Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2452/19.6T8VFX.L1-2
Relator: JOSÉ MANUEL MONTEIRO CORREIA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS
CULPA
PARTES COMUNS DE EDIFÍCIO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1.- Cabe exclusivamente às partes o ónus de alegação dos “factos essenciais”, ou seja, os “que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” (art.º 5.º, n.º 1 do CPC), sem que o tribunal se possa substituir-lhes nessa tarefa.
2.- Em recurso em que a parte vencida na ação se bate, nas conclusões, pela consideração de um facto como não provado, esta está, no essencial, a questionar a própria existência do facto em si, pelo que, apesar de propor uma redação diversa para o mesmo, nada obsta a que a Relação, concluindo que se tratava de facto cuja consideração era inadmissível, simplesmente o desatenda e determine a sua retirada da fundamentação.
3.- A “comissão” prevista no art.º 500.º, n.º 1 do CC pressupõe que, entre o comitente e o comissário, interceda uma relação de direção daquele sobre este, pelo que no conceito não está compreendida a relação que, na empreitada, se estabelece entre o dono da obra e o empreiteiro, dada a autonomia técnica deste na realização da obra.
4.- O art.º 493.º, n.º 1 do CC consagra uma responsabilidade assente no dever de vigilância da coisa, estabelecendo uma presunção de culpa que recai sobre o titular desse dever, cabendo na sua previsão os danos causados por frações autónomas, além do mais, em partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal.
5.- A inundação verificada nas partes comuns de edifício por água proveniente de canalização comum, mas que se deveu a rutura dessa canalização provocada pela manipulação da canalização interior de fração autónoma, não deixa de ter causa ou origem nessa fração autónoma.
6.- Na verdade, todo o processo causal que deu origem ao sinistro nasce e desenvolve-se, não no tubo exterior e comum do edifício, mas no tubo interior e próprio da fração autónoma, por via da ingerência direta de pessoa que nesta executou um trabalho em benefício da fração, trabalho esse que constituiu, assim, o elemento “deflagrador” da inundação do prédio.
7.- O proprietário dessa fração autónoma, posto que não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recaía nos termos do art.º 493.º do CC, responde, por conseguinte, pelos danos causados nas partes comuns do edifício, designadamente, pelos estragos causados num dos seus elevadores.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados,

I.- Relatório
Condomínio do Prédio em Propriedade Horizontal, sito na Praça …, n.º …, em Vialonga instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra ID e AM, pedindo que, pela sua procedência, sejam os Réus condenados a pagar-lhe:
a) a quantia de €11.893,95, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, correspondente ao custo das obras de reparação do elevador n.º 1, acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento;
b) a quantia de €432,28, a título de indemnização dos restantes danos patrimoniais que sofreu, acrescida de €108,07, por cada mês de imobilização do elevador n.º 1, tudo também acrescido de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento;
c) a quantia de €3.000,00, a título de indemnização dos danos patrimoniais futuros, também acrescida de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte.
Tem como funções a administração, a gestão e a manutenção das partes comuns do prédio urbano em propriedade horizontal, composto por 42 frações autónomas, sito na Praça …, n.º …, em Vialonga.
Os Réus são proprietários de uma fração autónoma desse prédio, designadamente, da designada pelas letras “AF”, correspondente ao 7.º andar, letra D, destinada a habitação, descrita na 2.ª CRP de Vila Franca de Xira sob o n.º …-… e inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ….
No dia 20 de março de 2019, foi afixado, na porta de entrada do edifício, um aviso, dando conta de que iriam ser realizadas obras de conservação no interior da fração autónoma dos Réus, prevendo-se a sua conclusão num prazo de 15 a 20 dias.
Sucedeu que no dia 21 de março de 2019, por volta das 12h00, ocorreu uma inundação no prédio com origem no 7.º andar, em virtude do que houve necessidade de se desligar os elevadores, mais se constatando que a inundação afetou todos os pisos abaixo do 7.º.
Ao local acorreram elementos dos Bombeiros Voluntários de Vialonga, bem como da GNR e, ainda, pessoas relacionadas com as obras que decorriam no 7.º andar, sendo que, contactados (pelo Autor) os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Vila Franca de Xira pedindo a presença de um técnico para, com urgência, proceder ao corte da água da coluna do prédio, aqueles Serviços informaram que tal pedido já fora efetuado por outro morador e que o técnico já se encontrava a caminho do local.
Uma vez que nenhum dos presentes tinha conhecimento da localização do “olho de boi” do edifício, o corte da água deu-se junto da “boca de incêndio”, localizada na própria Praça da Liberdade.
