Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LEOPOLDO SOARES | ||
Descritores: | DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA DEVER DE ASSIDUIDADE FALTAS POR DOENÇA COMUNICAÇÃO SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I– A comunicação da ausência e a justificação da falta são coisas distintas. II– A expressão «logo que possível» ,constante do nº 2 do artigo 253º, deve ser interpretada de acordo com as circunstâncias do caso concreto. III– A comunicação da ausência configura uma declaração recipienda que não carece forma especial bastando para o efeito que o trabalhador , por qualquer meio, informe o empregador da falta e apresente a respectiva prova quando solicitada . IV– Assim, pode ser realizada por escrito ou verbalmente, sendo que tanto pode ser feita pelo próprio como por interposta pessoa, admitindo-se ainda que possa ser levada a cabo por via telefónica ou mail. V– A baixa por doença de trabalhador superior a 30 dias conduz à suspensão do contrato de trabalho. VI– Nas situações de impedimento prolongado , apesar do regime de suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador, atento o disposto no nº 4 do artigo 253º do CT, sendo certo que isso também sempre resultaria do principio da boa fé, tem a obrigação de comunicar, e se for caso disso, provar à entidade patronal o facto impeditivo da prestação laboral. VII– Assim, apesar da suspensão, sendo possível, o trabalhador deve comunicar ao empregador o motivo da suspensão, o tempo previsível, a sua duração, eventuais prorrogações e, com alguma, antecedência, informar quando retoma o serviço . VIII– Todavia, a omissão dessas comunicações no âmbito de um contrato de trabalho suspenso em que a entidade patronal tem conhecimento da situação de doença do seu trabalhador não assume a mesma gravidade que a falta de comunicação das faltas em contrato de trabalho na sua plena vigência. (sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa A[1], intentou acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento promovido por B - Serviços Interativos de Entretenimento, Lda. Apresentou o requerimento/formulário [2] no qual declarou opor-se ao despedimento de que foi alvo, sendo que indicou o dia 15.10.2021como sendo a data do despedimento com invocação de justa causa . Em 20 de Dezembro de 2021, realizou-se audiência de partes.[3] A entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento[4]. Juntou cópia do procedimento disciplinar. O trabalhador contestou[5]. Deduziu reconvenção. A entidade empregadora respondeu. [6] Em 7 de Fevereiro de 2022, dispensou-se a realização de audiência prévia bem como a enunciação de temas da prova . Saneou-se o processo.[7] Definiu-se o objecto do litígio como sendo « apreciar a licitude ou ilicitude do despedimento do trabalhador e os pedidos por este deduzidos». Realizou-se julgamento que foi gravado.[8] Na sessão realizada em 25 de Março de 2023, o Autor optou pela indemnização em caso de procedência na acção[fls. 86 v]. Em 5 de Julho de 2023, foi proferida sentença que logrou o seguinte dispositivo:[9] «IV– Pelos fundamentos expostos, o tribunal decide julgar procedente a oposição apresentada pelo trabalhador ao despedimento, e, em consequência: a) Declarar ilícito o despedimento de que foi alvo A; b) Condenar a B - Serviços Interativos de Entretenimento, Lda. a pagar a A a indemnização substitutiva da reintegração correspondente ao valor ilíquido de € 800,00 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde 01.11.2013 até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo pagamento; c) Condenar a B - Serviços Interativos de Entretenimento, Lda. a pagar a A as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal vencidos desde 26 de Outubro de 2021 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento, descontadas das importâncias que o trabalhador tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, designadamente o montante do subsídio de desemprego; d) Absolver a B - Serviços Interativos de Entretenimento, Lda. do pedido de condenação de indemnização a título de danos morais. Custas pela entidade empregadora relativamente à acção (art.º 527º do C. P. Civil). Sem custas pelo trabalhador (art.º 527º do C. P. Civil), por se entender que o pedido de danos morais respeita à acção, não tendo havido reconvenção do trabalhador. Nos termos do disposto no art.º 98º-P, nº 2 do C. P. Trabalho, fixo o valor da causa em 13.600.00 €, {[11 x 800,00 € (indemnização) + 6 x 800,00 (salários de tramitação) = 13.600,00 €], de acordo com o disposto no art.º 305º do C. P. Civil, por considerar que deve ser atribuído o valor correspondente a seis meses de retribuições ao pedido de condenação em salários futuros, tendo em conta o disposto no art.º 40º, nº 2 do C. P. Trabalho}. Notifique e registe.» - fim de transcrição. As notificações da sentença foram expedidas em 6 de Julho de 2023, data em que o MºPº também foi notificado.[10] Em 19 de Julho de 2023 , a Ré recorreu.[11] Concluiu que: «1.–O Recorrido continuou de baixa médica de 29 de Julho de 2021 a 26 de Setembro de 2021, tendo apresentado a respetiva justificação escrita à ré (certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa - facto provado 19. 2.–As faltas imputadas ao Recorrido no âmbito do procedimento disciplinar, em número de 21 seguidas, são consideradas injustificadas, porque os documentos comprovativos das mesmas não foram entregues no prazo estabelecido para o efeito. 3.–O Recorrido continuou de baixa médica de 27 de Setembro de 2021 a 26 de Outubro de 2021, tendo apresentado a respetiva justificação escrita à ré (certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos - facto provado 20. 4.–Assim, Recorrido, não obstante estar a decorrer processo disciplinar, motivado pelas ausências injustificadas ao trabalho, permaneceu de baixa médica de 27 setembro de 2021 a 26 de outubro de 2021, mas continuou a não apresentar qualquer justificação (Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho), o que só fez com a contestação apresentadas nos autos, demonstrando com este comportamento um total desprezo para com a sua entidade patronal e pelas normas legais vigentes. 5.–O Recorrido apesar de ter respondido à nota de culpa em 21 de setembro de 2021 (facto provado 5), tendo por isso perfeito conhecimento que a Recorrente o acusava de não justificar as ausências, renovou a baixa médica em 27 de setembro de 2021, e, pasme-se, manteve o mesmo comportamento, não comunicando a baixa médica nem remetendo à Recorrente o respetivo Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho, só o fazendo com a contestação apresentada nos autos (fato provado 20). 6.–Verifica-se, assim, que o Recorrido optou conscientemente por não apresentar justificação (Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) para a baixa médica iniciada em 27 de setembro de 2021, acrescentando às falta injustificadas indicadas na nota de culpa, em número de 21, mais 19 faltas injustificadas (de 27 de setembro a 21 de outubro de 2021). 7.–Este comportamento do Recorrido, demonstra uma total desvalorização das suas obrigações legais e um total desrespeito pela Recorrente, atendendo a que, repita-se, lhe foi instaurado um processo disciplinar em que é acusado de não justificar as ausências e, mesmo após a resposta à nota de culpa, insiste no mesmo comportamento, não justificando as ausências. 8.–A doença ainda que depressiva, não impossibilitava nem dispensava o Recorrido de comunicar e justificar as faltas. 9.–A doença só dispensava o Recorrido da comunicação e justificação das faltas se demonstrasse que a mesma era impeditiva de efetuar essas mesmas comunicações e justificações. 10.–O Recorrido nem alegou, nem provou, que a doença foi impeditiva de comunicar e justificar as faltas dadas, pelo que a doença não pode ser justificativo para atenuar a culpa e gravidade do comportamento do Recorrido. 11.–[12]. 12.–O Recorrido tinha à sua disposição um conjunto de ferramentas, incluindo da própria Recorrente, como um computador, que lhe permitia enviar um simples e- mail a comunicar as faltas e enviar o comprovativo das mesmas. 13.–Na verdade, o Recorrido esteve a exercer funções em teletrabalho desde março de 2020, situação que se manteve até à data do despedimento (como provado no facto 24), pelo que, não pode, sequer, invocar falta de conhecimentos técnicos para enviar para a Recorrente os Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho por e-mail, sem que isso implicasse qualquer risco para a sua saúde, nomeadamente de contrair o viris COVID 19. 14.–Acresce que, o Recorrido foi contatado pela superiora hierárquica C, por SMS, a solicitar a entrega de equipamento (HDD) e a disponibilização da respetiva password, tendo procedido à entrega (facto provado 23), não tendo, também nesta altura, o cuidado de comunicar à sua superiora hierárquica, ainda que por SMS ou telefone, que continuava de baixa médica. 15.–Os fatos demonstram que o Recorrido violou todos os seu deveres de comunicação das ausências e justificação das mesmas de forma consciente e reiterada, não existindo qualquer motivo que justificasse tal comportamento, nem sequer a doença, já que se trata dum trabalhador qualificado, que exercia funções em teletrabalho, pelo que tinha perfeito conhecimento de como comunicar e justificar as ausências por e-mail, sem se expor ao vírus COYID 19 ou sequer ter contato com elementos da Recorrente para fazer tais comunicações. 16.–Não fazem parte dos deveres da Recorrida “andar atrás” dos seus trabalhadores para comunicar e/ou justificar ausências. 17.–Mas faz parte dos deveres dos trabalhadores comunicar e justificar as ausências ao trabalho, como resulta do artigo 253° n 1, 2 do Código do Trabalho. 18.–De acordo com o disposto no artigo 253° n° 5 do CT, o incumprimento do dever de comunicar ao empregador a ausência e motivo justificativo da mesma, logo que possível, determina que a ausência seja considerada injustificada. 19.–Aliás, a continuação do comportamento do Recorrido, de não justificar as faltas, mesmo após ser notificado da nota de culpa e de ter respondido à mesma, é demonstrativo da total desvalorização dos seus deveres para com a Recorrente e da própria relação laborai. 20.–Na verdade, na nota de culpa o Recorrido foi acusado de dar 21 faltas injustificadas seguidas e após responder à nota de culpa deu pais 19 faltas injustificadas seguidas, já que continuou a não comunicar nem justificar as faltas, como resulta dos fatos provados 19 e 20. 21.–Com o seu comportamento, o Recorrido violou o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto no artigo 128° n° 1 al. b) do 12. Se o Recorrido valorasse os deveres laborais e a manutenção da relação laboral, teria, pelo menos, passado a respeitar o dever de entregar dos comprovativos da baixa médica, após responder à nota de culpa, o que não fez. 22.–De acordo com o artigo 351° n° 2, al. g) do CT, constitui justa causa de despedimento as faltas injustificadas cujo número atinja as 5 seguidas ou 10 interpoladas, no ano civil, independentemente de prejuízo ou risco. 23.–Deste modo, o comportamento grave, culposo e reiterado do Recorrido tem como consequência a total perda de confiança que a Recorrente nele depositava, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 24.–O comportamento do Recorrido constitui justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351° n° 1, n° 2 al. d) e g) e n° 3 do CT, sanção que foi aplicada. 25.–Ao decidir pela ilicitude do despedimento, viola a douta sentença recorrida, o disposto nos artigos 253° n° 1, 2 e 3 e 351° n° 1, n° 2 al. d) e g) e n° 3 do Código de Trabalho, pelo que deve ser revogada e substituída por acórdão que declare a licitude do despedimento com justa causa. » - fim de transcrição. Assim, sustenta que o recurso deve ser provido revogando-se a sentença recorrida que deve ser substituída por acórdão que declare lícito o despedimento, com as legais consequências. Em 25 de Julho de 2023,o Autor contra alegou.[13] Concluiu que: «1.º- O recurso da Ré não impugna a matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância – que assim se deverá dar por definitivamente assente – mas tão só a solução de Direito, não tendo, porém, qualquer fundamento. 2.º- Com efeito, a obrigação de comunicação e justificação da ausência (para mais, por doença) que se prolonga para além de 30 dias de duração apenas foi criada com o CT de 2009. 3.º- Na questão sub judice, e conforme correctamente reconhecido na sentença, o A. esteve efectivamente doente em todos os períodos de ausência (como se comprovou pela documentação oficial que depois apresentou) – factos n.