Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5178/10.2TBCSC-C.L2-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
HIPOTECA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. - A confissão de dívida constante de escritura pública só tem força probatória plena, como previsto no art. 358º nº2 do C.Civil, no confronto entre o mutuante dos empréstimos que originam tal dívida e o confitente (mutuário) e quando tal confissão foi feita em relação àquele;
2. – Sendo tal confissão de dívida apresentada e invocada, por via da reclamação de créditos, perante um terceiro, a mesma, face ao disposto no nº 4 daquele mesmo art. 358º, é apreciada livremente pelo tribunal.
3. – Tendo, na sequência dessa livre apreciação, o tribunal dado como provados empréstimos entre reclamante e executados apenas no valor de 190.000,00€, não pode em sede de reclamação de créditos ser reconhecido um crédito de 247.000,00€ tão só porque confessado este último em confissão de dívida outorgada entre credor e executados”;
4. - Pressupondo a alteração do julgado a introdução – pelo ad quem - de modificações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, permanecendo tal decisão de facto de facto inalterada, inevitável é a improcedência in totum da apelação e a confirmação da sentença recorrida, maxime quando o objecto da apelação não se dirige para quaisquer outras questões, v.g. relacionadas com um pretenso erro do tribunal a quo em sede de interpretação e aplicação das regras de direito à matéria de facto que fixou.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1. - Relatório.                       
No seguimento da propositura – em 6/7/2010 - de acção executiva por Banco Comercial Português, S.A., contra A e B, e com vista à cobrança coerciva do montante total de 338.274,10€ [ com fundamento em escritura pública de mútuo com Hipoteca lavrada em 18 de Agosto de 2003 e no âmbito da qual a Exequente mutuou aos Executados A e B, a quantia de € 407.000,00 ], veio C, atravessar nos autos, e em 24/5/2019, RECLAMAÇÃO de CRÉDITOS, impetrando que, admitida a Reclamação de Créditos deduzida, seja reconhecido o crédito reclamado no montante total de 247.000€00€ (  duzentos e quarenta e sete mil euros).
1.1- No requerimento inicial da reclamação de créditos identificada em 1, alegou o reclamante C, em síntese, que:
- A 28 de Março de 2018 o agora reclamante emprestou 247.000€00 aos aqui executados, conforme Confissão de dívida e hipoteca, que junta .
2. Para garantia de pagamento, os executados deram de hipoteca o prédio urbano composto de anexo com 3 assoalhadas, casa de banho e armazém, 1º andar com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e sótão com 3 assoalhadas, casa de banho e despensa, sito em …, Rua das …, número …., São Domingos de Rana, Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número …. de São Domingos de Rana e artigo matricial …., também da freguesia de São Domingos de Rana.
3. Estipularam ainda que a quantia mutuada não vence juros.
4. Até à presente data não foi devolvido qualquer montante.
5. Assim, importa verificar e graduar o crédito reclamado no valor global de duzentos e quarenta e sete mil euros, montante em dívida pelo qual deve ser admitido, reconhecido e graduado com o privilégio da garantia real.
1.2. - Prosseguindo a reclamação de créditos o normal e legal processado/tramitação, por apenso ao processo de execução, veio em 27/6/2019 a ser deduzida ( pela exequente Banco Comercial Português, SA., Sociedade Aberta ) competente IMPUGNAÇÃO, nesta impetrando que deve a reclamação de créditos ser indeferida por não provada, sem que o crédito reclamado no montante de €247.000,00 seja verificado, graduado e pago pelo produto da venda do bem imóvel penhorado nos autos.
1.3. – Após “resposta” e junção de prova documental pelo reclamante, veio em 10/7/2022 a ser dispensada a realização da audiência prévia [ cfr. artigo 593.º, n.º 1, do CPC ] e foi proferido DESPACHO SANEADOR, tendo-se outrossim identificado o OBJECTO DO LITÍGIO e enunciados os TEMAS DA PROVA, tudo sem reclamações.
1.4. – Por fim, veio a 7/12/2022 a ser realizada a AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO e, concluída a mesma e conclusos os autos para o efeito, foi finalmente proferida [ em 19/12/2022 ] a competente SENTENÇA, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, gradua-se o crédito verificado ( relativamente ao prédio 9717 ) supra [ no montante de 190.544,00€ (1) ] do seguinte modo:
1º - o crédito reclamado;
2º - o crédito exequendo.
Custas pela exequente - saindo precípuas do produto dos bens penhorados (CPC 541º).
Registe e notifique – e informe o A.E..
(20-XII-22) ”
1.5. – Notificado da sentença identificada em 1.4., e da mesma discordando, veio então o Reclamante  C, interpor recurso de apelação, que admitido foi, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1. Vem o presente recurso interposto da Decisão do Tribunal de Primeira Instância (Juízo de Execução de Oeiras — Juiz 2) que reconhece ao ora Recorrente, apenas um crédito global no valor de € 190.544,00 (cento e noventa mil quinhentos e quarenta e quatro euros) - quando conforme a referida Confissão de dívida e hipoteca datada de 28 de Março de 2018 o agora recorrente emprestou 247.000€00 aos executados.
2. Na matéria de facto dada como provada, deve passar a constar, conforme Confissão de dívida e hipoteca datada de 28 de Março de 2018 (Documento 1 que se juntou na reclamação de créditos e dá por integralmente reproduzida), que o agora recorrente emprestou 247.000€00 aos executados.
3. Foi elaborada a “confissão” de dívida com Hipoteca, onde foi acordado um juro de 4%, que, consideramos humildemente, deve ser dado como provado .
4. Efectivamente, o Tribunal a Quo reconhece a celebração de Escritura Pública de Confissão de Dívida com Hipoteca.
5. O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença na parte em que considera apenas provado que emprestou aos executados, sem juros nem prazo, as seguintes quantias: 2.000€ em 12-VI-03, 20.000€ em 15-IV-04, 2.000€ em 16- V-05, 6.500€ em 24-V-05, 5.000€ em 2-VI-05, 6.500€ em 22-VI-05, 4.138€ em 25-VII-05, 6.000€ em 25-VIII-05, 25.000€ em 5-IX-05,4.600€ em 26-IX-05, 26.000€ em 17-X-05, 10.000€ em 17-X-05, 25.000€ em 5-IX-05, 10.000€ em 28-III-06, 12.806€ em 7-IV-06, e 25.000€ em 21-VI-06 ;
6. Pois que o montante ali titulado foi mutuado na data da celebração da referida Escritura, ou seja 28 de Março de 2018, defendendo-se que deverá considerar-se provado o mútuo ali formalizado e registado, que é de 247.000€00 (duzentos e quarenta e sete mil euros).
7. Nos termos do disposto no nº 1 do artº. 1145º do Código Civil, sob a epígrafe "Gratuitidade ou Onerosidade do Mútuo" estabelece-se que " 1.As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso em caso de dúvida."
8. Foi precisamente esta a intenção dos contratantes Mutuante e Mutuário, ao formalizarem por escritura pública a contratualização da onerosidade do mútuo, ou seja, o pagamento de juros (4%), manifestaram a vontade desde sempre vigente.
