Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL FONSECA | ||
| Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL AUTORIZAÇÃO PLANO DE REVITALIZAÇÃO VOTAÇÃO INEFICÁCIA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade da relatora – art. 663.º n.º 7 do CPC): 1. Não estabelecendo o plano de recuperação aprovado com a maioria dos votos dos credores (legalmente exigida) e objeto de homologação por decisão do tribunal de primeira instância, qualquer redução do crédito da Segurança Social (capital e juros), estabelecendo-se apenas um pagamento fracionado cujo número de prestações se contém nos limites estabelecidos pelo legislador, sem qualquer período de carência ou moratória de pagamento, deve entender-se que nada obsta à homologação desse plano. 2. Tem sido entendimento expresso em inúmeros acórdãos dos tribunais da relação que o princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado (créditos tributários e da Segurança Social), decorrente do n.º 2 do art. 30.º da LGT e, quanto à Segurança Social, ex vi do artigo 3.º, al. a), do CRCSPSS), não impede, per se, a aprovação de Plano de Recuperação apenas porque um dos credores, no caso, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., manifestou o seu voto desfavorável. 3. Não se desconhecendo, é certo, a orientação propugnada pela 6.ª secção do STJ, em sentido diferente e aceitando a solução propugnada pelo apelante, isto é, de ineficácia do plano relativamente ao referido credor em casos como o dos autos, permitimo-nos discordar deste entendimento, constatando-se que não foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência definidor, para todos os tribunais de grau inferior, da melhor interpretação do regime normativo cuja aplicação ora está em causa. 4. O acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STJ, pese embora não constitua decisão de cariz vinculativo – ao contrário do que acontecia com os assentos, que fixavam doutrina com força obrigatória geral, nos termos do art. 2º do Cód. Civil, entretanto revogado pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329/A/95 de 12 de dezembro –, “cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação”. 5. Acontece que, no caso, esse acórdão não foi proferido, sendo que também não encontramos, a nível do Supremo Tribunal de Justiça, inteira uniformidade de critérios de ponderação, como decorre do voto de vencido lavrado no acórdão do STJ de 17-10-2023, por um dos juízes Conselheiros, aderindo esta Relação à solução aí propugnada e que é a que se vem seguindo. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO (i) Nos presentes autos em que a sociedade IMPULSO CAMPESTRE SOCIEDADE AGROPECUÁRIA, LDA, se apresentou a processo especial de revitalização em 07-03-2025, o Administrador Judicial Provisório (AJP) apresentou a lista definitiva de créditos na sequência da decisão de 09-05-2025 que recaiu sobre a impugnação apresentada relativamente à lista provisória junta aos autos. O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o AJP nomeado e a devedora. (ii) Em 30-07-2025 a devedora apresentou as “[v]ersão final do plano de recuperação”, propondo, quanto aos créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. como segue: “3. A Segurança Social a) O Plano de Regularização: Propõe A totalidade da dívida vencida à segurança social até à data da nomeação do Sr. AJP, no PER será regularizada através de plano prestacional, no âmbito da execução fiscal, em 96 (noventa e seis) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da votação do plano de revitalização; b) Pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas; c) Garantias: Dispensa de constituição de garantias, nos termos do artigo 199º, nº 13, do CPPT; d) As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, na sequência da presente autorização e até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado. De acordo com os nºs 2 e 3 do artigo 30º e nº 3 do artigo 36º da LGT e artigos 196º e 199º do CPPT”. (iii) Não deu entrada nos autos qualquer pedido de não homologação do plano. Findo o prazo de votação de 10 dias, o AJP veio juntar o apuramento da votação do plano e os votos rececionados, informando que o mesmo foi aprovado. Votaram o plano de recuperação 8 (oito) credores, cujos créditos somam €1.026.247,43, representando 99,54% dos créditos relacionados com direito de voto e, destes, mais de 94% votaram a favor da aprovação do plano de recuperação. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (apelante) votou o plano, indicando, em síntese, como segue: “A empresa IMPULSO CAMPESTRE SOCIEDADE AGROPECUÁRIA LDA - NIF 513982949, tem em curso um Processo Especial de Revitalização, o qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste Juízo de Comércio de Sintra - Juiz 2, sob o nº 4039/25.5T8SNT. // É da competência do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., nos termos da alínea e) do n. º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n. 2 84/2012, de 30 de março, apreciar e decidir a posição a assumir pela segurança social no âmbito dos Processos Especiais de Revitalização. // Considerando que: // a. O plano de revitalização prevê a regularização da dívida à segurança social nos seguintes termos: (…) // b. A empresa não retomou o pagamento das contribuições mensais, o que, nos termos do artigo 190.º n 3, do CRCSPSS, constitui indício da sua inviabilidade económica e configura violação do disposto no artigo 42 do mesmo Código. Com efeito, não se afigura credível que uma empresa que, durante a pendência do PER, não retomou o cumprimento das suas obrigações contributivas correntes, o venha a fazer após a sua homologação, acrescendo-lhe ainda o ónus do cumprimento de um plano de pagamentos referente ao passivo acumulado, cuja taxa de esforço mensal será substancialmente mais exigente; // c. À luz do exposto, o plano de revitalização não salvaguarda os interesses da segurança social; // d. Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da segurança social - é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. // e. A homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da segurança social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a segurança social, sendo-lhe inoponível. // Assim, determina-se o seguinte: // 1. A segurança social vota contra o plano de revitalização apresentado.// 2. Caso o plano de revitalização seja aprovado e homologado, o mandatário da segurança social deve interpor recurso da sentença de homologação, requerendo a declaração de ineficácia do plano relativamente à segurança social, uma vez que este credor não prestou o seu consentimento expresso ao mesmo. Tal situação configura uma violação da legislação específica da segurança social, bem como da legislação tributária, nomeadamente do artigo 30. 2 da LGT, que estabelece que os créditos da segurança social são indisponíveis. // 3. O presente despacho faz parte integrante do plano de revitalização, sendo junto aos respetivos autos”. (iv) Em 04-09-2025 foi proferida decisão (decisão recorrida) com o seguinte teor, em síntese: “(…) Votaram o plano de recuperação 8 (oito) credores, cujos créditos somam € 1.026.247,43, representando 99,54% dos créditos relacionados com direito de voto. Destes, e em qualquer das previsões legais (alíneas a) ou b) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE), mais de 94% votaram a favor da aprovação do plano de recuperação. Assim, considerando o disposto nas alíneas b) e/ou c) do n.º 5 do artigo 17.º-F do CIRE (não se aplicando o critério da alínea a), entendemos que o plano de recuperação apresentado pela empresa foi aprovado. O Sr. AJP apresentou o parecer a que alude o art.º 17.º- F, n.º 6, parte final, do CIRE, aí concluindo pela viabilidade do plano. II- Da Homologação do Plano O Administrador Judicial Provisório nomeado juntou o seu parecer (positivo) no sentido de o plano executável e económica e financeiramente estável, apresentando perspetivas razoáveis de evitar a insolvência e assegurar a viabilidade da empresa. Não ocorre fundamento que determine a recusa oficiosa de homologação do plano e também nenhum interessado solicitou a não homologação do mesmo – art.ºs 17.º-F, n.º 7, 215.º, e 216.º, do CIRE. Nestes termos, decide-se homologar o plano de recuperação apresentado pela devedora IMPULSO CAMPESTRE SOCIEDADE AGROPECUÁRIA, LDA, IMPULSO CAMPESTRE SOCIEDADE AGROPECUÁRIA LDA, NIPC 513982949, com o capital social de €200.000,00 (duzentos mil euros) com sede social sita em …, Estrada …, 66 e 66- A, … Agualva Cacém A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – artº 17º-F, nº 6 do CIRE. Notifique, publicite e registe, nos termos do disposto nos artigos 17.