º 18, 19 e 20, 4.º- Tendo o M.º Juiz a quo considerado que, não obstante tal circunstância, por força em especial, do disposto no art.º 253.º, n.º 1, 4 e 5 do CT de 29/07 em diante, os períodos de faltas por doença de 29/07 em diante teriam de ser considerados injustificados. 5.º- Do que se discorda, desde logo, por não ter sido provado que ao A. tivesse a R. exigido a apresentação do documento comprovativo e, ao invés, ter sido provado conhecer a R. a situação de doença do A. (e de, havendo-o mesmo contactado durante este para outros efeitos – entrega de material e disponibilização de password – nada afinal ter feito quanto a esse ponto) – cfr facto n.º 21). 6.º- Independentemente dessa circunstância, o facto de o A. ter, infelizmente para ele, efectivo motivo justificativo para faltar, haver efectuado (ainda que fora de prazo) a comprovação documental da mesma e estar a padecer de doença grave (quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia) torna evidente a baixíssima gravidade da conduta do A. e o muito mitigado grau de culpa, 7.º- A que acresce a muito relevante circunstância da Ré – que accionou e fez correr até ao fim o procedimento disciplinar visando o despedimento do A. durante o período de doença deste – nada ter demonstrado acerca da pretensa gravidade de conduta, das suas pretensas consequências e, menos ainda, da pretensa impossibilidade de manutenção da relação de trabalho com o A., 8.º- Pelo que a decidida – e nestes autos impugnada – decisão de despedimento se revela totalmente desproporcional e desadequada, não integrando, e muito claramente, a conduta do A. o conceito de justa causa (art.º 351, n.º 1, 2, al. g) e 3 do CT, 9.º-Tudo razões por que é o despedimento do A. irremediavelmente ilícito, (art.º 381, al. b) do CT) tal como justa e correctamente se decidiu na sentença apelada, a qual não merece, assim, qualquer censura.» - fim de transcrição. Defende, pois, que a apelação deve ser julgada improcedente, confirmando-se por inteiro a decisão recorrida. Em 1 de Setembro de 2023, foi proferido o seguinte despacho:[14] «Julgo validamente prestada a caução pela ré, face ao depósito autónomo comprovado a fls. 131 e respectivo montante. xxx Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pela ré por requerimento de 19.07.2023, a fls. 115, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual é de Apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo (artigos 79º-A, nº 1, al. a), 80º, nº 2 e nº 3, 81º, nº 1, 83º, nº 2 e 83º-A, nº 1 do C. P. Trabalho). Notifique. xxx Seguidamente, subam os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa» - fim de transcrição. A Ex.ª Procuradora Geral Adjunta formulou o seguinte parecer:[15] «Está nos presentes autos em causa saber se:
“L- NOÇÃO JURÍDICA DE JUSTA CAUSA O Professor JOÃO LEAL AMADO, “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta da Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383, a partir da noção geral de justa causa contida no número 1 do artigo 351.º acima transcrito, refere que “a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (…) As diversas condutas descritas nas várias alíneas do número 2 do artigo 351.º possibilitam uma certa concretização ou densificação da justa causa de despedimento, muito embora deva sublinhar-se que a verificação de alguma dessas condutas não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1 para a existência de justa causa. Esta traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”. O Professor MONTEIRO FERNANDES, em “Direito do Trabalho”, 14.ª Edição, Almedina, página 612, segundo esse mesmo autor, defende que “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”, ao passo que o Professor JORGE LEITE em “Colectânea de Leis do Trabalho”, página 250 (nota 537 a página 384 da obra de JOÃO LEAL AMADO) sustenta que “a gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa” e ainda que “uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável”, isto quanto ao requisito legal da impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho. Finalmente, a Professora MARIA ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO [[2]], acerca do «conceito geral de justa causa disciplinar», afirma o seguinte: «A lei é particularmente exigente na configuração da justa causa para despedimento. Assim, para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT. Estes requisitos, de verificarão cumulativa, são os seguintes: - Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa); - A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa); - A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efetivamente, do comportamento do trabalhador. (…) Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. Estes requisitos justificam as seguintes observações: i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.º 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…) ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualificar como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a diligência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, naturalmente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um trabalhador indiferenciado ou especializado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as circunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso. iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…). A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral. (...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do trabalhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não e, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos. Em interpretação da componente objetiva da justa causa, a jurisprudência tem chamado a atenção para três aspetos essenciais: i) O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade, para a outra parte, da manutenção do contrato, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva. (…) ii) A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem que ser uma impossibilidade prática, no sentido em que deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto. (…) iii) A impossibilidade de subsistência do vínculo tem que ser imediata: este requisito exige que o comportamento do trabalhador seja de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral. Assim, se, apesar de grave, ilícita e culposa, a infração do trabalhador não tiver, na prática, obstado à execução normal do contrato, após o conhecimento da situação pelo empregador, tal execução demonstra que a infração não comprometeu definitivamente o futuro do vínculo contratual. (…) IV. Por fim, a lei exige que se verifique um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho. (cf., também, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1997, página 820).” (fim de citação) Ademais, temos que considerar que “Assim, o comportamento do trabalhador apenas consubstancia uma situação de justa causa para despedimento se for ilícito, culposo e grave e se dele resultar a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho, (,…). Ou seja, para perante o comportamento do trabalhador, objectivamente considerado (e, enquanto tal, correspondente ou não ou não a uma das situações previstas no art. 351° n 2), é sempre necessário fazer um juízo de valor que permita determinar, em concreto,- a gravidade deste comportamento, o grau de culpa do trabalhador e em que medida é que ele compromete o vínculo laboral.” vide Maria do Rosário Ramalho, Tratado do Direito de Trabalho, parte II, pag 978, 9º edição Importante para a análise que nos autos nos interessa é considerar em que medida a ocorrência das falta injustificadas que de, per si constituem a violação do dever de assiduidade por parte do trabalhador, preenchendo pela sua ilicitude, o conceito de comportamento culposo, acarretam a impossibilidade, imediata e prática de subsistência da relação laboral. Como refere a Professora Maria do Rosário Ramalho “ ao consagrar esta causa de despedimento nestes moldes aparentemente mais objectivos, a lei estabelece, a partir do número de faltas e, sobretudo, com base no facto se serem injustificadas (constituindo assim e independentemente do número uma violação do dever de assiduidade) a presunção de que tais faltas consubstanciam uma infração disciplinar grave. É por força desta presunção que o empregador fica dispensado de provar a culpa do trabalhador ( já que a ilicitude decorre dos facto de as faltas serem injustificadas), bem como de avaliar a infração pelo critério do dano, (…) in Tratado do Direito de Trabalho, parte II, pag 982, 9º edição). Perante esta presunção, está invertido o ónus probatório, sendo no entanto possível ao trabalhador, obviamente ilidi-la. A impossibilidade de subsistência do vinculo laboral torna-se a pedra de toque da aferição em concreto. Mais uma vez seguindo o ensinamento da professora Maria do Rosário Palma Ramalho, estamos perante o denominado elemento objetivo da justa causa. Elemento este que se reparte em três aspectos essenciais: 1.- O requisito da impossibilidade de subsistência do vinculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade da manutenção do contrato pela outra parte e não apreciado como uma impossibilidade objectiva- requisito este profundamente relacionado com o caracter intuitu personae do contrato de trabalho, identificado com a perda irremediável de confiança do empregador na viabilidade futura do vinculo; 2.- A impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho tem de ser uma impossibilidade prática, no sentido de que deve relacionar-se com o vinculo laboral concreto; 3.- A impossibilidade de subsistência do vinculo tem de ser imediata, no sentido em que o comportamento do trabalhador dever ser de molde a comprometer, de imediato futuro do vinculo laboral. Tudo se passa numa avaliação do comportamento do trabalhador no todo da relação laboral, no concreto daquela relação especifica, avaliando as consequências daquele comportamento na subsistência futura daquele vinculo em concreto. Tendo por fundo estes considerando dogmáticos , debrucemo-nos no caso dos autos. Conforme resulta dos matéria de facto provada – art.º 18 o autor esteve de a baixa médica a 18 de maio de 2021 até 28 de julho de 2021 – tendo entregue a respectiva justificação através de certificados de incapacidade para o trabalho. Conforme alega a recorrente, nas suas conclusões resulta da matéria de facto provada : Conclusão 1 _ O Recorrido continuou de baixa médica de 29 de Julho de 2021 a 26 de Setembro de 2021, tendo apresentado a respetiva justificação escrita à ré (certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa - facto provado 19. Conclusão 3 -O Recorrido continuou de baixa médica de 27 de Setembro de 2021 a 26 de Outubro de 2021, tendo apresentado a respetiva justificação escrita à ré (certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos - facto provado 20. A culpa e a gravidade do comportamento do trabalhador devem ser apreciadas de acordo com o padrão do empregador médio, de acordo com critérios de razoabilidade e em função do caso concreto – vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.01.2009 citado pag 968, tratado de direito de trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho. Verificada que está objectivamente a falta de assiduidade do trabalhador, o comportamento deste manifesta, uma total falta de responsabilidade no cumprimento dos seus deveres laborais,. Efectivamente competia ao trabalhador demonstrar que estava objectivamente impossibilitado de apresentar a justificação das suas faltas, o que não fez. Aliás, conforme resulta dos autos, em situação sempre do desenvolvimento da mesma situação clinica o trabalhador justificou as faltas ate ao dia 28 de julho de 2021. Deixou de o fazer a parte dessa data, atempadamente. Entregou justificativo de faltas em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa - facto provado 19; manteve a situação de absentismo tendo entregue novo justificativo de faltas a 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos - facto provado 20. Entendemos que este comportamento manifesta, não uma impossibilidade objectiva por parte do trabalhador de cumprir o dever que lhe assistia de justificar a sua ausência ao trabalho – que efectivamente veio a fazer fora de tempo quando interpelado processualmente, mas antes a manifestação de um modo de estar que se revelava como desinteressado da relação laboral e dos deveres que sobre o mesmo impediam. Manter essa atitude durante todo o processo disciplinar e posteriormente judicial, manifesta, em concreto o mau estar instalado entre as partes, verificando-se em concreto a impossibilidade de manutenção do vinculo laboral pela perda de confiança que tal comportamento acarreta, como bem conclui a recorrente: 19.