Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
77375/19.8YIPRT-A.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: INJUNÇÃO
VALOR DA CAUSA
RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – No âmbito do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, diploma que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, não se descortinam razões que sustentem o afastamento das regras processuais decorrentes da alteração do valor da causa por força da dedução de reconvenção, nem aquelas podem ser encontradas na norma do n.º 2 do artigo 10.º desse diploma legal.
II – Ademais, razões de justiça material, de igualdade das partes e de economia processual justificam que, deduzida oposição com reconvenção ao requerimento de injunção relativo à exigência de pagamento de transacções comerciais, o valor do pedido reconvencional se adicione ao valor do pedido inicial, determinando-se desse modo o valor da causa e, por consequência, a forma de processo a seguir.
III – Assim, deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção, este assume natureza jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis as regras dos artigos 299.º e seguintes do Código de Processo Civil, pelo que estando em causa um pedido inicial e um pedido reconvencional distintos, haverá que adicionar ambos os valores e, sendo o total superior a metade do valor da alçada da Relação, o processo seguirá os trâmites da forma de processo comum.
IV – Em tal situação torna-se, desde logo, admissível a reconvenção, cumprindo ao juiz aferir da verificação dos demais requisitos legais previstos no art. 266º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ …EQUIPAMENTOS DE PROTECÇÃO E SEGURANÇA, LDA] . intentou procedimento injuntivo contra B [ ….. – SUCURSAL EM PORTUGAL] solicitando a sua notificação para proceder ao pagamento da quantia de € 9 871,83, sendo € 9 629,96 a título de capital, € 139,87 a título de juros de mora vencidos e € 102,00 a título de taxa de justiça paga.
Alegou, muito em síntese, que no âmbito da sua actividade comercial de comercialização de produtos de protecção e segurança forneceu à requerida produtos e serviços, conforme por esta solicitado e de acordo com as facturas, que identifica pelos respectivos números, datas de emissão e valores e que não foram pagas; mais solicita o pagamento de juros vincendos, à taxa legal supletiva dos juros moratórios comerciais.
No preenchimento do requerimento de injunção a autora consignou à frente da indagação “Obrigação emergente de transacção comercial?” a expressão “Sim”.
A requerida deduziu oposição onde, para além de suscitar a ineptidão do requerimento injuntivo, deduziu reconvenção alegando que contratou a requerente para proceder à venda de produtos de pichelaria e à montagem e instalação do sistema de tubagem e canalização, colocação dos sinais de identificação de extintor, fabrico, corte e instalação de tubos e à montagem de rociadores de incêndios e colocação de extintores e fotoluminescentes num dado estabelecimento, sendo que os serviços de instalação e montagem da rede de tubagem e canalização teria de estar integralmente concluída no final do mês de Março de 2019, tendo sido apresentado um orçamento no valor global de € 37 001,27; em data próxima à prevista para a conclusão dos trabalhos, a obra estava atrasada sendo previsível a impossibilidade de conclusão dos trabalhos no prazo convencionado, o que obrigou a requerida a, a expensas suas, contratar trabalhadores para finalizar os trabalhos; refere que não pagou algumas facturas porque os serviços não foram realizados ou porque contêm valores duplicados.
Concluiu que os créditos peticionados pela requerente estão extintos por compensação, sobrando ainda um saldo credor a seu favor, no valor de € 18 656,86 (são devidos à requerida os montantes de € 2 632,20, relativos a serviços pagos e não realizados; € 11 906,40, referentes a despesas com contratação de trabalhadores para proceder à ultimação dos trabalhos a cargo da requerente; e € 11 129,04 atinentes à não instalação de tubagem, num total de € 25 667,64, a que se deduzem € 7 010,98, que a requerida reconhece serem devidos à requerente), pelo que para além da compensação pede, em sede de reconvenção, a condenação da requerente no pagamento da quantia de € 18 656,86, acrescida de juros de mora à taxa para os juros comerciais, desde a data da interpelação (25 de Julho de 2019).
A requerida atribuiu à reconvenção o valor de € 18 656,86.
Em 9 de Dezembro de 2019 foi proferido despacho que, considerando o valor do pedido constante do requerimento de injunção, entendeu que o processo seguiria os trâmites da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e, como esta apenas comporta os articulados petição inicial e contestação, decidiu pela não admissão do pedido reconvencional deduzido.
É desta decisão que a requerida B recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
I. Vem a presente Apelação interposta do Despacho de 09 de Dezembro de 2019, na parte em que rejeitou o pedido reconvencional deduzido pela Recorrente aquando da apresentação da respetiva Oposição à Injunção, com fundamento no facto de, sendo o valor do pedido inferior à alçada da Relação, e estando-se perante uma acção sob a forma especial, o pedido reconvencional não seria admissível.
II. O Tribunal a quo em momento algum poderia recusar o pedido reconvencional, em resultado de uma dupla ordem de razões: em primeiro lugar, porque os presentes autos deviam ter sido distribuídos sob a forma de processo comum e, ainda que se entendesse aplicável a forma especial, tal não legitimaria, ipso facto, a inadmissibilidade do pedido reconvencional.
III. Os autos nunca deviam ter sido distribuídos sob a forma de processo especial (AECOP), na medida em que o valor da causa é superior à alçada da Relação.
IV. O valor do pedido não se reconduz unicamente ao pedido primitivo constante do Requerimento Injuntivo (€9.871,53), sendo esse valor determinado pela soma do valor constante do pedido originário com o pedido reconvencional deduzido pela Recorrente (€18.656,86);
V. E, a adição de tais valores impõem a distribuição do processo sob a forma comum e, por conseguinte, a possibilidade incontrovertida de dedução do pedido reconvencional nessa forma de processo.
VI. A jurisprudência mais recente, com particular destaque para o Supremo Tribunal de Justiça, tem sufragado o entendimento segundo o qual a norma do artigo 299.º, n.º 2 do Código do Processo Civil é inteiramente aplicável ao circunstancialismo dos autos (vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2017, relatado pelo Conselheiro Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2).
VII. O pedido formulado pela Recorrente em sede reconvencional é distinto e autónomo do pedido formulado no Requerimento Injuntivo, extravasando-o.
VIII. Por conseguinte, na esteira da jurisprudência e da doutrina mais autorizadas, o valor do pedido formulado pela Recorrida devia ser somado ao valor do pedido reconvencional, daí resultando um valor superior a metade da alçada da Relação.
IX. Trata-se, aliás, da solução mais consentânea com os princípios fundamentais do processo civil, garantindo a celeridade e economia processual.
X. Nesse conspecto, os autos deviam ter sido distribuídos sob a forma de processo comum, admitindo-se pacificamente a dedução do pedido reconvencional, porquanto o valor do pedido (integrando o pedido originário e o pedido reconvencional), excede a metade da alçada da Relação.
XI. Razão pela qual se pugnará, a final, pela distribuição dos autos sob a forma comum, admitindo-se o pedido reconvencional deduzido pela Recorrente.
XII. Ainda que se considerasse como especial a forma de processo aplicável aos autos – o que não se concede -, nem por isso lograria acolhimento a solução alcançada pela decisão recorrida.
XIII. Isto porque o facto de os autos serem distribuídos sob a forma especial não preclude a possibilidade de dedução de pedido reconvencional.