9. Ainda que assim se não entendesse, desde logo se alcança do nº. 1 do artº. 1145º do Código Civil que o mútuo se presume oneroso em caso de dúvida.
10. Não dispunha o Tribunal, face à prova produzida, de elementos bastantes para concluir pela não fixação de juros entre as partes.
11. Mais, no tocante aos juros e respectiva contratualização, a dúvida gerada é suficiente para fazer operar a norma supra citada, ou seja, considerar, pela dúvida suscitada, o mútuo como oneroso.
12. Por outro lado, “ Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos.” — Assim defende o nº. 1 do artº. 788º do Código Civil, sendo certo que neste artigo foi consagrado um conceito amplo de "garantia real", onde se devem incluir os privilégios creditórios definidos no artigo 733º do Código Civil: "Privilégio creditório é a faculdade que alei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros."
13. Aqui se inclui capital e juros compensatórios.
14. Segundo a regra do nº 1 do artigo 686º do Código Civil, “A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo”.
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente Recurso obter provimento, e em consequência REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA proferida sendo esta substituída por decisão que contemple o mútuo ali formalizado e registado, que é de 247.000€00 (duzentos e quarenta e sete mil euros), acrescido de juros remuneratórios à taxa contratada,
Assim se fazendo a costumada... JUSTIÇA !
1.6. – Notificado da apelação deduzida pelo reclamante, veio o exequente sentença identificada em 1.4., e da mesma discordando, veio então o Reclamante Banco Comercial Português, S.A., apresentar contra-alegações e, concomitantemente, interpor recurso SUBORDINADO, que admitido foi, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
I. Das Contra-Alegações De Recurso:
1. A douta sentença de 19-12-2022, aqui posta em crise não enferma dos vícios alegados pelo Recorrente.
2. De facto, o Recorrente alega que da matéria de facto dada como provada, deverá passar a constar que o Recorrente emprestou 247.000€00 aos executados, porquanto foi convencionado o pagamento de juros como retribuição do mútuo, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 1145º do Código Civil, mas ainda que assim não se entenda, sempre seriam devidos juros porquanto o mútuo presume-se oneroso em caso de dúvida.
3. Alega, adicionalmente, que o Tribunal não dispunha de elementos bastantes para concluir pela não fixação de juros.
4. Ora, tal não corresponde à verdade. Conforme douta sentença de 19/12/2022, o aqui reclamante no seu depoimento expressamente confessou que quando efectuou os alegados empréstimos aos Executados não foi acordado qualquer prazo de pagamento, nem tão pouco acordaram o pagamento de juros. O Executado B confirmou a confissão do Reclamante, conforme consta da douta sentença.
5. Mais confessou o Reclamante, conforme consta da douta sentença, ( tendo o Executado corroborado no seu depoimento ) que apenas em 2018, quando celebraram a escritura, acordaram um juro de 4% retroactivo.
6. Ora, o Recorrente não colocou em causa a fundamentação da decisão da matéria de facto. Isto é não alegou que do seu depoimento não se pode extrair que «declarou que não ficou combinado juros, nem prazo de pagamento (pontos 2 e 3); mais tarde, quando foi elaborada a “confissão”, foi acordado um juro de 4% (retroactivo)». Nem que o Executado não tenha confirmado as suas declarações.
7. Pelo que, o douto Tribunal a quo bem considerou não reconhecido o montante de 56.456,00€ referente a juros.
8. Acresce que, na escritura de confissão de dívida celebrada entre o Reclamante e os Executados, foi acordado um pagamento da quantia alegadamente em dívida (€247.000,00), sem juros remuneratórios.
9. Assim, do exposto resulta claramente que o Reclamante e os Executados não pretenderam fixar qualquer juro remuneratório, nem antes, nem depois da escritura de confissão de dívida. Pelo contrário, pretenderam que o mútuo fosse gratuito e sem prazo de pagamento, não sendo aplicável a presunção prevista na parte final do artigo 1145.º, n.º 1 do Código Civil.
10. Em face do exposto, deverá, desde logo, o recurso do Recorrente improceder, o que se requer.
11. Mas, ainda que se considere que o Reclamante e os Executados pretenderam fixar juros, o que não se concede, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que: O artigo 1143.º do Código Civil em vigor à data dos alegados empréstimos (DL n.º 343/98, de 06/11) estipulava que “ O contrato de mútuo de valor superior a 20000 euros só é válido se for celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2000 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.”
12. Ora, o Reclamante não alegou, nem tão pouco comprovou, que os alegados empréstimos tenham sido efetuados por escritura pública. Mais, não juntou aos autos qualquer documento assinado pelos Executados.
13. Assim, com exceção dos pretensos empréstimos de 2.000,00€ em 12-06-2003 e 16-05-2005, todos os restantes ( por serem de valores superiores a 2.000,00€ ) são nulos por falta de forma legal, ao abrigo do artigo 220.º do Código Civil.
14. A nulidade dos mútuos estende-se a uma eventual cláusula através da qual se hajam convencionado juros. Assim, ainda que se considere que foram estipulados juros, o que não se concede, sempre se dirá que os mesmos seriam nulos.
15. No tocante aos pretensos empréstimos de 2.000€ em 12-06-2003 e 16-05-2005, não é admissível a estipulação retroativa de juros.
16. Termos em que, também por estes motivos, deverá o recurso do Recorrente improceder, o que se requer.
17. Mas ainda que assim não se entenda, o que não se concede, por mero dever de patrocínio cumpre referir que os juros ali referenciados, pelo menos parcialmente, não podem ser cobrados, uma vez que à data da escritura de confissão da divida ( em 28/03/2018 ) já haviam prescrito, nos termos do artigo 310.º, d) do Código Civil, o que, para os devidos efeitos, também se invoca. Pelo que, também por este fundamento, deve ser julgado improcedente o recurso do Recorrente, o que se requer.
18. Por último, vem o Recorrente invocar o disposto nos artigos 788.º, 733.º e 686.º do Código Civil.
Ora, as referidas normas legais não têm aplicação ao caso apreço porquanto a douta sentença recorrida não reconheceu os juros calculados pelo Recorrente. Assim, não tendo sido reconhecidos os juros, não haveria lugar à sua graduação.
19. Por tudo o que se deixou exposto, deve ser julgado improcedente o recurso do Recorrente, o que se requer.
II. Do Recurso Subordinado
1. Salvo o devido respeito que é muitíssimo, é evidente a existência de um erro grosseiro, crasso e manifesto na apreciação da matéria de facto constante do facto provado 2, da sentença recorrida, pelo MM Juiz de Direito do Tribunal a quo, na medida em que a prova produzida revela claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, denunciando um erro notório, uma falha grosseira e ostensiva na análise das mesmas, percetível pelo cidadão comum.
2. Não ignora o Exequente, aqui recorrente, que de acordo com o disposto no artigo 607º n.º 5 do CPC o MM Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. No entanto, o princípio da livre apreciação da prova plasmado no artigo 607º n.º 5 do CPC não é absoluto, nem pode de modo algum levar a uma apreciação imutável e incontrolável – e, portanto, arbitrária – da prova produzida.