–Aliás, a continuação do comportamento do Recorrido, de não justificar as faltas, mesmo após ser notificado da nota de culpa e de ter respondido à mesma, é demonstrativo da total desvalorização dos seus deveres para com a Recorrente e da própria relação laborai. 20.–Na verdade, na nota de culpa o Recorrido foi acusado de dar 21 faltas injustificadas seguidas e após responder à nota de culpa deu pais 19 faltas injustificadas seguidas, já que continuou a não comunicar nem justificar as faltas, como resulta dos fatos provados 19 e 20. 21.–Com o seu comportamento, o Recorrido violou o dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto no artigo 128° n° 1 al. b) do C.T. 22.–Se o Recorrido valorasse os deveres laborais e a manutenção da relação laborai, teria, pelo menos, passado a respeitar o dever de entregar dos comprovativos da baixa médica, após responder à nota de culpa, o que não fez. Entendemos assim, em concreto estar irremediavelmente comprometida a relação laboral, pela perda de total confiança da entidade patronal para com o seu trabalhador, fundada em comportamento grave e culposo deste, com violação do dever de assiduidade e desconsideração por este do alcance desta violação e das consequências que a falta acarreta no quadro de gestão da empresa. É nosso parece dever a apelação proceder.» - fim de transcrição. Em 26 de Outubro de 2023, a recorrida respondeu nos seguintes termos:[16] «1.º O dito “Parecer” consubstancia, no entender do A., uma singular simbiose de uma errónea apreciação da matéria de facto apurada e de uma errada interpretação jurídica, assente essencialmente numa pré-concebida ideia de “justa causa”, 2.º Porque estribada – ainda que o possa não dizer abertamente – no pré-juízo de que a mera verificação de uma situação que formal e abstractamente se pode considerar como correspondendo à previsão de alguma das alíneas do n.º 2 do art.º 358.º do CT, seria bastante para se poder fundadamente considerar verificada justa causa de despedimento. Porém, 3.º E como se sabe, até face à noção de junta causa tal como a define o n.º 1 do art.º 351.º do CT e face ao princípio do art.º 53.º da CRP – que impõe que o despedimento tenha, sempre, de ser uma última ratio – não é de todo assim. Com efeito, 4.º E desde logo, se é certo que ficou provado que o A. entre 18/05 e 28/07/2021 e entre 29/07 e 26/09 e ainda entre 27/09 e 26/10/2021 esteve de baixa médica, havendo apresentado a respectiva justificação (factos provados n.º 18, 19 e 20) e isto, inclusive, comprovado por junta médica de reavaliação, realizada após o desencadeamento pela R. do mecanismo de verificação de doença (factos provados n.º 18, 20 e 31), 5.º Também ficou provado que o A. é pessoa bastante doente, tendo já tido dois episódios de miocardite aguda (em 2008 e 2015), com internamento hospitalar e por isso foi considerado doente de risco desde o início da pandemia da COVID-19, o que lhe motivou um quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia, quando clínico este que foi agudizado com a instauração do processo disciplinar (facto 32). Ou seja, 6.º E desde logo o A. era, e é, pois, pessoa bastante doente, e em estado de maior doença ficou, a partir da pandemia da COVID-19 (e mais ainda após o processo disciplinar). 7.º E, por isso e infelizmente, após o 1.º dos supra- mencionados períodos (18/05 a 28/07), ou seja, entre 29/07 e 26/09 e 27/09 e 26/10, o A. continuou doente e de baixa médica (facto provado n.º 20, 1.ª parte), mas efectivamente só apresentou a respectiva justificação escrita à R. (o certificado de incapacidade temporária para o trabalho) respectivamente na contestação ao processo disciplinar e já em Juízo, com a sua contestação nestes autos, em 17/01/2022 (facto provado n.º 20, 2.ª parte). 8.º O M.º Juiz da 1.ª instância considerou que, apesar de as falta em causa se deverem a motivos mais que justificativos (doença devidamente comprovada) e consubstanciarem (infelizmente para o A. e a sua saúde) uma mera continuação de um estado de doença já anteriormente verificada e comprovada, os dias dos já referenciados 2 períodos de doença (de 29/07 e 26/09 e de 27/09 e 26/10) teriam, nos termos ao art.º 254.º, n.º 6 e 253.º, n.º 5, ambos do CT, de ser considerados de faltas injustificadas, não por terem sido dadas sem motivo justificado mas sim por os documentos comprovativos das mesmas terem sido entregues fora do prazo estabelecido para o efeito. 9.º Ora, desde logo e como se sabe, mas o M.º P.º parece ignorar, nem sempre foi assim, apenas tendo sido com a alteração ao CT de 2009 explicitada a necessidade de reiteração da comunicação por forma a abranger as ausências superiores a 30 dias e, logo, determinantes da suspensão do contrato, 10.º Até então se entendendo, e bem, que um trabalhador de baixa médica que se prolongasse por mais de 30 dias só era obrigado a apresentar a justificação das faltas dadas nesses primeiros 30 dias de doença – por todos, ver Acórdão da Relação do Porto de 22/09/2008, in Col. Jur. 2008 – 4.º, p 233 e sobretudo Acórdão do STJ de 26/03/2008, in CJ/STJ 2008 – 1.º, p 295), 11.º Acresce que, nos termos da lei (art.º 254.º, n.º 1 do CT), a prova do facto justificativo da ausência – que no caso de situação de doença do trabalhador deverá, por força do n.º 2, ser ou declaração de serviço de saúde (como foi aqui o caso) ou atestado médico – pode é ser exigida pelo empregador no prazo dos 15 dias seguintes à comunicação da ausência (ou tal exigência resultar de norma regulamentar interna da empresa, conhecida e aceite pelo trabalhador), 12.º Circunstância esta por completo olvidada no “Parecer” ora sob pronúncia, porquanto desde logo a Ré não provou de todo que tivesse formulado tal exigência. 13.º E, mais do que isso, o que se provou nos autos – e que o M.º P.º desvaloriza ou até oblitera – é que não só as chefias hierárquicas do A. sabiam que ele tinha problemas de saúde como nunca lhe solicitaram qualquer informação e muito menos qualquer apresentação de documento comprovativo de continuação de baixa médica (facto n.º 21), 14.º Isto, ao mesmo tempo que o souberam contactar no 2.º período de ausência, mais exactamente a 9 e a 17/08 (2 dias antes da instauração do processo disciplinar!), para lhe solicitar a entrega de equipamento e a disponibilização da respectiva password (facto n.º 23), a que o A. integralmente e de boa vontade acedeu! Ora, 15.º Significa tudo quanto antecede que, não tendo havido a exigência, pela Ré, de apresentação da justificação (o que aliás era perfeitamente susceptível de ser interpretado como significando não ser aquela exigível após os primeiros 30 dias de ausência), e, para mais, bem sabendo a R. que o A. não estava melhor e continuava doente, não se deveria poder sequer concluir pela verificação da factualidade prevista no já citado n.º 5 do art.º 253.º do CT. Porém, 16.º Será que mesmo que assim fosse, a respectiva consequência poderia ser – tal como não foi, correctamente, declarado na sentença da 1.ª instância – a da declaração da ilicitude do despedimento como pretendeu a R. e pretende agora o M.º P.º? Não, de todo, Exmo. Senhores Juízes Desembargadores! 17.º E isto porquanto, tal como já referido e resulta da lei, e desde logo, do art.º 351.º, n.º 1 e 3 do CT, e sempre têm consagrado a melhor doutrina e jurisprudência, não basta a constatação de mera existência de faltas alegadamente injustificadas, e até de uma situação abstractamente integrável na previsão da al. g) do n.º 2, para logo se poder concluir pela existência de justa causa de despedimento e proclamar que a relação laboral ficou definitiva e irremediavelmente “comprometida”. 18.º Por um lado, porquanto uma situação como a dos autos – tal como correctamente a apurou e analisou a sentença da 1.ª instância – em que um trabalhador falta com perfeita razão justificativa e esta não só é uma mera continuação de uma situação anterior (esta atempadamente comunicada e justificada) como se encontra perfeitamente comprovada por documento oficial idóneo – é, desde logo do ponto de vista objectivo, muito menos grave do que a da pura e simples ausência injustificada. 19.º Depois, porque o grau de culpa do trabalhador – que, erradamente embora, se persuada de que, após os primeiros 30 dias, e sobretudo se a entidade empregadora tal não lhe pede, não tem que apresentar um (realmente existente) documento justificativo e por isso não o apresenta – é incomparavelmente menor do que o daquele que, com dolo ou negligencia grosseira, se escusa a tal apresentação ou, pior ainda, não tem, na verdade, razão justificativa da mesma ausência. 20.º Finalmente, porquanto – facto este relevantíssimo mas singularmente ignorado pelo M.º P.º – a mesma Entidade Empregadora Ré não logrou demonstrar um único facto que fosse de que se pudesse extrair que o comportamento do trabalhador tinha gravidade e acarretava consequências de qualquer ordem, e menos ainda que elas fossem ao ponto de tornar prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho. 21.º E, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, conjecturas, argumentos e juízos valorativos e conclusivos – que foi aquilo, que não com factos, com que a Ré veio esgrimir nos seu recurso de apelação e com que o M.º P.º se parece impressionar – não são factos! 22.º Deste modo a não comunicação de faltas ou a não apresentação do respectivo documento justificativo, numa situação de existência de real causa justificativa e de continuação de baixa, para mais num “quadro de ansiedade de natureza fóbica, com marcada angústia, pensamento de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia (sic, com sublinhado nosso, do facto provado n.º 32, 2.ª parte), apesar de, mesmo na hipótese mais desfavorável ao A., poder constituir infracção disciplinar, representam, todavia, uma culpa significativamente atenuada, e logo, não podem de todo justificar a conclusão de que o comportamento imputado ao A. revista gravidade tal e assuma consequências (gravidade e consequências que não se presumem, antes têm de ser invocadas e demonstradas), tais que tornem imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho com a Ré. 23.º Forçoso é, pois, entender, Exmos. Senhores Juízes Desembargadores que – como bem decidiu a sentença da 1.ª instância e ao contrário do que agora opina o M.º P.º – a sanção do despedimento, aplicada ao A. se revela totalmente desproporcionada e desenquadrada, sendo, por isso, irremediavelmente ilícita, nos termos das disposições conjugadas dos art.º 351.º, n.º 1, 2, al. g) e 3, bem como 381.º, al. b) do CT. 24.º E, mais, a Ré – que aliás, não só não exigiu ao A. qualquer prova da situação de doença como mostrou conhecê-la, não se coibiu de desencadear e fazer correr até ao fim o processo disciplinar contra o A. visando o despedimento deste durante o período em que bem sabia que o mesmo se encontrava (e já desde há vários meses) ainda e infelizmente doente – é que agiu de forma errónea e até digna de censura. 25.º E, assim sendo, rigorosamente em nenhuma medida merece a sentença apelada, qualquer censura e deve, pois, ser integralmente confirmada, 26.º Ao invés do que propugna o, desprovido de fundamento fáctico bastante e assente numa errada interpretação da lei, “Parecer “do M.º P.º Termos em que Deve o recurso de apelação da Ré ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a sentença, de 1.ª instância (….)» - fim de transcrição. Foram colhidos os vistos. Nada obsta ao conhecimento. **** Eis a matéria dada como assente [que não se mostra impugnada] : 1- Em 19 de Agosto de 2021 o trabalhador R. D , fez participação de ocorrência à Gerência da mesma R., do seguinte teor: “Participação Exmo, Dr E Venho por este meio no exercício do poder disciplinar que me foi expressamente conferido pela Gerência da B - Sistemas Interactivos de Entretenimento, Lda relatar uma ocorrência relativa ao colaborador A. O colaborador em questão não se apresenta no seu local de trabalho pelo que não presta o seu trabalho já há 9 dias úteis seguidos, sem qualquer justificação. O A esteve de baixa desde o dia 18 de Maio de 2021 até ao dia 28 de Julho de 2021. Após esta baixa faltou 2 dias seguidos (29 e 30 de Julho) sem qualquer justificação, entrando de férias na semana seguinte, de 2 a 6 de Agosto de 2021. Após este período de férias, sem qualquer justificação, ou mesmo informação por parte do colaborador, o mesmo não se apresentou ao serviço desde o dia 9 de Agosto de 2021 até hoje, dia 19 de Agosto de 2021, perfazendo um total de 9 dias seguidos. Dos factos se vem dar conhecimento para os efeitos que forem entendidos”. 