XIV. Esse tem sido o entendimento generalizado da jurisprudência e da doutrina mais recentes, respaldadas no entendimento de que inexiste qualquer razão material para se estabelecer diferenciações entre as modalidades de processo no que atina à dedução do pedido reconvencional e, outrossim, desvelando que a solução acolhida pela decisão a quo compromete, a final, a celeridade e economia processual.
XV. Assim, qualquer das soluções afiançadas no Despacho recorrido – concluindo pela inadmissibilidade de dedução de pedido reconvencional- afiguram-se inteiramente deslocadas e ilegais.
XVI. Por tudo o exposto, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação, ou interpretação ou violou, nomeadamente, as normas dos artigos 18.º do D.L. n.º 269/98, de 01 de Setembro, artigo 10.º, n.º 2 e 4 do D.L. n.º 62/2013, artigo 266.º e 299.º, n.º 2 do C.P.C e artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.
Termina as suas alegações pugnando pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que determine a alteração da forma de processo para processo comum, admitindo-se, em consequência, o pedido reconvencional deduzido e, assim se não entendendo, e ainda que os autos prossigam a forma especial de processo, que seja admitido o pedido reconvencional deduzido pela recorrente.
A recorrida não apresentou contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da ré/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) A forma de processo que os autos devem seguir após a dedução de oposição, com reconvenção;
b) A admissibilidade da reconvenção.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Em 9 de Dezembro de 2019 o Tribunal a quo proferiu, no que releva para efeitos do presente recurso, a seguinte decisão:
“[…] Por outro lado, veio a ré deduzir reconvenção, pedindo, por seu turno, a condenação da autora no pagamento da quantia de €18.656,66 (dezoito mil seiscentos e cinquenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais que alega ter sofrido em consequência do incumprimento por parte da autora das obrigações emergentes do contrato de fornecimento estabelecido, na modalidade de cumprimento defeituoso, que ancora, no pagamento de serviços que não foram realizados, nas despesas com contratação de trabalhadores para proceder à conclusão dos trabalhos a cargo da autora e na ausência de instalação de tubagem, no montante global de €25.667,64, deduzido do valor de €7.010,95, correspondente à parcela que reconhece como sendo devida à autora.
Ora, face ao respetivo objeto, pedido de pagamento do preço emergente de um contrato de fornecimento correspondente a uma transação comercial, o requerimento de injunção foi formulado ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 1 do D.L. n.º 62/2013, de 10/05 (cf., igualmente, arts. 2.º, n.º 1, e 3.º, als. a) e b) do diploma) e dos arts. 7.º, 8.º e 10.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 01/09 (cf., também, o art. 13.º, n.º 2 do D.L. n.º 62/2013).
Por força da dedução da oposição ao requerimento de injunção, prevista no art. 15.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, e nos termos do art. 16.º, n.º 1 desse diploma, o secretário do Balcão Nacional de Injunções apresentou os autos à distribuição.
Que foram distribuídos sob a forma de ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em função do seu valor processual, determinado nos termos do art. 18.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, que estabelece que «o valor processual da injunção e da ação declarativa que se lhe seguir é o do pedido, atendendo-se, quanto aos juros, apenas aos vencidos até à data da apresentação do requerimento», se cifrar em €4.559,19, não sendo superior a metade da alçada da Relação, nos termos da forma processual prescrita no n.º 4 do art. 10.º do D.L. n.º 62/2013.
Estabelece, com efeito, o n.º 4 do art. 10.º do D.L. n.º 62/2013 que «as ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação».
Apenas «para valores superiores a metade da alçada da Relação», a dedução de oposição no procedimento de injunção determina, de acordo com o preceituado no n.º 2 do art. 10.º do D.L. n.º 62/2013 «a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum».
O processo especial em referência, porém, apenas comporta petição inicial e contestação (cf. arts. 1.º, 3.º, 7.º, 9.º, 15.º e 17.º do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 01/09, não admitindo quaisquer outros articulados, entre os quais réplica, e sendo, por regra, desprovido de mais termos processuais anteriores à audiência final.
Termos em que, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 3.º, n.º 1 aplicáveis por força do art. 17.º, n.º 1, ambos do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, não se admite o pedido reconvencional deduzido.
Custas do incidente a cargo da ré, que se fixam no mínimo legal.”
Do conteúdo desta decisão é possível aferir os fundamentos da rejeição do pedido reconvencional que, em síntese, assentam na seguinte ordem de razões:
a) O valor da acção declarativa subsequente à dedução de oposição ao requerimento de injunção corresponde ao valor do pedido e, como tal, sendo inferior a metade do valor da alçada da Relação, os trâmites a seguir são os da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e não os da forma de processo comum, conforme art. 18º do Regime dos Procedimentos Anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro e art. 10º, n.ºs 2 e 4 do DL 62/2013, de 10 de Maio;
b) O processo especial aplicável comporta apenas petição inicial e contestação, não havendo lugar a réplica, pelo que não admite a dedução de reconvenção.
A recorrente insurge-se contra este entendimento com a seguinte argumentação:
1) A determinação do valor processual não deve atender apenas ao valor do pedido originário vertido no requerimento de injunção, devendo ser somado o valor do pedido reconvencional, aplicando-se a norma geral do art. 299º, n.º 2 do CPC, pelo que os autos devem seguir a forma de processo comum, nos termos do art. 10º, n.º 2 do DL 63/2013, de 10 de Maio;
2) Ainda que se atenda apenas ao valor do pedido e a tramitação a seguir seja a da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tal tramitação deve ser ajustada à dedução do pedido reconvencional, nos termos do art. 6º do CPC, por ser essa a solução que conduz a uma mais justa composição do litígio.
A injunção é uma providência que visa conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00 ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL n.º 62/2013, de 10 de Maio – cf. artº 7º do Regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000, aprovado pelo DL n.º 269/98, de 1 de Setembro e art.º 1º deste diploma preambular e art. 13º do DL 62/2013.
Consiste num processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo extrajudicial na sequência de uma notificação para pagamento, sem a intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição de o requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição.
Foram objectivos de celeridade, simplificação e desburocratização da actividade jurisdicional, tendo em vista o descongestionamento dos tribunais no que concerne à efectivação de pretensões pecuniárias de médio ou reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio actual e efectivo entre o requerente e o requerido, que estiveram subjacentes à criação deste mecanismo processual – cf. Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, p. 51 apud acórdão do Tribunal da Relação de Évora 22-10-2015, relatora Alexandra Moura Santos, processo n.º 29384/14.1YIPRT.E1 disponível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt[2].
Quer do preâmbulo do DL 269/98, de 1 de Setembro, quer das disposições normativas nele vertidas, não decorre qualquer limitação relativamente ao seu campo de aplicação. Isto é, a lei não especifica nem restringe a sua aplicação a um específico tipo de contratos, nem faz quaisquer exigências quanto à forma de fixação, por acordo ou unilateralmente, das obrigações pecuniárias. Como tal, este procedimento é aplicável a todas as situações em que se pretenda exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos e desde que o valor dessas obrigações, não exceda, como é o caso, o valor de € 15 000,00.