º-F, n.º 11, 37.º e 38.º, do CIRE. Custas pela requerente – artigo 17.º-F, n.º 12, do CIRE. Valor da causa: € 30.000,01. * Remuneração do Administrador Judicial Provisório Notifique a devedora para proceder ao pagamento ao Sr. Administrador Judicial Provisório nomeado do valor da sua remuneração fixa de €2.000,00 e, ainda, do valor da remuneração variável a que o mesmo tem direito, para a qual deverá o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentar o respetivo cálculo (cfr. artigos 17.º-C, n.º 6, do CIRE e 23.º, n.ºs 1, 4, al. a), 5 e 7, da Lei n.º 22/2013, de 26/02, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17/04 e pela Lei n.º 9/2022, de 11/01). Notifique”. (v) Não se conformando, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. apelou, formulando as seguintes conclusões: “1.º O presente recurso vem interposto da Sentença que homologou o plano de recuperação com vista à revitalização da devedora "IMPULSO CAMPESTRE SOCIEDADE AGROPECUÁRIA, LDA.", sendo que, a homologação deveria ter sido oficiosamente recusada, dado que, o plano aprovou o deferimento dum crédito público sem anuência do Instituto da Segurança Social, I.P., ora recorrente. 2.º Por deliberação de 13.08.2025, proferida pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (Instituto a quem cabe a competência, nos termos legais, para efeitos de apreciar e decidir a posição a assumir pela Segurança Social, no âmbito dos processos especiais de revitalização) e remetida ao Senhor Administrador Judicial Provisório, o ora recorrente e credor Segurança Social, votou contra o plano de revitalização apresentado pela entidade devedora. 3.º Um plano de recuperação aprovado, apenas pode afetar os créditos tributários se respeitar todas as condições de alteração, redução ou extinção desses créditos impostas na lei geral, entre as quais, se inclui o consentimento do organismo público competente, nomeadamente, a Autoridade Tributária ou, no caso dos autos, o ora recorrente Instituto da Segurança Social, I.P. 4.º O mencionado plano de revitalização, foi homologado sem a expressa autorização do recorrente INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, 1. P., conforme legalmente estabelecido no artigo 190. º e seguintes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro (alterado pela Lei n.º 119/2009, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 140-B/2010, de 30 de dezembro, pela Lei n. º 55-A/2010, de 31 de dezembro e pela Lei n. º 64-B/2011, de 30 de dezembro). 5.º A Segurança Social está subordinada à observância das normas legais imperativas, aplicáveis à regularização dos créditos tributários, nomeadamente, as previstas nos artigos 30.º n.º2 e 36.º n.º 3, ambos da Lei Geral Tributária, artigos 85.º n.º 3, 196.º e 199.º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. 6.º Os mencionados preceitos legais consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários. 7.º Por força dos referidos normativos aplica-se em absoluto e de forma inquestionável, a regra de que, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários se sobrepõe a qualquer outra legislação especial, nomeadamente, a constante do CIRE. 8.º No que concerne aos créditos relativos ao Estado e outras Entidades Públicas, como é o caso do recorrente, vigora o princípio da indisponibilidade, ou seja, não é possível que, à luz da Lei, o Estado e essas Entidades, possam aderir a medidas que impliquem uma redução dos seus créditos, apenas lhes sendo possível aceitar moratórias no pagamento nos termos da lei, de acordo com esta e dentro dos seus limites. 9.º A alteração introduzida pela Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2011), que aditou um n.º 3 ao artigo 30.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Dec. Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, nos termos do qual "o disposto no n.º anterior - n.º 2 do artigo 30.º da LGT. O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária." - prevalece sobre qualquer legislação especial", sendo certa a aplicabilidade da norma, designadamente, aos processos especiais de revitalização. 10.º De acordo com o artigo 30.º n.º 2 da Lei Geral Tributária "O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária." 11.º Acresce que, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, no seu artigo 125.º veio reforçar o disposto no artigo 30.º n.º 2 da LGT, aditando o n.º 3 a esse preceito legal, o qual, preceitua que: "O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial". 12.º O artigo 125.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, estabelece que, "O disposto no artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente, aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objeto de homologação " 13.º As regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no CIRE, aplicam-se com as necessárias adaptações, à matéria de aprovação e homologação de planos de revitalização, em especial, as constantes do disposto nos artigos 215.º e 216.º, por força do disposto no artigo 17.º -F, n.º 5 do CIRE. 14.º O referido Plano estabeleceu um deferimento de créditos públicos da Segurança Social sem expressa autorização desta, em violação do princípio da igualdade e da legalidade. 15.º O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", ao homologar o referido plano de revitalização, não teve em consideração, que o mesmo não estava de acordo com as normas que regem as dividas à Segurança Social, nomeadamente, a Lei Geral Tributária. 16.º A homologação de plano de revitalização que inclua o pagamento em prestações de créditos por tributos, sem o acordo da Segurança Social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis e, em consequência, deve o juiz recusar oficiosamente a homologação do plano na parte em que viola regras legais imperativas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215. 0 do CIRE. 17.º Encontram-se consignadas no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, as condições em que pode ocorrer a extinção (total ou parcial) da obrigação contributiva ou mesmo as alterações às condições de pagamento. 18.º No caso dos presentes autos, qualquer autorização da regularização da divida à Segurança Social, deveria ser feita de acordo com as referidas normas e implicaria sempre o acordo da Segurança Social, nomeadamente, que a entidade devedora estivesse a cumprir o pagamento das contribuições vencidas no decurso do processo de recuperação, o que não se verificou, o que, determina a sua inviabilidade, nos termos e para os efeitos do disposto no 190.º, n.º 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, mais constituindo violação do disposto no artigo 42.º do mesmo Diploma Legal. 19.º A autorregulação consagrada no CIRE, não derroga estas e outras normas em vigor no ordenamento jurídico, as quais, impõem limites e exigências materiais e formais que não foram tidas em consideração na homologação do plano de revitalização em apreço nos presentes autos. 20.º A não aplicação do disposto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e na Lei Geral Tributária, conduz a que, o plano de revitalização seja considerado ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos em relação à Segurança Social, sendo-lhe inoponível. 21.º O plano de revitalização apresentado implica necessariamente a modificação dos créditos da Segurança Social sem o consentimento deste credor, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que o ora recorrente não autorizou o deferimento temporal do pagamento de créditos públicos, o que, contraria o disposto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social. 22.º As condições em que a própria Segurança Social pode autorizar o pagamento das dividas tributárias em condições distintas daquelas que a lei estabelece como regra geral, nomeadamente, o pagamento em prestações, tem consagração legal nos artigos 190.º e seguintes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro e regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro (cf. artigo 81.º, especificamente para as dividas por contribuições à Segurança Social. 23.