3. Existem limitações à discricionariedade do julgador que está adstrito à valoração da prova segundo critérios de legalidade e razoabilidade.
4. Com efeito, apesar de na sentença aqui recorrida se indicar que o douto Tribunal a quo julgou a matéria de facto «conjugando o teor da documentação junta aos autos (supra indicada) com o dos depoimentos produzidos em audiência – conforme melhor se tentará expor, e sendo certo que a executada nada de concreto pode esclarecer», a verdade é que relativamente ao facto provado 2, foi o mesmo dado como provado apenas por força do depoimento do Reclamante e do Executado, não tendo sido junto pelo Reclamante qualquer documento comprovativo dos alegados empréstimos efetuados aos Executados. Se não vejamos:
5. O Reclamante por requerimento de 08/07/2019 juntou aos autos Documento com lista de alegados pagamentos aos Executados A e B , 13 cheques, 1 letra e cópia de extrato bancário. Contudo, estes documentos não permitem a prova dos mútuos, pelos seguintes fundamentos:
6. Em primeiro lugar e no tocante à lista junta pelo Reclamante, de alegados pagamentos efetuados aos Executados A e B, a mesma não comprova os referidos pagamentos, sendo um documento elaborado pelo Reclamante.
7. Em segundo lugar, dos restantes documentos (cheques e letra) não consta qualquer menção ao Reclamante, mas tão somente (nos que se encontram legíveis) à esposa do Reclamante X…... E o Reclamante não juntou qualquer documento aos autos que comprove que o dinheiro pretensamente emprestado aos Executados era também seu e não apenas da sua esposa.
8. Ora, a admitir-se que os empréstimos foram concedidos, o que não se concede, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que os empréstimos teriam sido concedidos pela esposa do Reclamante e não por este. Pelo que, o Credor não poderia ser o aqui Reclamante, mas sim a sua esposa.
9. A escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca sobre o prédio descrito na 1.ª CRP de Cascais com o n.º 9717 foi outorgada entre os Executados A e B e o aqui Reclamante C. A esposa do Reclamante e irmã do Executado A não outorgou a mencionada escritura.
Em sede de depoimento de parte o Reclamante não logrou explicar o motivo pelo qual os Executados se confessaram devedores a si e não à sua esposa, conforme se demonstrou supra através da transcrição do respetivo depoimento com interesse para a boa decisão da causa.
10. Assim, o douto Tribunal a quo considerou como provado o facto provado 2 – que o Reclamante emprestou quantias aos Executados – apenas com base no depoimento do Reclamante, porquanto não foi junto pelo Reclamante qualquer documento comprovativo de empréstimo pelo Reclamante aos Executados, designadamente documento que prove a cotitularidade da conta bancária como alegado pelo Reclamante.
11. O depoimento de parte não é autossuficiente. Não é meio de prova idóneo para provar uma coisa que pode e deve ser suportado em prova documental – cotitularidade da conta.
12. Por este motivo, requer-se a V. Exa. se digne revogar o facto provado 2, devendo o mesmo ser considerado como não provado.
13. Mas ainda que assim não se entenda, o que não se concede, por mero dever de patrocínio sempre se dirá que, os documentos também não permitem a prova dos mútuos, pelos seguintes fundamentos:
14. Alguns dos 13 cheques juntos pelo Reclamante por requerimento de 08/07/2019, estão ininteligíveis, não sendo possível verificar a quem foram passados, nem quem os passou, pelo que não logram provar as transferências.
15. Designadamente, foram juntos dois cheques de €6.500,00 (de 22/06/2005) e de €4.138,55 (de 25/07/2005), nos quais não é possível verificar a quem foram passados, nem quem os passou, pelo que os alegados empréstimos não poderiam ter sido dado como provados.
16. E foi junto um cheque de 2.000,00€ (de 12/06/2003), no qual os campos “à ordem de” e “a quantia de EUROS” não estão preenchidos, pelo que a ter sido efetivamente passado, o que não concede, sempre se dirá que não é possível verificar a quem foi passado, pelo que o alegado empréstimo não poderia ter sido dado como provado.
17. Foi ainda junto um cheque de 20.000,00€ (de 15/04/2004), emitido à ordem de “AT”, pelo que não comprova que foi passado a favor do Executado. Assim, o alegado empréstimo não poderia ter sido dado como provado.
18. Mais, foi junto pelo Reclamante um extrato n.º …/009 de 05/09/30, onde consta sublinhado um depósito de um cheque n.º …342, no valor de €25.000,00, em 09/05. Consta ainda desse extrato um depósito de um cheque n.º 5922519134, no valor de €25.000,00, em 09/08(que consta da listagem com data de 09.05, mas não foi sublinhado pelo Reclamante). Do referido extrato não é possível retirar quem é o titular da conta, nem quem levantou os mencionados cheques, pelo que uma vez mais não logra provar os alegados pagamentos aos Executados.
19. Dos restantes extratos juntos pelo Reclamante também não é possível retirar quem é o titular da conta.
20. Por último, sempre se dirá que os cheques não comprovam a efetiva entrega do valor aos Executados, uma vez que não logram provar que o valor dos mesmos foi levantado pelos Executados, pelo que os empréstimos não poderiam ter sido dados como provados.
21. Assim, também por estes motivos, se requer a V. Exa. se digne revogar o facto provado 2, devendo o mesmo ser considerado como não provado.
22. Aliás, o Reclamante por douto despacho de 28/02/2020, foi notificado, pelo Tribunal a quo, para juntar os documentos requeridos pelo Exequente, isto é, documentos comprovativos do efetivo empréstimo das quantias aos Executados. O Reclamante não deu cumprimento ao determinado judicialmente, não tendo comprovado os alegados empréstimos, tendo-se limitado a dar autorização ao Exequente para confirmar os empréstimos na conta bancária. Era ao Reclamante que competia a prova dos empréstimos, tanto mais que sendo a conta supostamente sua, estava na sua disponibilidade obter, pelos seus meios, os extratos e demais documentação para provados factos alegados, não necessitando da colaboração da parte contrária para o efeito. Não o tendo feito, não poderiam ter sido dados como provados os empréstimos, o que desde já para os devidos efeitos legais se invoca.
23. Em quarto lugar, e no tocante à letra junta, cujo sacador é a esposa do Reclamante X…. e o sacado o Executado A, a mesma venceu-se em 2006-06-21, pelo que a mesma já se encontrava prescrita à data da escritura de confissão de divida, nos termos do artigo 70.º da Lei uniforme relativa a Letras e Livranças, o que para os devidos efeitos também se invoca.
24. O Reclamante não alegou nem tão pouco comprovou que a letra tenha sido apresentada a pagamento na data do seu vencimento, pelo que não poderia o empréstimo ter sido dado como provado.
25. Em face do exposto supra, os empréstimos foram dados por provados pelo douto Tribunal a quo apenas por força dos depoimentos produzidos em audiência.