No entanto, o mecanismo processual em referência reporta-se ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato não superior a quinze mil euros, excepto se estiver em causa uma transacção comercial para os efeitos do estatuído no DL n.º 62/2013, de 10 de Maio, pois que neste caso não existe qualquer limite quanto ao montante do crédito, o que permite a obtenção, de modo mais célere, de um título executivo, para alcançar mais rapidamente a satisfação dos pagamentos nas transacções comerciais – cf. preâmbulo do DL 62/2013.
O n.º 1 do artigo 2.º deste diploma legal define como seu âmbito de aplicação “todos os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais”, excluindo o n.º 2 desse âmbito normativo: “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
A alínea b) do artigo 3.º do citado DL 62/2013, de 10 de Maio, define «transacção comercial», como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração.”
Não foi apreciado em 1ª instância nem está em causa neste recurso o apuramento sobre a efectiva natureza de transacção comercial subjacente ao crédito peticionado, podendo, contudo, partir-se desse pressuposto, a aceitar-se a posição de que se trata de aferição sobre condições de natureza substantiva não colocadas em crise em sede de oposição (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-2012, relator Salazar Casanova, processo n.º 319937/10.3YIPRT.L1.S1, ainda que por referência ao DL 32/2003, entretanto revogado – “ […] ultrapassada que se encontra, na sequência da dedução de oposição, a fase da declaração de injunção, mostra-se precludido o conhecimento das questões que poderiam levar ao indeferimento desta […] as condições que a lei impõe para que seja decretada a injunção são condições de natureza substantiva que devem verificar-se para que a injunção seja decretada; no entanto, ultrapassada esta fase, elas não assumem expressão na fase subsequente do processo que venha a ser tramitado sob a forma de processo comum ordinário. Com efeito, neste caso, a circunstância de o crédito não se enquadrar na transação comercial a que alude o artigo 2º, nº 1 e 3 do Decreto-Lei nº 32/2003 não exerce nenhuma influência, rectius, não tem qualquer correlação com a forma de processo a tramitar em momento subsequente.”)
De todo o modo, o que releva é que o art.º 10º do DL 62/2013, de 10 de Maio, a propósito dos procedimentos especiais instituídos no contexto das medidas adoptadas por tal diploma legal contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, estabelece uma linha separadora entre a aplicabilidade do processo comum e do processo especial previsto no Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, em caso de oposição à injunção, que coincide com o valor da dívida ser ou não superior a metade da alçada da Relação (€ 15 000,00 – cf. art. 44º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26-08 – Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Com efeito, prevê o n.º 1 desse art. 10º que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”, sendo que “Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (n.º 2). Nesta situação, “Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E o n.º 4 aduz que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.
Atendendo a que na situação em apreço, o valor do pedido injuntivo se circunscreve a € 9 871,83, considerou-se na decisão recorrida, de modo linear, que, deduzida oposição, seguir-se-ia o procedimento previsto no regime anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, e daí, por consequência, a inviabilidade processual da reconvenção.
A questão atinente seja à forma de processo que a acção declarativa subsequente à dedução da oposição deve seguir, seja à admissibilidade da invocação da compensação de créditos e dedução de reconvenção tem dado origem a posições doutrinárias e jurisprudenciais distintas.
Entendem uns[3] que para efeitos de determinação da forma de processo a seguir, não há que atender ao valor do pedido reconvencional (ainda que este releve quanto à fixação do valor da acção), pelo que, sendo o pedido injuntivo inferior a metade do valor da alçada da Relação, segue-se a tramitação das acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, o que impede invocação da compensação de créditos por via de reconvenção ou de excepção peremptória, por ser isso o que resulta da intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional nessa espécie processual e está em consonância com a simplificação e celeridade que lhe são inerentes – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, relator Alcides Rodrigues, processo n.º 107776/18.0YIPRT-C.G1 e, da mesma data, relatora Maria Luísa Ramos, processo n.º 47652/18.1YIPRT-A.G1; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-05-2019, relatora Isabel Peixoto Imaginário, processo n.º 81643/18.8YIPRT-A.E1.
Mais se aduz nesse sentido que, face à redacção do art. 266º, n.º 2, c) do actual CPC, outra não pode ser a intenção do legislador que não a de estabelecer que a compensação de créditos seja sempre operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, pelo que no âmbito do processo especial previsto no DL 269/98, no qual não é admissível reconvenção (por apenas admitir dois articulados), não é possível actuar a compensação de créditos – cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 7-06-2016, relator Fonte Ramos, processo n.º 139381/13.2YIPRT.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 22-06-2017, relatora Ana Cristina Duarte, processo n.º 69039/16.0YIPRT.G1; do Tribunal da Relação de Évora de 9-02-2017, relator Paulo Amaral, processo n.º 89791/15.0YIPRT.E1 e de 30-05-2019, relatora Isabel Peixoto Imaginário, processo n.º 81643/18.8YIPRT-A.E1; do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2017, relator Rui Moreira, processo n.º 28549/16.6 YIPRT.P1.
Em sentido contrário, outros entendem que ao valor do pedido inicial se deve somar o valor da reconvenção, aplicando as regras processuais gerais decorrentes dos art.ºs 299º e seguintes do CPC, de modo que a acção subsequente seguiria a forma comum, sendo então admissível a reconvenção, para além de ser possível, mesmo em acção declarativa especial, fazer actuar a compensação de créditos, mediante a dedução de reconvenção, impondo-se, se necessário, a adequação formal, tal como permitida pelo art. 547º do CPC – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1, onde parece aderir-se à tese da alteração da forma do processo se por força da dedução da reconvenção o valor passar a ser superior a metade do valor da alçada da Relação, embora não fosse essa a situação do caso concreto.
No que concerne à concreta questão do valor da acção e da forma de processo que a acção declarativa subsequente à dedução de oposição ao requerimento de injunção deve seguir, parece claro que o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, se transmuta em processo declarativo.
Este processo declarativo revestirá a forma especial ou comum, em função do valor.
Estando em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transacção comercial com valor superior a € 15 000,00, em que tenha sido deduzida oposição, a acção declarativa segue os termos do processo comum – cf. art. 10º, n.º 2 do DL 62/2013.
Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a € 15 000,00, seguirá a forma de processo especial – cf. art. 10º, n.º 4 do Dl 62/2013 e art.ºs 3º a 5º do regime anexo ao DL 269/98.
A decisão recorrida, entendendo que o presente procedimento seguiria a forma especial, concluiu pela inadmissibilidade da reconvenção, por nele não ser consentida, atenta a existência de apenas dois articulados, sem possibilidade de dedução de réplica para pronúncia quanto a uma eventual reconvenção (não tendo sido efectuada qualquer referência à susceptibilidade de adição do valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência, o que, note-se, é entendimento expressamente afastado por Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, págs. 189/191 apud acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1, sendo esta posição recorrentemente invocada pela jurisprudência).
No que diz respeito às injunções de valor superior a € 15 000,00, a admissibilidade da dedução de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, não tem merecido especial discussão, sendo aquela, por regra, admitida com o argumento de que a tramitação processual subsequente passa a ser, após a oposição, a do processo comum.
A recorrente vem sustentar que, tendo deduzido oposição e reconvenção, o valor desta deve ser atendido, segundo as regras processuais civis, para o cálculo do valor da acção, influenciando ou determinando a forma de processo a observar. Isto é, ao valor do pedido inicial (€ 9 871,83) haveria que somar o valor do pedido reconvencional, na parte em que excede a compensação do crédito (€ 18 656,86), o que implicaria a aplicação da forma do processo comum, com a consequente admissão do pedido reconvencional.