º Salvo o devido respeito, o meritíssimo juiz do Tribunal "a quo", ao homologar o referido plano de revitalização, não teve em consideração que o mesmo não estava de acordo com as normas que regem as dividas à Segurança Social, sendo certo que, é no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social que se encontram fixadas as condições em que pode ocorrer a extinção total ou parcial da obrigação contributiva ou mesmo, as alterações às condições de pagamento. 24.º O plano de revitalização ora aprovado, apenas podia afetar os créditos tributários se respeitasse todas as condições de alteração, redução ou extinção desses créditos impostas na lei geral, sendo que, não ocorreu o consentimento do organismo público competente, nomeadamente, do ora recorrente, Segurança Social. 25.º As condições para a alteração, redução ou extinção dos créditos previstas na lei geral, tem consagração legal no artigo 216.º do CIRE. 26.º As medidas inseridas no plano de revitalização aprovado, relativas aos créditos titulados pelo recorrente, importam uma violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao seu conteúdo, atento o disposto no artigo 216.º do CIRE e, consequência, o mencionado plano não podia ser aprovado, nos seus precisos termos. 27.º Neste sentido, impõe-se a declaração de ineficácia do plano face à Segurança Social, uma vez que, esta não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, constituindo violação de legislação especifica da Segurança Social, bem como, de legislação tributária, nomeadamente, o artigo 30. 0 da Lei Geral Tributária, o qual, refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis. 28.º A propósito do ora sufragado no presente recurso, cita-se os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.11.2014, proferido no âmbito do Processo n.º 217/11.2TBBGC-R.P1.S1 — 6. a Secção, em que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Fonseca Ramos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.2023, proferido no âmbito do Processo n.º 1311/21.7T8VFX.L1.S1 — 6. a Secção, em que foi relator o Exmo. Senhor Conselheiro Luís Espírito Santo. Neste mesmo sentido, 29.º Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2025, proferido no âmbito do Processo n.º 22595/23.0 T8LSB-A.L1.S1), de 27 de maio, em que foi relatora a Exma. Senhora Conselheira Maria do Rosário Gonçalves, in www.dgsi.pt. o qual, estabelece que: "I - Um plano de revitalização aprovado e homologado judicialmente, que configure uma restrição ao conteúdo do crédito da Segurança Social, contra a sua vontade, materializa uma violação negligenciável das normas aplicáveis, nos termos constantes do art. 2150 do CIRE, aplicável ao PER, por força do n. 0 7 do artigo 17. 0-F, do mesmo código. II - A solução da ineficácia relativa do plano, mostra-se justa e equilibrada, compatibilizando-se todos os interesses em causa, sejam sociais, sejam económicos, ou seja, o plano de revitalização produzirá os seus efeitos, relativamente aos demais credores, à exceção daqueles créditos que se reportam ao Instituto da Segurança Social e votados contra a sua vontade, satisfazendo-se também os imperativos legais. " 30.º Como decorre do exposto, o plano de revitalização, de cuja homologação ora se recorre, deve ser declarado in totum, ineficaz em relação ao credor Instituto da Segurança Social, I.P., uma vez que, o ora recorrente não deu o seu consentimento expresso à sua aprovação, não sendo oponível ao credor que não anuiu a redução ou à modificação lato sensu dos créditos por si reclamados. 31.º Assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, na perspetiva do ora recorrente, encontram-se inobservados na douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal "a quo" por errada interpretação e aplicação da lei os seguintes preceitos legais: artigos 30.º n. ºs 2 e 3 e 36.º n.º 3, ambos da Lei Geral Tributária, artigo 125.º da Lei n.º 55A/ 2010, de 31 de dezembro, artigos 42.º e 190.º n.º 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, artigos 85.º n.º 3, 196. º e 199. º, todos do Código de Procedimento e Processo Tributário e artigo 215. º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ao PER, por força do n.º 7 do artigo 17.º -F, do mesmo código. Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência, ser o plano de revitalização declarado totalmente ineficaz em relação ao credor Instituto da Segurança Social, LP. , uma vez que, não deu o seu consentimento expresso à sua aprovação, não lhe sendo, pois, oponível, dado que, não anuiu a redução ou à modificação lato sensu dos créditos por si reclamados, assim se fazendo por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva JUSTIÇA”. Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpre apreciar. II. FUNDAMENTOS DE FACTO Para além das vicissitudes processuais supra relatadas, releva ainda a seguinte factualidade que se mostra documentada nos autos: 1. A sociedade apelada mostra-se registada na Conservatória do Registo Comercial com o seguinte objeto: “Agropecuária. Criação de bovinos, equinos, asininos e muares. Cerealicultura. Compra e venda de cavalos de competição. Terraplanagens, limpeza dos locais de construção e outras preparações dos locais de construção” [ [1] ]. 2. A sociedade foi constituída em maio de 2016, com matrícula inscrita por AP.1/20160520. 3. Na proposta do plano de recuperação apresentada em 30-07-2025, a requerente indicou os seguintes elementos alusivos à empresa: “8. Instalações e Equipamentos Não dispondo de instalações próprias a sede da empresa e os seus escritórios é no Largo .., n.º 53-A. … Golegã, estando lá a ocupar o imóvel, conjuntamente com outras empresas, em regime de comodato. // As instalações são as adequadas à prossecução da actividade da empresa, não sendo necessário qualquer tipo de investimento adicional ou de adaptação do espaço à reestruturação que se pretende levar a cabo. // 9. Recursos Humanos // Actualmente, a empresa tem ao seu serviço apenas dois funcionários, alocados à parte administrativa da empresa. // Os demais é por recurso ao outsourcing. // Da reestruturação apresentada, não haverá necessidade de ajustamento do quadro do pessoal e, por conseguinte, não se prevê, haver lugar a despedimentos. // Por outro lado, a votação favorável do plano e a sua posterior homologação, ira permitir criar condições para a recuperação da empresa e para a dinamização da sua actividade, levando no médio e longo prazo, a um reforço do quadro do pessoal para dar resposta às obras que estarão em curso”. 4. Mais indicando, na rubrica “III. Enquadramento Económico-Financeiro // 1. Evolução Económica e Financeira”, que “[o]s créditos reclamados pelos credores, a que alude a Lista 17-D, n.º 3 do CIRE, são os seguintes: Quadro 5 - Créditos Reclamados Importa ainda salientar que a empresa não dispõe de activos fixos tangíveis, sendo a execução do trabalho realizada por recurso ao outsourcing. // A empresa continua a ter carteia de encomendas e uma grande procura de mercado, fruto do seu histórico e do trabalho comercial desenvolvido ao longo dos anos. // Por outro lado, a empresa encontra-se a desenvolver parcerias comercias estratégias que se pensa irá permitir a alavancagem da sua actividade. // Porém, a empresa tem a sua tesouraria descapitalizada e desequilibrada face ao volume de responsabilidades assumidas, existindo a necessidade de se estabelecer um período de carência total – de, pelo menos, nove meses - de modo a conseguir capitalizar a estrutura permitindo o equilíbrio entre as receitas cíclicas geradas com as despesas cíclicas da empresa. // Verifica-se, ainda, que o sector da construção civil e obras públicas terá nos próximos anos, um forte dinamismo, por forma a dar resposta às necessidades de habitação, bem como aos investimentos em infraestruturas que o Estado irá levar a cabo” [ [2] ]. 5. Indicando, no mesmo documento, quanto aos “credores públicos” que “[a] empresa tem a sua situação tributária irregular, existindo dívidas junto da Fazenda Nacional, no valor de: . Fazenda Nacional – 122 769,00 €; . Segurança Social – 38 890.89 €”. 6. O referido Plano de Recuperação foi objeto de voto favorável pela credora Autoridade Tributária [ [3] ]. 7. Consta ainda desse Plano o seguinte: “XII. Conteúdo Do Plano De Recuperação 1. O Plano de Recuperação - As alterações decorrentes para as posições jurídicas dos credores do Processo Especial de Revitalização. Os credores do Processo Especial de Revitalização registarão as seguintes alterações: . Credores com garantias e Créditos Privilegiados: Não existem créditos garantidos apenas créditos privilegiados da Fazenda Nacional. . Credores Fazenda Nacional e Segurança Social: 2. Fazenda Nacional Pagamento em regime prestacional, nos termos do artigo 196.