26. Ora, os empréstimos podiam e deviam ter sido provados por documento, mediante a junção dos cheques legíveis, comprovativo do efetivo depósito dos valores na conta dos Executados, comprovativo da titularidade da conta de onde foi debitado o valor, o que não ocorreu. Repita-se que o depoimento de parte não é autossuficiente. Não é meio de prova idóneo para provar uma coisa que pode e deve ser suportado em prova documental.
27. Também por este motivo se requer a V. Exa. se digne revogar o facto provado 2, devendo o mesmo ser considerado como não provado.
28. Acresce que, os depoimentos do Reclamante e dos Executados não foram plausíveis, conforme transcrições supra, pelo que não pode o Exequente aceitar que o douto Tribunal a quo tenha considerado provado o facto provado 2 com base nos mesmos, designadamente porquanto os Executados não souberam indicar o valor que devem ao Reclamante, o Reclamante não logrou provar que tenha efetuado empréstimos aos Executados e porquanto, nem o Reclamante nemos Executados, lograram explicar o fundamento dos mencionados mútuos.
29. Assim, o único facto que deveria ter sido considerado provado (como foi) é o facto provado 1.
30. Contudo, tal documento (escritura de confissão de dívida e constituição de hipoteca) não permite reconhecer qualquer crédito à Reclamante. Os documentos autênticos só fazem prova plena dos factos praticados junto da autoridade ou oficial público respetivo
31. Da escritura junta pelo Reclamante não consta que a entrega da quantia de €247.000,00, tenha ocorrido na presença da notária, pelo que a referida escritura não faz prova do alegado empréstimo.
32. Acresce que, a confissão de dívida efetuada pelos Executados não é oponível ao Exequente. O crédito teria de ter sido provado, o que conforme indicámos supra não foi. Pelo que não pode o crédito ser reconhecido.
33. Por tudo quanto se deixou exposto andou mal a sentença recorrida ao reconhecer um crédito ao Reclamante no valor de €190.544,00, devendo ser revogada e substituída por outra que indefira a reclamação de créditos apresentada pelo Reclamante por não provada, sem que o crédito reclamado no montante de €247.000,00 seja verificado, graduado e pago pelo produto da vendado bem imóvel penhorado nos autos, o que se requer.
Termos em que se requer:
a) Seja negado provimento ao recurso interposto pelo Reclamante e, consequentemente, mantida a sentença recorrida no que diz respeito ao não reconhecimento do crédito reclamado no montante de €56.456,00, referente a juros;
b) Seja dado provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência:
i) Seja reapreciada a matéria de facto, revogando-se o facto provado nº 2, considerando-o como não provado;
ii) Seja revogada a sentença sob recurso, na parte em que reconheceu um crédito ao Reclamante no valor de €190.544,00, tendo-o graduado em 1.º lugar relativamente ao prédio 9717, e substituída por outra que não reconheça, não verifique e não gradue o crédito reclamado pelo Reclamante.
1.7. – O reclamante/apelante C, veio responder ao recurso subordinado do Banco Comercial Português, S.A., reclamando a respectiva improcedência, para tanto deduzindo as seguintes conclusões :
1. O Reclamante apresentou recurso da sentença do Tribunal de Primeira Instância (Juízo de Execução de Oeiras — Juiz 2) que reconhece ao ora Recorrente, apenas um crédito global no valor de € 190.544,00 (cento e noventa mil quinhentos e quarenta e quatro euros) - quando conforme a referida Confissão de dívida e hipoteca datada de 28 de Março de 2018 o Reclamante emprestou 247.000€00 aos executados.
2. Concluiu que na matéria de facto dada como provada, deve passar a constar, conforme Confissão de dívida e hipoteca datada de 28 de Março de 2018 (Documento 1 que se juntou na reclamação de créditos e dá por integralmente reproduzida), que o agora recorrente emprestou 247.000€00 aos executados.
3. Foi elaborada a 'confissão' de dívida com Hipoteca, onde foi acordado um juro de 4%, que, consideramos humildemente, deve ser dado como provado .
4. Efectivamente, o Tribunal a Quo reconhece a celebração de Escritura Pública de Confissão de Dívida com Hipoteca.
5. O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença na parte em que considera apenas provado que emprestou aos executados, sem juros nem prazo, as seguintes quantias: 2.000€ em 12-VI-03, 20.000€ em 15-IV-04, 2.000€ em 16- V-05, 6.500€ em 24-V-05, 5.000€ em 2-VI-05, 6.500€ em 22-VI-05, 4.138€ em 25-VII-05, 6.000€ em 25-VIII-05, 25.000€ em 5-IX-05, 4.600€ em 26-IX-05, 26.000€ em 17-X-05, 10.000€ em 17-X-05, 25.000€ em 5-IX-05, 10.000€ em 28-III-06, 12.806€ em 7-IV-06, e 25.000€ em 21-VI-06 ;
6. Pois que o montante ali titulado foi mutuado na data da celebração da referida Escritura, ou seja 28 de Março de 2018, defendendo-se que deverá considerar-se provado o mútuo ali formalizado e registado, que é de 247.000€00 (duzentos e quarenta e sete mil euros, conforme documento integrante do requerimento inicial de Reclamação de créditos, de 24/05/2019, referência citius 14785364).
7. Nos termos do disposto no nº 1 do artº. 1145º do Código Civil, sob a epígrafe "Gratuitidade ou Onerosidade do Mútuo" estabelece-se que "1. As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso em caso de dúvida."
8. Foi precisamente esta a intenção dos contratantes Mutuante e Mutuário, ao formalizarem por escritura pública a contratualização da onerosidade do mútuo, ou seja, o pagamento de juros (4%), manifestaram a vontade desde sempre vigente.
9. Ainda que assim se não entendesse, desde logo se alcança do nº. 1 do artº. 1145º do Código Civil que o mútuo se presume oneroso em caso de dúvida.
10. Não dispunha o Tribunal, face à prova produzida, de elementos bastantes para concluir pela não fixação de juros entre as partes.
11. Mais, no tocante aos juros e respectiva contratualização, a dúvida gerada é suficiente para fazer operar a norma supra citada, ou seja, considerar, pela dúvida suscitada, o mútuo como oneroso.
12. Por outro lado, " Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos." - Assim defende o nº. 1 do artº. 788º do Código Civil, sendo certo que neste artigo foi consagrado um conceito amplo de "garantia real", onde se devem incluir os privilégios creditórios definidos no artigo 733º do Código Civil: "Privilégio creditório é a faculdade que alei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros."
13. Aqui se inclui capital e juros compensatórios.
14. Segundo a regra do nº 1 do artigo 686º do Código Civil, "A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo ”.
15. Em sequência, o Exequente contra-alegou e apresentou recurso subordinado, mostrando o seu desacordo quanto ao facto provado nº 2, considerando “ um erro notório, uma falha grosseira e ostensiva na análise das mesmas, percetível pelo cidadão comum ” – o que não se concede.
16. As declarações prestadas em Tribunal foram sinceras, reconhecendo que pelo decurso do tempo alguns elementos poderiam estar esquecidos(bem como evidentemente, pelo avanço da idade quer do Executado, quer do Reclamante), apenas puderam confirmar a prova documental de fls dos autos (que, aliás, nem lhes foram exibidas, por forma a “avivar a memória”).