Em consequência da inundação, o elevador n.º 1, que suportou a maior parte da água que transbordou da coluna do prédio, permaneceu submerso no respetivo poço, situação que se manteve até ao dia 24 de março de 2019, data em que o responsável da obra no prédio dos Réus diligenciou, após elevação prévia do elevador por parte da empresa responsável pela sua manutenção, ao seu esvaziamento.
Quanto ao elevador n.º 2, não obstante não ter ficado submerso, também sofreu estragos e esteve imobilizado desde o dia 21 de março de 2019, sendo que, devido a toda esta situação, o prédio, composto por 11 andares, esteve durante mais de uma semana sem qualquer dos elevadores a funcionar.
Pedido à Thyssenkrupp Elevadores, S.A. um orçamento dos custos de reparação dos danos no elevador n.º 1, que, pela gravidade de tais danos, terá de permanecer imobilizado até que se proceda à sua reparação, aquela entidade orçou-os em €9.669,88, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, o que, considerando a taxa de IVA de 23%, perfaz o valor global de €11.893,95.
Pela reparação de tal prejuízo são responsáveis os Réus, pois que, conforme atesta a comunicação efetuada pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Vila Franca de Xira, em resposta a pedido que lhes foi dirigido pelo Autor, as obras no prédio daqueles foram realizadas sem pedido prévio de interrupção de fornecimento de água para o local, tendo tais serviços sido contactados apenas para fechar a válvula do prédio de modo a minimizar os danos resultantes da inundação.
Ademais, os Réus também não tinham autorização da entidade competente para a realização dos trabalhos de alteração de localização do contador da água, ou, pelo menos, não adotaram os procedimentos corretos, que passariam pela interrupção do abastecimento de água no local da intervenção.
De resto, dos relatórios elaborados pelas diversas entidades que acorreram ao local aquando da inundação ou posteriormente, nomeadamente os relatórios dos Bombeiros Voluntários e da GNR resulta inequívoco que a vicissitude ocorrida teve origem na fração autónoma dos Réus e que foi causada pelas obras nela realizadas, mais concretamente pela intervenção efetuada na canalização, eventualmente de uma torção aplicada num tubo da antiga canalização, no interior do apartamento, que provou uma rutura.
Além do custo da reparação dos elevadores que terá de suportar, também se encontra a custear o serviço de manutenção dos dois elevadores do prédio, equivalente a €648,41 por trimestre; contudo, estando o elevador n.º 1 imobilizado por causa da inundação, está a efetuar o pagamento em causa sem beneficiar da contrapartida da sua utilização, o que acarreta um prejuízo mensal de €108,07, que, na data da propositura da ação, ascendia a €432,28 e que se prolongará até que a reparação em falta seja feita.
Acresce que por só estar em funcionamento um dos elevadores, o outro, atendendo às características do prédio, tem sido sobrecarregado, o que lhe causará desgaste acrescido; é expectável, por conseguinte, que, a curto prazo, tenham que ser substituídas todas as componentes de maior desgaste do mesmo, cujo valor se estima em, pelo menos, €3.000,00.
Conclui, assim, que, mercê do sinistro dos autos, sofreu prejuízos no valor global de €15.326,23, por cujo ressarcimento são responsáveis os Réus, atento o comportamento ilícito e culposo dos mesmos.
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Válida e regularmente citados, apresentaram os Réus a sua contestação, defendendo-se por impugnação motivada e batendo-se pela improcedência da ação.
Assim, e em síntese, afirmaram que o prédio em causa nos autos consiste num prédio antigo e que nunca foi sujeito a obras de reabilitação, manutenção e conservação, quer do seu exterior, quer do seu interior, nomeadamente, no que tange às canalizações.
Aquando do início das obras, o responsável pela sua realização informou-os de que a canalização tinha de ser retirada por completo e que era necessário alterar o contador, passando-o do interior para o exterior da fração, com o que concordaram.
No dia do início das obras o responsável pela sua realização pediu a intervenção de um técnico dos SMAS para o corte da água, o que o mesmo fez, desligando o denominado “olho de boi” e garantindo, com isso, o corte de água na fração.
Por outro lado, o mesmo técnico explicou no local todo o procedimento que deveria ser levado a cabo pelo empreiteiro para alteração do contador e tal veio a ser realizado nos termos expostos pelo mesmo.
Tanto os Réus como o responsável pela execução das obras tomaram, assim, todas as diligências para que a obra decorresse com normalidade, sendo falsa a declaração dos SMAS a que o Autor alude na petição, assim como não foi efetuado qualquer pedido prévio de interrupção do fornecimento de água para o local.
