dar como não provado o vertido na alínea b) dos factos NÃO PROVADOS, que determina que “toda a situação em que se vê agora envolvido o Autor coloca gravemente em causa a sua saúde, fazendo com que sofra uma forte e constante perturbação emocional e psicológica.” Q. Termos em que se conclui que, atendendo à prova produzida nos autos, nomeadamente à declaração médica junta, ref. Citius 420271543, sendo este um juízo técnico e científico, que tão pouco cedeu face a contraprova - tendo sido apenas desconsiderado por motivos que não colhem e foram já enunciados em sede de Alegações -, deve a presente matéria de FACTO NÃO PROVADA ser dada como PROVADA, o que pelo presente se requer. R. Devendo assim antes ser dado como provado que “toda a situação em que se vê agora envolvido o Autor coloca gravemente em causa a sua saúde, fazendo com que sofra uma forte e constante perturbação emocional e psicológica.” S. Pois que se conclui que o Autor juntou posteriormente aos autos, em sede de audiência de discussão e julgamento, relatório médico, devidamente assinado e carimbado por técnico profissional de saúde competente, no caso concreto uma médica psiquiatra, atestando a sua condição de saúde. T. Do conteúdo do mesmo resulta declarado expressamente pela profissional que o Autor padece naquela data de humor subdepressivo, ansiedade paroxística, insónia, labilidade emocional e ideias de morte, declarando ainda que “como factores desencadeantes identifica-se a exposição mediática das reportagens de canal televisivo”. U. Concluindo-se pela impossibilidade de o mesmo ser desconsiderado nos termos em que o fora, pois que, mesmo sendo o mesmo expresso por via extrajudicial e não em diligência judicial, se estará perante parecer médico que atesta a condição do Autor, com recurso a ferramentas profissionais de avaliação próprias da profissão, que não podem ser desconsideradas apenas por não ter sido feita referência ao momento em que deu início o acompanhamento clínico ora em causa, ou há quanto tempo o mesmo duraria, bem como que conhecimento teria o profissional clínico da vida do Autor. V. Do mesmo modo, não se poderá entender, como entendeu o Tribunal, que o documento ora em causa não oferece credibilidade porque passado a pedido, pois que, salvo o devido respeito, não podem esses ser fundamentos legítimos para descredibilizar o parecer ora em causa. W. Concluindo-se que tal facto não abala, nem pode abalar, o conteúdo técnico do parecer, e muito menos a credibilidade de um profissional que, sob compromisso de honra, atesta da veracidade do conteúdo declarado, datado e assinado por si no exercício das suas funções. X. Sendo que, resultou ainda da prova produzida em sede de audiência e julgamento, e que foi enunciada pela testemunha do Autor, S…, cuja credibilidade nunca foi posta em causa, as repercussões na condição de saúde do Autor assim que teve nota emissão das reportagens e artigos, tudo conteúdo probatório que o Tribunal a quo desconsiderou totalmente. Y. Concluindo-se que sempre caberia ao Tribunal a quo retirar do respectivo depoimento a conclusão de que este bem espelha já o estado de ansiedade do Autor que antecedeu a emissão da reportagem, motivo pelo qual, depois da efectiva passagem dos conteúdos, tendo em conta as regras da experiência e da lógica, seria previsível que se agudizasse. Z. Do mesmo modo conclui-se pela impugnação do entendimento do Tribunal a quo em determinar como NÃO PROVADOS os factos constantes da alínea d), no tocante ao facto de “a sua mulher, e, portanto, o seu núcleo familiar duro, encontra-se altamente exposta depois do conteúdo televisivo transmitido e do conteúdo que se encontra ainda publicado e publicitado on-line”. AA. Termos em que, atendendo à prova produzida nos autos, nomeadamente aos fotogramas parte integrante da Petição Inicial e através do visionamento da reportagem junta aos autos, conclui o Autor que deve a presente matéria de facto NÃO PROVADA ser dada como PROVADA, o que pelo presente se requer. BB. Devendo assim antes ser dado como provado que “a sua mulher, e, portanto, o seu núcleo familiar duro, encontra-se altamente exposta depois do conteúdo televisivo transmitido e do conteúdo que se encontra ainda publicado e publicitado on-line, porquanto não tem qualquer fundamento ou legitimidade para ser exibido, porquanto nenhum dos sujeitos captados figura dos contratos celebrados pelos sujeitos da reportagem.” CC. Pois que o Tribunal a quo tivera acesso e pôde constatar, através do visionamento da referida reportagem, a passagem da imagem da mulher e sogro do Autor em ambas as reportagens, e tanto assim é que lhe foi possível identificar que na primeira reportagem a imagem emitida se encontrava exposta de forma clara e, na segunda reportagem, se encontra já totalmente desfocada. DD. Concluindo-se como evidente que na primeira reportagem é facilmente observável o rosto da mulher do Autor, caminhando a mesma ao lado deste, à data inclusivamente grávida do filho de ambos, quando tão pouco existe fundamento de qualquer espécie para a transmissão manifestamente ilegal de tais imagens opere. EE. Tanto assim é que, bem sabem disso os Réus, por sua iniciativa, na segunda reportagem emitida, utilizado ferramentas para descaracterizar os sujeitos presentes na filmagem, a desfocaram. FF. Concluindo-se que, como já sufragado em sede de Alegações, não existe fundamento de nenhuma natureza para a reprodução de tais imagens, em sede de primeira reportagem ou artigos, serem emitidas de forma nítida, não se acautelando, como seria dever dos Réus, que estas não permitissem a concreta identificação dos sujeitos em causa. GG. Do mesmo modo conclui-se igualmente que, atendendo à prova produzida nos autos e nomeadamente às declarações do Autor, cuja credibilidade nunca foi colocada em causa – mas antes a sua insuficiência ou robustez- , e bem assim face à excessiva onerosidade da prova de facto negativo nos termos em que pretendia o douto Tribunal e ao princípio do inquisitório que tem ao seu dispor, a matéria de FACTO NÃO PROVADA em sede da alínea e) deveria ter sido dada como PROVADA, o que pelo presente se requer. HH. Devendo assim antes ser dado como provado que “o A., que tivera nota de que alegadamente foram feitas queixas contra si, não foi formalmente, pelos órgãos competentes, informado desse facto ou constituído arguido, nem ouvido em qualquer processo de natureza criminal (ou outra) sobre o assunto desta reportagem.”. II. Concluindo-se pela existência de erro de apreciação da prova produzida quando o Tribunal a quo erradamente desconsiderou como insuficiente o alegado pelo Autor, não tendo tão pouco para tal fundamentado tal decisão. JJ. Isto já que no tocante a este facto em concreto, e que se revela de suma importância para a procedência do peticionado, entendeu o Tribunal a quo que as declarações do Autor, que explicitamente disse não ter sido constituído arguido em qualquer processo de natureza criminal, não se mostraram suficientes para determinar o facto em apreço como provado. KK. Sendo que, ainda que estando certos da existência do critério da livre apreciação das suas declarações, a verdade é que a livre apreciação da prova não se pode revelar um critério elástico o suficiente para, sem fundamento aparente, se formarem convicções sem o mínimo de correspondência por parte do julgador. LL. Concluindo-se igualmente que, face ao imperativo exame crítico necessário por parte do julgador quanto à prova, não restam dúvidas de que é fundamental que este se prenda com critérios de razoabilidade, permitindo às partes avaliar cabalmente os motivos da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, o que tão pouco sucedeu. MM. Concluindo-se igualmente como infundada a argumentação invocada pelo Tribunal a quo sobre a não junção aos autos por parte do Autor de “certidão negativa” extraída de processo crime do qual não tinha conhecimento à data da interposição da ação ora em causa. NN. Sendo que colocar sob o Autor, nesses termos, o ónus de provar factos negativos de forma excessivamente onerosa, dificílima ou até impossível – enunciado comumente como “prova diabólica” – coloca manifestamente em causa a perspectiva de processo equitativo, cuja mais imediata concretização redunda no direito à igualdade de armas e tratamento das partes. OO. Concluindo-se que a linha de argumentação defendida pelo Tribunal a quo, sem fundamento para tanto, configura um obstáculo injustificado à obtenção de uma decisão de mérito à justa e efectiva composição do litígio. PP. Pelo que, se assim não tivesse procedido o Tribunal, chegar-se-ia certamente a um desfecho diferente na presente ação, nomeadamente um