17. O Exequente questiona ainda a legitimidade do Reclamante, salientando que o nome que surge nos cheques são da sua esposa.
18. Cabe responder que independentemente do nome que surge, a conta é conjunta, o que o Exequente não ignora (a conta bancária é no Banco aqui Exequente) e que sendo casados no regime de comunhão de adquiridos o dinheiro é evidentemente de ambos.
19. A irmã, esposa do Reclamante, não sentiu necessidade de documentar a sua relação de mutuária com o próprio irmão, mas é também ainda credora do valor total acrescido de juros – que permanece em dívida.
20. Não é verdade que o facto 2 tenha sido provado apenas por base em depoimento – há documentos em fls. dos autos que demonstram que o empréstimo foi real.
21. Nomeadamente, foi feita prova de empréstimo realizado pelo Reclamante e esposa ao Banco, tendo em vista entregar o capital mutuado aos Executados ( Cfr. requerimento de 08/07/2019 com a referência Citius 15061393 , de fls dos autos e que se dá por integralmente reproduzido )
22. Já o “comprovativo do efetivo depósito dos valores na conta dos Executados”, não pode ser exigida aos Reclamantes, que não têm nem têm que ter acesso à conta dos Executados.
23. Só o Exequente e os Executados têm essas informações.
24. Os Reclamantes têm as cópias que apresentaram a fls dos autos (apenas de parte do valor mutuado) e, principalmente, têm a escritura de Confissão de dívida.
25. O Reclamante emprestou 247.000€00 aos executados e fixou um juro de 4%.
26. O mecanismo de devolução não foi cumprido e os Reclamantes mantêm-se no prejuízo de todo o valor reclamado, acrescido de juros a calcular até integral pagamento.
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente Recurso obter provimento, e em consequência REVOGAR-SE A DECISÃO RECORRIDA proferida sendo esta substituída por decisão que contemple o mútuo ali formalizado e registado, que é de 247.000€00 (duzentos e quarenta e sete mil euros), acrescido de juros remuneratórios à taxa contratada (4%), nada mais havendo a alterar na douta decisão. Assim se fazendo a costumada... JUSTIÇA !
1.8 – Remetidos e chegados os  autos a este Tribunal da Relação  e, inscrito o mesmo em Tabela para prolação de competente Acórdão, veio o mesmo a ser proferido a 15/6/2023, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“(…)
6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento ao recurso principal interposto por C e ao recurso subordinado deduzido pelo BCP;
6.1. - Confirmar/manter a decisão apelada.
Custas pelos recorrentes ( principal e subordinado )”.
1.9.- Interpondo o apelante C, competente REVISTA do Acórdão proferido por este tribunal a 15/6/2023, e subindo os autos ao SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, veio a 14/1/2025 a ser proferido douto Acórdão que, concedendo parcial provimento à revista, decretou a ANULAÇÃO do acórdão recorrido, determinando a baixa dos autos a este Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação da impugnação de facto em relação ao facto 2.
1.10. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e , in casu, pelo doutamente sentenciado pelo Venerando SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA em Acórdão de 14/1/2025, as questões a apreciar e a decidir são apenas as seguintes :
I - No âmbito do recurso independente do reclamante C.
i) Aferir se importa alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, maxime se deve o ponto de facto com o nº 2.2. passar antes a “dispor” que :
“C emprestou 247.000€00 aos executados, acordando todos que que o mesmo – o empréstimo - vencia um juro de 4%” ;
ii) Aferir se a decisão recorrida deve ser revogada , impondo-se a prolação de decisão diversa e que reconheça um crédito do Recorrente sobre os Executados no montante total de 247.000€00, acrescido de juros remuneratórios à taxa contratada ;
Nota : Relativamente ao recurso subordinado, porque não objecto de impugnação – por parte do BCP - o Acórdão deste tribunal da Relação de  Lisboa e de 15/6/2023, a respectiva instância recursória mostra-se extinta pelo julgamento, não se impondo ao mesmo tecer quaisquer considerações neste Acórdão.
*
2. - Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo , mostra-se fixada a seguinte factualidade ;
A) PROVADA
2.1. - Em 28-III-18 reclamante e executados outorgaram a escritura pública de “CONFISSÃO DE DÍVIDA E HIPOTECA” junta a fls 4 a 6 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).
2.2 - O reclamante emprestou aos executados, sem juros nem prazo, as seguintes quantias: 2.000€ em 12-VI-03, 20.000€ em 15-IV-04, 2.000€ em 16-V-05, 6.500€ em 24-V-05, 5.000€ em 2-VI-05, 6.500€ em 22-VI-05, 4.138€ em 25-VII-05, 6.000€ em 25-VIII-05, 25.000€ em 5-IX-05, 4.600€ em 26-IX-05, 26.000€ em 17-X-05, 10.000€ em 17-X-05, 25.000€ em 5-IX-05, 10.000€ em 28-III-06, 12.806€ em 7-IV-06, e 25.000€ em 21-VI-06.
B) NÃO PROVADA
2.3 - Em 28-III-18 o reclamante emprestou 247.000€ aos executados, sem juros.
2.4 - Até à presente data não foi devolvido qualquer montante.
*
3. -  Da Impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo [ em sede de recurso independente ].
Discorda o apelante C do julgamento de facto efectuado pelo Primeiro Grau, maxime do vertido no ponto de facto com o nº 2.2. , considerando que mal andou o tribunal a quo em reconhecer ao ora Recorrente “apenas” a titularidade de um crédito global no valor de € 190.544,00 sobre os executados.
Acresce que, considera ainda o apelante, que da escritura pública identificada em 2.1. decorre que a intenção dos contratantes Mutuante e Mutuários, ao formalizarem o mútuo por escritura pública, foi a de contratualizarem a onerosidade do mútuo, ou seja, o pagamento de juros de 4%, logo, não dispunha o Tribunal, face à prova produzida, de elementos bastantes para concluir pela não fixação de juros entre as partes.
Conclui assim o apelante/impugnante que da matéria de facto dada como provada, deve antes passar a constar, conforme Confissão de dívida e hipoteca datada de 28 de Março de 2018, que “o agora recorrente emprestou 247.000€00 aos executados, tendo ficado acordado um juro de 4% ”.
Já o Tribunal a quo, e no âmbito do cumprimento disposto no nº 4, do artº 607º, do CPC, discorreu nos seguintes termos :
“ O Tribunal julgou a matéria de facto conjugando o teor da documentação junta aos autos (supra indicada) com o dos depoimentos produzidos em audiência – conforme melhor se tentará expor, e sendo certo que a executada nada de concreto pode esclarecer.
O embargante confirmou os empréstimos constantes da lista junta a fls 15v ( com referências a cheques e uma letra ), e declarou que não ficou combinado juros, nem prazo de pagamento ( pontos 2 e 3 ); mais tarde, quando foi elaborada a  “confissão”, foi acordado um juro de 4% (retroactivo) ; mais esclareceu que foi paga ( em 2018 ) uma das 180 prestações previstas, no valor de 1.350€ ( ponto 4 ).