O que sucedeu foi que, quando foi efetuada a intervenção na canalização no interior da fração, com a torção aplicada num tubo houve uma rutura antes do “olho de boi”, isto é, na canalização exterior à fração; e isto verificou-se dada a antiguidade do prédio e à total ausência de manutenção e de conservação por parte do condomínio.
A inundação verificada não teve origem, pelo exposto, na fração dos Réus, mas sim na rutura da canalização comum do prédio, não lhes podendo ser assacada qualquer responsabilidade pelo sucedido, na certeza de que tomaram todas as precauções para que as obras pudessem ser realizadas em segurança, não sendo previsível que a canalização comum do prédio cedesse e provocasse a inundação.
Concluem, assim, pela improcedência da ação.
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Realizada a audiência prévia, nela foi proferido despacho saneador tabelar, fixado, no indicado pelo Autor na petição inicial, o valor da causa e, com fundamento na simplicidade da ação, dispensada a identificação do objeto do litígio e a seleção dos temas da prova.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando totalmente improcedente a ação e absolvendo os Réus do pedido, com condenação do Autor no pagamento integral das custas do processo.
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Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que assim se transcrevem:
“A
O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito da Douta Sentença proferida nos presentes Autos, a qual julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu os Réus do pedido, com a qual o Apelante não se pode conformar em virtude de a mesma proceder a uma incorrecta análise da prova produzida e à violação de normas jurídicas.
B
No entendimento do recorrente, foram erradamente dados como provados os seguintes factos, sobre os quais se pretende a reapreciação da prova produzida:
Assim, com relevância para o julgamento do presente recurso, o recorrente salienta desde já que constam da Douta Sentença proferida os seguintes factos considerados provados e que o não deviam ter sido:
7. Antes da data referida em 5) JM, filho dos RR., ligou para o SMAS e solicitou a mudança de contador sito no interior da fração referida em 3) para o seu exterior, tendo sido agendado o dia 21 de Março de 2019 para deslocação e intervenção no local pelo técnico do SMAS.
8. No dia 21 de Março de 2019 o técnico do SMAS deslocou-se à fração referida em 3), desligou o olho-de-boi que está no exterior daquela, cortando assim o fornecimento de água para a mesma, retirou o contador do seu interior, e explicou todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior.
9. Após, o referido técnico ausentou-se, acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse pronto para proceder à instalação do contador no exterior da fração e da respetiva ligação.
12. Com tal torção ocorreu uma rotura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio, a qual se deveu ao fato do tubo encontrar-se deteriorado por oxidação em estado avançado.”
C
Por outro lado, entende que foram erradamente considerados como não provados os seguintes factos, relativamente aos quais pretende a respectiva reapreciação da prova produzida:
c) O A. continue a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referido em 19) da factualidade provada;
d) O A. tivesse pago tal valor à Thyssenkrupps relativamente aos meses de Abril a Junho de 2019;
e) O elevador nº 1 do prédio do A. ainda não tenha sido reparado”.
D
Quanto à factualidade supra identificada que se considera erradamente dada como provada o tribunal a quo assentou a sua convicção sobretudo nos depoimentos das testemunhas PF, JM e DJ, os quais se considera não revestirem total imparcialidade e isenção, e são contrariados, ainda que parcialmente, pelo depoimento da testemunha LP, cujo depoimento, por se tratar de técnico dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Vila Franca de Xira, mais isento e imparcial, tendo por isso sido valorados o depoimento de testemunhas com interesse directo ou indirecto na causa, em detrimento do depoimento de testemunhas que se revelaram mais isentas e da documentação oficial junta pelas entidades competentes.
E
De igual modo, a Mmª. Juiz a quo atribuiu especial relevância a um documento que entende revestir a natureza de relatório pericial, elaborado a pedido da seguradora Zurich Portugal na sequência da participação do sinistro pelo recorrente e junto aos Autos em 13 de Abril de 2021, sem, contudo, concluir no sentido do mesmo, pois que, neste relatório, consta que se apurou que a responsabilidade pela reparação do sinistro é da empresa que intervencionou a fracção autónoma então propriedade dos recorridos.
F
Não se alcança como foi efectuada a convicção do Tribunal a quo, pois quer dos depoimentos das testemunhas, quer das próprias regras de experiência, e ainda dos documentos juntos aos Autos por ambas as partes, e por terceiros resulta que foram efectuadas obras no imóvel dos recorridos, sem autorização de quem de direito e sem respeito pelas boas práticas do sector de actividade de canalização, as quais provocaram danos nas partes comuns do prédio onde a fracção daqueles se insere.