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja: a) As prestações são mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte à data da sentença homologatória do Plano. b) Número máximo de prestações: i. Até ao máximo de 36 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a ¼ de unidade de conta (atualmente € 25,50); ii. Até 150 prestações mensais, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades de conta (atualmente €1020); A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas; . Não haver lugar à redução de coimas e custas; . Não haver lugar a qualquer moratória; . Manutenção das garantias, nos termos do nº 13, do artº 199º do CPPT; . A extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. . O pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado Assim, o Plano de Regularização: Propõe a liquidação da totalidade do capital, coimas e juros em 96 (NOVENTA E SEIS) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no final do mês seguinte a homologação do presente plano. 3. (…) 4. Credores comuns -Prestadores de Serviços e outros O Plano de regularização: Propõe-se o pagamento de 100% do capital em dívida em 96 (NOVENTA E SEIS) prestações, com um período de carência total (de capital e de juros) de 9 (NOVE) meses, com excepção do credor Segurança Social. A consolidação da divida ao fim de período de carência (de capital mais os juros acumulados). Pagamento em prestações de valor igual e sucessivas, vencendo-se a primeira após o 9 (NONO) mês àquele em que se verifica a homologação do Plano de Recuperação. Possibilidade de amortização antecipada do plano nos moldes infra referidos, isto é, na clausula de salvaguarda de regresso de melhor fortuna. 5. Credores comuns – Instituições Financeiras O Plano de regularização: Propõe-se o pagamento de 100% do capital em dívida (a consolidação da divida é à data do trânsito em julgado da sentença da homologação do plano de recuperação), em 96 meses (NOVENTA E SEIS) prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do 9 (NONO) mês seguinte ao da homologação do plano de revitalização; com um período de carência total de 9 (NOVE) meses e taxa de juro Euribor a 1 ano, acrescido de spread de 1,50%. No caso de se verificar que o indexante ou a taxa de referência utilizada apresenta valor inferior a zero, dever-se-á considerar, para determinação da taxa aplicável, que o valor corresponde a zero (floor zero no Indexante) Pagamento em prestações de valor igual e sucessivas, vencendo-se a primeira após o 9 (NONO) mês àquele em que se verifica a homologação do Plano de Recuperação. 6. Credores Subordinados a) Das Empresas Com Relações Especiais Perdão da divida dos créditos subordinados das empresas com relações especiais, reforçando os capitais próprios da empresa (criando uma variação patrimonial positiva de mais de 194 875 euros –números redondos). Para efeitos da presente proposta de regularização dos Créditos sobre o Processo Especial de Revitalização, serão considerados os discriminados na relação de créditos reconhecidos, a que alude a Lista Provisória de Créditos – Art.º 17.º-D, n.º 3 do CIRE” [ [4] ]. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma. No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se a sentença que homologou o plano de revitalização deve ser alterada em ordem a decretar-se a ineficácia/inoponibilidade do plano aprovado relativamente ao crédito do apelante Instituto da Segurança Social, IP, tendo em conta o voto desfavorável deste credor. Efetivamente, o apelante não impugna que o plano tenha sido regulamente aprovado, nem que o tenha sido com os votos dos outros credores, pela maioria legalmente exigida, nunca tendo formulado, perante o tribunal de 1.ª instância qualquer pretensão tendo em vista a não homologação do plano. 2. Concluindo-se a votação incidindo sobre o plano de recuperação, incube ao juiz decidir sobre se homologa o mesmo ou recusa a homologação (art. 17.º-F, nºs 4 e 7 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem) aplicando-se, com as devidas adaptações, os arts. 215.º e 216.º (art. 17.º-F, nº3). O juiz pode, oficiosamente, recusar a homologação, verificado o condicionalismo previsto no art. 215.º ([n]ão homologação oficiosa) e pode igualmente fazê-lo a solicitação dos interessados, nas hipóteses contempladas no art. 216.º ([n]ão homologação a solicitação dos interessados), aplicáveis expressamente ao PER ex vi do art. 17.º-F, nº7. Os fundamentos da recusa oficiosa são de vária ordem, a saber, a violação não negligenciável (a) de regras procedimentais, (b) das normas aplicáveis ao seu conteúdo [ [5] ], seja qual for a sua natureza e (c) quando, “no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”. No caso em apreço, entende o apelante, em síntese, que tendo o plano em causa estabelecido um diferimento de créditos da Segurança Social sem expressa autorização desta, ocorreu uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis pelo que o juiz devia recusar oficiosamente a homologação do acordo na parte em que viola regras legais imperativas, considerando-o mesmo inoponível e ineficaz para com a Segurança Social. Vejamos. Do Plano aprovado decorre que os créditos do Estado – créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social – tiveram exatamente o mesmo tratamento: por via do Plano não ocorreu qualquer extinção ou redução desses créditos, nem de capital nem de juros, tendo sido estabelecido, apenas, um plano de pagamento da dívida em 96 prestações mensais iguais e sucessivas, cumprindo-se, pois, o limite do número de prestações balizado pelo legislador (150 prestações) e mantendo-se a dívida de juros vencidos e vincendos, sendo os juros “calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas”. Em rigor, a diferença de tratamento entre o credor Estado (dívidas à autoridade tributária e à Segurança Social) e os demais credores comuns, porque não ocorreu qualquer perdão de dívida e estabeleceu-se um plano prestacional de pagamento similar (pagamento em 96 prestações mensais), resume-se a que, para estes, foi estabelecido um período de carência de nove meses (pagamento em “prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do 9 (NONO) mês seguinte ao da homologação do plano de revitalização; com um período de carência total de 9 (NOVE) meses e taxa de juro Euribor a 1 ano, acrescido de spread de 1,50%”) ao contrário do que acontece com os créditos do Estado (pagamento em “prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no final do mês seguinte a homologação do presente plano”). Tendo ocorrido perdão da dívida apenas quanto aos créditos subordinados, nos termos enunciados no Plano. É neste (relevante) contexto que deve ser apreciada a questão suscitada pelo apelante, alusiva ao tratamento dos créditos da Segurança Social em Planos de Recuperação, nos casos em que tal credor votou contra a homologação, questão que tem sido objeto de inúmeras decisões por parte dos tribunais superiores, sendo que, em situação perfeitamente similar à dos presentes autos, já se pronunciaram os acórdãos desta 1ª secção do TRL de 22-09-2020, processo: 2542/19.5 T8VFX.L1-1 (Relatora Amélia Sofia Rebelo) [ [6] ] e de 22-02-2022, processo: 10646/21.8T8LSB-A.L1 (Relatora: Renata Linhares de Castro), acessíveis in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se aludir, concordando-se com a orientação expendida naqueles arestos, pela fundamentação aí expressa (como já se tinha dado nota no acórdão que a ora relatora prolatou em 04-07-2023, processo 5715/22.0T8SNT.L1-1), e assim sumariada neste último acórdão: “I – No âmbito do PER, o juiz pode oficiosamente, à luz do artigo 215.º do CIRE ex vi do artigo 17.ºF n.º 7, recusar a homologação do acordo, nos casos em que, ainda que aprovado em assembleia de credores, se verifique uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo. II - O plano de revitalização deve respeitar o princípio da igualdade dos credores, com a salvaguarda de este último admitir tratamento diferente para situações, também elas, distintas e desde que assente em critérios objectivos e justificáveis. III – O princípio da indisponibilidade a que estão sujeitos os créditos da Segurança Social, decorrente do n.º 2 do artigo 30.º da LGT ex vi do artigo 3.