O executado declarou não saber ao certo (cerca de 190.000€) o valor total recebido (confirmando que foi sempre sem prazo nem juros), e que mais tarde foi acordado um juro de 4% - acrescentando que pagou uma vez 1.800€ (ponto 4).”
Conhecida portanto a ratio da convicção do tribunal a quo, urge agora aferir se a prova indicada pelo recorrente/reclamante C justifica/obriga – e como o mesmo defende - na realidade a que o ad quem enverede por uma diversa/diferente convicção da do tribunal a quo , a ponto de este Tribunal da Relação introduzir alterações na decisão de facto e com fundamento na existência de um erro – do tribunal a quo – em sede de apreciação da prova relativamente ao concreto ponto de facto impugnado.
Neste conspecto, recorda-se que no âmbito das alegações recursórias sricto sensu e subsequentes conclusões, e em obediência ao comando da alínea b), do nº1, do artº 640º, do CPC, não invocou o recorrente/impugnante – a amparar a alteração do julgamento de facto – qualquer prova gravada, não indicando em coerência as passagens de qualquer gravação [ cfr. artº 640º,nº2, alínea a), do CPC ], razão porque no pretérito Acórdão deste tribunal e de 15/6/2023, logo [ a fls 24 ] se alertaram outrossim as “partes” para o facto de nas precedentes alegações do recorrente, não se mostrar “igualmente presente a indicação dos meios probatórios nos quais alicerça a sua discordância quanto ao julgamento de facto efectuado pelo Primeiro Grau, não indicando igualmente – quanto à prova gravada - e com exactidão, as passagens da gravação em que se baseia ( cfr. nº 2, alínea a) , do artº 640º, do CPC ) a impugnação que deduz ”.
 Prima facie, portanto, e em face do disposto no artº 640º, nº2, alínea a), do CPC [ o qual reza que Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”] , e no âmbito do julgamento do “mérito” da impugnação da decisão de facto pelo apelante deduzida, apenas se nos exigia apreciar a força/relevância probatória do documento [ escritura ] pelo recorrente mencionado com vista à alteração do julgamento dirigido para o ponto de facto com o n º 2.2..
Ainda assim, tendo presente o disposto na primeira parte da alínea b), do nº2, do artº 640º, do CPC [Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes ” ], ad cautelam [ desde logo em face do disposto no artº 4º, nº 1, in fine, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO ] e tendo em vista lograr-se a justa composição do litigio em prazo razoável [ artº 6º,nº1, do CPV, vai este tribunal apreciar a globalidade da prova carreada para os autos, qual segundo julgamento e à luz de um entendimento/interpretação  alargada/generoso dos artºs 640º e 662º, ambos do CPC.
E conhecendo.
Começando pelo documento/escritura [ junta aos autos pelo reclamante de créditos C ] outorgada em 28/3/2018, entre A e B, importa reconhecer que de documento autêntico se trata [ cfr. artº 369º, do CC ], logo, o respectivo valor probatório é aquele que decorre do disposto no art. 371º do CC, normativo este último que preceitua que “ Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (…)”.
Ou seja, a força probatória plena do documento/escritura junta aos autos pelo reclamante de créditos C , enquanto documento autêntico cinge-se portanto aos factos praticados ou percecionados pela autoridade ou oficial público documentador (veja-se o nº 1 do artigo 371º do Código Civil), nada obstando a que relativamente àqueles factos seja demonstrado que o declarado e plenamente provado não corresponde à realidade, nomeadamente porque o declarado foi em erro ou sob coação (cfr. artigo 347º do Código Civil).
Perante o referido, e em rigor, o  documento/escritura  referido prova [ prova legal plena ] tão só que na realidade e perante oficial publico/notário, os outorgantes A e B declaram/confessaram serem devedores a C da quantia de 247.000,00€.
Mas, como bem “ensinam” PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA (2), e em face do disposto no art.º 371.º, n.º 1, do Código Civil, certo é que a cobertura da força probatória plena da referida ESCRITURA – como documento autêntico -  apenas releva quanto ao que os outorgantes disseram perante ele – notário - , já não obrigando a considerar/julgar como provado que sejam verdadeiras as afirmações feitas pelos outorgantes, ou que não estejam viciadas por erro, dolo ou coação, nem que o ato não seja simulado .
É vero que, não se olvida, que dispõe o art.º 358.º, n.º 2, do Código Civil que “a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena ”.
Ora, porque a confissão corresponde ao reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária [ artº 352º, do CC ], pacífico é que a declaração de A e B – no sentido de serem devedores a C da quantia de 247.000,00€ - inserta na ESCRITURA à qual se refere o ponto de facto com o nº 2.1., porque dirigida ao ora apelante/mutuante C equivale prima facie a uma confissão.
Inquestionávelmente , portanto, que integra a ESCRITURA pública outorgada em 28-2-2018 entre o ora reclamante e os executados uma declaração confessória de dívida, porque da mesma consta o reconhecimento, pelas partes executadas/confitentes, de um facto – verdadeiro ou falso – que as desfavorece (assumem-se como devedores) e favorece a parte contrária (o aqui Reclamante/Apelante). (3)
Ocorre que, a instância de reclamação de créditos – da qual emerge a instância recursória – não se desenvolve apenas entre os executados/confitentes e o credor/reclamante, mas da mesma faz parte também a apelada BCP/exequente, sendo que relativamente a esta última  a ESCRITURA pública outorgada em 28-2-2018 consubstancia res inter alios acta – coisa realizada entre outros.
Consequentemente, porque como bem adverte o STJ, em douto Acórdão de 12/2/2012 (4) “ Não pode invocar-se no confronto de terceiros, cujos direitos são abalados pelo teor de declaração confessória, constante de certa escritura pública em que intervieram credor e devedor, o valor de prova plena de tal confissão extrajudicial, em termos de vedar ao terceiro a impugnação, por qualquer meio probatório, da validade ou veracidade do reconhecimento confessório”,  e , porque in casu veio a exequente BCP IMPUGNAR  a efectiva e real existência/outorga de um qualquer mútuo entre executados e credor reclamante, ostensivo é que , por si só, não dispõe a ESCRITURA junta aos autos da necessária e suficiente força probatória capaz de dar como PROVADO  o ponto de facto pelo apelante reclamado.
Aqui chegados, e escudando-se tão só o credor reclamante [ no âmbito da impugnação da decisão de facto deduzida ] no teor da ESCRITURA PÚBLICA identificada em 2.1. para lograr a alteração da decisão de facto [ quanto ao ponto de facto com o nº 2.2. ] , ostensivo é que à partida a pretensão em causa estava em grande medida votada ao fracasso, e isto porque, como com acerto se conclui em douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e de 7/9/2021 (5), sobe si incide a prova dos factos constitutivos (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.)  do mútuo alegado, cabendo-lhe designadamente o ónus da prova da efetiva entrega das quantias pecuniárias alegadamente mutuadas, “como condição da perfeição da declaração negocial em contratos configuráveis como reais quoad constitutionem.”. (6)
Incidindo de seguida a nossa atenção sobre a prova gravada [ pelo apelante não invocada, recorda-se ] e ouvido integralmente todo o registo fonográfico dos depoimentos prestados no decurso da audiência final, constata-se que todos eles encontram-se relacionados com declarações prestadas pelas próprias partes [ o credor reclamante C, o executado A e a executada B ], por sua vez todos eles ligados por laços familiares ( cunhados ) .