2- Em 19 de Agosto de 2021, a Gerência da R. deliberou instaurar processo disciplinar ao A., nomeando como instrutor do processo disciplinar o Sr. Advogado, Dr. F. 3- A R. remeteu ao Instrutor do processo disciplinar a participação e a deliberação da Gerência da R., tendo aquele lavrado termo de abertura do processo disciplinar em 31.08.2021. 4- Através de carta registada com aviso de recepção datada de 6 de Setembro de 2021, foi o A. notificado da Nota de Culpa em 10.09.2021, onde se articulam os factos imputados ao mesmo A., bem como da comunicação da intenção de proceder ao despedimento com justa causa, dando-se aqui por reproduzido o teor da Nota de Culpa e da carta/comunicação referida, como constam de fls. 30 e 31 dos autos (fls. 6 a 9 do processo disciplinar junto com o articulado motivador da ré). 5- O A. respondeu à Nota de Culpa, recepcionada pela R. em 21/09/2021, juntando à mesma dois certificados de incapacidade temporária para o trabalho, mas não requereu a realização de outras diligências probatórias. 6- Perante a resposta à Nota de Culpa, o Instrutor do processo disciplinar nomeado pela R. procedeu à inquirição das testemunhas D e C, em 28/09/2021, e procedeu á junção ao processo disciplinar das mensagens trocadas entre o A. e a depoente C por SMS em 06/08/2021, 09/08/2021 e 17/08/2021. 7- O A. não é representante sindical, e na R. não existe comissão de trabalhadores. 8- Com data de 15 de Setembro de 2021, foi elaborado pelo Instrutor relatório final e conclusões, com proposta de aplicação da sanção de disciplinar de despedimento com justa causa do A. 9- Em 15 de Outubro de 2021, a Gerência da R. deliberou aplicar ao A. a sanção de disciplinar de despedimento com justa causa. 10- A sanção disciplinar de despedimento com justa causa, com o relatório final e conclusões foi comunicada ao A. através de carta registada com A/R, recepcionada por este em 21.10.2021. 11- De 1 de Novembro de 2011 a 31 de Outubro de 2013, o A. trabalhou para a R. através de um contrato designado de prestação de serviços entre ambos celebrado, sendo o trabalho desenvolvido nas instalações da empresa ... , com horário de entrada e saída. 12- O A. foi admitido para trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização da R. em 1 de Novembro de 2013, com a categoria profissional de Operador Técnico, sendo o trabalho desenvolvido nas instalações da empresa ..., competindo-lhe, entre outras, desempenhar as funções de gestão de materiais de vídeo. 13- O A., embora com a categoria profissional de Operador Técnico, foi-lhe pela Ré atribuída em Maio de 2017, e até Maio de 2021, a posição de supervisor, com uma remuneração acrescida de 210,00 € mensais, designada no recibo de vencimento por “prémio de função”. 14- Em Abril de 2021, o A. deixou de exercer as tarefas da função de supervisor na sequência de o cliente ... ter descontinuado essas funções (o que foi comunicado au autor em reunião no dia 9 de Abril de 2021) e a R. passou a pagar ao A., que tinha o vencimento base de 800,00 € mensais, o “prémio de função” no valor de 150,00 €, em substituição do anterior valor de 210,00 €. 15- As funções de supervisão que o A. exerceu até 9 de Abril de 2021 foram absorvidas por todos os membros da equipa, motivo pelo qual a ré deixou de pagar o prémio de função de € 210,00. 16- O A. no dia 12 de Abril de 2021 questionou por e-mail quais as novas funções, tendo a sua superiora hierárquica respondido por e-mail do mesmo dia que continuava a desempenhar as funções de operação. 17- O local de trabalho do A. era na Rua ... 18- O A. esteve de baixa médica de 18 de Maio de 2021 a 28 de Julho de 2021[17], tendo apresentado a respectiva justificação (certificados de Incapacidade para o Trabalho). 19- O A. continuou de baixa médica de 29 de Julho de 2021 a 26 de Setembro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa. 20- O A. continuou de baixa médica de 27 de Setembro de 2021 a 26 de Outubro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos. 21- As chefias hierárquicas da R. sabiam que o A. tinha problemas de saúde, mas não conheciam a concreta situação de doença do A. e não solicitaram ao A. qualquer informação ou apresentação de documento comprovativo de continuação da baixa médica e o A. não comunicou à R. verbalmente que continuava de baixa médica após o dia 28.07.2021. 22- O A. tinha férias marcadas por acordo com a R. de 2 a 6 de Agosto de 2021. 23- Nos dias 9 e 17/08/2021 a superiora hierárquica do A., C, contactou-o por SMS para lhe solicitar a entrega de equipamento (HDD) que se encontrava na posse dele, agradecendo a disponibilidade do A. e pedindo-lhe – e dele obtendo – não só a entrega do dito equipamento como a disponibilização da respectiva password. 24- O A. estava afecto à área dos cinemas da ... , os quais devido à pandemia do Covid 19 estiveram encerrados, tendo o A. ficado em teletrabalho desde a sua residência a partir de Março de 2020, situação em que se manteve, por indicação médica e receio do A., até ao despedimento. 25- Por existir muito pouco trabalho na área dos cinemas após o encerramento, a R. atribuiu-lhe algumas tarefas que não era habitual o mesmo desempenhar, o que mereceu concordância do A. 26- As avaliações de desempenho aplicam-se a todos os trabalhadores da ré, tendo critérios de avaliação definidos. 27- As duas últimas avaliações do A. não foram positivas, tendo a avaliação sido justificada directamente ao A., como acontece com todos os trabalhadores da R. 28- Existe uma norma interna na R., que é do conhecimento de todos os trabalhadores, incluindo o A., em que os pedidos de marcação de férias podem não ser aprovados quando pedidos para o mês a decorrer e depois das escalas dos horários já terem sido comunicados aos trabalhadores e em execução. 29- Ao A. apenas foi recusada a marcação de férias uma vez, por violação da referida norma interna, quando o A. fez um pedido de férias no dia 5 de Abril de 2021 para o período de 12 a 16 de Abril de 2021, tendo a R. respondido ao A. que os horários de Abril já se encontravam a ser praticados à data do pedido, pelo que não podia aceder ao pedido de férias para o período de 12 a 16 de Abril. 30- O A. pediu em 12 de Abril de 2021 férias para os dias de 3 a 7 de Maio de 2021, que de imediato lhe foram aprovadas e concedidas. 31- A R. desencadeou o mecanismo de verificação de doença do A., que teve lugar no dia 21 de Junho de 2021, e o resultado foi “não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho”, tendo o A. pedido exame médico de reavaliação, do que resultou uma incapacidade temporária para o trabalho no dia 28 de Junho de 2021. 32- O A. teve dois episódios de miocardite aguda não complicada, em 2008 e 2015, com internamento hospitalar, tendo sido considerado doente de risco desde o início da pandemia do COVID-19, o que lhe motivou um quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia, quadro clínico que foi agudizado com a instauração do processo disciplinar por parte da R. *** (…) **** É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 635º e 639º ambos do CPC [18] ex vi do artigo 87º do CPT). Mostra-se interposto um recurso pela Ré. Nas suas conclusões suscita uma única questão que consiste em saber se, ao contrário do decidido em 1ª instância , cumpre reputar lícito o despedimento do Autor com as inerentes consequências. Sobre o assunto a sentença discreteou o seguinte: «III.1- Há agora que apreciar e decidir sobre a alegada ilicitude da cessação do contrato de trabalho do autor, mediante invocação de justa causa de despedimento pela ré, e suas consequências. Da matéria de facto constante do nº 12 da factualidade acima descrita como provada, resulta que entre o trabalhador e a entidade empregadora vigorava um contrato de trabalho desde 01.11.2013, desempenhando aquele as funções da categoria profissional de Operador Técnico. O trabalhador/autor alega que o contrato de trabalho vigorava desde 1.1.2011, mas tal não se provou, como resulta dos factos provados nº 11 e dos factos não provados nº 1 e 2. A entidade empregadora fez cessar o contrato de trabalho por decisão de despedimento, com invocação de justa causa, proferida no âmbito de um processo disciplinar, que produziu efeitos a partir do dia 21 de Outubro de 2021 (cfr. nº 9 e 10 dos factos assentes). O contrato de trabalho caduca nos termos gerais de direito (art.ºs 343º e ss. do Código do Trabalho de 2009, aplicável à situação em apreço por força do art.º 7º da Lei n.º 7/2009, de 12.02, que aprovou o aludido código), pode ser revogado por acordo das partes (artigos 349º e seguintes) e extingue-se por decisão unilateral de uma das partes (cfr. artigos 351º a 403º do mesmo código) distinguindo-se, aqui, três situações: a resolução, baseada no incumprimento da contraparte, a resolução por causas alheias à actuação das partes e a denúncia. A resolução com base em incumprimento imputável ao empregador é denominada resolução (art.º 394º do Código do Trabalho de 2009). Aquela imputável ao trabalhador é designada despedimento com justa causa (art.ºs 351º e ss. do Código do Trabalho). A entidade empregadora tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço (art.º 329º do CT). O poder disciplinar consiste na faculdade, atribuída ao empregador, de aplicar, internamente, sanções aos trabalhadores cuja conduta conflitue com os padrões de comportamento da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato (vide, neste sentido, António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11ª ed., pág. 256). Trata-se, no dizer do professor Pedro Romano Martinez, (...) de uma forma de auto-tutela que o empregador pode exercer contra o trabalhador, sujeita a fiscalização judicial (Direito do Trabalho I, Lisboa, 1994/95, pág. 453). O sujeito da infracção disciplinar é, necessariamente, um trabalhador. O facto traduz-se numa actuação, conduzida pelo agente, que integre a competente previsão disciplinar, podendo consistir na violação de deveres tipificados na lei e na inobservância de deveres genéricos, numa acção ou numa omissão. A culpabilidade implica a presença, no trabalhador, de um juízo de censura reportado à sua actuação. Qualquer das modalidades de culpa, dolo ou negligência, é apta a dar lugar à imputação disciplinar. A ilicitude corresponde à inobservância de deveres jurídicos, seja ignorando imposições, seja atentando contra proibições, sendo que os deveres atingidos podem ser contratuais, convencionais ou legais. O juízo de ilicitude pressupõe, assim, a prévia determinação da conduta exigível, em concreto, ao trabalhador (vide, neste sentido, António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, págs. 750 e ss.). A sanção disciplinar a aplicar deve ser, de acordo com o preceituado no art.º 330º do Código do Trabalho, proporcionada à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais do que uma pela mesma infracção. Como faz notar Monteiro Fernandes, resulta destes dados a existência de uma vasta margem de julgamento por parte do empregador: apenas lhe estará, a priori, vedado criar novas sanções, e ultrapassar, dentro de cada tipo ou espécie, o máximo legal. Daí que, no estado actual do regime do poder disciplinar na empresa, se entenda que o critério de valoração (e de controlo) dos juízos disciplinares concretos só pode ser construído a posteriori, como que por via indutiva. O dimensionamento da «pena», em concreto, releva sobretudo do critério objectivado na própria prática disciplinar da organização (Direito do Trabalho, 13ª Ed., Almedina, 2006, págs. 270-271 e 578 e ss.). Vale isto por dizer que às decisões disciplinares a tomar há-de estar subjacente um critério, obedecendo a uma lógica que vincula o empregador a dela se não desviar em decisões subsequentes, quer relativamente ao mesmo trabalhador, quer relativamente a outros trabalhadores da empresa. Uma vez que o despedimento com justa causa é uma sanção disciplinar e foi a sanção que em concreto foi aplicada à autora, cumpre realçar a absoluta necessidade de aquele - despedimento - dever ser precedido por adequado processo, movido pela entidade empregadora. O processo disciplinar destina-se a averiguar a existência da justa causa e a permitir que o trabalhador se defenda dos factos que, integradores de infracção de natureza disciplinar, lhe são imputados. Funciona, assim, como requisito essencial da validade e licitude do acto extintivo: se faltar o competente processo, ou caso ele seja nulo, o despedimento é ilícito e poderá ser anulado (art.