G
Salvo melhor entendimento, o depoimento da testemunha indicada pelos recorridos JM não reúne condições de imparcialidade face aos Autos, para que o mesmo possa ser valorizado em detrimento de outros, desde logo porque, conforme a própria testemunha admite no seu depoimento, prestado em 07 de Maio de 2021, entre as 15h28m16s e as 15h54m07s, e gravado no sistema H@bilus Média Studio, além de ter sido o mesmo quem ordenou a realização das obras em questão, para passar a residir na fracção autónoma em causa, que viria a adquirir, o mesmo tem interesse directo na causa, de tal forma que, conforme declarado em sede de audiência prévia realizada em 18 de Setembro de 2020, e que se encontra devidamente gravada na aplicação informática H@bilus Média Studio em uso no tribunal, pelas 14:48 horas, a Ilustre Mandatária dos recorridos abordou, não estes, mas a testemunha JM a fim de estabelecer a possibilidade de chegar a um entendimento com o Autor, ora recorrente.
H
Ao longo do seu depoimento, a testemunha foi condicionada nas suas respostas pela Ilustre Mandatária dos recorridos, a qual admitiu ter sido a testemunha a facultar-lhe elementos de prova (minutos 14:55 do depoimento da testemunha), tendo ainda a testemunha reconhecido o seu interesse na causa, quando refere que o ora recorrente estava a “imputar responsabilidades a nós”, de onde resulta que todo o depoimento da testemunha se mostra condicionado pelo facto de o mesmo ter interesse directo na causa, sentindo-se parte no processo, não podendo o seu depoimento ser valorado na parte não corroborada por qualquer outro meio de prova ou testemunha, cuja isenção não possa ser posta em causa.
I
Também o depoimento da testemunha DJ, que prestou depoimento no dia 07 de Maio de 2021, e que se encontra gravado no sistema H@bilus Média Studio, em uso no tribunal, entre as 15h54m09s e as 16h19m55s, se mostra naturalmente condicionado pelo facto de o mesmo ser o alegado empreiteiro responsável pela obra em causa, e agente responsável pelo comportamento que determinou a ocorrência da ruptura do cano e subsequente inundação do prédio e dos elevadores do mesmo, sobre o qual os recorridos, em caso de procedência da acção, terão eventualmente direito de regresso, nos termos do artigo 500º, n.º 3 do artigo 500º do Código Civil, de onde resulta que também esta testemunha terá interesse directo na causa e no seu desfecho, pelo que o seu depoimento não poderá ser tido em consideração, caso não seja acompanhado de outros meios de prova, aptos a demonstrar a versão dos factos por si apresentada.
J
Relativamente à testemunha PF, que prestou depoimento em sede de audiência de julgamento realizada em 07 de Maio de 2021, e que se encontra gravado no sistema H@bilus Média Studio, em uso no tribunal, entre as 15h06m33s e as 15h28m13s, não foi possível apurar nos Autos a sua intervenção nos factos, desde logo porquanto, apesar de o mesmo referir ser amigo do Sr. JM e lhe ter feito o mero favor de ir abrir a porta do imóvel ao técnico dos SMAS, este mesmo técnico, que prestou depoimento em sede de audiência de julgamento realizada em 07 de Maio de 2021, e que se encontra gravado no sistema H@bilus Média Studio, em uso no tribunal, entre as 14h24m11s e as 14h56m42s, referiu que, relativamente aos factos em causa nos Autos, apenas contactou com esta testemunha (minutos 04:23, 05:59, 19:04 e 20:07 do depoimento), que foi quem lhe pediu autorização para alterar a localização do contador para o exterior da fracção (minuto 06:28 do depoimento), ficando com a percepção que era o mesmo o responsável pelos trabalhos em curso (minuto 04:46 do depoimento), pois até foi quem assumiu, a responsabilidade pela abertura dos roços necessários com vista à alteração do contador (minutos 08:20 do depoimento), pelo que, não resultando, de forma unânime, qual a participação efectiva da testemunha nos factos em causa nos Autos, nomeadamente na realização dos trabalhos tendentes à renovação da canalização da fracção autónoma propriedade dos recorridos, não é possível assegurar, com absoluta certeza, a isenção e imparcialidade da testemunha, pelo que as suas declarações não podem ser valoradas, se desacompanhadas de outros meios de prova idóneos.