A apelante louva-se, desde logo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, onde se concluiu pela aplicabilidade das regras decorrentes do art. 299º e seguintes do CPC, nos seguintes termos:
““a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” […]. Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos.
A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa.
Acresce que não há razão para concluir da leitura do artigo 10.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/2013 que o mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma acção. É natural que primeiro se tenha em conta o valor do pedido – aliás nesse momento não há sequer uma acção – mas com a dedução de oposição, e convertendo-se então a medida em procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras dos artigos 299.º e seguintes do CPC. Assim, atende-se ao momento em que o procedimento se converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma acção) “excepto quando haja reconvenção” (n.º 1 do artigo 299.º do CPC), sendo que, então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor quando os pedidos sejam distintos (n.º 2 do artigo 299.º).”
Adianta-se, desde já, que não se descortinam razões para afastar este entendimento.
A reconvenção é uma nova acção proposta pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), baseando-se num pedido conexo com o do autor. Deduzida a reconvenção, esta constitui uma acção enxertada noutra, ou seja, uma acção do réu num processo pendente, sendo considerada também como uma contra-acção ou como uma acção cruzada.
“Com a dedução da reconvenção é o próprio conteúdo da relação processual que sofre uma significativa alteração, já que a reconvenção “representa uma cumulação sucessiva (não inicial) de objectos, tendo como principal especialidade a característica de este objecto ser um contra-objecto, já que se opõe àquele que é inicialmente proposto pelo autor.” – cf. Marco António Borges, A Demanda Reconvencional, 2008, pág. 23.
A reconvenção assume autonomia perante o pedido da acção, sendo que a procedência da acção não prejudica a reconvenção, tal como a improcedência daquela não prejudica, em princípio, esta, como também não a prejudica a desistência do pedido – cf. art.ºs 266º, n.º 6 e 286º, n.º 2 do CPC.
Dispõe o art. 299º, n.º 1 do CPC que na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
Certo é que a soma dos valores atinentes ao pedido da acção e da reconvenção não é automática, apenas tendo lugar quando o pedido reconvencional ou o pedido do interveniente se distingam do pedido formulado pelo autor, em face do estatuído no n.º 3 do art. 530º daquele diploma legal – cf. n.º 2 do referido art. 299º.
Por sua vez, o art. 530º, n.º 3 do CPC estabelece: “Não se considera distinto o pedido, designadamente, quando a parte pretenda conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter ou quando a parte pretenda obter a mera compensação de créditos”.
Assim, se a pretensão do réu visar exercer a mera compensação-excepção (até ao montante do crédito do autor), não se estará perante um pedido distinto. Pelo contrário, já será esse o caso se ao pedido do réu corresponder, de acordo com a regra do art. 296º, n.º 1 do CPC, uma diversa utilidade ou valor económico. Ou seja, a soma dos valores da acção e da reconvenção só se justifica nos casos em que o pedido reconvencional ocasione para o processo uma mais-valia.
A interpretação mais consentânea destes normativos legais (art.ºs 299º, n.º 2 e 530º, n.º 3 do CPC) é, para o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, a seguinte:
“A interpretação mais razoável é a que distingue duas situações:
-- O valor do contracrédito alegado pelo réu é igual ou inferior ao valor do crédito invocado pelo autor; nesta hipótese, o réu só pode pretender obter a “mera compensação de créditos”, pelo que o valor do contracrédito não se soma ao valor do crédito;
-- O valor do contracrédito invocado pelo réu é superior ao valor do crédito alegado pelo autor; neste caso, o réu pretende obter quer a compensação de créditos, quer a condenação do autor a pagar o excesso do valor do contracrédito, pelo que não se pode dizer que o réu quer obter apenas a “mera compensação de créditos”; isto implica que ao valor do crédito do autor se deve somar o excesso do contracrédito do réu sobre esse crédito do autor; por exemplo: o autor alega um crédito no valor de € 25.000 e o réu um contracrédito no valor de € 35.000; o valor da causa resulta da soma de € 25.000 com € 10.000, ou seja, esse valor corresponde ao valor do maior dos créditos alegados pelas partes (€ 35.000).” – cf. Reconvenção, valor da causa e admissibilidade de recurso ordinário, Blog IPPC, 15-10-2018, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2018/10/reconvencao-valor-da-causa-e.html.
Importa ainda ter presente que o aumento do valor só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção – cf. art. 299º, n.º 3 do CPC.
Todavia, “como o valor da ação se determina apenas em função do pedido ou dos pedidos formulados, ficando imune à generalidade das vicissitudes processuais, também a simples dedução da reconvenção ou do incidente de intervenção principal podem determinar um efeito processual imediato que não será prejudicado pelas posteriores vicissitudes processuais. Se de algum desses atos decorrer aumento do valor processual, este estabilizar-se-á nessa ocasião e não será prejudicado ainda que, a posteriori, seja declarada a extinção da instância reconvencional, por motivos formais ou materiais, ou rejeitada a intervenção principal.” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Flipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 347.
Disto se retira que, sendo julgada inadmissível ou improcedente a reconvenção e prosseguindo a acção, esta não pode voltar a ter o valor que tinha inicialmente. Em consonância, a reconvenção produz o efeito de acréscimo do valor processual da causa logo após a sua formulação, acréscimo que não está dependente da avaliação a efectuar acerca da verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, da sua admissibilidade.
Significa isto que a admissão do pedido reconvencional não constitui pressuposto necessário do aumento do valor processual da causa.[4]
No caso em apreço, a recorrente/reconvinte formulou reconvenção em que pediu que se declare que tem um crédito sobre a recorrida/reconvinda de € 25 667,64; que se declare extinto o crédito da reconvinda, que a reconvinte reconhece, no valor de € 7 010,98; e que se condene a reconvinda no pagamento à reconvinte do montante de € 18 656,86.
Como tal, seguro é que os pedidos da recorrente/reconvinte face ao pedido da recorrida são distintos, pois que pretende, para além de compensar o crédito que reconhece à reconvinda, a condenação no pagamento do excedente, sendo que este deverá, de acordo com o acima explanado, ser somado ao valor (da injunção inicial) indicado pela autora, nos termos dos art.ºs 299º, n.º 2 e 530º, n.º 3 do CPC, o que confere à causa o valor de € 28 528,69.
Mas se assim é e se tal tem vindo a ser admitido pela jurisprudência, tal foi reconhecido, designadamente, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, relator Alcides Rodrigues, processo n.º 107776/18.0YIPRT-C.G1, já não se pode acompanhar o mais aí decidido no segmento em que se concluiu que apesar de o valor da causa dever ser fixado em face do resultado da soma do pedido inicial com o do pedido reconvencional, ainda assim, para efeitos de determinação da forma de processo a seguir após a dedução da oposição, seria de atender apenas ao valor do pedido inicial.
Na verdade, aí refere-se que a forma de processo no caso de o pedido injuntivo ser inferior a metade do valor da alçada da Relação será a da acção declarativa especial, pois que é em função do valor do pedido injuntivo ou da injunção inicial (e não do valor da acção) que se define o regime processual aplicável, remetendo para o disposto no art. 10.º, n.º 4, do DL 62/2013, de 10 de Maio, pelo que não haveria que adicionar para esse efeito o valor da reconvenção, que em nada alteraria a regra da competência do Tribunal.