Ora, começando pelas declarações prestadas por B ( executada), e tendo logo de “entrada” – no depoimento - logo referido que o C [ credor reclamante ] lhes emprestou muito dinheiro, não soube porém explicar a razão dos empréstimos, quais os montantes implicados e sequer como é que os empréstimos seriam reembolsados , dizendo em suma “não se lembrar de nada, porque foi há tanto tempo ! .
Ou seja, apesar de ter subscrito a confissão de dívida e hipoteca de 28/3/2018, “estranhamente” nada de útil soube explicar a propósito da ratio da mesma ,escudando-se na circunstância de estar em causa factualidade há muito ocorrida [ não obstante em causa estar , prima facie, um mútuo de largas dezenas de milhares de euros, facto este que, convenhamos e segundo regras da experiência, não é por regra corriqueiro e ou/ frequente , a ponto de se esquecerem os respectivos contornos ].
Seguindo-se as declarações do marido e executado A, insolitamente, também não foi o mesmo claro em precisar quais os exactos montantes envolvidos [ escudando-se igualmente na circunstância de haver já passado muito tempo e de não ter ficado com quaisquer escritos/documentos ], “achando” estar a dever cerca de 300.000,00€, dizendo que não tem nada escrito , e não se recordando sequer qual a data em que subscreveu a confissão de dívida e hipoteca.
Ainda assim, reconheceu/admitiu porém que foi efectivamente recebedor do credor reclamante C de diversos montantes, através de diversos cheques, os quais depositou na sua conta, “confessando” em suma ser devedor ( em montante que calcula ser superior a duas centenas de milhares de euros ) perante o seu cunhado [ e daí a circunstância de ter acedido a subscrever a confissão de dívida e hipoteca ].
Por fim, ouvidas as declarações do arrogado credor reclamante C, precisou o mesmo que efectivamente emprestou – por diversas vezes – diversos montantes pecuniários ao executado A, esclarecendo que o grosso dos montantes em causa foram cedidos através de cheques de uma conta cuja titular era a sua esposa B [ alegando ter ficado com os comprovativos ].
Mais esclareceu/confessou o pretenso credor reclamante C que até à data da outorga da confissão de dívida e hipoteca não foi fixado qualquer prazo para a devolução dos montantes emprestados ou sequer o pagamento de quaisquer juros .
Porém, já não foi o C capaz de elucidar a ratio do montante total de 247.000€ aposto na escritura de confissão de dívida e hipoteca, tendo revelado sérias dificuldades em precisar se naquele valor de 247.000€ se encontravam inseridos quaisquer juros.
Aqui chegados, e analisados conjugadamente os 3 depoimentos acabados de esmiuçar, é caso para dizer que em face dos montantes envolvidos [ de centenas de milhares de euros ] , e em razão das regras da experiência, que suscita alguma “perplexidade” a circunstância de não terem os depoentes sido mais assertivos e clarividentes em sede de explicação de todos os contornos relacionados com os alegados empréstimos, maxime quanto ao como e o porquê [ v.g. ratio dos mesmos, valores envolvidos ], e o que efectivamente e ab initio ficou logo combinado/acertado em relação ao timing da devolução dos montantes emprestados.
Dir-se-á que, se as declarações em causa própria já justificam algumas reticências em sede de valoração da respectiva credibilidade e aceitação, mais reservas suscitam quando elas próprias se revelam algo débeis e bastante infundamentadas.
Ocorre que, in casu, pode a explicação para a ausência de uma  prova mais assertiva [ v.g. tendo os mesmos ficado devidamente atestados em documentação credível, datada e assinada, e da mesma constando designadamente a razão de ser dos próprios empréstimos ] encontrar a sua justificação na circunstância de existir uma relação de confiança – justificada em parte pelos laços familiares existentes – entre todas as “partes”, isto por um lado.
Por outro lado, certo é que as declarações prestadas essencialmente por  C e A não surgem todavia totalmente isoladas e desacompanhadas de qualquer outra prova, existindo também alguma prova documental [ v.g. os cheques juntos aos autos ] que , juntamente com as referidas declarações, conferem alguma consistência a parte da versão carreada para os autos pelo credor/reclamante.
Ou seja, a globalidade da referida prova, de algum modo confere alguma plausibilidade, ao “apanhado” que se mostra reproduzido na Lista elaborada pelo próprio credor reclamante, e junto aos autos em 8/7/2019 [ Refª 32933042 ], do mesmo resultando um montante total de 190.544,00€  de “entregas” alegadamente efectuadas pelo C a B e ao longo dos anos de 2003 a 2006.
Dito de uma outra forma, se algumas entregas de valores ( certificadas por documentos/títulos de crédito ) por si só não apontam necessariamente para a presença de mútuos, já os mesmos documentos coadjuvados por declarações  prestadas pelo mutuante e mutuário  permitem já formar uma convicção que ampare uma versão que justifique as entregas de numerário em razão da outorga de empréstimos [ existindo assim a obrigação de devolução dos montantes emprestadora].
Aqui chegados, tudo visto e ponderado, e sendo verdade que em sede de julgamento do mérito de concreta impugnação de decisão de facto do Primeiro Grau incumbe ao Tribunal da Relação formar a sua convicção [   ainda que não se lhe exija que  realize um segundo ou um novo julgamento, e isto porque a impugnação  da decisão de facto “não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes” (7) ] , certo é que a prova por nós analisada está longe de concluir que em sede de julgamento de facto incorreu o Primeiro Grau em ERRO de apreciação e valoração das provas .
Consequentemente, tudo visto e ponderado, e em face da globalidade da prova produzida e analisada [ declarações das partes e prova documental ] , a verdade é que não se nos afigura ( com clareza ) legítimo e pertinente considerar que – em sede de julgamento do ponto de facto nº 2.2. – houve um erro de julgamento da parte do julgador da primeira instância, importando alterar a respectiva redacção.
Em suma, as declarações das partes por sua vez complementadas pela prova documental junta pelo credor reclamante , não se revelam como suficientemente categóricas no sentido de justificar uma alteração de convicção, maxime a ponto de se impor uma resposta diversa – da conferida pelo Primeiro Grau e nos termos reclamados pelo credor/apelante C - ao ponto de facto com o nº 2.2..
Destarte, improcede in totum a impugnação do apelante C, o que equivale a dizer que a decisão de facto proferida pelo Primeiro Grau é aquela que vale para efeitos de  subsunção dos factos ao direito aplicável.
***
4. - Da Fundamentação de Direito.