que fosse favorável ao ora Recorrente. QQ. Sendo igualmente de concluir que, não pode o ora Recorrente conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo em dar como NÃO PROVADO o facto vertido na alínea g), que determina que “as referidas jornalistas sabiam que, com o conteúdo da referida reportagem e artigos, afectavam directamente a imagem e o bom nome do Autor, porquanto lhe imputavam crimes de enorme gravidade, bem sabendo que tão pouco havia sido o Autor constituído arguido em qualquer processo de natureza criminal.” RR. Isto já que, atendendo à prova produzida nos autos, nomeadamente às declarações da própria Ré CR, cuja credibilidade nunca foi posta em causa, dever-se-ia a presente matéria de facto NÃO PROVADA ter sido dada como PROVADA, o que pelo presente se requer. SS. Devendo assim antes ter sido dado como provado que “pelo menos a jornalista CR sabia que, com o conteúdo da referida reportagem e artigos, afectava directamente a imagem e o bom nome do Autor, porquanto lhe imputava crimes de enorme gravidade, bem sabendo, nomeadamente através da consulta dos autos, que tão pouco havia sido o Autor constituído arguido em qualquer processo de natureza criminal.” TT. Pois que se conclui que de tudo o alegado pela Ré CR, incluindo em tom confessório, resulta evidente que não só a jornalista Ré ora em causa dispunha de ferramentas e conhecimento jurídico, porque licenciada em Direito, para conhecer da não constituição de Arguido do ora Autor no referido processo-crime, ao qual confessou ter acendido, como não era espectável que desconhecesse que nenhuma decisão condenatória teria transitado em julgado contra este. UU. Bem como é ainda de mediana evidência, e resulta à saciedade até pelos conhecimentos técnicos de que dispõe a Ré, que face à sua consulta de processo, esta igualmente saberia do estado embrionário de investigação do inquérito em causa, e que, à data, aquilo de que dispunha seriam apenas as versões dos factos dos entrevistados – matéria insuficiente para intitular o Autor de burlão. VV. Tão pouco estaria em causa qualquer despacho de acusação contra o ora Autor. WW. Motivo pelo qual se conclui por incompreensível a sua referência a “indícios”, e muito menos que esta lhos possa imputar. XX. Sendo que, reitere-se o que julga o Recorrente ter sio olvidado durante todos os presentes autos: este goza de presunção de inocência. YY. Acresce que, também não será legitimo proferir, como o fora em sede da Sentença a que ora se recorre, que as jornalistas, ou pelo menos a jornalista subscritora da reportagem, não teria conhecimento evidente das repercussões da referida reportagem nos direitos do ora Autor. ZZ. Bem sabendo que a reportagem e os artigos afectariam, de forma irremediável, a imagem e o bom nome do Autor. AAA. Tanto assim é que assume expressamente que a sua pretensão é a de que possíveis ou potenciais sujeitos que celebrem relações contratuais com o Autor “fiquem alertados”. BBB. Pretendendo evidentemente furtar ao Autor a possibilidade de celebrar negócios, colocando até hoje em causa a sua idoneidade, como fez em horário nobre e através dos artigos publicados, ainda passiveis de serem visionados por milhares de espectadores e leitores. CCC. Quando era um consultor imobiliário premiado – tal como resulta das declarações da própria Ré CR em sede de reportagem. DDD. Nesta senda, tendo em conta os próprios factos alegados pela Ré jornalista e ora parte, em nada tais declarações poderiam ter sido ignoradas para determinar como não provado pelo Tribunal a quo o facto contante da referida alínea. EEE. Do mesmo modo, tendo em linha de conta as conclusões que antecedem, resulta evidente que existiu uma lesão clara dos direitos de personalidade do Autor, mormente dos seu direitos à imagem, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida privada e inclusivamente, através da transmissão da reportagem e redação dos artigos, a criação de um circunstancialismo que pode potenciar lesão à sua integridade física e colocar em causa a sua segurança. FFF. Concluindo-se como evidente que a consumação de tais lesão de direitos ora em causa definitivamente operou. GGG. Cumprindo concluir que tal consumação não encontra na lei ou nos princípios jurídicos qualquer base que a legitime. HHH. Pelo que cumpriria tão só aferir a extensão em que tal ofensa fora cometida e quais foram os sujeitos que a cometeram, sendo que o cometimento - que será resultado da actuação dos Réus – operou, entende o Autor, por acção e omissão. III. Por acção concreta da jornalista e omissão por parte dos restantes Réus, encarregados e competente direção. JJJ. Direção essa a quem também sempre cumprirá providenciar pela retirada dos conteúdos em causa. KKK. Uma vez que se conclui que resultou evidente que a vida do Autor fora totalmente devassada com a exposição sistemática da sua imagem, moradas, gravações não autorizadas de telefonemas, informações de processos de insolvência das suas empresas, imagens da sua família, e uma verdadeira condenação em praça pública com a imputação de crimes em letras garrafais difundidos em horário nobre, sem que este goze de qualquer presunção de inocência. LLL. Tudo conteúdos que estão disponíveis e acessíveis ao público até à data de hoje. MMM. Quando estará em causa um litígio entre particulares, que o Autor que não é figura pública ou politicamente exposta nunca negou, mas que até onde se sabe não tem ao momento dignidade penal e muito menos social para lhe sejam quaisquer condenações imputadas nos moldes em que foram. NNN. E face a tal circunstancialismo não se pode o Recorrente conformar que o Tribunal quo tenha entendido declarar que se mostra “inegável o interesse na divulgação dessas imputações objectivamente fiáveis, cujo interesse em não dar a conhecer as mesmas ao publico em geral é exclusivamente do A.”, aos que nos soa, com o devido respeito, que foi nesta senda pré sentenciado na instância de que se recorre. OOO. Olvidando-se manifestamente o Tribunal a quo dos factos e fundamentos jurídicos invocados pelo Autor aquando da interposição da presente ação e dos propósitos que a mesma deve servir. PPP. Concluindo-se como certo que a existência dos direitos de personalidade do Autor e o Direito à liberdade de imprensa entraram manifestamente em colisão, resulta em abundância da jurisprudência actual que, face a qualquer colisão de direitos fundamentais, o sacrifício desses direitos deverá ser sempre na medida do indispensável – o que manifestamente não sucedeu ou se efectivou com a improcedência do peticionado. QQQ. Concluindo-se que à abordagem jornalística no caso concreto não lhe seria exigível apenas a verdade, mas também que fosse pautada por critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade na informação transmitida. RRR. Concluindo-se que não foram utilizados os devidos critérios para a emitir, tais como serão: a) o valor socialmente relevante da notícia, b) a moderação na forma de a veicular e c) a verdade medida pelo critério da objectividade. SSS. Relembrando que o jornalismo é um pilar essencial ao Estado de Direito Democrático e deve contribuir para a formação da consciência cívica, não devendo deter como propósito comentar reações de justiça popular ou vingança, tentadoras de revoltas ou geradoras de violência, como as espelhadas na referida reportagem. TTT. Acrescendo que a imputação de um crime ao Autor através da reportagem e artigos, coloca em causa, a existir, um futuro processo equitativo e justo – seja ele de que natureza ou espécie for. UUU. E bem assim não deverá igualmente ser fomentada a utilização de mecanismos de chantagem – com o espelhar de histórias de particulares que recorreram a esses métodos perante o Autor e narraram tais histórias bem-sucedidas na entrevista. VVV. Sempre cumprindo concluir que existe presunção de inocência por parte do Autor e que tão pouco existe interesse público no tocante a um litígio entre particulares que legitimamente pode e deve ser resolvido em sede própria. WWW. Não devendo ser assim confundido o interesse público com o interesse do público. XXX. Nesta senda, sempre cumprindo concluir: urgindo decisão diversa da apontada, no caso favorável as pretensões do Autor, sempre figurariam como parte os restantes Réus, C…, S.A., C…, D… e S…, partes que deverão ser declaradas igualmente legítimas e quanto às quais deverá igualmente ser proferida decisão. YYY. Pois que serão as pessoas idóneas e aptas, em função do seu cargo, acautelar e ter acautelado os efeitos das lesões e, bem assim, neste momento fazer cessar os efeitos das continuadas ofensa, porque com poderes para proceder à retirada efectiva dos referidos conteúdos do acesso ao público. ZZZ. Pelo que, concluindo-se que verificada que esta a sua legitimidade, deverão todos os Réus igualmente ser considerados para efeitos de decisão condenatória que se venha a proferir.». Os Réus contra alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, arrematando que: «1. A douta sentença que julgou manifestamente improcedente a ação é uma peça fundamentada, ordenada, logicamente correcta, fazendo uma exemplar aplicação do Direito, pelo que não merece crítica ou reparo, sendo estas contra-alegações, um modesto contributo na defesa da manutenção do julgado. 