O art. 10º, n.º 4 do DL 62/2013 determina que as acções para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais seguem os termos da acção declarativa especial quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação mas nada esclarece sobre se esse valor deve ser apenas o valor do pedido injuntivo, e, tal como se justifica a soma dos valores do pedido inicial e do pedido reconvencional para efeitos do valor da causa, não se vislumbra qualquer apoio na lei para afastar essa mesmíssima regra de aplicação das regras de fixação do valor da causa, que terão reflexo na forma do processo a seguir.
Note-se, aliás, que o valor da causa, tal como se extrai do disposto no n.º 1 do art. 296º do CPC, representa a utilidade económica imediata do pedido e é esse valor que determina a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal – cf. n.º 2 do art. 296º.
Tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, o valor da causa releva para diversos efeitos, entre os quais, “o valor do pedido e, por inerência, o valor da causa (sublinhado próprio), é elemento decisivo para delimitar o âmbito de aplicação do regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, emergentes de contratos, de valor não superior a € 15 000,00 (art. 1º do DL n.º 269/98, de 1-9)” – cf. op. cit., pág. 343.
Ora, se se entende que ao valor do pedido inicial deve ser somado o valor do pedido reconvencional que seja distinto daquele para efeitos de determinação do valor da causa, não se lobriga como sustentar que essa alteração do valor da causa não tenha qualquer reflexo na determinação da forma de processo a observar na acção declarativa que surge na sequência e por força da dedução de oposição (com ou sem reconvenção).
Na decisão recorrida convocou-se ainda o disposto no art. 18º do regime anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro para justificar a distribuição da acção como acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em face do valor processual encontrado nos termos daquele normativo legal.[5]
De notar que esse art. 18º mantém a sua redacção inicial, não tendo sido objecto de qualquer modificação por força das múltiplas alterações legislativas de que aquele diploma já foi objecto.
Decorre, de facto, desse normativo que o valor processual da injunção e da acção declarativa que se lhe seguir é o do pedido, mas tal norma está inserida num diploma que apenas previa, e prevê, a possibilidade de a oposição à injunção dar origem a uma acção declarativa com forma especial. Ora, à data da sua elaboração não podia ter sido ponderada a possibilidade que se abriu com a aprovação do DL 32/2003, de 17 de Fevereiro, entretanto revogado pelo DL 62/2013, de essa mesma oposição, estando em causa o pagamento de transacções comerciais que permite o recurso à injunção, independentemente do valor da dívida, dar origem à remessa dos autos para o tribunal competente, com aplicação da forma de processo comum – cf. art. 7º, n.º 2 do DL 32/2003 e art. 10º, n.º 2 do DL 62/2013.
Ora, é precisamente essa situação que vem originar a situação de desigualdade apontada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado pela recorrente e supra mencionado e que não encontra qualquer arrimo substancial bastante que a justifique.
Com efeito, a singela diferença do valor da transacção comercial cujo pagamento se peticiona se situar acima ou abaixo do montante de € 15 000,00, originaria, segundo a posição acolhida na decisão recorrida, a possibilidade de, no primeiro caso, deduzida oposição com reconvenção, os autos prosseguirem os termos do processo comum e, no segundo, apesar do valor da causa poder ser de centenas de milhares de euros, seguir-se a tramitação simplificada da acção especial prevista no regime anexo ao DL 269/98.
Tal como se realça no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1 (cujo relator ali modifica a sua posição anterior) são “razões de justiça material as que deverão ser convocadas a favor da admissibilidade da reconvenção, como forma de viabilizar a compensação de créditos, mesmo quando o inicial procedimento de injunção se reporta a quantia inferior a metade da alçada do tribunal da relação”, sendo de questionar que a reconvenção seja de admitir quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da Relação, por força da sua transmutação em processo comum, e não o seja quando o seu valor é inferior.
Para além de não se descortinarem razões (nomeadamente no texto da lei) que sustentem o afastamento das regras processuais decorrentes da alteração do valor da causa por força da dedução de reconvenção, razões de justiça material e de economia processual justificam que, deduzida oposição com reconvenção ao requerimento de injunção relativo à exigência de pagamento de transacções comerciais, o valor do pedido reconvencional se adicione ao valor do pedido inicial, determinando o valor da causa e, por consequência, a forma de processo a seguir. Ou seja, sendo esse valor superior a metade do valor da alçada da Relação, a acção declarativa subsequente à dedução da oposição seguirá a forma de processo comum – cf. ainda que sem tomar posição quanto à forma de processo a seguir, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-10-2019, relator Joaquim Boavida, processo n.º 129733/18.7YIPRT-A.G1.
Atente-se ainda no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1, em que se fixa o valor da causa em função da soma de ambos os pedidos, de acordo com o qual serão tramitados os ulteriores termos dos actos processuais:
“Na verdade, a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação: (i) a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade; (ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parece só pode ser deduzida por reconvenção; (iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional.
Não antevemos no regime do decreto-lei n.º 62/2013 (artigo 10º/2) o afastamento das regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação. E, em função do preceituado no artigo 299º do CPC, o valor da reconvenção é adicionado ao valor da ação, salvo se o pedido for o mesmo, pelo que a dedução de oposição e da reconvenção determina a soma dos dois pedidos, valor em função do qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais (artigo 299º/3 do CPC) […]
Com efeito, aderimos a esse entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico. Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a atingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional [In www.dgsi.pt: Ac. RP de 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1].
Sabemos que esta resolução não colhe unanimidade, designadamente jurisprudencial, havendo arestos no sentido da inadmissibilidade da reconvenção nas injunções de valor não superior à alçada da Relação [In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 24/09/2015, processo 166878/13.1YIPRT.E1.S1; RP de 30/05/2017, processo 28549/16.6YIPRT.P1; 10/02/2011, processo 241148/09.7YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; RL de 05/07/2018, processo 87709/17.4YIPRT.L1-7] Salvaguardando o muito respeito devido por essa posição, não a sufragamos e antes aderimos à tese da admissibilidade da reconvenção, em consonância com o expendido por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC [Artigo de 26/04/2017 sob o título “AECOPs e compensação”], no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional [In www.dgsi.pt: Acs. RP de 14/05/2012, processo 176189/11.1YIPRT-A.P1; 24/01/2018, processo 200879/11.8YIPRT.P1; 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1; RG de 31/01/2019, processo 53691/18.5 YIPRT.A-G1.].”
Aderindo a esta posição, merece acolhimento a pretensão recursória da recorrente, havendo que determinar a alteração da forma de processo para processo comum, com a consequente admissibilidade do pedido reconvencional, caso se conclua pela verificação dos demais requisitos legais necessários para tanto.
Perante esta conclusão resulta prejudicada a apreciação da segunda questão colocada pelo presente recurso, deduzida subsidiariamente para o caso de improcedência da primeira, que contende com a admissibilidade da reconvenção em acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos – cf. art. 608º, n.º 2 do CPC.