º, al. a), do CRCSPSS, impede que sejam os mesmos extintos ou reduzidos fora das situações legalmente previstas para o efeito, impedimento esse que vigora também em sede de PER. IV – Contudo, tal proibição não abrange as situações nas quais o plano de revitalização assuma o pagamento total da dívida contributiva (capital e juros), pese embora acompanhado da sua regularização em prestações a autorizar no âmbito de execução fiscal, desde que respeitados os limites abstractamente consignados nos artigos 189.º e 190.º do CRCSPSS, bem como no artigo 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011 de 03/01. V – Na hipótese mencionada no ponto anterior, tendo o plano sido aprovado com respeito pelas maiorias legalmente exigíveis (sendo que, entre os credores que assim votaram, se inclui a AT), apenas com o voto desfavorável da Segurança Social, prevendo-se quanto ao crédito desta última, a sua regularização através de plano prestacional a autorizar em 122 prestações mensais e sucessivas, no âmbito da execução fiscal (sem extinção ou redução da dívida), não ocorre violação do referido princípio da indisponibilidade, configurando uma violação negligenciável que não obsta à sua homologação e vinculação”. Aliás, esses arestos vêm no seguimento de outros, traduzindo uma solução que esta 1.ª secção vem adotando, em situações perfeitamente similares, a propósito quer de créditos do apelante quer da Autoridade Tributária como decorre, nomeadamente, dos seguintes acórdãos: de 27-10-2020, processo: 27086/19.1T8LSB.L1-1, de 04-07-2023, processo: 11886/22.8T8LSB.L1-1 e de 02-10-2023, processo: 16113/20.0T8LSB-D.L1-1 (todos Relator: Manuela Espadaneira Lopes), de 10-07-25, processo: 475/24.2T8VPV.L1-1475/24 (Relator: Amélia Sofia Rebelo) [ [7] ] e de 30-09-2025, processo: 2502/23.1T8VFX.L2-1 (Relator: Fátima Reis Silva) [ [8] ]. Registando-se, ainda, de outros tribunais da Relação, os seguintes arestos: do TRC de 01-10-2013, processo: 1786/12.5TBTNV.C2 (Relator: Barateiro Martins) [ [9] ] e de 26-04-2022, processo: 840/21.7T8ACB.C1 (Relator: Maria João Areias), do TRG de 11-07-2013, processo: 1411/12.4TBEPS-A.G1 (Relator: António Sobrinho) e de 25-09-2025, processo: 7854/24.3T8GMR.G1, (Relator: João Peres Coelho), do TRP de 22-03-2021, processo: 1559/20.1T8STS-A.P1 (Relator: Fernanda Almeida) e do TRE de 29-09-2022, processo: 49/22.2TBLGA.E1 (Relator: Tomé de Carvalho). Em síntese, não estabelecendo o plano de recuperação aprovado com a maioria dos votos dos credores (legalmente exigida) e objeto de homologação por decisão do tribunal de primeira instância, qualquer redução do crédito da Segurança Social (capital e juros), estabelecendo-se apenas um pagamento fracionado cujo número de prestações se contém nos limites estabelecidos pelo legislador, sem qualquer período de carência ou moratória de pagamento, deve entender-se que nada obsta à homologação desse plano. Sendo entendimento expresso em inúmeros acórdãos dos tribunais da relação que o princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado (créditos tributários e da Segurança Social), decorrente do n.º 2 do art. 30.º da LGT e, quanto à Segurança Social, ex vi do art. 3.º, al. a), do CRCSPSS, não impede, per se, a aprovação de Plano de Recuperação apenas porque um dos credores, no caso, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., manifestou o seu voto desfavorável. Não se desconhece, é certo, a orientação propugnada pela 6.ª secção do STJ, em sentido diferente e aceitando a solução propugnada pelo apelante, isto é, de ineficácia do plano relativamente ao referido credor em casos como o dos autos, de que são exemplos os mais recentes acórdãos de 17-10-2023, processo: 2395/22.6T8STR.E1. S1 (Relator: Luís Espírito Santo), de 27.05.2025, processo: 22595/23.0 T8LSB-A.L1.S1 (Relator: Maria do Rosário Gonçalves) e de 21-09-2025, processo: 475/24.2T8VPV.L1.S1 (Relator: Anabela Luna de Carvalho), salientando-se que neste último aresto, ao que sabemos não publicado, que incidiu sobre o referido acórdão do TRL de 10-07-2025, depois da enunciação dos normativos pertinentes, foi exposta a seguinte fundamentação: “Exposto o normativo, regressemos às posições em confronto. // A Recorrente defende a recusa da homologação do Plano com fundamento na ofensa ao princípio legal da indisponibilidade dos créditos fiscais previsto no art. 30º, nº 2 e 3 e 36º, nº 2 e 3 da Lei Geral Tributária (LGT). // Defende ainda, confortada pelo acórdão-fundamento, que constitui violação das normas imperativas a introdução no plano de um esquema de pagamento faseado dos créditos tributários, ainda que com observância dos limites previstos no regime tributário aplicável, sempre que o credor a tal se oponha, porque a vontade manifestada através do voto é um dos elementos intrínsecos do princípio da indisponibilidade e irredutibilidade dos créditos fiscais. // O acórdão recorrido, acompanhando a 1ª Instância, legitimou a homologação por esta do plano de revitalização que havia sido aprovado, sem restrições de eficácia considerando respeitadas as condições em que a lei ‘autoriza’/ ‘vincula’ a Autoridade Tributária (ou a Segurança Social) a autorizar o pagamento em prestações, não obstante o voto desfavorável da Autoridade Tributária. Considerando que a manifestação de vontade da autoridade tributária, não se integra em tal princípio de forma absoluta. // Sucede que outro tem sido o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça. // O nº 3 do art. 30º da Lei Geral Tributária ao estabelecer que o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial sendo que, o número anterior dispõe que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, veio reforçar o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários. // E essa indisponibilidade pressupõe que o plano no respeitante ao seu crédito só possa ser modificado com o acordo do credor. // Contudo, a imposição legal de proibição da modificação do conteúdo do crédito tributário não implica necessariamente a recusa da homologação judicial do plano de recuperação em processo especial de revitalização, nos termos do artigo 215º e 17º-F, nº 7, do CIRE, o que o tornaria inaproveitável, com frustração dos interesses particulares envolvidos e prejuízo para a organização económica e empresarial que o sistema jurídico tende a salvaguardar. // Daí que venha o Supremo Tribunal de Justiça a optar pela solução que permita harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, solução que consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados de que seja titular o Estado. // O plano de revitalização produzirá assim os seus efeitos aproveitando à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com exceção do acordado quanto ao crédito tributário, que permanecerá intangível. // Concluímos pois que, o plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, ainda que respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. // Violando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais ocorre violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, logo, impõe-se a solução da ineficácia relativa do plano quanto a tais créditos” [ [10] ]. Permitimo-nos discordar deste entendimento, constatando-se que não foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência definidor, para todos os tribunais de grau inferior, da melhor interpretação do regime normativo cuja aplicação ora está em causa. Como se sabe, o acórdão uniformizador de jurisprudência proferido pelo STJ, pese embora não constitua decisão de cariz vinculativo – ao contrário do que acontecia com os assentos, que fixavam doutrina com força obrigatória geral, nos termos do art. 2º do Cód. Civil, entretanto revogado pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329/A/95 de 12 de Dezembro –, “cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação” [ [11] ]. Saliente-se que a reforma do regime dos recursos introduzida pelo Dec. Lei 303/2007, de 24/08 introduziu um novo recurso, a saber, recurso para o pleno das secções cíveis para uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 778º a 782º e 771º, al) g do CPC – atualmente, cfr. os artigos 688.º a 695.