2. Não tendo o Recorrente cumprido o ónus previsto no artigo 640º do CPC nas conclusões do seu recurso, não deverá haver reapreciação da prova gravada, mesmo que V. Exas. considerem justificar-se o alongamento do prazo, por mais 10 dias, em função de na alegação o Recorrente ter indicado o timing em que se encontram as passagens relevares e feito a sua transcrição. 3. Ónus este que não se aplica aos Recorridos nas contra-alegações. 4. Os Recorridos estão evidentemente de acordo com o Tribunal a quo, porquanto –salvaguardado, mais uma vez, o respeito devido – está-se em crer que, atento o conteúdo das reportagens, o modo como estas foram realizadas e exibidas, bem como o interesse público e social subjacente às mesmas, todos os deveres jornalísticos foram integralmente cumpridos, por um lado, e, por outro, inexistiu qualquer violação de direitos de personalidade do Recorrente. 5. A matéria de facto impugnada deve manter-se como decidido pelo Tribunal a quo, de acordo a fundamentação referida na sentença com a qual os Recorridos concordam na íntegra. 6. Acrescentando-se que resulta dos depoimentos prestados nomeadamente pelo Recorrente, a sua mulher e sogro e também dos depoimentos da 5ª Requerida e testemunha Nuno acima transcritos que se devem manter tais factos não provados. 7. O presente processo é uma tentativa de introduzir a censura judicial sem qualquer fundamento legal e com total desprezo pelas disposições constitucionais que garantem a liberdade de expressão e de imprensa pelo que deve, naturalmente, manter-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e improceder a acção movida pelo Requerente. 8. A liberdade de imprensa e de expressão constitucionalmente garantidas não se podem subverter a quaisquer interesses particulares e seu exercício pode justificar a quebra de direitos de personalidade. Neste sentido, vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.06.2018, acima cit. 9. Preservou-se a presunção de inocência do Requerente, bem como houve o cuidado de enquadrar devidamente a situação narrada, desde logo através da utilização de expressões como “suspeito”, “alegadamente”, “suposto”. 10. Procurou ouvir-se o Requerente e conceder-lhe a possibilidade de esclarecer os factos que lhe são imputados. 11. Houve, assim, rigor informativo / carácter sério, isento e inegável interesse público. 12. A reportagem é resultado de um trabalho jornalístico sério, isento, rigoroso, sustentada em fontes. 13. As alegações do Requerente são assim meramente subjectivas, carecem de fundamento e não correspondem à realidade dos factos. 14. As notícias em causa foram feitas sem qualquer juízo de valor, não desrespeitando o princípio do rigor informativo. 15. A verdade é que a verdade dos factos e o rigor informativo das reportagens em momento algum são desmentidos de forme sustentada pelo Recorrente. 16. As informações foram apresentadas de forma clara e objectiva com o único objectivo de prestar uma informação de interesse público, isenta e rigorosa. 17. É inegável o interesse público comunitário do trabalho de investigação e da reportagem em apreço. 18. É inegável que foram cumpridas pelos Requeridos todas as normas legais e deontológicas. 19. Reitera-se que estamos perante um trabalho jornalístico exemplar, de importantíssimo e comprovado interesse social, na prossecução do direito e dever de informação e ao abrigo do direito à liberdade de imprensa, em cumprimento de todas as regras legais e deontológicas. 20. O formato de reportagem, como também se refere nesta decisão, trata-se de um “género jornalístico que goza de uma maior liberdade editorial e criativa “, pese embora esta liberdade não deva conflituar com a factualidade e objectividade da informação prestada. 21. Não foram violadas quaisquer normas legais ou deontológicas, revestindo-se a reportagem em apreço de total rigor, isenção e claro interesse público, inexistindo fundamento para o presente recurso. 22. Como nota final, regista-se apenas que aquilo que se apelida, de “tom de acusação pública” do Recorrente, mais não é do que um desfiar dos abundantes indícios recolhidos, nunca se deixando de referir o mesmo como “alegado” ou “suposto” burlão. 23. Isto é, não foram exibidas quaisquer considerações definitivas sobre a sua culpabilidade (que teria de resultar de uma condenação final, num processo transitado em julgado), sendo a reportagem igualmente bem clara quanto ao estado das investigações em curso, conforme decorre dos títulos “PJ investiga (…)” ou “Consultor imobiliário acusado (…)”. 24. De todo o modo, assume todo o interesse apontar, neste segmento, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2014, donde ressalta: “Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público”. 25. Deve assim o recurso ser totalmente julgado improcedente, por não provado, sendo os Requeridos absolvidos de todos os pedidos, tal como os Requeridos tiveram oportunidade de alegar e provar nestes autos, mantendo tudo quanto disseram na sua contestação e demais articulados.» Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * Questões a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. Considerando o aludido e o recurso, importa apreciar o seguinte: - Se é de alterar os factos não provados em a), b), d), e) e g), dando os mesmos como provados; - Se é de considerar a violação dos direitos de personalidade do A. com a consequente procedência dos pedidos formulados e condenação dos RR. a retirarem ou eliminarem as notícias em causa. * II. Fundamentação: No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos: 1) A 1ª requerida C…, S.A. detém a revista …, o jornal … e o canal de televisão por cabo …. 2) A … é uma revista portuguesa de informação geral, editada em Lisboa, que detém uma periodicidade semanal e, apesar do nome, sai nas bancas à quinta-feira. 3) O … é um jornal diário português do tipo generalista, sendo líder de mercado em Portugal. 4) A … é um canal português de televisão fechado, associado ao diário …, sendo um canal generalista de cunho informativo. 5) No site da revista …, pelo menos desde dia 21 de Junho de 2022, quinta-feira, vinha sendo, num trecho de 30 segundos, noticiada e publicitada a passagem, no supra referido canal, de uma reportagem, integrada num programa de periodicidade semanal de nome “Investigação …”, onde seria visado o ora Autor. 6) No site da referida revista podia ler-se: “A Investigação … revela o esquema de um consultor imobiliário acusado de burlar vários clientes em contratos-promessa. Para ver esta sexta-feira, pelas 21:30, após o … jornal, na …” 7) Posteriormente, no dia da referida reportagem, 22 de julho de 2022, além da passagem da reportagem, que durou mais de 20 minutos, com início pelas 21 horas e 35 minutos e término pelas 21 horas e 57 minutos, sucederam-lhe mais dois artigos on-line, exactamente sobre a mesma temática, também datados de dia 22 de julho de 2022, presentes assim, quer no site da revista …, quer no sítio da internet do próprio jornal … 8) O programa que antecedeu a referida reportagem tratava-se do noticiário das oito da noite, horário nobre, de uma sexta-feira. 9) No dia 23 de julho, sobre o mesmo tema, a referida revista, …, na sua edição online, apresenta um conteúdo exclusivo a registados ou assinantes, onde consta: “(…) também tivemos acesso a uma lista com mais de uma dezena de processos de execução em que J… é visado. Há dívidas a bancos, imobiliárias, combustíveis, condomínio e até a um hospital veterinário. Tudo num montante que ascende a 300 mil euros. (...)” 10) O referido artigo tem o seguinte título: “Burla milionária. PJ investiga agente imobiliário” 11) Á data da entrada da presente ação, todos os conteúdos encontravam-se ainda disponíveis e acessíveis ao público, bem como o conteúdo integral da reportagem que continuava a ser emitido diariamente no canal …, mesmo fora do âmbito da referida rúbrica “Investigação …”. 