De todo o modo sempre se dirá que a solução a que se chegaria seria a da admissibilidade da reconvenção, conforme aliás já se sustentou em acórdão de 13-11-2018, relatado pela ora signatária, proferido no processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1, desta secção, e que se passa a transcrever:
“Não se desconhece que, de facto, a jurisprudência tem assumido, de modo aparentemente consolidado, que nas acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacção comercial […] de valor inferior a metade da alçada da Relação (ou seja, de valor não superior a € 15 000,00), atenta a respectiva simplificação processual, não é admissível a reconvenção.
Sustenta-se tal entendimento na circunstância de nessa acção serem apenas admissíveis dois únicos articulados (requerimento de injunção e contestação), sendo a contestação notificada ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência final (cf. art.ºs 17º e 1º, n.º 4 e do regime anexo ao DL 269/98), pelo que a resposta do autor a eventuais excepções que o réu deduza na contestação só poderá ter lugar no início da audiência de julgamento. Aduz-se ainda que é esta a interpretação que melhor se coaduna com a intenção do legislador e com a tramitação processual simplificada prevista para tal acção especial.
A problemática da dedução da reconvenção nas AECOPs tem sido apreciada, sobremaneira, na vertente da invocação da compensação judiciária, que actualmente deve ser sempre deduzida por via reconvencional, atento o disposto no art. 266º, n.º 2, c) do CPC.
A argumentação expendida nesse sentido vinha sendo, até há pouco, generalizada nas Relações, orientando-se de modo fundamentalmente idêntico, tal como se encontra vertida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-05-2015, relator Rodrigues Pires, processo n.º 143043/14.%YIPRT.P1 disponível em www.dgsi.pt, nestes termos:
“Na lei anterior […] admitia-se a reconvenção quando o réu se propõe obter a compensação. No entanto, a jurisprudência e grande parte da doutrina entendiam que a compensação poderia ser invocada por via de excepção peremptória, até ao valor do crédito invocado pelo autor. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259), confrontando os dois regimes processuais, escrevem: “Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea [o art. 266º, nº 2, al. c)] não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, nº 3). Por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção.” Neste sentido se pronuncia Lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 130/132) que escreve: “Pessoalmente, estou em crer que, pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.” Já Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (ob. e loc. citado) sustentam posição oposta, afirmando o seguinte: “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica. Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica. Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.” Também no mesmo sentido se pronuncia Jorge Augusto Pais de Amaral (in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247) que escreve: “Atualmente, considerando o teor do preceito, sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção. Entende-se que o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na ação.” Tal como ainda no mesmo sentido se pronuncia Paulo Pimenta (in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7): “(…) a alínea c) do nº 2 do art. 266º revela que o legislador quis tomar posição em termos de pôr fim à querela, tendo-o feito no sentido previsível face aos inúmeros sinais legislativos já existentes (…). Fica agora claro – mais claro, dir-se-á – que o réu, sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na acção em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento. (…) Em face do exposto, é de entender que esta alínea c) do art. 266º tem natureza interpretativa, para os efeitos do art. 13º do CC. O regime em apreço não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de excepção peremptória. Admitir essa opção seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo.” Neste contexto, confrontando-nos com aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, consideramos, em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito deve ser interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Este entendimento é de adoptar tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9. Prosseguindo, há a referir que nesta segunda situação, com o Dec. Lei nº 62/2013, de 10.5 […], no seu art. 10º, veio-se referir expressamente que a linha separadora entre a aplicabilidade do processo comum e do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9, em caso de oposição à injunção, é a metade da alçada da Relação (15.000,00€). Como tal, daqui decorre que nos casos em que é deduzida oposição à injunção por incumprimento de pagamento em transacções comerciais de valor superior a 15.000,00€ se aplica a forma de processo comum e nos casos em que esse valor é inferior aos referidos 15.000,00€ se segue o procedimento constante do anexo ao Dec. Lei nº 269/98. Atendendo a que na situação “sub judice” o valor da injunção se circunscreve a 12.252,17€, e uma vez que lhe foi deduzida oposição, seguir-se-á o apontado procedimento previsto no Dec. Lei nº 269/98. Sucede que esta forma de processo especial só comporta dois articulados, razão pela qual, no seu âmbito, é de concluir não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, solução que, aliás, inteiramente se harmoniza com as ideias de simplificação e celeridade que presidiram ao seu aparecimento. Ora, a circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória. Tal solução, a ser seguida, significaria um desvio dificilmente justificável àquela que foi a intenção do legislador expressa no actual Cód. do Proc. Civil com a redacção conferida ao art. 266º, nº 2, nº 2, al. c). Com efeito, como já atrás sublinhámos, a opção legislativa foi no sentido de a compensação de créditos apenas poder ser invocada por via reconvencional, sem embargo de o réu, não deduzindo ou não podendo deduzir reconvenção, fazer valer o seu direito de crédito em acção autónoma, o que, neste caso, sempre teria de fazer, mesmo no regime anterior, caso pretendesse obter o pagamento de um contra-crédito de valor superior ao autor, uma vez que no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 não é admissível reconvenção.”
No entanto, esta solução revelou-se pouco confortável face à ponderação do princípio da igualdade das partes (sob a perspectiva de um devedor no âmbito de uma injunção de valor superior a € 15 000,00 poder exercitar o seu contra-crédito relativamente ao seu credor e, em idênticas circunstâncias, não o poder fazer aquele cujo credor detém um crédito de valor inferior a € 15 000,00).
Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2018, relatora Maria João Areias, processo n.º 12373/17.1YIPRT-A.C1 considerou-se:
“[…] estando reunidas as “seguintes circunstâncias: i) não só nos encontramos perante uma forma de processo em que ao réu é vedada a dedução de reconvenção (forma esta escolhida unilateralmente pelo autor); ii) como a vontade de compensar foi já alegadamente declarada extrajudicialmente; iii) como ainda, o contracrédito de que o réu se socorre se movimenta dentro da mesma relação jurídica […] deve ser permitido ao réu defender-se mediante a invocação da compensação, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado – com efeito, ainda que não se encontre impedido de, em ação a instaurar posteriormente, vir a pedir o reconhecimento do seu crédito, tal reconhecimento não ocorrerá a tempo de o poder contrapor ao crédito do autor, sendo que, se o autor vier a propor ação executiva, dificilmente logrará o reconhecimento da compensação mediante a dedução de embargos de executado. Ou seja, vedando-lhe a invocação do contracrédito na presente ação, significará que, na prática, ainda que possua (no âmbito dessa mesma relação), um contracrédito contra o autor, o réu será obrigado a, em primeiro lugar, satisfazer o crédito do autor, correndo o risco de o seu contracrédito não vir a ser satisfeito. […] declarada a compensação pela parte (extrajudicial ou judicialmente), o tribunal não pode decidir, sem mais, que o demandado deve pagar o crédito do autor (e ainda que o crédito daquele seja ilíquido), já que o demandado tem o direito de não pagar, na medida em que a sua dívida se compense com uma dívida do autor para com ele. […] se devido à diversidade da forma de processo, não for admissível a reconvenção e a liquidação do contracrédito não for possível através de reconvenção, nem por isso pode o demandado ficar privado do direito à compensação – se o demandado declarar a compensação com um contracrédito cuja apresentação deva ser feita em processo com outra forma ou por outro tribunal, a invocação da compensação faz-se por exceção perentória.”