º do CPC –, ou seja, afinal, uma jurisprudência de valor reforçado. Temos, pois, entendido, que enquanto se mantiver o quadro legal no âmbito do qual foi proferido o acórdão uniformizador, e salvo razões muito ponderosas que se evidenciem no caso concreto – num quadro que, diríamos, é de exceção –, os tribunais de grau inferior devem seguir a orientação assim definida pelo tribunal que na estrutura judiciária portuguesa é o tribunal de cúpula: assim se salvaguardam exigências de certeza e segurança jurídicas, valores essenciais num estado de direito e que, por isso, cumpre preservar, obviando, no entanto, ao enquistamento do pensamento jurídico [ [12] ]. Neste contexto, tem-se entendido que se o acórdão uniformizador de jurisprudência surge depois de alargado debate sobre a matéria em causa, optando por uma das posições que parte da jurisprudência e doutrina vinha seguindo, justifica-se acatar a orientação por ele definida. Acontece que, no caso, insiste-se, esse acórdão não foi proferido, sendo que também não encontramos, a nível do Supremo Tribunal de Justiça, inteira uniformidade de critérios de ponderação, dando-se nota do voto de vencido lavrado no acórdão do STJ de 17-10-2023, supra referido, por um dos juízes Conselheiros (António Barateiro Martins), aderindo esta Relação à solução aí propugnada e que é a que se vem seguindo, pelas (impressivas) razões aí expendidas, a saber: “Concederia a Revista, repristinaria a Sentença da 1.ª Instância e homologaria a totalidade do Plano de Recuperação, tal como foi apresentado/aprovado. Pelo seguinte: É conhecida a polémica que a homologação do “Plano” que modifique os créditos tributários (designadamente, do Estado e das Instituições de Segurança Social) tem gerado. Por o “Plano” – convenção ou negócio jurídico próprio do direito da insolvência – ter a força jurídica especial de afetar os direitos dos credores (aparentemente, todos os credores, com exceção das entidades referidas no art. 196.º/2 do CIRE, em que se incluem o BCE e os Bancos Centrais dos Estados membros), passou a entender-se neste STJ1, pese embora a regra da “indisponibilidade” dos créditos tributários estabelecida nos art. 30.º/2, 36.º/2 e 3 da LGT2, que as dívidas fiscais e as dívidas à segurança social podiam ser comprimidas pelo “Plano” (argumentou-se que não existia, no caso do “Plano” prever perdões, reduções ou moratórias no pagamento das dívidas fiscais e da segurança social, violação das normas fiscais imperativas por vontade das partes ou dos credores, mas sim a necessidade de observar um regime especial, consagrando-se a igualdade de tratamento para todos os credores, criado pelo próprio legislador.) Face a tal contexto e entendimento jurisprudencial, a Lei do Orçamento de 2011 veio dizer, nos seus arts. 123.º e 125.º, que a regra geral tributária constante do art. 30.º/2 – que estabelece a indisponibilidade do crédito tributário e que diz que só no respeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributárias o mesmo poderá ser comprimido – não é alterável por uma qualquer legislação ou regime especial, querendo referir-se, não há qualquer dívida, ao CIRE. Temos pois, a partir de tal Lei do Orçamento, que o mesmo legislador que impõe aos particulares um regime de exceção, obrigando-os a um “Plano” (seja de recuperação seja de insolvência) que inclui o perdão ou a redução dos seus créditos sem ou contra o seu acordo, se pretende abster, ele próprio, de contribuir para a prossecução dos fins que visou atingir com o processo de insolvência, pretendendo manter intocáveis os seus créditos e impondo aos demais credores todo o esforço de recuperação do insolvente. E é neste ponto – perante a desarmonia e inconciliabilidade das leis, perante o Estado que produz legislação insolvencial com a função de recuperação de empresas (e que anuncia medidas legislativas de recuperação e revitalização das empresa), mas não quer participar nos sacrifícios que tais medidas representam – que este STJ (sem embargo de reconhecer a referida desarmonia e inconciliabilidade) excogitou a “tese da ineficácia relativa”, que, segundo o Conselheiro Fonseca Ramos (no local e artigo referidos no Acórdão), “(…) a par de constituir a solução que melhor satisfaz a conciliação dos interesses em jogo e supera a intransigência do legislador fiscal, obviando às drásticas consequências da não homologação do plano de insolvência, possibilitando a recuperação do insolvente, as mais das vezes à custa de pesados sacrifícios”. Sucede, a nosso ver e com todo o respeito – quando, como é o caso, o “Plano” (seja de insolvência ou de recuperação) viola normas tributárias (o art. 30.º/2 e 3 da LGT), ou seja, quando, sem a autorização/acordo do Estado ou Seg. Social, reduz os juros ou dilata prazos de pagamento das obrigações tributárias – que não se está perante uma situação juridicamente configurável como de possível “ineficácia relativa”, mas sim perante uma invalidade/nulidade, na medida em que um tal “Plano” infringe uma norma imperativa (o referido art. 30.º/2 e 3 da LGT) e, para tal, a sanção é a nulidade (cfr. art. 294.º do C. Civil)3. Por outro lado, a decisão de julgar ineficazes as cláusulas do “Plano” que afetem créditos tributários é, na realidade, uma recusa de homologação de parte do “Plano” aprovado pelos credores4: é uma decisão de recusa de homologação da cláusula que prevê a modificação dos créditos fiscais. E, a nosso ver, o art. 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte. Ademais, a prolação de duas decisões – uma a homologar parte do Plano e outra a recusar a homologação de outra parte – coloca em causa as formas de satisfação dos credores no processo de insolvência. Efetivamente, segundo o art. 1.º/1 do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores por uma de duas formas: pela forma prevista num plano de insolvência baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente; ou, quando tal não se afigure possível, através da liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. A ideia do CIRE é a de que todos os credores fiquem sujeitos ou ao regime do plano de insolvência ou ao regime do procedimento de liquidação, não estando prevista uma “terceira via”, nem que o “Plano”, uma vez aprovado, não estenda os seus efeitos a todos os credores. E, admitindo-se a não homologação parcial do “Plano”, em relação aos credores tributários, tal significaria que a satisfação de tal crédito não seria feita nem pela forma prevista no plano nem através da liquidação do património do devedor insolvente, ou seja, seria feita por uma forma diferente, ao arrepio do prescrito no CIRE (e o objetivo tido em vista com o Plano poderia ser frustrado com a liberdade de que dispunham os credores tributários para exercerem os seus direitos contra o devedor sem quaisquer restrições). Enfim, a questão da homologação ou não do Plano, no seu todo, passa pela aplicação do art. 215.º do CIRE. Quando o conteúdo do “Plano” viola o art. 30.º/2 e 3 da LGT deve, em princípio, a meu ver, em face da referida imperatividade de tal preceito, ser recusada a homologação de todo o “Plano”. E dizemos “em princípio”, na medida em que deve haver algum espaço/margem para, por interpretação, poder “sair/resultar” uma solução que respeite minimamente a unidade e harmonia do sistema jurídico. Dispondo-se no art. 215.º do CIRE (para que remete o art. 17.º-F/5 do CIRE) que o juiz só deve recusar a homologação em caso de “violação não negligenciável (…) das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, deve considerar-se ser possível entender, em certos e concretos casos de violação do art. 30.º/2 e 3 da LGT, que estaremos tão só perante violações negligenciáveis das normas tributárias. Vem-se entendendo, é certo, que devem ser consideradas como não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretam a produção dum resultado que a lei não autoriza; todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores. Mas será o caso – violação não negligenciável – se a violação se traduzir numa mera modificação dos prazos de pagamento e numa redução das taxas de juros, que reflitam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida e em abstrato proibida pelas disposições tributárias convocáveis e invocáveis (no que acompanhamos o Acórdão deste STJ de 24 de Março de 201, referido no texto deste Acórdão). Todos estão de acordo – veja-se o que o que o Conselheiro Fonseca diz no seu já referido artigo – em dizer que não se justifica manter o credor tributário totalmente à margem dos deveres de cooperação e solidariedade económica e social que devem recair sobre todos os credores, no sentido de possibilitar a recuperação da empresa e evitar o seu encerramento e as consequências económicas que tal pode gerar, nomeadamente, fomentar a insolvência de outras empresas, o acréscimo de desemprego, entre outras consequências nefastas para a economia, enfim, todos dizem que o legislador já devia ter “deslindado” esta desarticulação de objetivos e de diplomas legais, mas, volvidos 12 anos sobre a Lei do Orçamento de 2011, o certo é que o legislador não fez. A nosso ver, uma adequada ponderação dos interesses que a questão convoca, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam (recuperação de empresas) e, por outro lado, o interesse público na arrecadação das receitas fundamentais à preservação e desenvolvimento do Estado Social (o dever geral que todos temos de contribuir para as receitas suficientes para fazer face às necessidades coletivas), tem que permitir, no respeito pelo princípio da proporcionalidade, uma interpretação, em certos casos, restritiva dos art. 30.