12) Na referida reportagem, é apresentada a imagem profissional do Autor, com a seguinte legenda: “BURLA IMOBILIÁRIA- Suspeito terá lesado dezenas de clientes”, o seu nome completo aquando da exibição dos contratos celebrados, imagens dos locais das sedes de duas empresas do A., constantes do registo comercial e também imagens do Autor junto da escadaria de acesso à empresa …, onde se deslocou com a sua mulher grávida e o seu sogro, também filmados. 13) A sede de uma das empresas, sita na R. …, em Lisboa, tinha sido também o domicílio da família do A., mostrando-se na reportagem o prédio por fora e a respectiva entrada. 14) A sede da outra empresa do A. tinha morada numa loja com franchising da imobiliária …, franchising esse detido pelo pai e pelo sogro do A., onde este último também colaborava como consultor imobiliário, mostrando-se na reportagem a fachada dessa loja. 15) Durante a emissão de tal reportagem, e nas reproduções que lhe seguiram, foi transmitido o início de uma conversa telefónica entre a jornalista da peça e o Autor, emitindo assim a sua voz, sob legendagem, sem o seu conhecimento, tendo tal gravação o seguinte teor: “Estou, boa tarde. J S? Sim”, não sendo transmitido o seguimento de tal conversa telefónica, nem outra qualquer. 16) O Autor não é uma figura pública e nem é pessoa politicamente exposta. 17) C… é Director Geral do Jornal … e da …. 18) D… é Chefe de Redação da … 19) S… foi Directora da revista sábado até 2.9.2022 e apresentadora da 1ª reportagem Investigação …, sobre o A.. 20) CR foi a jornalista assinante das duas reportagens “Investigação …” sobre o A. e dos artigos publicados na revista online, sendo os publicados no Jornal … online, uma mera reprodução mais sintética dos constantes na revista, cujo conteúdo corresponde também ao das reportagens emitidas. 21) O A. foi contactado novamente pela jornalista CR em 9.9.2022, por telemóvel, porque pretendia falar com o mesmo sobre a passagem de uma nova reportagem. 22) Acordaram encontrar-se na semana seguinte, tendo em conta a data referida em 21). 23) Na 2af, dia 12 de Setembro, a id. jornalista enviou mensagem ao A., onde lhe colocou 8 perguntas, solicitando resposta por escrito às mesmas, e bem assim hora e local para realização de uma entrevista presencial no dia seguinte. 24) Os Mandatários do A. remeteram aos RR. C… e CR uma comunicação, expondo a posição do mesmo. 25) A nova reportagem veio a ser emitida em 16.9.2022, com repetição das imagens do A. já utilizadas na 1ª reportagem, incluindo o momento em que este se deslocou à sede da C…, S.A. com familiares, mas com a imagem dos mesmos desfocada. 26) Nesta nova reportagem, elaborada nos mesmos moldes da anterior, são entrevistadas mais duas pessoas que relatam a “burla” de que foram vítimas segundo as suas próprias palavras, imputando a responsabilidade ao A. e ainda a uma outra agente imobiliária, apresentada como amiga e madrinha de casamento do A.. 27) A jornalista , autora das reportagens, ora 5ª R., entrevistou na primeira, R… e o marido RR, F… e JM, e na segunda reportagem N… e A…, os quais se apresentaram como lesados pelo A., relataram a factualidade ocorrida consigo, acusaram o mesmo de os ter burlado, informaram ter apresentado queixa crime contra o A. junto da PJ, e indicaram os montantes que se encontram em dívida por parte do A., após o reiterado incumprimento dos contratos celebrados com aquele. 28) A jornalista exerceu o contraditório, entrevistando o A., quando este se deslocou às instalações da ... com o pretexto que pretendia falar com a administração, tendo a jornalista, com um operador de camera, esperado pelo A. à entrada das instalações e feito a entrevista, concedida pelo A., na parte exterior do edifício da ..., entrevista essa transmitida na 1ª reportagem, durante um período de 5 minutos, e depois repetidos alguns excertos da mesma, aquando da 2ª reportagem. 29) A identificada jornalista, para além das entrevistas supra mencionadas, pediu documentação aos entrevistados, comprovativa dos contratos celebrados, pagamentos realizados, correspondência trocada entre as partes, documentação essa que foi exibindo ao longo das reportagens. 30) A própria jornalista recolheu informações e documentação, de acesso público, que também mostrou nas reportagens. 31) Durante a entrevista referida em 28), o A. sabia que estava a ser filmado, com captação da sua imagem e voz. * Foi ainda considerados como não provados que: a) A exposição de imagens e locais que permitiam a concreta identificação do Autor, do círculo de pessoas que o rodeiam, dos seus familiares, ou de locais que frequente ou com ele conexos, conduz a um aumento exponencial da ameaça contra o A.. b) Toda a situação em que se vê agora envolvido o Autor coloca gravemente em causa a sua saúde, fazendo com que sofra uma forte e constante perturbação emocional e psicológica. c) O Autor, apesar de ser um individuo jovem, sofre de uma doença reumatológica, para a qual toma medicação diária, e é agora agravada pelas condições vividas, fruto de toda a mediatização. d) A sua mulher, e, portanto, o seu núcleo familiar duro, encontra-se altamente exposta depois do conteúdo televisivo transmitido e do conteúdo que se encontra ainda publicado e publicitado on-line. e) O A., que tivera nota de que alegadamente foram feitas queixas contra si, não foi formalmente, pelos órgãos competentes, informado desse facto ou constituído arguido, nem ouvido em qualquer processo de natureza criminal (ou outra) sobre o assunto desta reportagem. f) S.. subscreveu os artigos/peças transmitidos e publicados. g) As referidas jornalistas sabiam que, com o conteúdo da referida reportagem e artigos, afectavam directamente a imagem e o bom nome do Autor, porquanto lhe imputavam crimes de enorme gravidade, bem sabendo que tão pouco havia sido o Autor constituído arguido em qualquer processo de natureza criminal. * Da impugnação da decisão de matéria de facto: A impugnação da matéria de facto pressupõe o cumprimento do estabelecido no art.º 640.º do C.P.C., a saber:«(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. Refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Ed., Almedina, 2017, pp. 158-159: «A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art.º 640.º, n.º 1, al. a));c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação». Logo, em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve identificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não podendo limitar-se a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham para cada um desses pontos de facto fosse julgado provado ou não provado. A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do C.P.C. (Cfr. Acs. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes) e Proc. n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt. ). Abrantes Geraldes ( in ob. Cit.), salienta que o S.T.J. «tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm que reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos de facto sobre que incide a impugnação.» (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 771; cfr. ainda os Acs. do S.T.J. citados pelos Autores). Donde, em nada releva o alegado pelos recorridos na sua resposta, pois no corpo das alegações o recorrente exprime de forma adequada a alteração pretendida em termos factuais. Importa ainda referir que se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objectivos que o art.º 662.º do C.P.C. atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração. Haverá ainda que considerar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialecticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no art.º 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer. De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”. Donde, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes. Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389). Feito este enquadramento, haverá que aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este tribunal. Nesta análise haverá ainda que considerar que qualquer alteração pretendida pressupõe a relevância da alteração para o mérito da demanda. Com efeito, a impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo. Neste sentido haverá que considerar o Acórdão do STJ de 17/05/2017 ( in www.dgsi.pt) no qual se entende que: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir. Com efeito, aos tribunais cabe dar resposta às questões que tenham, directa ou indirectamente, repercussão na decisão que aprecia a providência judiciária requerida pela(s) parte(s) e não a outras que, no contexto, se apresentem como irrelevantes e, nessa medida, inúteis.” Posto isto, insurge-se o recorrente quanto à consideração como não provada do teor das seguintes alíneas: a), b), d), e) e g). Quanto à alínea a) insurge-se o recorrente quanto à circunstância de não ter sido considerado provado que a situação criada conduziu a “um aumento exponencial da ameaça”, invocando apenas que tal será um corolário lógico da entrevista, sem invocar concretamente que prova agasalhará tal conclusão, nomeadamente, que ameaças concretas recebeu o Autor por força e na sequência da reportagem em causa? Em que data e em que contexto? Mas mais ainda, de que forma foram concretizadas? Nada refere o recorrente, principalmente em obediência ao disposto no art.