º 381º, al. c) do CT). O despedimento também será julgado ilícito se for declarada improcedente a justa causa invocada (al. b), do art.º 381º do CT), sendo que compete à entidade empregadora fazer prova dos factos constantes da decisão de despedimento (art.º 387º, nº 3, do CTR). Nos termos do disposto no art.º 351º, nº 1 do Código do Trabalho, “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho". No nº 2 desta disposição legal, exemplificam-se os comportamentos que, assumidos pelo trabalhador, são susceptíveis de integrarem a justa causa de despedimento, desde que, e sempre, se reconduzam aos limites do conceito definido no nº 1. O conceito de “justa causa de despedimento”, enquanto cláusula geral ou conceito indeterminado, no entendimento da doutrina e da jurisprudência, tem por pressupostos cumulativos: -O comportamento culposo do trabalhador (pressuposto subjectivo); -A impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (pressuposto de natureza objectiva); -O nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Quanto ao pressuposto subjectivo o mesmo pode consubstanciar-se numa acção ou omissão do trabalhador, violadora dos deveres a que está sujeito, e que lhe seja imputável a título de culpa. Sendo o despedimento a mais grave das sanções disciplinares necessário é que tal comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências aferido em termos concretos e objectivos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou trabalhador normal, face à natureza da relação; o grau de lesão de interesse da entidade empregadora, o quadro de gestão da empresa; as relações entre as partes e demais circunstâncias. Por outro lado, o apuramento da "justa causa" corporiza-se, essencialmente, no elemento da impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. No que respeita à interpretação desta componente objectiva de "justa causa", continua a ter plena validade a jurisprudência firmada no domínio do regime anterior, assente nas seguintes vertentes: - a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de "inexigibilidade" da manutenção vinculística; - exige-se uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto; - e "imediata" no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. (Acórdãos do STJ de 8.6.84, AD nº 274, pág. 1205, de 16.11.98, AD nº 290, pág. 251, e de 8.7.88, AD nº 324, pág. 1584 O apuramento deste elemento envolve necessariamente um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela mantém, ou não, a aptidão e idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida, juízo a realizar segundo um padrão essencialmente psicológico, o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que radica, in extremis, na quebra e confiança entre a entidade patronal e o trabalhador. (Cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, pág. 490 e seguintes). Como refere Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 15ª Ed., pág. 593 e seguintes, trata-se de “…uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo. (…). O que ela significa - o que significa a referência legal à «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho - é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. Embora num plano de objectividade, o elemento «impossibilidade prática» reporta-se a um padrão essencialmente psicológico: o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, implicando mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos”. Torna-se necessário, em resumo, que nenhuma outra sanção se revele adequada a sanar a crise contratual. No art.º 351º, n.º 3 do Código do Trabalho, estabelecem-se como critérios aferidores da justa causa o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e entre o trabalhador e os seus companheiros e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Assim, intervêm na indagação da "justa causa" de despedimento juízos de prognose e juízos valorativos necessários ao preenchimento individualizado de uma hipótese legal indeterminada, a par, das operações lógico-subsuntivas a que se reporta o ónus da prova. (Cfr. Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2000, págs. 511 e seguintes). Nesta conformidade, cabe ao julgador a tarefa de, em cada caso e em cada momento, concretizar a aplicação dessa "cláusula geral" a que a "justa causa" se reconduz. No âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem a jurisprudência salientado o papel da confiança nas relações de trabalho, afirmando a sua forte componente fiduciária e concluindo que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina (Acórdãos do STJ de 5.6.91, AD nº 359, pág. 1306, de 12.10.97, AD nº 436, pág. 524 e de 28.1.98, AD nº 436, pág. 556). No já referido nº 2 do citado art.º 351º do Código do Trabalho de 2009, o legislador enunciou, exemplificativamente, os comportamentos que, assumidos pelo trabalhador, são susceptíveis de integrar a noção de justa causa de despedimento. Todavia, como salienta Abílio Neto, a simples correspondência objectiva aos modelos de comportamentos prefigurados na lei não justifica, só por si, a ruptura do vínculo laboral, não dispensando a apreciação dos mesmos factos à luz das circunstâncias em que ocorreram, do nível cultural e social do infractor, do respectivo meio de trabalho e de todas as demais circunstâncias susceptíveis de convencerem da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (Despedimentos e Contratação a Termo, notas e comentários, 1989, pág. 45.). Tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução dos contratos (art.º 762º do Código Civil) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais. Por fim, o nexo de causalidade apontado exige que a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador. No caso presente, verifica-se que na sequência de processo disciplinar que lhe foi movido pela entidade empregadora, o trabalhador foi despedido com invocação de justa causa, por os comportamentos por si assumidos, integrarem, alegadamente, os fundamentos previstos no artº 351º, nº 1 e nº 2, al. d), e), f) e g) do Código do Trabalho. A empregadora imputa ao trabalhador o cometimento de 22 faltas injustificadas seguidas no ano de 20212. O artigo 351º, n.º 2 do Código do Trabalho, entre as causas de despedimento que constituem justa causa, indica designadamente na alínea g), “faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de qualquer prejuízo ou risco”. De acordo com o disposto no artigo 128º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade. A falta, cuja definição se encontra plasmada no artº 248º, nº 1 do CT, traduz-se na ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a atividade a que está adstrito, sendo que, quando a falta se não subsuma num dos tipos taxativos de faltas justificadas, terá que ser considerada como falta injustificada (artº 249º do CT). Em caso de ausência do trabalhador por períodos inferiores ao período normal de trabalho diário, os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta (artº 248º, nº 2 do CT). A falta traduz, assim, um incumprimento por parte do trabalhador, uma vez que este, ao celebrar o contrato de trabalho, obriga-se a colocar a sua força de trabalho à disposição do empregador, o que, naturalmente, implica a sua presença no local de trabalho e está diretamente relacionado com o dever de assiduidade previsto no art.º 128º, 1, al. b), do CT. Qualquer falta injustificada tem sempre relevância disciplinar - ou não é injustificada. O regime de prova, seguindo de perto António Menezes Cordeiro é o seguinte: ao empregador incumbe a prova da falta (art.º 342º, do Código Civil), sendo que é ao trabalhador que incumbe provar a sua justificação (artº 254º do CT). Sob o trabalhador impende, ainda, um dever de diligência: se a falta for previsível, ela deve ser comunicada com a antecedência mínima de cinco dias (art.º 253º, nº 1 do CT); se a falta for imprevisível, deve ser comunicada logo que possível (artº 253º nº 2 do mesmo diploma). O não cumprimento do referido dever importa a qualificação da falta como injustificada (art.º 253º, nº 5 do CT) (Manual de Direito do Trabalho, pág. 835). No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.09.2014, proferido no processo nº 5222/12.9TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, foi eleborado o seguinte sumário doutrinal: I- O comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho II- A não comunicação da falta justificável é um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, constituindo infracção menos grave, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal. III- Mesmo no caso da 2.ª parte da al. g) do n.º 2 do art.º 351.º, Cód. do Trabalho, deve-se aferir a possibilidade da manutenção da relação laboral pois o desvio relativamente ao princípio consagrado no nº 1, o mesmo restringe-se à desnecessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves. IV- Face aos arts. 342º e 799º do CC, sobre o empregador recai o ónus de provar que as faltas ocorreram e sobre o trabalhador impende o ónus de provar que comunicou as faltas ao empregador e, sendo caso disso, que apresentou a respectiva justificação. V- Os preceitos legais relativos às faltas e respectivo sancionamento, como todos os preceitos legais, dirigem-se ao comum das pessoas, seus destinatários, pressupondo, naturalmente, capacidade comum de entendimento e posse das normais faculdades volitivas. Na ausência deste condicionalismo ter-se-á de considerar que a culpa do trabalhador, no caso de falta de estrito cumprimento dos imperativos legais, estará mitigada. VI- Um quadro clínico de doença psiquiátrica depressão (neurostenia), caraterizada por supressão total do sono, isolamento e incapacidade para as actividades é compatível com o comportamento descuidado evidenciado ao não fazer as comunicações e entregas de atestados médicos tempestivamente, atenuando significativamente a culpa do trabalhador. VII- A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor. Retornando ao presente caso, com interesse para a apreciação da justa causa de despedimento, apurou-se a seguinte factualidade: 1- Em 19 de Agosto de 2021 o trabalhador R. D , fez participação de ocorrência à Gerência da mesma R., do seguinte teor: “Participação Exmo, Dr. E, Venho por este meio no exercício do poder disciplinar que me foi expressamente conferido pela Gerência da B - Sistemas Interactivos de Entretenimento, Lda relatar uma ocorrência relativa ao colaborador A. O colaborador em questão não se apresenta no seu local de trabalho… pelo que não presta o seu trabalho já há 9 dias úteis seguidos, sem qualquer justificação. O A esteve de baixa desde o dia 18 de Maio de 2021 até ao dia 28 de Julho de 2021. Após esta baixa faltou 2 dias seguidos (29 e 30 de Julho) sem qualquer justificação, entrando de férias na semana seguinte, de 2 a 6 de Agosto de 2021. Após este período de férias, sem qualquer justificação, ou mesmo informação por parte do colaborador, o mesmo não se apresentou ao serviço desde o dia 9 de Agosto de 2021 até hoje, dia 19 de Agosto de 2021, perfazendo um total de 9 dias seguidos. Dos factos se vem dar conhecimento para os efeitos que forem entendidos”. 2- Em 19 de Agosto de 2021, a Gerência da R. deliberou instaurar processo disciplinar ao A., nomeando como instrutor do processo disciplinar o Sr. Advogado, Dr. F. 3- A R. remeteu ao Instrutor do processo disciplinar a participação e a deliberação da Gerência da R., tendo aquele lavrado termo de abertura do processo disciplinar em 31.08.2021. 4- Através de carta registada com aviso de recepção datada de 6 de Setembro de 2021, foi o A. notificado da Nota de Culpa em 10.09.2021, onde se articulam os factos imputados ao mesmo A., bem como da comunicação da intenção de proceder ao despedimento com justa causa, dando-se aqui por reproduzido o teor da Nota de Culpa e da carta/comunicação referida, como constam de fls. 30 e 31 dos autos (fls. 6 a 9 do processo disciplinar junto com o articulado motivador da ré). 5- O A. respondeu à Nota de Culpa, recepcionada pela R. em 21/09/2021, juntando à mesma dois certificados de incapacidade temporária para o trabalho, mas não requereu a realização de outras diligências probatórias. 6- Perante a resposta à Nota de Culpa, o Instrutor do processo disciplinar nomeado pela R. procedeu à inquirição das testemunhas e C, em 28/09/2021, e procedeu á junção ao processo disciplinar das mensagens trocadas entre o A. e a depoente C por SMS em 06/08/2021, 09/08/2021 e 17/08/2021. 