O professor Miguel Teixeira de Sousa refuta este entendimento do seguinte modo:
“[…] a escolha quanto à alegação da compensação judicial nas AECOPs só pode ser entre a sua invocação através de reconvenção (como resulta do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e a não invocação da compensação nas referidas AECOPs. Dado que a reconvenção é a única forma prevista no CPC para a alegação da compensação nas acções declarativas, a opção nunca pode ser entre a invocação da compensação por reconvenção e a sua alegação por excepção.
A admitir-se a invocação da compensação nas AECOPs, isso só pode suceder através da forma prevista no CPC. Qualquer outra forma de alegação da compensação – nomeadamente ope exceptionis -- implica uma interpretação correctiva do CPC, dado que determina a não aplicação da forma prevista no CPC para a invocação da compensação judicial nos processos declarativos.
Em teoria, pode discutir-se se a compensação pode ser invocada nas AECOPs; mas, se se concluir que essa invocação é admissível, então só o pode ser através da forma prevista na lei. Recorde-se ainda que, tendo presente os poderes de gestão processual e de adequação formal que são concedidos ao juiz (cf. art. 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), dificilmente se pode aceitar, hoje em dia, qualquer argumento baseado na inadequação da tramitação das AECOPs para justificar a inadmissibilidade da reconvenção nessas acções. Aliás, a alternativa por vezes sugerida -- a invocação da compensação ope exceptionis -- não se afasta significativamente, em termos de tramitação da acção, daquela que é exigida quando a compensação é alegada por via de reconvenção.
Acresce que a solução reconvencional é a única que é coerente com o estabelecido no art. 848.º, n.º 1, CC, no qual se dispõe que a compensação se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra. Dito de outro modo: a alegação da compensação judicial é um "ataque" do credor demandado (e é por isso que opera por via de reconvenção), e não uma "defesa" desse credor (e é por isso que não pode operar por via de excepção).
[…] não é justificável recusar a alegação da compensação nas AECOPs e (ter de) admitir a sua invocação na oposição à execução nos termos estabelecidos no art. 729.º, al. h), CPC. Sendo assim, estando excluída qualquer interpretação correctiva do disposto no CPC quanto à forma de invocar a compensação judicial nas acções declarativas, a alegação da compensação nas AECOPs só pode ser realizada ope reconventionis. Qualquer outra forma de alegação da compensação seria contra o disposto no CPC e, portanto, contra legem.” – cf. AECOPs e Compensação, 1-05-2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.
Esta posição foi posteriormente reiterada pelo Professor em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 12373/17.YIPRT-A.C1 acima referido – cf. AECOP; Compensação; reconvenção, 30-04-2018, em https://blogippc.blogspot.com/.
Com efeito, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa admite que, sob o ponto de vista teórico, é aceitável considerar que o regime das AECOPs - nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção.
No entanto, alerta para o facto de, a não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação poder vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729º, al. h), CPC), não tendo sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. Realça ainda aquele autor que a inadmissibilidade da dedução da compensação em tais casos pode configurar um entrave inconstitucional ao direito de defesa pois que a compensação não é admitida nem por via de excepção (que a alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do actual CPC não permite), nem por via de reconvenção – cf. AECOP; Compensação; reconvenção, 30-04-2018, em https://blogippc.blogspot.com/ - “Em linguagem da jurisprudência do TC, pode afirmar-se que a norma constante dos art. 1.º, n.º 4, 3.º e 4.º RPOP, quando interpretada no sentido de que, numa AECOP pendente, a compensação judicial deve ser deduzida por via de excepção, é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade das partes e do contraditório que são inerentes ao processo equitativo exigido pelo art. 20.º, n.º 4, CRP. Trata-se, em suma, de uma solução que não resolve o problema. d) Dada a inaceitabilidade da tese que propugna que, nas AECOPs, a compensação judicial seja invocada por via de excepção, resta concluir que aquela compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que há que admitir, com base nos princípios da igualdade das partes e do contraditório, um articulado de resposta do autor (réu do pedido reconvencional) à reconvenção deduzida pelo réu.”
Na jurisprudência encontram-se já afloramentos deste posicionamento aceitando a defesa do réu assente no exercício da compensação por via reconvencional, tal como no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2 […]
Em idêntico sentido pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1 disponível em www.dgsi.pt, considerando que deve ser dada a possibilidade ao demandado de, no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP), invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art.º 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional, concedendo a possibilidade de o autor responder em articulado próprio; cf. ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-01-2018, relator Carlos Querido, processo n.º 200879/11.8YIPRT.P1.
Ora, na vigência de um Código de Processo Civil que erigiu como postulado essencial o dever de gestão processual que recai sobre o juiz e o princípio da adequação formal (art.ºs 6º e 547º do CPC) - princípios que não podem deixar de abranger os processos especiais -, deve aceitar-se, com arrimo, aliás, precisamente no art.º 547º do CPC, que é a tramitação das AECOPs que tem de se adaptar ao exercício dos direitos das partes em juízo, e não este exercício que pode ser coarctado por aquela tramitação.
Deste modo, em consonância com a argumentação expendida por Miguel Teixeira de Sousa que acima se deixou transcrita, entende-se que, devendo ser dada a possibilidade ao demandado de, no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção - caso em que o juiz deve fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual -, de igual modo deverá este fazer uso de tais poderes para ponderar da admissibilidade ou não da reconvenção deduzida pelo réu (ainda que não para efeitos do exercício da compensação), de tal modo que lhe incumbe, não só avaliar do preenchimento dos requisitos vertidos no n.º 2 do art. 266º do CPC, como, mais do que isso, ponderar, precisamente, se deve autorizar a sua dedução, nos termos do art. 266º, n.º 3 do CPC.
Com efeito, tal como o afirma expressamente Miguel Teixeira de Sousa, os fundamentos para a admissibilidade da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação valem para todos os outros casos em que, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente – cf. neste sentido, AECOPs e Compensação, Blog IPPC, 26-04-2017 https://blogippc.blogspot.com.
Aliás, neste sentido pronunciou-se já esta Relação no acórdão de 4-12-2012, relator Orlando Nascimento, processo n.º 276/12.0TJLSB-A.L1-7 disponível em www.dgsi.pt, ainda que com argumentos parcialmente distintos (que radicam na interpretação do então vigente art. 7º, n.º 2 do DL 32/2003, de 17-02, no sentido de que no valor superior à alçada da Relação se há-de contabilizar o valor da reconvenção, seguindo o processo a forma comum) onde, após se ter considerado os fundamentos da recusa da admissibilidade da reconvenção (a existência de apenas dois articulados que inviabilizaria o contraditório e a celeridade que se prossegue neste tipo de processo), se afirmou que o regime especial do procedimento para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato não impede que, sendo deduzido pedido reconvencional na contestação, o Tribunal mande seguir a forma processual adequada, ou seja, não se trata de admitir a dedução de pedido reconvencional na forma de processo especial em causa, mas de adequar a forma de processo aos termos do próprio litígio (o que se encontra expressamente previsto no art.º 10.º, n.º 2 do DL 62/2013 para as situações em que, na injunção, seja deduzida oposição, “para valores superiores à alçada da Relação”, mas que será aplicável nas outras situações, por via da regra geral consagrada no art.º 266º, n.º 3 do CPC e sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio – cf. art.º 37.º, n.º 2 do CPC).