º 640º nos termos sobreditos. Com efeito, caso existissem “ameaças” concretas tal seria passível de prova, o que o recorrente nem sequer invoca. Logo, nada nos permite alterar o juízo constante da motivação da resposta negativa a tal ponto efectuada pelo tribunal recorrido, quando expõe que: «grande parte de tal factualidade, toda correspondente à alegação do A., contém afirmações conclusivas e até especulativas, que nem sequer deviam constar da fundamentação de facto da sentença, mas à falta de alegação fáctica mais objectiva, foi esta a seleccionada, por forma a melhor explanar a convicção deste tribunal; - tendo em conta a factualidade dada como provada, não se vislumbra que se possa concluir nos termos pretendidos pelo A. quanto ao “aumento exponencial da ameaça” (al. a), sobretudo considerando que, quer o A., quer as testemunhas apresentadas pelo mesmo fizeram, ao longo dos respectivos depoimentos, insistentes referencias a alegadas ameaças recebidas pelo A. e família, referindo todos no entanto que tais ameaças não se reportam ao assunto das reportagens, não são da autoria dos intervenientes nas reportagens na qualidade de lesados (tendo mesmo esclarecido que sabem a identidade desses terceiros , autores das ameaças, e que nada têm a ver com as pessoas entrevistadas na reportagem, não tendo porém querido esclarecer nada quanto à origem dessas ameaças), tendo igualmente afirmado que, após a 1ª reportagem, foram perseguidos e vigiados junto da morada dos sogros do A., onde estavam a residir e por isso se mudaram para o Norte de Portugal, morada essa que nem sequer é mencionada nas reportagens ora em causa, muito menos filmada. Acresce que a filmagem da sede das empresas do A. mostra-se inócua, pois, para além de não permitir a sua localização, decorre das reportagens que, à data das mesmas, o A. já não frequentava tais locais. Acresce que todos os entrevistados na 1ª reportagem, mais pro-activos, mencionaram ter tido conhecimento de tais locais em data anterior à reportagem, devido aos elementos fornecidos pelo próprio A., terem-se deslocados a tais moradas para interpelar pessoalmente o A., diligencias que revelaram ter sido infrutíferas. Quanto à divulgação da imagem do próprio A., foi o próprio que, ao conceder uma entrevista filmada, permitiu tal divulgação, constando as restantes de sites de acesso publico na Internet, pelo que a sua exibição, para além de necessária à coerência e interesse jornalístico das reportagens em causa, não configura qualquer ameaça acrescida.». No que diz respeito à alínea b), a mesma está correlacionada com o alegado estado de saúde do Autor alegadamente originado pela reportagem em causa, sustentando que tal prova advém do “relatório médico” junto, bem como do depoimento da testemunha S…. A alínea b) é do seguinte teor: “b) Toda a situação em que se vê agora envolvido o Autor coloca gravemente em causa a sua saúde, fazendo com que sofra uma forte e constante perturbação emocional e psicológica.” Em primeiro lugar, o que o recorrente identifica como “relatório médico” não consubstancia qualquer prova pericial qua tale, mas sim e apenas um documento particular, impugnado pelos recorridos aquando da sua junção, donde a sua força probatória será diminuta. Por outro lado, a declaração junta não se encontra corroborada por qualquer outra prova bastante de teor científico, nem para tal será suficiente o testemunho da esposa do Autor ao dizer que a reportagem o deixou “desorientado”, sem aludir o que em concreto provocou em termos de saúde do mesmo, pois é manifesto que terá ficado abalado, mas tal estado anímico é comum a qualquer pessoa que seja objecto de uma notícia menos abonatória. Mas que dizer do documento junto como sendo a “declaração médica”? do teor da mesma resulta que a subscritora de tal documento declara que “segue J… em consulta de psiquiatria nesta clínica”, sendo que a clínica se situa no Porto, quando o A. tem o seu domicílio em Lisboa, nem sequer resulta desde que data tal vem ocorrendo, datando a declaração de 6/10/2022, sendo a reportagem de junho/julho de 2022 na imprensa escrita, e de Setembro, a televisiva. Conclui-se ainda que “como factores desencadeantes” do “humor subdepressivo, ansiedade paroxística, insónia, labilidade emocional e ideia de morte” a “exposição mediática das reportagens em canal televisivo”, ou seja, afinal não foram desencadeantes de tal estado a reportagem na imprensa escrita, também visadas nesta acção, mas apenas segundo a declarante a constante em “canal televisivo”. Do teor evasivo e pouco concreto e circunstanciado manifestamente tal declaração não é de molde a provar o teor da alínea b). Seguimos, assim, igualmente o entendimento sobre a apreciação de tal prova inserto na decisão recorrida ao expor que: «Quanto à al. b), refira-se que o valor probatório da declaração médica junta aos autos pelo A. (cf. fls.126) apenas atesta que a médica, subscritora da mesma, emitiu tal declaração escrita, a pedido, não constando sequer da mesma, desde quando “segue” o A. como paciente, não se vislumbrando qual o conhecimento daquela sobre a situação do A., e por ser uma declaração emitida a pedido, não merece credibilidade o nexo causal aí constante, relacionando, de forma simplista e sintética, o estado psicológico do A. com a “exposição mediática das reportagens em canal televisivo”. Sobretudo , importa considerar que o próprio A. e as suas testemunhas , ouvidas em julgamento, foram muito claras quanto à existência de inúmeros problemas profissionais do A., anteriores à exibição da 1ª reportagem, como por exemplo, a insolvência da sua empresa, o incumprimento dos contratos por si realizados, a pressão dos clientes para a concretização dos negócios e depois para a devolução dos montantes entregues ao A., tudo factores que, de acordo com regras de experiencia comum, poderão ser também desencadeadores de estados psicológicos de stress e depressão. Acresce que o A. não conseguiu explicar a razão pela qual, apesar das avultadas quantias recebidas num curto espaço de tempo (recebimentos esses que não negou, aliás confirmou), não tinha possibilidade de proceder à sua devolução, quando reconheceu que não podia cumprir os contratos firmados. Acresce ainda que foi notório, através do depoimento do próprio e das suas testemunhas, que a maior desestabilização do A. estava relacionada com ameaças por si recebidas, conforme supra já se mencionou, ameaças essas cuja origem ninguém esclareceu, mas todos frisaram que nada tinham a ver com os intervenientes e os casos relatados nas reportagens, o que indicia a existência de outros problemas graves na vida do A. que ninguém mostrou interesse em esclarecer em julgamento.». No que concerne à alínea d) ( “d) A sua mulher, e, portanto, o seu núcleo familiar duro, encontra-se altamente exposta depois do conteúdo televisivo transmitido e do conteúdo que se encontra ainda publicado e publicitado on-line”) é manifesto que além dos factos já provados e constantes dos pontos 12) e 13) a conclusão inserta em tal alínea é meramente conclusiva, ou seja, que a esposa do A. se encontra “altamente exposta”, não contém factos concretos de onde possa resultar tal evidência, nem a prova foi de molde a confirmar se a esposa do Autor ficou “altamente exposta”, pois já se provou que a sua imagem surgiu na reportagem. Logo, é de manter incólume a decisão, quer pelo carácter conclusivo da alínea em causa, quer ainda pela circunstância de os factos relevantes já estarem contidos nos pontos 12 e 13) dados como provados. Quanto à alteração almejada da alínea e) foi desde logo contrariada pelo próprio recorrente na resposta que entende que deve ser considerada provada no âmbito da factualidade em causa, na parte em que pretende que se considere provado que “o A., que tivera nota que alegadamente foram feitas queixas contra si (…)”. Com efeito, a sua constituição ou não como arguido não será relevante, nem se impõe que o mesmo prove o facto negativo da ausência de tal qualidade. Pois ainda que nos afastemos da linha de raciocínio que subjaz a ter sido considerado que o teor de tal alínea resulte como não provado, em nada releva a constituição ou não do Autor como