º/2 e 3, 36.º/3 da LGT, uma interpretação que restrinja o seu pleno campo de aplicação à relação tributária e que permita, em certos casos de confronto com a legislação especial do direito falimentar, uma interpretação restritiva. Repare-se: - Uma das funções/princípios da nossa lei de insolvência é a recuperação de empresas; - Tanto o Estado como a Segurança Social são, na maioria dos casos, titulares de créditos avultados sobre o devedor, pelo que, se não puderem participar no esforço de recuperação da empresa, o processo poderá ficar por vezes votado ao insucesso, o que contraria frontalmente a teleologia do PER (da reforma de 2012, confirmada em 2017), sendo certo que o direito deve ser (e é suposto que seja) um sistema harmónico e coerente; - O princípio da indisponibilidade tributária e o que resulta do art. 103.º/1 e 2 da CRP tem que ser articulado com outras disposições constitucionais, designadamente das que tutelam a posição dos trabalhadores (53.º e 58.º/2/a) da CRP) e a manutenção do tecido económico e empresarial (100.º/d) da CRP); - O próprio princípio da igualdade e legalidade tributária (cfr. art. 30.º/2 da LGT; do devedor, face aos outros contribuintes), perspetivado em sentido material, não será violado se se perceber que o Estado e a Segurança Social recebem mais (aceitando alguma modificação/redução do seu crédito) do que viriam a receber em caso insolvência (até poderá ser “bom” para os outros contribuintes, na medida em que o Estado cede facilmente à tentação de ir buscar dinheiro onde ele existe, no caso, perante a insolvência dum contribuinte, aos outros contribuintes). Em face disto, ponderando tudo adequada e proporcionalmente, desde que a intervenção nos créditos do Estado e Seg. Social não evidencie uma modificação injusta e desproporcional – tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente – entendemos que será de admitir que o “Plano” possa incluir alguma modificação dos prazos de pagamento ou das taxas de juros (ou mesmo, em casos muito extremos, desde que devidamente justificado/explicado, uma moratória e o perdão ou redução do valor do capital) dos créditos da AT ou da Seg. Social. Enfim, entendemos, verificada/apreciada uma concreta, precisa e “exigente” conjugação de circunstâncias, que poderemos estar “apenas” perante uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do “Plano”. Todos estão de acordo que a lei/legislador já devia ter previsto as situações, excecionais, em que uma “intervenção” nas dívidas tributárias pudesse acontecer nos processos que visem a recuperação económica do devedor, estabelecendo as condições em que tal poderia acontecer, quando tal se demonstre indispensável à viabilização da empresa, já que também constitui interesse público digno de proteção a continuidade das empresas que revelem a possibilidade de se recuperarem, pelo que o que se refere – e a que se procura chegar por interpretação restritiva dos art. 30.º/2, 36.º/2 e 37.º/2 da LGT – procura colmatar tal omissão legislativa. Ora – é o ponto – o caso dos autos/recurso preenche, a meu ver, o concreto, preciso e “exigente” circunstancialismo que leva a que se possa admitir que o “Plano” inclua, como é o caso, a modificação dos prazos de pagamento dos créditos da Seg. Social: não prevê qualquer perdão ou redução do crédito reclamado pela Seg. Social, prevendo-se a sua “regularização ao abrigo do CRCSPSS”, com modificação do prazo e pagamento em 150 prestações iguais, sem moratória, pelo que, tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da devedora, a “intervenção” que o Plano faz nos créditos da Seg. Social não evidencia qualquer “redução injusta ou desproporcional”. Estamos até perante uma “intervenção” que compreende uma modificação do prazo que é à partida (e em abstrato) viabilizada pelos arts. 189.º e 190.º do CRCSPSS, que “grosso modo” (e preenchidas certas condições) admite, quando tal for indispensável à viabilidade do contribuinte e este se encontre em processo de insolvência ou recuperação, que seja autorizado o pagamento prestacional da dívida e a redução dos respetivos juros vencidos e vincendos. Em face de tudo isto, homologaria, como comecei por referir, in totum o Plano de Recuperação apresentado/aprovado”. Em suma, não encontramos razões para alterar a posição já anteriormente assumida por esta Relação, sendo certo que o apelante também não aduz qualquer outro (novo) argumento que seja suscetível de influenciar este tribunal em sentido convergente com o que propugna. * Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida que homologou o Plano de recuperação aprovado. Custas pelo recorrente (artº 527.º, n. º 1 do CPC). Notifique. Lisboa, 25-11-2025. Isabel Fonseca Paula Cardoso Ana Rute Costa Pereira _______________________________________________________ [1] Conforme certidão junta com o requerimento inicial. [2] O quadro assinalado corresponde ainda ao valor dos créditos reconhecidos como decorre do quadro 23 apresentado no plano (p. 74). [3] Conforme documentação junta ao processo pelo AJP em 21-08-2025. [4] O conteúdo do plano no que concerne ao apelante, indicado em 3., foi referido no relatório. [5] Quanto ao conteúdo do plano, cfr. o disposto nos arts. 195.º e 196.º. [6] Aí com a ressalva alusiva aos juros, em que, ao contrário do que ora acontece, ocorreu redução, daí a procedência parcial do recurso nessa parte. [7] Assim sumariado: “I - A legitimidade para recorrer da sentença de homologação de Plano de recuperação exige que o recorrente tenha por ela ficado vencido, requisito que se afere pela posição que no momento processual próprio assumiu relativamente ao plano. II - Essa posição pode ser oportunamente manifestada nos autos por uma de duas vias, ou ambas: através da emissão de voto, e através de pedido de recusa de homologação do Plano. III - A legitimidade para recorrer daquela sentença com fundamento legal no art. 215º do CIRE não exige que o credor recorrente tenha apresentado pedido de recusa de homologação do Plano e, na ausência deste pedido, as questões de direito abrangidas por aquela norma e invocadas como fundamento do recurso não podem considerar-se como novas se ancoradas em factos que resultam dos autos e/ou dos termos do Plano aprovado e objeto de homologação. IV - A legitimidade do credor para recorrer daquela sentença com fundamento no art. 216º, nº 1 do CIRE exige que no momento processual próprio tenha apresentado pedido de recusa de homologação do Plano com fundamento na referida norma. V - Está atualmente consolidado na jurisprudência que, por força do princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado previsto nos art. 30º, nº 2 e 3 da LGT e art. 3º, al. a) do CRCSPS, os montantes, as taxas de juros e os prazos de pagamento dos créditos do Estado só podem ser objeto de modificação nos termos excecionalmente previstos pela lei e não por vontade da maioria de credores. VI - A indisponibilidade dos créditos do Estado prevista pelo art. 30º da LGT reporta aos requisitos e/ou limites legalmente previstos para a extinção ou redução dos créditos do Estado ou para a reestruturação do seu pagamento no tempo, mas não atribui ao credor Estado um voto de qualidade ou um direito de veto no sentido de a validade/legalidade do Plano e a possibilidade da sua homologação por sentença depender do voto favorável do Estado. VII - Ou seja, a indisponibilidade dos créditos do Estado prevista pelo art. 30º, nº 2 da LGT reporta às condições em que a Lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária e a Segurança Social a autorizar a regularização de dívidas vencidas no âmbito de processo de execução fiscal, mas não inclui a autorização destas entidades como requisito de legalidade do plano de regularização proposto, mas como mero ato trâmite/processual inserido na tramitação do procedimento administrativo de cobrança e regularização dos créditos