Cumpre notar que se deseja celeridade em todos os tipos de processo, mas tal não inviabiliza que, com recurso ao princípio da adequação processual, se evite que razões de natureza adjectiva obstem à realização do direito substantivo.
Assim, no referido acórdão de 4-12-2012, acaba-se por aceitar que, ainda que a soma do pedido e da reconvenção seja igual ou inferior à alçada da Relação, o juiz pode autorizar a dedução de pedido reconvencional, nos termos do actual art. 266º, n.º 3 do CPC e, ouvidas as partes, determinará a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo.
Da conjugação de tudo quanto se explanou importa afirmar, em síntese conclusiva, o seguinte:
a) O facto de o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00 prever apenas dois articulados (petição inicial e contestação) e assumir um escopo de celeridade não são argumentos bastantes para erradicar, desde logo, a admissibilidade do pedido reconvencional nessa forma de processo especial;
b) Deduzida oposição com reconvenção cumprirá ao juiz aferir da verificação dos requisitos legais previstos no art. 266º, n.º 2 do CPC e autorizar, sendo esse o caso, a dedução pelo réu do pedido reconvencional;
c) Admitindo a reconvenção, o juiz deve adequar a forma do processo, em cumprimento do estatuído nos art.ºs 266º, n.º 3 e 547º do CPC, assegurando, designadamente, o cumprimento do princípio do contraditório (art. 3º, n.º 3 do CPC).”
Em reforço desta posição e dando nota da mudança de entendimento que se vem registando na jurisprudência quanto a esta matéria, vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17-12-2018, relatora Fernanda Proença Fernandes, processo n.º 110141/17.3YIPRT.G1 e de 31-01-2019, relatora Maria Purificação Carvalho, processo 53691/18.5YIPRT.A-G1, onde se defende que no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, caso em que o juiz deve fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Mais uma observação apenas para afastar a objecção que se coloca quanto ao recurso à adequação e gestão processual, com arrimo nos art.ºs 547º e 6º do CPC, para justificar a admissibilidade da dedução de reconvenção no âmbito da acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contratos.
Com efeito, Manuel Eduardo Bianchi Sampaio - que se pronuncia no sentido de uma interpretação restritiva do art. 266.º, n.º 2, c) do CPC, de modo a apenas ser aplicável nas formas de processo que admitem reconvenção, sendo que naquelas que não a admitem, deve ser permitido ao réu invocar a compensação como mera excepção até ao limite do crédito do autor, apenas para impedir o efeito jurídico deste crédito – afasta o recurso à adequação formal para aceitar a dedução de reconvenção na acção especial, com o argumento de que “o princípio da adequação formal destina-se a ser aplicado em situações específicas que, pelas suas excecionais particularidades, impõem a adoção de uma solução diversa da que foi prevista pelo legislador. Trata-se de um princípio de utilização pontual, para uma determinada situação concreta, que não pode ser utilizado para alterar genericamente um instituto jurídico ou o quadro legal relativo à tramitação de uma forma de processo, introduzindo uma alteração que apenas o legislador poderia introduzir.” – cf. A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção, Revista Julgar Online, Maio de 2019, pág. 9[6].
Também Gabriela da Cunha Rodrigues se pronuncia nesse sentido, optando pela mencionada interpretação restritiva do art. 266º, n.º 2, c) do CPC e sustentando que o princípio da adequação formal não pode justificar a admissibilidade da reconvenção em formas de processo que não a admitem – cf. A injunção à luz das recentes alterações legislativas e das reflexões do Grupo de Trabalho constituído por Despacho de 24.5.2018, Revista Julgar Online, Dezembro de 2019, pág. 18[7].
Ponto assente é que a adequação formal tem sempre como limite as normas imperativas e os princípios fundamentais do processo civil – cf. art. 630º, n.º 2, segunda parte do CPC.
Por outro lado, certo é também que deve ser utilizado como modo de assegurar um processo equitativo e como “válvula de escape”, quando o modelo legal se revele inadequado às especificidades da causa.
Todavia, seguro é também que se pretendeu alargar o âmbito do poder-dever de adequação do juiz, conferindo-lhe a possibilidade de adaptar a tramitação do processo quando haja outra que melhor se adeqúe ao caso concreto, para além dessa adaptação se estender agora ao conteúdo e à forma dos actos processuais com vista ao fim a atingir. Essa adequação pode conduzir à simplificação da sequência processual legal ou à inclusão de actos que nela não estão previstos – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 470-471.
A admissibilidade da reconvenção na acção especial terá sempre de passar pelo crivo da observância dos princípios enformadores do processo civil, como a garantia do processo equitativo, e o facto de a ela se recorrer sempre que os princípios da economia processual e da gestão processual o justifiquem não deve fundamentar o receio de uma alteração da tramitação da forma legal, contra o que o legislador pretendeu, quando foi o próprio que deixou em aberto o recurso a tal interferência na marcha processual prevista.
Aliás, noutras situações, a repetição do recurso à adequação formal não tem impedido o seu uso, como sucede no caso das respostas às excepções que, por regra, deveriam ter lugar em audiência e, não obstante, vêm sendo admitidas, de modo generalizado, em articulado que a precede – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 472.
Daí que se mantenha o entendimento de que, mesmo a tratar-se de uma acção especial, sempre seria de admitir a possibilidade da reconvenção para que a recorrente exercesse a compensação de créditos e reclamasse o valor sobrante.
Em conclusão, procede o presente recurso, com revogação do despacho recorrido na parte impugnada, ou seja, quanto à visada alteração da forma de processo para processo comum, com a consequente admissibilidade do pedido reconvencional.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
A recorrente logrou obter o reconhecimento da sua pretensão recursória, decisão que afecta negativamente a posição da apelada, não obstante esta não ter contra-alegado, sendo parte vencida na causa, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, determinando a alteração da forma de processo para processo comum, com a consequente admissibilidade do pedido reconvencional, caso se conclua pela verificação dos demais requisitos legais necessários para tanto.
Custas a cargo da apelada.
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Lisboa, 16 de Junho de 2020[8]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem encontram-se disponíveis na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em www.dgsi.pt.
[3] Em posição que se apresenta ainda como aparentemente maioritária.
[4] Em sentido contrário, vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-10-2015, relator José Estelita Mendonça, processo n.º 1089/14.0TJVNF.G1, posição que, não obstante ter sido referida pela relatora no acórdão de 13-11-2018, proferido no processo n.º 45824/18.8YIPRT-A.L1 desta secção, não se acompanha.
[5] “O valor processual da injunção e da acção declarativa que se lhe seguir é o do pedido, atendendo-se, quanto aos juros, apenas aos vencidos até à data da apresentação do requerimento.”
[6] Acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/05/20190531-ARTIGO-JULGAR-A-compensa%C3%A7%C3%A3o-nas-formas-de-processo-em-que-n%C3%A3o-%C3%A9-admiss%C3%ADvel-reconven%C3%A7%C3%A3o-Manuel-E-B-Sampaio.pdf.
[7] Acessível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2019/12/20191216-ARTIGO-JULGAR-A-injun%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-luz-das-recentes-altera%C3%A7%C3%B5es-legiaslativas-Gabriela-Cunha-Rodrigues.pdf.
[8] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.