arguido em concreto, no âmbito do assunto essencial da reportagem. Acresce que mesmo estando em causa factos que poderiam alegadamente consubstanciar o crime de burla, sempre este é semi-público, pelo que depende de queixa crime apresentada pelo ofendido, e este, pode apenas optar pela responsabilidade civil inerente, o que poderá determinar a ausência de constituição como arguido, a qual, diga-se também, visa salvaguardar o visado, pois a par dos deveres assume também direitos. Logo, para o cerne da questão o ter sido ou não informado pelos órgãos competentes, nomeadamente através da sua constituição como arguido, é de todo inócuo para o que se discute nos autos, nem a reportagem alude à sua constituição como arguido, pelo que nem tal pode ser imputado ou considerado falso, pois os réus nunca o assumem, nem o Autor tem de provar a tal ausência dessa qualidade. Por fim, no que diz respeito ao teor da alínea g), mais uma vez o mesmo contém formulações conclusivas que em nada relevam, pois não alega o Autor eventualmente o conhecimento pelos réus da eventual falsidade do descrito na reportagem, ou um qualquer facto que pudesse consubstanciar a ilicitude do teor da reportagem ou artigos. Com efeito, saber se ofende a imagem ou o bom nome de alguém pode ser assacado a qualquer notícia que vise quem quer que seja, mas o que releva ou importa é saber se correlacionado com a noticia existe uma falsidade inerente que efectivamente constitua uma ofensa gratuita, sem sustentação ou até com ofensa absoluta à verdade e, mais importante ainda, que essa verdade seja conhecida dos jornalistas e que estes a omitam propositadamente ou que não efectuem qualquer tipo de investigação por forma a confirmar ou infirmar os factos. Donde, também aqui subscrevemos o constante da sentença recorrida, a qual não nos merece qualquer reparo, ao afirmar que: «(…) quanto à al. g), é manifesto que a versão do A. não resultou provada, bastando para tal o visionamento das reportagens em causa e as declarações do próprio em julgamento, que não nega a factualidade objectiva relatada nas reportagens, sendo certo que a jornalista, no mais, limitou-se a reproduzir as acusações formuladas pelos entrevistados, em linguagem corrente, na parte em que os mesmos revelam a sua frustração, por se sentirem enganados, porque vítimas de fraude ou burla, termos estes empregues não com uma conotação jurídica estrita, acrescendo ainda a circunstancia de não ter resultado provado o “conhecimento” alegado, atenta a factualidade dada como assente.». Aliás, o enfoque dado neste recurso às declarações de parte da ré CR mais nos permitem não atender a esta alteração, pois saber se a notícia tem ou não interesse público está arredado do que o recorrente pretende que se dê como provado, pois, a ré explicou em que baseou a reportagem, sendo de todo irrelevante o tempo processual em que eventualmente o processo crime se encontra, pois o foco não é dado a este, mas sim aos queixosos e forma como o Autor alegadamente actuava perante os mesmos. De tudo o exposto resulta a improcedência da alteração dos factos a subsumir ao direito. * III. O Direito: A questão essencial a decidir é saber se está consubstanciada a ameaça ou concretização ilícita e directa à personalidade do Autor com violação da sua imagem e bom nome por parte dos réus. O processo especial de tutela da personalidade previsto nos artºs 878º e ss. do Código de Processo Civil tem como objectivo a protecção dos chamados direitos de personalidade (por ex., o direito ao nome, à imagem, à confidencialidade da correspondência, à boa reputação, à intimidade da vida privada) e visa tentar evitar a consumação de uma ameaça a esses direitos ou atenuar os efeitos da sua consumação. Tal concretização resulta da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XIII mediante a qual se pretendeu conferir “especial relevo à disciplina dos procedimentos cautelares e dos procedimentos autónomos urgentes, introduzindo-se na lei de processo relevantes inovações. É previsto um procedimento urgente, autónomo e auto-suficiente, destinado a possibilitar a obtenção de uma decisão particularmente célere que, em tempo útil, assegure a tutela efectiva do direito fundamental de personalidade dos entes singulares. Assim, opera-se um rejuvenescimento e alargamento dos mecanismos processuais de tutela da personalidade, no sentido de decretar, no mais curto espaço de tempo, as providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e directa à personalidade física ou moral do ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida, com a execução nos próprios autos” Logo, visa-se a concretização adjectiva e de forma mais célere e com carácter urgente quanto ao comando previsto na lei civil, no qual se dispõe no art.º 70º, do C. Civil, (sob a epígrafe “Tutela geral da personalidade”) que “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral” sendo que nos termos do nº 2 “Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.” . A tutela da personalidade humana agora proposta e concretizada em lei visa ser uma tutela tendencialmente rápida e contundente do exercício legítimo de direito de personalidade face a qualquer tipo de ameaças, restrições, lesões, violações provenientes de acção ou de omissão (cf. Remédio Marques in “Alguns Aspectos Processuais da tutela da personalidade Humana no novo Código de Processo Civil de 2013” cadernos do cej). Tais normas têm como pano de fundo o previsto na CRP na qual no seu art.º 20º nº 5 estabelece que “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caraterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.” No tocante aos direitos de personaliade e tendo por base a classificação levada a cabo por Orlando de Carvalho (Teoria Geral do Direito Civil, pág. 265 a 268) estará em causa nestes autos o direito à inviolabilidade pessoal, onde se distingue quer uma projecção física: direito à imagem, e direito à palavra; uma projecção vital: direito ao carácter, direito à história pessoal, direito à intimidade da vida privada e direito à verdade profunda; quer uma projecção moral: direito à honra. In casu estará em causa o direito à imagem, privacidade e ao bom nome do Autor, sendo que as medidas solicitadas ao tribunal visam a cessação da violação de tais direitos assacada aos réus. A questão não se prende tanto com o direito à imagem, pois este é certo que se encontra expressamente protegido pelo legislador civil no artigo 79.º do Código Civil, mas “enquanto um direito a controlar a captação e a divulgação do seu “retrato”, abrangendo-se aqui qualquer aspecto físico que permita identificar a pessoa retratada. A simples captação da imagem não autorizada constitui já uma violação do direito, correspondendo à ideia mítica de que a “alma” é de algum modo aprisionada pela camera, sem embargo de a forma de agressão mais grave do direito ser constituída pela divulgação não consentida da imagem, potenciada, desde logo, pela sua captação ilícita” (Maria Raquel Guimarães in cadernos do CEJ, sob o tema, sendo o sub tema “A Tutela da Pessoa e da sua personalidade: algumas questões relativas ao direito à imagem, à reserva da vida privada e à reserva da pessoa íntima ou direito ao carácter”, pág. 28). Com efeito, a captação da imagem em concreto do Autor foi consentida pelo mesmo, ou resultam da sua actividade profissional devidamente divulgada pelo próprio, pelo que nada nos permite concluir pela violação dos direitos do Autor nesta vertente. Quanto ao direito à reserva da vida privada, tal como alude Maria Raquel Guimarães (in ob. E loc. Cit. Pág. 31) «integra uma “projecção vital” do direito à inviolabilidade pessoal (…). É, essencialmente, um direito sobre informações relativas à pessoa, informações que dizem respeito à sua esfera privada, pessoal e à sua esfera de segredo. É reconhecido a cada pessoa um direito a controlar a divulgação das informações que lhe dizem respeito, no sentido de um direito à riservatezza, para utilizar a fórmula de de Cupis. Enquanto direito sobre informação, ou direito a definir a extensão da privacidade, compreende-se o importante papel que o titular do direito assume na delimitação das fronteiras dos seus círculos de reserva. A divulgação de informação pessoal e até íntima pela própria pessoa, nomeadamente através das redes sociais, não pode significar uma renúncia definitiva à sua riservatezza, tanto mais que as limitações aos direitos de personalidade consentidas pelo titular são sempre revogáveis e não podem pôr em causa a ordem pública». Com efeito, o Regulamento Europeu de Protecção de Dados (Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, relativo à protecção das pessoas singulares ) no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados veio consagrar no seu artigo 17.