do Estado – correspondente a decisão de deferimento ou indeferimento do pedido de regularização – que, como é lógico, cabe praticar ao titular do processo de execução fiscal que, simultaneamente, tem a posição de exequente. VIII - Isso mesmo é confirmado pelo art. 198º, nº 3 do CPPT ao prever que Caso o pedido de pagamento em prestações obedeça a todos os pressupostos legais, deve o mesmo ser objeto de imediata autorização pelo órgão considerado competente nos termos do artigo anterior, (…), do que resulta claramente que, mesmo no âmbito dos procedimentos tributários, a decisão de autorizar ou de não autorizar o pagamento em prestações não assenta em critérios de oportunidade ou de conveniência e que à entidade administrativa legalmente competente para a prática desse ato/decisão não assiste uma qualquer faculdade discricionária ou arbitrária de o deferir ou indeferir; antes está legalmente vinculada a autorizá-lo se o pedido satisfizer todos os pressupostos legais, assistindo ao devedor a faculdade de reagir contra uma decisão de indeferimento ilegal através dos meios próprios de impugnação, permitindo por via da sua impugnação judicial que o Plano de regularização requerido seja sindicado e, se for o caso, admitido por decisão judicial sem que o mesmo tenha sido autorizado pela Autoridade Tributária ou pela Segurança Social – o que só confirma o que acima se afirmou, no sentido de a autorização ou o voto favorável destas entidades não constituir requisito de legalidade do plano de regularização de dívidas ao Estado. IX – Valorizar o voto desfavorável da AT ou da SS como impeditivo da homologação do Plano e/ou da sua vinculação às medidas por ele previstas, conduz e determina a impossibilidade de submeter aquela decisão público-administrativa (de não autorização/aprovação do Plano) a qualquer impugnação, reclamação ou recurso e, em última linha, a subtrair à sindicância judicial a conformidade ou desconformidade legal dessa mesma decisão e do pedido de regularização dos créditos fiscais aos requisitos legais de que depende a sua autorização/aceitação, sindicância que, no processo de insolvência, é devida cumprir oficiosamente nos termos e por força do art. 215º do CIRE. X – O resultado descrito em IX é apto a fundamentar juízo de inconstitucionalidade da norma que nesse sentido resulte da interpretação do art. 30º, nº 2 e 3 da LGT por violação do art. 202º, nº 1 da CRP. XI - A recusa da homologação do Plano (ou a exclusão da eficácia do Plano aos créditos do Estado) com fundamento em violação do princípio da indisponibilidade dos créditos do Estado previsto pelo art. 30º, nº 2 e 3 da LGT e, este, por referência às normas legais que regulam os termos e limites da regularização dos créditos tributários, apenas se justifica e impõe se se concluir pela violação dessas normas, e não pelo simples facto de os credores públicos terem emitido voto desfavorável. XII – Anota-se que o efeito que decorre do reconhecimento do voto desfavorável do Estado como impeditivo da homologação do Plano não é neutralizado pela solução jurisprudencialmente adotada de, com esse fundamento, excluir os créditos públicos da eficácia do Plano, na medida em que o prosseguimento das execuções para cobrança das dívidas fiscais geradas até à data do despacho de nomeação do AJP e, com elas, a penhora dos bens e direitos da empresa - designadamente, dos saldos das contas bancárias e dos créditos sobre clientes – conduz ao total estrangulamento da tesouraria da devedora e inviabilizará a execução do Plano de recuperação que a maioria legal dos seus credores considerou viável e, consequentemente, conduzirá ao seu fracasso. XIII – No caso mais importa reter que, na impugnação que pelo presente recurso deduz, a recorrente Autoridade Tributária não concretiza, identifica ou enuncia qualquer desconformidade entre o conteúdo do Plano e as disposições legais que regulam a regularização das dívidas fiscais o que, nos termos do art. 198º, nº 3 do CPPT, confirma a ilegalidade da sua não aceitação da proposta de regularização dos seus créditos previstas no Plano, que ao tribunal sempre se imporia sindicar em sede de decisão final nos termos do art. 215º do CIRE. XIV – Finalmente, no caso mais importa reter: - a sobrevivência de um ente económico cuja recuperação foi considerada financeira e economicamente sustentável pela maioria legal representativa do passivo da recorrida, correspondente a mais de 50% do mesmo, incluindo o credor Segurança Social, que votou a favor; - a manutenção de cerca de 40 postos de trabalho ou, inversamente, o agravamento da obrigação social do Estado através do pagamento dos subsídios de desemprego que sejam devidos e, eventualmente, de créditos laborais sobre a insolvência; - a ausência de bens na massa insolvente; - e que, nesse cenário, a liquidação da massa insolvente se apresenta como o mais gravoso para o Estado no confronto com a continuidade da empresa aprovada pela maioria dos credores”. [8] Assim sumariado: “1 – Num plano prestacional contido dentro dos estritos limites previstos na própria lei tributária como admissíveis, ou seja que a lei diretamente admite, a mera falta de autorização pela autoridade tributária não constitui violação de regra imperativa e não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável de uma norma puramente procedimental (trata-se de uma norma processual de definição de competência para processos e tramitação diversas das seguidas em processo de insolvência ou processo especial de revitalização, processos nos quais o juiz, oficiosamente, deve aferir da conformidade dos planos com os princípios da indisponibilidade e legalidade tributárias, quanto aos créditos dos credores públicos), e sob pena de o direito de voto dos credores públicos se tornar num direito de veto, de que claramente não dispõem. 2 - É hoje, sem dissensão, considerado que a lista de credores (e a decisão das impugnações da mesma) não produz efeitos fora do PER, servindo apenas para a determinação do universo de créditos e para a aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação. 3 - O facto de um determinado crédito ser tido como comum no seio do procedimento apenas releva politicamente, para os efeitos de votação e de composição do quórum deliberativo, e não substantivamente. Já o tratamento dado no Plano tem que ter em consideração a natureza substancial do crédito, até porque a respetiva satisfação, se dará, fora do PER, de acordo com as regras que lhe sejam aplicáveis, sem qualquer interferência da decisão quanto à lista de créditos. 4 - A diferente natureza dos créditos justifica diferente tratamento, sem prejuízo de desproporção merecedora de censura e de situações em que diferentes créditos são tratados de forma igual. 5 – O perdão de 90% dos créditos comuns surge como excessivo e desproporcional com o pagamento integral dos créditos garantidos. 6 - O credor que requer a não homologação do acordo de pagamento com o fundamento no disposto na al. a) do nº1 do art. 216º do CIRE tem o ónus de demonstrar, em termos plausíveis e concretos, que na ausência de plano ficaria em situação mais favorável de acordo com o cenário mais provável”. Assinalando-se que a maioria dos arestos aqui referidos são os que são assinalados nesse acórdão. [9] Sendo adjuntos: Arlindo Oliveira e Emídio Santos. [10] Assim sumariado: “- O plano aprovado, com o voto desfavorável da autoridade tributária, prevendo um pagamento fracionado dos créditos tributários sem redução de capital ou de juros, ainda que respeitando as condições do artigo 196º do CPPT para o pagamento em prestações, viola o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais. - Violando o princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais ocorre violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, logo, impõe-se a solução da ineficácia relativa do plano quanto a tais créditos”. Consequentemente, fixou-se o seguinte segmento dispositivo: “V- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar a revista procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, no sentido de se manter a homologação do plano de revitalização, mas sendo o mesmo ineficaz em relação ao Estado, ao qual é inoponível. Sem custas”. [11] Acórdão do STJ de 14-05-2009, proferido no processo 218/09.OYFLSB (Relator: Sebastião Póvoas). [12] Segue-se de perto o que já se escreveu, ainda que noutro contexto, no acórdão do TRG de 29-03-2011, proferido no processo 1336/08.8.TBFLG (Relator: Isabel Fonseca). |