7- O A. não é representante sindical, e na R. não existe comissão de trabalhadores. 8- Com data de 15 de Setembro de 2021, foi elaborado pelo Instrutor relatório final e conclusões, com proposta de aplicação da sanção de disciplinar de despedimento com justa causa do A. 9- Em 15 de Outubro de 2021, a Gerência da R. deliberou aplicar ao A. a sanção de disciplinar de despedimento com justa causa. 10- A sanção disciplinar de despedimento com justa causa, com o relatório final e conclusões foi comunicada ao A. através de carta registada com A/R, recepcionada por este em 21.10.2021. 18- O A. esteve de baixa médica de 18 de Maio de 2021 a 28 de Julho de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação (certificados de Incapacidade para o Trabalho). 19- O A. continuou de baixa médica de 29 de Julho de 2021 a 26 de Setembro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa. 20- O A. continuou de baixa médica de 27 de Setembro de 2021 a 26 de Outubro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos. 21- As chefias hierárquicas da R. sabiam que o A. tinha problemas de saúde, mas não conheciam a concreta situação de doença do A. e não solicitaram ao A. qualquer informação ou apresentação de documento comprovativo de continuação da baixa médica e o A. não comunicou à R. verbalmente que continuava de baixa médica após o dia 28.07.2021. 22- O A. tinha férias marcadas por acordo com a R. de 2 a 6 de Agosto de 2021. 23- Nos dias 9 e 17/08/2021 a superiora hierárquica do A., C, contactou-o por SMS para lhe solicitar a entrega de equipamento (HDD) que se encontrava na posse dele, agradecendo a disponibilidade do A. e pedindo-lhe – e dele obtendo – não só a entrega do dito equipamento como a disponibilização da respectiva password. 24- O A. estava afecto à área dos cinemas da ... , os quais devido à pandemia do Covid 19 estiveram encerrados, tendo o A. ficado em teletrabalho desde a sua residência a partir de Março de 2020, situação em que se manteve, por indicação médica e receio do A., até ao despedimento. 31- A R. desencadeou o mecanismo de verificação de doença do A., que teve lugar no dia 21 de Junho de 2021, e o resultado foi “não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho”, tendo o A. pedido exame médico de reavaliação, do qua resultou uma incapacidade temporária para o trabalho no dia 28 de Junho de 2021. 32- O A. teve dois episódios de miocardite aguda não complicada, em 2008 e 2015, com internamento hospitalar, tendo sido considerado doente de risco desde o início da pandemia do COVID-19, o que lhe motivou um quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia, quadro clínico que foi agudizado com a instauração do processo disciplinar por parte da R. Perante tais factos, verifica-se que a impossibilidade do autor comparecer ao serviço devido a incapacidade temporária por doença está comprovada pelos atestados médicos posteriormente apresentados, ainda que além do prazo em que o deveriam ser. Com efeito, ao contrário do alegado pelo autor, e, pese o conhecimento por parte das chefias hierárquicas de que o autor tinha problemas de saúde, mantendo-se a sua situação de incapacidade temporária para o trabalho por doença após 28 de Julho de 2021, deveria o mesmo continuar a apresentar os respectivos certificados que comprovassem tal situação. Deste modo, os certificados posteriormente apresentados pelo autor para justificar a ausência ao trabalho a partir de 28 de Julho de 2021, foram apresentados além dos cinco dias estipulados pela lei para o efeito. Assim, pese embora a efectiva incapacidade temporária para o trabalho por doença do autor, as referidas faltas que lhe foram imputadas pela ré no âmbito do procedimento disciplinar sempre terão de ser consideradas injustificadas por violação das regras procedimentais quanto ao prazo de apresentação dos referidos certificados de incapacidade temporária para o trabalho, ou seja, têm de considerar injustificadas as ausências ao serviço do autor porque os documentos comprovativos das mesmas terem sido entregues fora do prazo estabelecido para o efeito. Mas será que este comportamento, constitui justa causa, impondo a impossibilidade prática da subsistência da relação entre o autor e ré? No caso, não se pode olvidar que o autor tinha problemas de saúde conhecidos da ré e já estava de baixa por doença atempadamente comprovada por escrito desde 18.05.2021, pelo que se nos afigura que a ré, antes de considerar a relevância disciplinar das ausências do autor, deveria apurar junto dele sobre as razões das mesmas, tanto mais que, no caso concreto, a sua superiora hierárquica contactou-o nos dias 9 e 17/08/2021 por SMS para lhe solicitar a entrega de equipamento (HDD) que se encontrava na posse dele, agradecendo a disponibilidade do A. e pedindo-lhe – e dele obtendo – não só a entrega do dito equipamento como a disponibilização da respectiva password (nº 23 dos factos provados), mas não solicitou ao A. qualquer informação ou apresentação de documento comprovativo de continuação da baixa médica e o A. não comunicou à R. verbalmente que continuava de baixa médica após o dia 28.07.2021 (cfr. nº 21 dos factos provados). Ora, tal comportamento do autor de não justificar perante a ré a continuação da sua situação de baixa médica, apesar de possuir certificados para tal, deve ser visto e apreciado tendo em conta que o mesmo estava afectado por um quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia, quadro clínico motivado pelo facto de o A. ter tido dois episódios de miocardite aguda não complicada, em 2008 e 2015, com internamento hospitalar, tendo sido considerado doente de risco desde o início da pandemia do COVID-19 (cfr. nº 32 dos factos provados). Como se refere no Acórdão acima citado, “a não comunicação da falta justificável é um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, constituindo infracções menos graves, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal”. O comportamento do autor ao apresentar extemporaneamente os referidos certificados de doença, não pode deixar de ser considerado censurável, mas analisado em concreto, não revestiu gravidade que tornasse imediatamente impossível e inexigível a manutenção da relação laboral existente entre autor e ré. Com efeito, o artigo 328º do CT, elenca no seu n.º 1, além do despedimento sem indemnização ou compensação, outras sanções alternativas e menos gravosas. A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor (artigo 330º, n.º 1 do CT). Considerando, pois, a factualidade apurada e o exposto supra, entendemos que o comportamento imputado ao autor não reveste gravidade pelas circunstâncias descritas nem assume consequências que tornem imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral entre autor e ré. No caso, outras sanções existiriam que salvaguardariam os fins de prevenção geral e especial, sendo por isso desproporcionada a sanção de despedimento sem indemnização ou compensação aplicada ao autor. Assim, conclui-se que o despedimento é ilícito (art.º 382º, n.º 1 do Código do Trabalho. Nesta conformidade, verifica-se que os factos invocados na decisão de despedimento que ficaram provados são insusceptíveis de serem considerados como violadores dos deveres apontados ou integrativos do conceito de justa causa. A improcedência da justa causa de despedimento invocada pela ré gera a ilicitude do despedimento (cfr. art.º 381º, al. b) do Código do Trabalho), pelo que se impõe que seja declarada a ilicitude do despedimento de que o autor foi alvo.» - fim de transcrição. Analisada a sentença, concorda-se com a decisão a que aportou, sendo que se reiteram as considerações gerais de direito que formulou sobre o despedimento ilícito. Anota-se ainda que, tal como anteriormente, a culpa e a gravidade da infracção disciplinar hão-de apurar-se na falta de critério legal definidor, pelo entendimento de um " bom pai de família" e em face do caso concreto, segundo critérios de razoabilidade e objectividade, só se podendo considerar como grave o que resultar da aplicação destes critérios. No tocante ao juízo de inexigibilidade da manutenção da relação laboral deve concluir-se nesse sentido quando face “ ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias concretas do caso fira de modo desmesurado e violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado. Esta impossibilidade / inexigibilidade de subsistência do vínculo laboral terá, ainda que ser imediata (a crise, a quebra de confiança tem que ser uma consequência directa e imediata do comportamento ilícito e culposo do trabalhador) ”. Por sua vez, a sanção disciplinar aplicada ao trabalhador deve ser proporcionada à gravidade da infracção e ao grau de culpa do mesmo, tal como resulta do disposto no artigo 330º do CT. Na apreciação da justa causa o Tribunal deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – vide nº 3º do artº 351º do actual CT. Tal como referia Menezes Cordeiro (no seu Manual de Direito de Trabalho, Almedina, 1991, pág. 824-825) em face de lei anterior – sendo certo que se continuam a reputar-se inteiramente válidos tais ensinamentos à luz do CT/2009 [tal como eram à luz do CT/2003], aqui aplicável - a concretização da justa causa exige sempre uma actividade criativa da decisão, na qual além dos elementos mencionados no aludido preceito devem ainda tomar-se em conta outros factores ambientais como sejam: "- elementos normativos, como os usos e costumes a observar, os valores morais em jogo, a justiça distributiva, a igualdade dos trabalhadores e a coerência disciplinar; - elementos fácticos ambientais como a linguagem de meio e o "animus injuriandi",a posição do trabalhador, possível fonte do dever agravado de não cometer a infracção, os reflexos na empresa de crimes praticados fora dela e a falta de ligação ou de reflexos entre essa conduta e a própria empresa; - elementos relativos às consequências da decisão, sendo de ponderar a necessidade de assegurar na empresa um bom ambiente, a ordem e a disciplina, o bom nome da entidade empregadora, a organização produtiva, evitando-se um clima de agitação e desassossego". Resta acrescentar que a nossa jurisprudência considera que, só por si, a quebra do princípio da confiança torna impossível a subsistência da relação laboral (vide sobre o assunto Menezes Cordeiro, ob.cit, pág 826 a 828,o qual se refere a exemplos reais, nomeadamente: a falta de honestidade do trabalhador e a inobservância de directrizes da entidade patronal). É que tal como refere o Professor Lobo Xavier: "a entidade, inserindo um trabalhador, como que um estranho, na organização de que é titular suporta um risco incalculável de violação dos seus interesses. Ora aceitar este risco contratado implica confiança. Como diz Mansini o contraente que penetra na esfera jurídica de outro como que se confia a si e aos seus próprios bens à diligência deste; quanto a este, faz por sua vez confiança do que entrou acreditando, que o salvaguarde a si e à sua esfera jurídica (Da justa causa do despedimento no contrato de trabalho, página 19). **** Dito isto, cabe apreciar a problemática em apreço. Relembre-se que o ónus da prova dos factos imputados ao trabalhador que determinam o despedimento impende sobre a entidade patronal, nos termos do nº 1 º do artigo 342º do Código Civil, sendo que na situação em exame não foi deduzida impugnação factual. Os artigos 253.º e 254º do CT/2009[19] (sendo certo que estes preceitos correspondem, sem prejuízo de algumas alterações e acrescentos, aos anteriores artigos 228º e 229º do CT/2003[20][21] e artigo 25º da LFFF[22][23]) regulam: Artigo 253º Comunicação de ausência 1- A ausência, quando previsível, é comunicada ao empregador, acompanhada da indicação do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias. 2- Caso a antecedência prevista no número anterior não possa ser respeitada, nomeadamente por a ausência ser imprevisível com a antecedência de cinco dias, a comunicação ao empregador é feita logo que possível. 3- A falta de candidato a cargo público durante o período legal da campanha eleitoral é comunicada ao empregador com a antecedência mínima de quarenta e oito horas. 4 - A comunicação é reiterada em caso de ausência imediatamente subsequente à prevista em comunicação referida num dos números anteriores, mesmo quando a ausência determine a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado. 5- O incumprimento do disposto neste artigo determina que a ausência seja injustificada. Artigo 254.