º um direito ao esquecimento, ou melhor, um direito ao apagamento dos dados ou “direito a ser esquecido”, relativamente a informações colocadas on-line. O TJUE pronunciou-se favoravelmente no sentido do reconhecimento de um direito ao esquecimento em determinadas circunstâncias, perante os motores de busca na internet, (caso Google Spain SL, Google Inc. v Agencia Española de Protección de Datos, in Proc. Nº C131/12, in http://curia.europa.eu/juris/documents). No tocante a este aspecto concreto, ou seja, relativo aos dados pessoais do Autor, apenas resultou provado que é apresentada a imagem profissional do Autor, com a seguinte legenda: “BURLA IMOBILIÁRIA- Suspeito terá lesado dezenas de clientes”, o seu nome completo aquando da exibição dos contratos celebrados, imagens dos locais das sedes de duas empresas do A., constantes do registo comercial e também imagens do Autor junto da escadaria de acesso à empresa ..., ora ré, onde se deslocou com a sua mulher grávida e o seu sogro, também filmados. Também resultou que a sede de uma das empresas, sita na R. …, em Lisboa, tinha sido também o domicílio da família do A., mostrando-se na reportagem o prédio por fora e a respectiva entrada. Porém, da reportagem tal morada apenas consta como sendo a sede da empresa, sem se aludir que outrora tinha sido a morada da família. Acresce que também se indica a sede da outra empresa do A., a qual se situava na morada de uma loja com franchising da imobiliária …, franchising esse detido pelo pai e pelo sogro do A., onde este último também colaborava como consultor imobiliário, mostrando-se na reportagem a fachada dessa loja. Donde, a coincidência da morada da sociedade onde o A. exerce a sua profissão, cuja actividade é visada na reportagem, da morada particular não consta da notícia, pelo que não pode o Autor pretender que tal viole a sua privacidade, consubstanciada na divulgação da sua morada pessoal. Pelo que improcedem as conclusões J. e K. quando alude que a violação dos seus dados pessoais ou vida privada decorre das filmagens dos locais em causa, com referências concretas a moradas e andares, de onde são feitos grandes planos de imagem durante a reportagem, pois estas imagens reportam-se ao local onde o Autor exercia a sua profissão, pelo que o acesso a tais moradas seria desde logo inerente a essa actividade, passível de aferição em qualquer motor de busca, no âmbito de uma actividade em que a necessidade de contacto com terceiros é essencial. Outrossim, a imagem da esposa e do sogro do Autor apenas ocorre porque decidiram os mesmos deslocar-se ás instalações da ré C..., S.A., a qual detém a revista …, o jornal … e o canal de televisão por cabo …, órgãos noticiosos onde foi divulgada a reportagem em causa. Donde, foi por iniciativa dos próprios e não por captação efectuada pelos réus junto dos locais supra aludidos que tal imagem surgiu. Entende ainda o recorrente que todas as reportagens e noticias põem em causa a sua idoneidade, e que resulta evidente que existiu uma lesão clara dos direitos de personalidade do Autor, mormente dos seus direitos à imagem, ao bom nome, à honra, à reserva da sua vida privada e inclusivamente, através da transmissão da reportagem e redacção dos artigos, a criação de um circunstancialismo que pode potenciar lesão à sua integridade física e colocar em causa a sua segurança. Como aludem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, págs. 180 e 181) o direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação”. Sendo que “a honra abrange desde logo a projecção do valor da dignidade humana, que é inata, ofertada pela natureza igualmente para todos os seres humanos, insusceptível de ser perdida por qualquer homem em qualquer circunstância". (Capelo de Sousa, in "O Direito Geral da Personalidade", Coimbra, 1995, págs. 303 e 304). Logo, a honra é um “bem da personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso” ( cf. Maria Paula G. Andrade, in "Da ofensa do crédito e do bom nome", 1996, pág. 97.). Quando aludimos ao direito à honra haverá que distinguir diferentes esferas ou círculos, sendo a geral reportada ao nível pessoal, familiar, honestidade, rectidão, ou ligada directamente à dignidade humana, mas a par desta há a invariável, ligada nomeadamente à honra deontológica e profissional, ou à honra económica consubstanciada no direito ao crédito, ou ainda ao decoro, ligada aos hábitos sociais. O recorrente entende que a actuação das rés atinge a sua honra, quer pessoal, quanto à sua honestidade, quer profissional, no que respeita ao seu bom nome e reputação. É certo que a reportagem, e tudo o que advém da mesma, bule com tais direitos do recorrente, e como alude Almeida Costa ("Direito das Obrigações", 5ª edição, Coimbra, 1991, pág. 453) após considerar que um dos casos especiais de ilicitude previstos no Código Civil é o da ofensa do crédito ou do bom nome, conclui que “parece indiferente... que o facto afirmado ou difundido seja verdadeiro ou não. Apenas interessa que, dadas as circunstâncias concretas, se mostre susceptível de afectar o crédito ou a reputação da pessoa visada”. Já Menezes Cordeiro ("Direito das Obrigações", vol. II, Lisboa, 1990, pág. 349) entende que a ofensa do crédito ou do bom nome está sujeita às regras gerais dos delitos, concluindo pela responsabilidade de quem, com dolo ou mera culpa, viola o direito ao bom nome e reputação de outrem, após o que afirma que "é indubitável que a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa. Por outro lado, a divulgação de um facto falso atentatório pode não constituir um delito - por carência, por exemplo, de elemento voluntário. Por isso, a solução deve resultar do funcionamento global das regras da imputação delitual”. A decisão recorrida na abordagem desta questão expõe que: «No caso dos autos, não sendo sequer controvertida a questão de o A., visado nas reportagens, não exercer qualquer cargo com exposição pública, o certo é que as peças jornalísticas em apreço não contém quaisquer ofensas gratuitas e infundadas contra o A., pelo contrário, são notícias amplamente documentadas, e se algum excesso se verifica, é da parte dos próprios lesados, quando são entrevistados, o que se justifica considerando as consequências nefastas da actuação do A. nas vidas daqueles. É sintomático que o A., o qual foi ouvido durante cerca de 5 minutos na 1ª reportagem que ao todo, tem pouco mais de 20 minutos, não tenha contestado os comportamentos objectivos e essenciais que lhe são imputados, procurando justificar-se como se estivesse em causa um investimento dos seus clientes que não tinha corrido como previsto e portanto aqueles não tinham conseguido obter os lucros que esperavam, com total desrespeito pelos casos mais dramáticos relatados nas peças, de pessoas com família que ficaram sem hipótese de adquirir uma casa de primeira habitação e que se mostraram desesperados para reaver os avultados sinais em dinheiro entregues ao A. aquando da celebração dos contratos-promessa, por forma a tentar resolver o seu problema de habitação. Assim, é manifesto que as peças jornalísticas em causa cumpriram os parâmetros exigíveis, diversificando as fontes, obtendo documentação que sustente a notícia, tirando do anonimato e do desconhecimento uma situação grave, sendo do interesse geral a sua divulgação e controle, tendo ainda havido a preocupação de cumprir o contraditório, o qual não foi mais efectivo por falta de colaboração do A., como decorre da factualidade apurada.». Logo, a análise a ser feita não se prende apenas com a violação em causa, esta por si só existe, mas sim com o confronto desta com o interesse afirmado na decisão recorrida. Já Beleza dos Santos (in RLJ Ano 92º, págs. 165 ss) preconizava que a liberdade de imprensa, e com ela a faculdade de livre expressão e divulgação da informação e dos meios da comunicação social (art.ºs 37º e 38º da Constituição) é uma liberdade responsável e, por isso, neste particular, em que atinge ou pode atingir o direito à honra e reputação social também constitucionalmente consagrado (art.