4.1. – Da apelação principal
Dissentindo da decisão da primeira instancia, manifesto é que a apelação interposta pelo Reclamante C, para ter êxito, exigia – como de pão para a boca – a procedência da impugnação que deduziu do julgamento de facto efectuado pela primeira instância, maxime quanto ao conteúdo do ponto de facto nº 2.2..
Ora, permanecendo o referido ponto de facto inalterado, é óbvio que inevitavelmente deve naufragar a apelação de C, quer quanto ao valor do crédito reconhecido [ de apenas do valor de €190.544,00, que não de 247.000,00€ ], quer relativamente aos reclamados juros remuneratórios.
Neste conspecto, e não olvidando o que resulta da factualidade assente em 2.1. [ do qual decorre que em 28-III-18, reclamante e executados outorgaram uma escritura pública de “CONFISSÃO DE DÍVIDA E HIPOTECA”, da mesma constando que A e mulher B, primeiros outorgantes, se confessam devedores em relação ao segundo outorgante C, da quantia de DUZENTOS E QUARENTA E SETE MIL EUROS ], importa todavia ter bem presente que, em face do disposto no artº 358º,nº2, do CC [ o qual reza que “A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena ” ], não pode a referida confissão de dívida valer e impor-se perante o exequente BCP, porque de confissão se trata que não é efetuada perante este último.
Consequentemente, e por aplicação do disposto no nº4, do artº 358º, do CC, de confissão se trata que, porque efectuada a terceiro , é tão só apreciada livremente pelo tribunal, não gozando de força probatória plena.
Vale assim nestes autos, o entendimento já sufragado pelo STJ em douto Acórdão de 12-01-2012 (8), ou seja, que em concreta situação litigiosa, situada no âmbito de um procedimento de reclamação de créditos, a declaração confessória do mutuário se não efectuada perante o credor exequente, mas antes ao próprio mutuante, não pode desencadear força probatória plena no confronto de um outro credor comum do mutuário, com vista a destruir a eficácia da penhora por ele conseguida na sua própria execução.
Em suma, e como assim se conclui do referido e citado Acórdão do STJ, “a declaração confessória, constante de escritura pública em que intervieram mutuante e mutuário, não faz prova plena relativamente a terceiros cujos direitos possam ser abalados pelo teor do reconhecimento confessório, em termos de lhes precludir a utilização de todo e qualquer meio de prova, admitido em direito, para convencer da invalidade ou inveracidade do reconhecimento confessório que, porventura, conste da escritura ”.
Do acabado de expor, manifesto é que vedado está ao credor reclamante , e com base apenas na invocada força probatória – que não é plena – decorrente da escritura pública outorgada em 28-III-18, insistir ser titular de um crédito perante os executados e no valor de 247.000,00€ .
Ao invés, porque da prova produzida apenas decorre [ cfr. item de facto nº 2.2. ] ter o recorrente/reclamante C emprestado aos executados A e B, diversos montantes do valor total de €190.544,00, é óbvio que a apelação de C não pode de todo proceder, antes improcede in totum.
Do que se acaba de expor, importa portanto concluir também como se concluiu em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, e de 27/1/2020 (9), ou seja, que :
I - A confissão de dívida constante de escritura pública só tem força probatória plena, como previsto no art. 358º nº2 do C.Civil, no confronto entre o mutuante dos empréstimos que originam tal dívida e o confitente (mutuário) e quando tal confissão foi feita em relação àquele;
II – Sendo tal confissão de dívida apresentada e invocada, por via da reclamação de créditos, perante um terceiro, a mesma, face ao disposto no nº 4 daquele mesmo art. 358º, é apreciada livremente pelo tribunal.
III – Tendo, na sequência dessa livre apreciação, o tribunal dado como não provados os empréstimos que alegadamente estavam na sua base, é de concluir pela não verificação do crédito confessado para efeitos da sua graduação naquela reclamação de créditos.”.
Por último, dispondo o art.º 1142º do Código Civil , que  “Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”, e, decorrendo da factualidade provada em 2.2. a outorga entre executados e credor reclamante de contratos de mútuo [  supondo os mesmos a verificação de dois elementos constitutivos: i) entrega de uma coisa fungível ou de determinada quantia em dinheiro; ii) obrigação de restituição da coisa ou dinheiro mutuado e a cargo do demandado, acrescida de eventual remuneração ], inevitável é concluir que não é a Sentença recorrida passível de qualquer reparo, merecendo ser confirmada.
Tudo visto e ponderado, eis porque improcede o recurso principal.
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5 - Sumariando ( cfr. artº 663º,nº7, do Cód. de Proc. Civil ).
5.1. - A confissão de dívida constante de escritura pública só tem força probatória plena, como previsto no art. 358º nº2 do C.Civil, no confronto entre o mutuante dos empréstimos que originam tal dívida e o confitente (mutuário) e quando tal confissão foi feita em relação àquele;
5.2. – Sendo tal confissão de dívida apresentada e invocada, por via da reclamação de créditos, perante um terceiro, a mesma, face ao disposto no nº 4 daquele mesmo art. 358º, é apreciada livremente pelo tribunal.
5.3. – Tendo, na sequência dessa livre apreciação, o tribunal dado como provados empréstimos entre reclamante e executados apenas no valor de 190.000,00€, não pode em sede de reclamação de créditos ser reconhecido um crédito de 247.000,00€ tão só porque confessado este último em confissão de dívida outorgada entre credor e executados”;
5.4. - Pressupondo a alteração do julgado a introdução – pelo ad quem -  de modificações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, permanecendo tal decisão de facto de facto inalterada, inevitável é a improcedência in totum da apelação e a confirmação da sentença recorrida, maxime quando o objecto da apelação não se dirige para quaisquer outras questões, v.g. relacionadas com um pretenso erro do tribunal a quo em sede de interpretação e aplicação das regras de direito à matéria de facto que fixou.
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6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, em , não concedendo provimento ao recurso principal interposto por C ;
6.1. - Confirmar/manter a decisão apelada.
Custas pelo recorrente  principal .
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(1) Facto este – o referente ao montante – que decorre da fundamentação inserta na sentença recorrida.
(2) Em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, págs. 327-328.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ, de 31/05/2011, proferido no Proc. nº 4716/10.5TBMTS-A.S1,acessível em www.dgsi.pt.
(4) Proferido no Proc. nº 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1,acessível em www.dgsi.pt.
(5) Ac. proferido no Processo nº 1853/19.4T8PBL-B.C1, e disponível in www.dgsi.pt.
(6) Acórdão proferido no Proc. 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1, sendo Relator LOPES DO REGO, e em www.dgsi.pt.
(7) Cfr. Acórdão do STJ de 13/1/2015, proferido no Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1, e em www.dgsi.pt.
(8) Acórdão proferido no Proc. 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1, e em www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, mas que não subscrevemos, vide v.g. o Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/4/2021, proferido no Processo nº  7167/13.6YYLSB-B.L1-8, e em www.dgsi.pt.
(9) Acórdão de 24/11/2014, proferido no Processo nº  29/13.9TBPCR.G1, e em www.dgsi.pt.
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LISBOA, 6/3/2025
António Manuel Fernandes dos Santos
Vera Antunes
Elsa Melo