º[24] Prova de motivo justificativo de falta 1- O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2- A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, ou centro de saúde ou ainda por atestado médico. 3- A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4- A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5- O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada. Temos, pois, que a comunicação da ausência e a justificação da falta são coisas distintas, devendo no tocante à primeira salientar-se que a expressão « logo que possível» ,constante do nº 2 do artigo 253º, deve ser interpretada de acordo com as circunstâncias do caso concreto [vide nesse sentido aresto do STJ , de 18.6.1997, CJSTJ, 1997, II, pág. 293, referido por Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Individuais, 6ª edição, Almedina, pág. 477 (nota nº 429)] . A comunicação da ausência configura uma declaração recipienda que não carece forma « basta que o trabalhador , por qualquer meio, informe o empregador da falta e apresente a respectiva prova quando solicitada » - Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, Almedina, pá . 565 . Assim, uma vez que a comunicação não se reveste de forma especial admite-se que tanto pode ser realizada por escrito como verbalmente, «pelo próprio ou por interposta pessoa, nada vedando que o trabalhador se socorra de via telefónica para o fazer. Nada impede que seja adoptada pelo trabalhador uma declaração escrita enviada por correio electrónico do empregador» - vide Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho, Anotado, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, alterado pelas Leis nº 105/2009, 53/2011, 23/201\2 e 47/2012, 2ª edição atualizada, Coimbra Editora, pág. 611 (anotação nº 3 ao artigo 253º). Assim, visto que a lei nada refere, rege sobre o assunto o princípio da liberdade da forma, sendo que a falta de comunicação atempada da falta determina a sua qualificação como falta injustificada nos termos do nº 5 do artigo 253º do CT/2009 [neste sentido vide Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, pág. 477, bem como Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, com a colaboração de P. Furtado Martins, A, Nunes de Carvalho,., Joana Vasconcelos e Tatiana Guerra de Almeida, 3ª edição, revista e actualizada, Rei dos Livros, pág. 696]. No caso em análise constata-se que o recorrido/ trabalhador não levou a cabo a devida comunicação referente às faltas ocorridas após 28 de Julho de 2021(vide facto nº 21). Mas será que tinha que o fazer ? A nosso ver, decorre da matéria apurada que a Ré era por demais sabedora que (18) o A. tinha estado de baixa médica de 18 de Maio de 2021 a 28 de Julho de 2021 [ sendo certo que tal situação se veio a prolongar até 26 de Outubro, tendo apresentado a respectiva justificação (certificados de Incapacidade para o Trabalho – vide factos nºs 19 e 20) ] . Aliás, deu-se como provado que (21) as chefias hierárquicas da R. sabiam que o A. tinha problemas de saúde, embora não conhecessem a concreta situação da doença de que padecia. Segundo os artigos 296º e 297 º do CT/2009: Artigo 296.º Facto determinante da suspensão respeitante a trabalhador 1- Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar. 2- O trabalhador pode suspender de imediato o contrato de trabalho: a) Na situação referida no n.º 1 do artigo 195.º, quando não exista outro estabelecimento da empresa para o qual possa pedir transferência; b) Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 195.º, até que ocorra a transferência. 3- O contrato de trabalho suspende-se antes do prazo referido no n.º 1, no momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo. 4- O contrato de trabalho suspenso caduca no momento em que seja certo que o impedimento se torna definitivo. 5- O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei. Artigo 297.º Regresso do trabalhador No dia imediato à cessação do impedimento, o trabalhador deve apresentar-se ao empregador para retomar a actividade. Constata-se ,assim, que a baixa por doença superior a 30 dias conduz à suspensão do contrato de trabalho. Desta forma, cumpre concluir que em 28 de Julho de 2021 o contrato de trabalho do Autor estava suspenso desde 18 de Junho de 2021, sendo que a tal conclusão não obsta o facto assente sob o nº 31 [- A R. desencadeou o mecanismo de verificação de doença do A., que teve lugar no dia 21 de Junho de 2021, e o resultado foi “não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho”, tendo o A. pedido exame médico de reavaliação, do que resultou uma incapacidade temporária para o trabalho no dia 28 de Junho de 2021].. Para Diogo Vaz Marecos [25] «nos termos dos nºs 4 e 5 do artigo 253º o trabalhador que se encontra ausente do local de trabalho por tempo já comunicado ao empregador e que toma conhecimento que a sua ausência se irá prolongar em termos tais que determina a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado, terá de fazer nova comunicação de ausência, acompanhada de indicação do motivo justificativo, sob pena de incorrer em faltas injustificadas».[26] Todavia, no caso em apreço não se provou que o Autor não fez as devidas comunicações até em 18 de Junho de 2021 se suspender o seu contrato. Anote-se que mesmo antes do regime decorrente do actual CT/2009 [27] João Reis [vide a Suspensão do contrato, Dever de Comunicação do Impedimento, João Reis, Questões Laborais, Ano I, nº 2 , 1994 , pág. 80.] já sustentava que atento o principio da boa fé, apesar do regime de suspensão do contrato de trabalho, o trabalhador, mesmo nas situações de impedimento prolongado, tinha a obrigação de comunicar, e se fosse caso disso , provar à entidade patronal o facto impeditivo da prestação laboral. Presentemente, dir-se-á que tal dever sempre se pode inferir do disposto no nº 4 do artigo 253º do CT. No caso concreto, o impedimento existiu, sendo certo que a matéria provada em 31 não obstaculiza, bem pelo contrário, a que se extraia a conclusão de que em 28 de Julho de 2021 o contrato estava suspenso.[28] Esgrimir-se-á que o artigo 297º do CT/2009 estabelece o dever de apresentação do trabalhador na empresa no dia imediato à cessação do impedimento, sob pena de incorrer em faltas injustificadas [29][30][31]. Segundo o Professor Pedro Romano Martinez [32] terminado o impedimento, o trabalhador deve apresentar-se e retomar o serviço, sob pena de incorrer em faltas injustificadas.. Por isso, não obstante a suspensão, sendo possível, o trabalhador deve comunicar ao empregador o motivo da suspensão, o tempo previsível, a sua duração, eventuais prorrogações e, com alguma, antecedência, informar quando retoma o serviço . Estes deveres sempre advêm da boa fé na execução do contrato – que apesar de suspenso se mantém em vigor – e eventualmente da aplicação analógica adaptada do disposto no artigo 253º do CT . Nas palavras do Professor Menezes Cordeiro [33]«durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, em tudo o que não pressuponha a efectiva (e total) prestação do trabalho(295º/1). Além disso: a – o tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade (nº 2); b – elas não têm efeitos no decurso do prazo de caducidade nem obstam a que qualquer das partes faça cessar o contrato, nos termos gerais ( nº 3); c – terminando essas situações, o contrato é totalmente restabelecido. Ficam, de facto suspensas as obrigações principal e secundária relativas ao trabalho. No tocante à retribuição, como veremos, prevê-se uma repartição de riscos. As obrigações secundárias e os deveres acessórios mantêm-se , no que não estejam estritamente ligadas à prestação-trabalho ou , pelo menos, a essa prestação no seu todo ».[34] Assim, dir-se-á que, independentemente do estatuído no nº4 do artigo 253º do CT, ao não comunicar a extensão da situação de baixa a partir de 28 de Julho de 2021, no mínimo, o Autor sempre violou um dever acessório do seu contrato de trabalho . **** Seja como for [mesmo dando de barato que o Autor não cumpriu a sua obrigação de comunicação, atenta a sua não comparência ao trabalho após 28.7.2021 numa extensão de situação de doença anterior que , por durar mais de 30 dias, determinou a suspensão do seu contrato de trabalho – ou seja o seu adormecimento [35]] a Ré, que era conhecedora da situação de doença daquele seu trabalhador, que entretanto até podia ter visto agravado o seu estado de saúde (vg: com internamento hospitalar ou quiçá pior…), sendo possuidora da sua morada, mail, número de telemóvel, bem podia tê-lo contactado para apurar se a suspensão do contrato de trabalho se mantinha, inclusive para saber se ele sempre ia ou não gozar as férias (referidas no facto nº 22), marcadas por acordo entre ambos a ocorrer de 2 a 6 de Agosto de 2021, visto que num contrato de trabalho suspenso o direito a férias se mostra latente .[36] Também não se deve olvidar que a partir de Março de 2020, o Autor esteve em teletrabalho tal como resulta do facto nº 24 [24 - O A. estava afecto à área dos cinemas da ... , os quais devido à pandemia do Covid 19 estiveram encerrados, tendo o A. ficado em teletrabalho desde a sua residência a partir de Março de 2020, situação em que se manteve, por indicação médica e receio do A., até ao despedimento]. Todavia, não foi para efectuar qualquer apuramento a tal título que a Ré o contactou tal como resulta da matéria apurada em 23 [23- Nos dias 9 e 17/08/2021 a superiora hierárquica do A., C, contactou-o por SMS para lhe solicitar a entrega de equipamento (HDD) que se encontrava na posse dele, agradecendo a disponibilidade do A. e pedindo-lhe – e dele obtendo – não só a entrega do dito equipamento como a disponibilização da respectiva password]. **** Em suma, mesmo entendendo-se – como se entende – que ao não comunicar a extensão da situação de baixa desde 28.7.2023, o Autor violou um dever de comunicação ou até mesmo no mínimo um dever acessório do seu contrato de trabalho tal violação não assume a gravidade que a Ré lhe conferiu visto que o seu contrato de trabalho se encontrava suspenso. Assim, a nosso ver, sempre aqui logra aplicação, mutatis mutandis , o raciocínio constante do aresto da Relação de Lisboa, de 10.9. 2014, proferido no âmbito do processo nº 5222/12.9 TTLSB.L1 – L4, Relator Duro Mateus Cardoso, acessível em www.dgsi.pt., onde o ora relator foi 2º adjunto, no sentido de que: «I- O comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho. II- A não comunicação da falta justificável é um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, constituindo infracção menos grave, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal. III- Mesmo no caso da 2.ª parte da al. g) do n.º 2 do art.º 351.º, Cód. do Trabalho, deve-se aferir a possibilidade da manutenção da relação laboral pois o desvio relativamente ao princípio consagrado no nº 1, o mesmo restringe-se à desnecessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves. IV- Face aos arts. 342º e 799º do CC, sobre o empregador recai o ónus de provar que as faltas ocorreram e sobre o trabalhador impende o ónus de provar que comunicou as faltas ao empregador e, sendo caso disso, que apresentou a respectiva justificação. V- Os preceitos legais relativos às faltas e respectivo sancionamento, como todos os preceitos legais, dirigem-se ao comum das pessoas, seus destinatários, pressupondo, naturalmente, capacidade comum de entendimento e posse das normais faculdades volitivas. Na ausência deste condicionalismo ter-se-á de considerar que a culpa do trabalhador, no caso de falta de estrito cumprimento dos imperativos legais, estará mitigada VI- Um quadro clínico de doença psiquiátrica depressão (neurostenia), caraterizada por supressão total do sono, isolamento e incapacidade para as actividades é compatível com o comportamento descuidado evidenciado ao não fazer as comunicações e entregas de atestados médicos tempestivamente, atenuando significativamente a culpa do trabalhador . VII- A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.» - fim de transcrição. No caso em apreço, provou-se que : 18- O A. esteve de baixa médica de 18 de Maio de 2021 a 28 de Julho de 2021 a 26 de Outubro, tendo apresentado a respectiva justificação (certificados de Incapacidade para o Trabalho). 19- O A. continuou de baixa médica de 29 de Julho de 2021 a 26 de Setembro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 21.09.2021, aquando da resposta à Nota de Culpa. 