ºs 25º e 26º do mesmo diploma constitucional), há-de corresponder ao fim para que é concedida e não prosseguir, ainda que indirectamente, outros fins. Revisitando a decisão recorrida e nos arestos constantes da mesma, “no acórdão do STJ de 21-10-2014, já se defendia que a prevalência do direito à honra e ao bom-nome no confronto com o direito à liberdade de expressão e de informação não se compadece com as situações em que certas afirmações, embora potencialmente ofensivas, sirvam o fim legítimo do direito à informação e não ultrapassem o que se mostra necessário ao cumprimento da função pública da imprensa. O direito do público a ser informado tem como referência a utilidade social da notícia - interesse público -, devendo restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social, apresentados com respeito pela verdade. A verdade noticiosa não significa, porém, verdade absoluta: o critério de verdade deve ser mitigado com a obrigação que impende sobre qualquer jornalista de um esforço de objetividade e seguindo um critério de crença fundada na verdade. Embora seja difícil estabelecer o equilíbrio ténue entre o princípio da presunção de inocência, de que todos os cidadãos devem gozar, mormente na fase de inquérito, e o direito à informação, é inderrogável o interesse em dar a conhecer aos cidadãos uma matéria que, encontrando-se porventura sujeita ao segredo de justiça, releva do cometimento de irregularidades graves passíveis de configurar a prática de crimes. Há interesse público. Na mesma senda, no Acórdão do STJ de 14-02-2012, refere-se que o direito do público a ser informado tem como parâmetro a utilidade social da notícia, ou seja, deve restringir-se aos factos e acontecimentos que sejam relevantes para a vivência social. A importância social da notícia deve ser integrada pela verdade do facto noticiado ou pela seriedade do artigo de opinião, o que pressupõe a utilização pelo jornalista de fontes de informação fidedignas, tanto quanto possível, diversificadas, por forma a testar e controlar a veracidade dos factos. As afirmações de facto ou são verdadeiras ou falsas, pressupondo a indispensabilidade da sua prova, ao contrário do que sucede com os juízos de valor, que não podendo encontrar-se, totalmente, desprovidos de base factual, já não impõem, em princípio, a averiguação da sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento emocional ou racional, desde que a génese subjectiva do juízo de valor seja, imediatamente, perceptível junto dos destinatários. São pressupostos da justificação das ofensas à honra, cometidas através da imprensa, causa de exclusão da ilicitude da conduta, a exigência de que o agente tenha actuado dentro da sua função de formação da opinião pública e visando esse objectivo [a], utilizando o meio concretamente menos danoso para a honra do atingido [b], com respeito pela verdade das imputações [c], em que, fundadamente, acreditou [d], depois de ter cumprido o dever de verificação da verdade da imputação [e]. O dever de comprovação não corresponde ao facto histórico narrado, nem à sua comprovação científica ou sequer à sua comprovação judiciária, antes há de satisfazer-se com as exigências derivadas das legis artis dos jornalistas. Mas estas não se contentam com um convencimento meramente subjectivo, antes é necessário que exista uma base objectiva, de que possa resultar, no quadro do direito de informação, uma crença fundada na verdade.”. No âmbito desta questão importa ter igualmente presente o Acórdão do STJ de 26/02/2004 ( proc. nº 03B3898, citado por Rui Pinto e Paulo Chanoca, in “Processos Especiais” – Tutela da personalidade vol. I, pág. 75 ) que para aferir da licitude recordou três limites essenciais: i) o valor socialmente relevante da notícia; ii) a moderação da forma de a veicular; iii) a verdade, medida essa pela objectividade, pela seriedade das fontes, pela isenção e pela imparcialidade do autor, evitando manipulações que a deontologia profissional, antes das leis do Estado, condena. Donde, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito de liberdade de informação e o direito à honra e ao bom nome - terá que ser resolvido, nos termos do art.º 335º do C.Civil, pela cedência, em casos de direitos iguais ou da mesma espécie, na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes (nº 1), ou pela prevalência do que deva considerar-se superior quando os direitos forem desiguais ou de espécie diferente (nº 2). Sendo ambos os direitos enunciados, pelo menos em teoria, de igual hierarquia constitucional, o primeiro não pode, em princípio, atentar contra o segundo, devendo procurar-se tal como preconiza Figueiredo Dias pela "harmonização ou concordância pública dos interesses em jogo, por forma a atribuir a cada um deles a máxima eficácia possível", "em obediência ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais". ("Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português", in RLJ Ano 115º, pág. 102). Ora, como bem se decidiu na sentença recorrida “o tema principal das reportagens em causa é a actuação do A., objectivamente lesiva para os intervenientes nas reportagens e ainda para terceiros não identificados (como aliás aflorou o próprio A. em julgamento), tendo sido utilizadas imagens públicas deste, não estando porém em causa o seu direito à imagem nos termos consagrados no art.º 79º do CC, mas a utilização destas imagens em termos que causam prejuízo para a honra e reputação da pessoa retratada, isto é do A., sendo estes os direitos que o A. considera violados, por as suas fotografias terem sido utilizadas para ilustrar as reportagens que considerou ofensivas dos seus direitos de personalidade. Ora, como acima se referiu, o A. não logrou provar o enquadramento fáctico que procurou fazer, muito menos pôr em causa, em termos juridicamente relevantes, o trabalho jornalístico em que o mesmo é visado. Mais uma vez, se salienta que, por um lado, a jornalista, autora das peças em causa, tinha elementos suficientes, que aliás apresentou de forma exaustiva, para considerar comprovadas as imputações formuladas contra o A., e por outro lado, mostra-se inegável o interesse na divulgação dessas imputações objectivamente fiáveis, cujo interesse em não dar a conhecer as mesmas ao publico em geral é exclusivamente do A. e prende-se muito mais com interesses materiais e financeiros do que com direitos de personalidade, como resultou ostensivo das suas declarações e dos depoimentos dos seus familiares ouvidos como testemunhas.”. Uma reportagem (do italiano reportagio) é um trabalho jornalístico, cinematográfico ou de outro género, de carácter informativo, sendo que o uso mais usual do conceito se prende com o relato jornalístico de histórias protagonizadas por pessoas relacionadas com o respectivo contexto. Ora, as rés em momento algum imputam directamente os factos ao Autor, apenas relatam o ocorrido. No caso, na reportagem os alegados envolvidos relatam a “burla” de que foram vítimas segundo as suas próprias palavras, imputando a responsabilidade ao A. e ainda a uma outra agente imobiliária, apresentada como amiga e madrinha de casamento do A.. Sendo que a jornalista, autora das reportagens, ora 5ª R., entrevistou na primeira, R… e o marido RR, F… e JM, e na segunda reportagem N… e A…, os quais se apresentaram como lesados pelo A., relataram a factualidade ocorrida consigo, acusaram o mesmo de os ter burlado, informaram ter apresentado queixa crime contra o A. junto da PJ, e indicaram os montantes que se encontram em dívida por parte do A., após o reiterado incumprimento dos contratos celebrados com aquele. Por outro lado, resultou que a jornalista exerceu o contraditório, entrevistando o A., quando este se deslocou às instalações da ... com o pretexto que pretendia falar com a administração, tendo a jornalista, com um operador de camera, esperado pelo A. à entrada das instalações e feito a entrevista, concedida pelo A., na parte exterior do edifício da ..., entrevista essa transmitida na 1ª reportagem, durante um período de 5 minutos, e depois repetidos alguns excertos da mesma, aquando da 2ª reportagem. Durante a entrevista o A. sabia que estava a ser filmado, com captação da sua imagem e voz. Acresce que a identificada jornalista, para além das entrevistas supra mencionadas, pediu documentação aos entrevistados, comprovativa dos contratos celebrados, pagamentos realizados, correspondência trocada entre as partes, documentação essa que foi exibindo ao longo das reportagens. E a própria jornalista recolheu informações e documentação, de acesso público, que também mostrou nas reportagens. Donde, não pode o Autor entender que a coberto do seu direito de personalidade seja coarctado o direito a informar, sendo que neste não se excederam os parâmetros supra aludidos, ponderados que foram as regras da liberdade de informação e razões de interesse público, afirmadas na sentença recorrida e confirmadas nesta sede. Desta sorte, improcede a apelação. * IV. Decisão: Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. Custas pelos apelantes. Registe e notifique. Lisboa, 15 de Junho de 2023 Gabriela de Fátima Marques Octávia Viegas Nuno Lopes Ribeiro |