20- O A. continuou de baixa médica de 27 de Setembro de 2021 a 26 de Outubro de 2021, tendo apresentado a respectiva justificação escrita à ré (certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho) em 17.01.2022, aquando da contestação apresentada nos autos. 21- As chefias hierárquicas da R. sabiam que o A. tinha problemas de saúde, mas não conheciam a concreta situação de doença do A. e não solicitaram ao A. qualquer informação ou apresentação de documento comprovativo de continuação da baixa médica e o A. não comunicou à R. verbalmente que continuava de baixa médica após o dia 28.07.2021. 23- Nos dias 9 e 17/08/2021 a superiora hierárquica do A., C, contactou-o por SMS para lhe solicitar a entrega de equipamento (HDD) que se encontrava na posse dele, agradecendo a disponibilidade do A. e pedindo-lhe – e dele obtendo – não só a entrega do dito equipamento como a disponibilização da respectiva password. 32- O A. teve dois episódios de miocardite aguda não complicada, em 2008 e 2015, com internamento hospitalar, tendo sido considerado doente de risco desde o início da pandemia do COVID-19, o que lhe motivou um quadro de ansiedade de natureza fóbica associada ao medo de contrair o vírus, com marcada angústia, pensamentos de natureza assustadora, pânico, isolamento, retracção social, dificuldades de concentração, insónias e anorexia, quadro clínico que foi agudizado com a instauração do processo disciplinar por parte da R. Em resumo, ainda que se entenda que, ao não comunicar a partir de 28 de Julho de 2021 a sua situação de impedimento para trabalhar à Ré, o Autor violou um dever de comunicação que lhe assistia, tal conduta, a nosso ver, não assume gravidade suficiente por forma a determinar a aplicação da sanção extrema que lhe foi imposta. Tal raciocínio, aliás, no caso concreto sai reforçado por se ter provado que a situação de impedimento era real [vide factos nºs 18,19 e 20] e que o trabalhador tinha os problemas, de índole psicológica, referidos no facto nº 32 . Assim, a sanção extrema imposta ao Autor afigura-se-nos desproporcional à infracção disciplinar praticada em face do circunstancialismo apurado, sempre cumprindo recordar o disposto no artigo 330º do CT.[37] Em suma, a omissão das supra mencionadas comunicações, nomeadamente das prorrogações da baixa, no âmbito de um contrato de trabalho suspenso em que a entidade patronal tem conhecimento da situação de doença do seu trabalhador não assume a mesma gravidade que a falta de comunicação das faltas em contrato de trabalho na sua plena vigência. **** Por outro lado, também não se deve olvidar que tal como refere Pedro Sousa Macedo [38]“ « o titular do poder disciplinar continua a ser apenas a entidade patronal, ou um seu representante, pelo que, pelo controlo da decisão punitiva, não pode ser substituída a pena aplicada, mas ser a decisão sujeita a controlo prévio ou a anulação» - fim de transcrição. Ou seja, “mantém-se generalizada a exclusiva titularidade do poder disciplinar pela entidade patronal, o que implica não poder fazer-se um controlo da sanção por modo a proceder-se à correcção , substituindo-a ; o juiz só pode anular a pena disciplinar caso venha a concluir que esta deva ser censurada”. Também segundo aresto da Relação de Lisboa, de 22 de Março de 2000, proferido no processo nº 0005034, Nº Convencional :JTRL00023483, Nº do Documento: RL200003220005034, Relatora Manuela Gomes, acessível em www.dgsi.pt, no seu sumário refere: “I- Face ao disposto no artº 26º da LCT, o exercício da acção disciplinar é uma prerrogativa da entidade patronal, e a sindicabilidade das sanções pelo tribunal não comporta a substituição da sanção aplicada, mas apenas a sua revogação ou confirmação. II- De "jure condendo" os tribunais deviam exercer um controle de fundo, competindo-lhes ajuizar sobre a adequação da sanção aplicada, possibilitando-se-lhes determinar a justa medida da sanção, reduzindo-a, se fosse caso disso, e não limitarem-se a confirmar ou a anular a sanção aplicada, com exclusão da sua graduação em moldes diferentes. III- De outro modo, muitas condutas que mereciam e que, portanto, deviam ser punidas, embora com sanções de menor gravidade que a imposta pela entidade patronal, acabam por ficar impunes, já que proferida a decisão judicial, esgotou-se, há muito, o prazo legalmente estabelecido para o exercício do poder disciplinar. IV- Há, no entanto que ter em conta que sendo o poder disciplinar um poder de gestão, o julgador não está em condições de avaliar qual a sanção que, em substituição daquela, deveria aplicar e seria adequada à gravidade da infracção, na medida em que esta supõe um juízo valorativo do empregador, o qual se deve fundar primordialmente em critérios da própria entidade patronal. “ – fim de transcrição. Assim, considera-se o recurso improcedente. **** Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente. Custas pela recorrente. Notifique. DN (processado e revisto pelo relator). Lisboa,22-11-2023 Leopoldo Soares Francisca Mendes Alves Duarte [1]Fks. 1. [2]Vide fls.1. [3]Vide fls. 21/21 v. [4]Vide fls. 23 a 26. [5]Vide fls. 51 a 55. [6]Vide fls. 65 a 67. [7]Vide fls. 71. [8]Em sessões realizadas em : - 10 de Março de 2023 – fls. 81 a a 82 v. - 25 de Março de 2023 . fls. 86- 87. [9]Vide fls. 97 a 113. [10]Fls. 136. [11]Fls. 114 a 121. [12]Esta conclusão não tem conteúdo. [13]Vide fls. 122 a 125 v. [14]Fls. 132. [15]Vide fls. 141 a 144. [16]Fls. 147 a 150. [17]Eliminou-se a menção a a 26 de Outubro que se deve a evidente lapso. [18]Diploma aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho. [19]Diploma aprovado pela Lei Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [20]Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. [21]Que regulavam: Artigo 228.º Comunicação da falta justificada 1-As faltas justificadas, quando previsíveis, são obrigatoriamente comunicadas ao empregador com a antecedência mínima de cinco dias. 2-Quando imprevisíveis, as faltas justificadas são obrigatoriamente comunicadas ao empregador logo que possível. 3-A comunicação tem de ser reiterada para as faltas justificadas imediatamente subsequentes às previstas nas comunicações indicadas nos números anteriores. Artigo 229.º Prova da falta justificada 1-O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação referida no artigo anterior, exigir ao trabalhador prova dos factos invocados para a justificação. 2-A prova da situação de doença prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 225.º é feita por estabelecimento hospitalar, por declaração do centro de saúde ou por atestado médico. 3-A doença referida no número anterior pode ser fiscalizada por médico, mediante requerimento do empregador dirigido à segurança social. 4-No caso de a segurança social não indicar o médico a que se refere o número anterior no prazo de vinte e quatro horas, o empregador designa o médico para efectuar a fiscalização, não podendo este ter qualquer vínculo contratual anterior ao empregador. 5-Em caso de desacordo entre os pareceres médicos referidos nos números anteriores, pode ser requerida a intervenção de junta médica. 6-Em caso de incumprimento das obrigações previstas no artigo anterior e nos n.os 1 e 2 deste artigo, bem como de oposição, sem motivo atendível, à fiscalização referida nos n.os 3, 4 e 5, as faltas são consideradas injustificadas. 7-A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 8-O disposto neste artigo é objecto de regulamentação em legislação especial. [22]O Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de dezembro. [23]Segundo o qual: (Comunicação e prova sobre faltas justificadas) 1-As faltas justificadas, quando previsíveis, serão obrigatoriamente comunicadas à entidade patronal com a antecedência mínima de cinco dias. 2-Quando imprevistas, as faltas justificadas serão obrigatoriamente comunicadas à entidade patronal logo que possível. 3-O não cumprimento do disposto nos números anteriores torna as faltas injustificadas. 4-A entidade patronal pode, em qualquer caso de falta justificada, exigir ao trabalhador prova dos factos invocados para a justificação. [24]A Lei nº 13/2023, de 03/04, veio conferir a seguinte redacção ao preceito: Prova de motivo justificativo de falta 1-O empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência, exigir ao trabalhador prova de facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável. 2-A prova da situação de doença do trabalhador é feita por declaração de estabelecimento hospitalar, centro de saúde, de serviço digital do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, ou ainda por atestado médico. 3-A situação de doença referida no número anterior pode ser verificada por médico, nos termos previstos em legislação específica. 4-A apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento. 5-A declaração dos serviços digitais do Serviço Nacional de Saúde, ou de serviço digital dos serviços regionais de saúde das regiões autónomas, referida no n.º 2, é feita mediante autodeclaração de doença, sob compromisso de honra, que apenas pode ser emitida quando a situação de doença do trabalhador não exceder os três dias consecutivos, até ao limite de duas vezes por ano. 6-O incumprimento de obrigação prevista nos n.os 1 ou 2, ou a oposição, sem motivo atendível, à verificação da doença a que se refere o n.º 3 determina que a ausência seja considerada injustificada. [25]Obra supra citada, pág. 696, anotação nº 6 ao artigo 296º. [26]Anote-se que anteriormente segundo aresto da Relação de Coimbra, de 11 de Maio de 1995 (CJ, 1995, T 3,pág 82): «I-Durante os primeiros dias de impedimento por doença deve o trabalhador comunicar as suas faltas, sob pena delas serem injustificadas. II-Findo o período de suspensão do contrato deve o trabalhador apresentar-se à entidade patronal para retomar o trabalho, sob pena de incorrer em faltas injustificadas. III-Durante o período de suspensão do contrato o trabalhador não tem que comunicar nem comprovar as faltas ao trabalho . IV-(…) ».[26] Neste sentido – ou seja « que estando um trabalhador com baixa médica, por doença prolongada, só é obrigado a justificar as faltas durante os primeiros trinta dias, findos os quais se suspende a relação laboral» - também apontam o aresto da Relação de Lisboa, de 20 de Março de 1991, acórdão da Relação de Coimbra, de 10 de Maio de 1988, e acórdão da Relação do Porto de 18 de Junho de 1990 citados no artigo Suspensão do contrato, Dever de Comunicação do Impedimento, João Reis, Questões Laborais, Ano I, nº 2, 1994, pág. 80. [27]Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. [28]Frise-se a tal título que decorre do disposto no nº 3 do artigo 5º do CPC que «iura novit curia» ;, ou seja o princípio da oficiosidade do conhecimento e aplicação do direito aos factos trazidos pelas partes (vide sobre o assunto aresto do STJ, de 15-3-2018, proferido no processo nº 2057/11.0TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Távora Victor acessível em www. dgsi.pt).. [29]Vide Maria do Rosário Palma, obra citada, pág. 691. [30]No mesmo sentido aponta Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág.863/864.. [31]Vide também Bernardo Lobo Xavier, obra citada, pág.706. [32]Direito do Trabalho, 10ª edição, pág. 772. [33]Direito do Trabalho, II, Direito Individual, Almedina, 2019, pág. 797. [34]Nesse sentido também aponta , em Espanha, Alfredo Montoya Melgar, Derecho del Trabajo, 26º edição, Tecnos, pág. 430 , que refere que durante a suspensão do contrato persistem os deveres relacionados com a boa fé que impendem sobre o trabalhador dando como exemplos o guardar segredo sobre o processo produtivo da entidade comercial assim como com as suas relações comerciais., [35]Nas palavras de Júlio Gomes “ durante a suspensão o contrato continua vivo – embora, de sono, de letargia ou de morte aparente – a produzir efeitos, mantendo-se pelo menos, certos deveres que não dependem da efectiva prestação de trabalho” – fim de transcrição de Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, pág. 852, Coimbra Editora. [36]Sobre o assunto consulte-se António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18ª edição, Edição Especial Comemorativa dos 40 Anos, Almedina, pág. 475. [37]Norma que comanda: Critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar 1-A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção. 2-A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade. 3-O empregador deve entregar ao serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social o montante de sanção pecuniária aplicada. 4-Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 2 ou 3. [38]Poder Disciplinar Patronal, Almedina,1990, pág. 157. |