K
Apesar de os depoimentos das testemunhas PF e DJ serem praticamente coincidentes entre si possuem contradições insanáveis com os demais elementos de prova constantes dos Autos, nomeadamente com os depoimentos das testemunhas DN, LP e AP, todos pessoas externas às partes e ao litígio, pelo que os mesmos sempre deverão ser considerados com reservas, não podendo considerar-se qualquer matéria de facto provada apenas com base no depoimento das testemunhas apresentadas pelos recorridos, todas elas com maior ou menor interesse na causa, mas nenhuma absolutamente imparcial.
L
Em todo o caso, resulta da prova produzida nos Autos que existiu responsabilidade por parte dos recorridos, e dos seus comissários, na produção dos danos sofridos pelo recorrente.
M
Da prova produzida nos Autos, não resulta demonstrado que os recorridos tivessem autorização prévia do SMAS para proceder à alteração da localização do contador da fracção do interior para o exterior da mesma, resultando dos esclarecimentos e da documentação junta aos Autos pelo SMAS – Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Vila Franca de Xira em 03 de Agosto de 2021 e 05 de Janeiro de 2022, que constitui informação oficial, que apenas foi ordenada por essa entidade uma intervenção para reparação de uma torneira que se encontrava a verter, tendo a ordem de serviço sido dada a 20 de Março de 2019, não resultando da prova documental que tenha sequer sido solicitada a interrupção do fornecimento de água para o local previamente ao dia 21 de Março de 2019, pelo que a testemunha DN, que prestou depoimento em 07 de Maio de 2021, gravado com recurso ao sistema H@bilus Média Studio, entre as 11h05m32s e as 11h17m29s, não poderia ter visualizado qualquer autorização para esse efeito, e, a ter visualizado, terá sido seguramente emitida por entidade não habilitada para o efeito, muito se estranhando que, a terem essa autorização de forma expressa e escrita, os recorridos não a tenham conseguido localizar para proceder à sua junção a estes Autos, uma vez que sempre lhes foi dada a conhecer a intenção do recorrente instaurar os presentes Autos,  tanto mais que tiveram, alegadamente, o cuidado de mandatar entidade externa para elaborar um relatório técnico do incidente (cft. doc. n.º 11 junto com a Contestação).
N
A testemunha LP, técnico dos SMAS que cumpriu a ordem de serviço e prestou depoimento nos Autos, confirma que os recorridos não dispunham de qualquer autorização prévia ao dia 21 de Março de 2019 para proceder à alteração da localização do contador, referindo que se deslocou à fracção autónoma propriedade dos recorridos de manhã, por ordem da sua entidade patronal, para proceder à reparação de torneiras e trocar o contador (minutos 01:96 e 05:00 do depoimento), o que consistiria numa substituição directa (minutos 24:15 do depoimento), para a qual não era preciso abrir roços nenhuns (minutos 26:16 do depoimento).
O
A mesma testemunha refere que só no local, e pelo Sr. PF, lhe foi solicitada autorização para alterar a localização do contador do interior para o exterior da fracção (minuto 06:28 do depoimento), a qual concedeu, esclarecendo que existiam duas paredes onde passam os tubos entre o olho de boi e o contador e que o SMAS não faz o trabalho todo, que é o proprietário quem tem que efectuar os trabalhos de abertura de buracos à volta da tubagem, para posterior substituição (minutos 06:08, 08:16 e 08:20 do depoimento), trabalhos esses pelos quais a testemunha PF se responsabilizou, tendo sido combinado que, quando os roços estivessem abertos o mesmo voltaria a contactar o técnico dos SMAS, o que devia suceder quando “os roços abertos, que a canalização tirava-a eu e fazia de novo” (minutos 08:40 do depoimento da testemunha), sendo que esse trabalho devia ser efectuado em conjunto pelo empreiteiro e pelo técnico do SMAS (minuto 08:57 do depoimento).
P
Tendo o referido técnico esclarecido por diversas vezes no seu depoimento, mormente a minutos 31:20 do depoimento, que os trabalhos a efectuar pelo proprietário eram apenas de abrir os buracos à volta do tubo, para depois o técnico tirar o tubo e puxar para fora, buracos esses que deviam ser abertos nas duas paredes que separavam o contador antigo da nova localização pretendida, ou seja, os proprietários ou as pessoas por si contratadas para o efeito apenas deveriam proceder à abertura de roços para exibir a canalização e não, no que concerne ao exterior da fracção, proceder a qualquer alteração dos canos, que seriam depois substituídos pelo técnico, instruções que foram desrespeitadas, na medida em que, antes da chegada do técnico, os empreiteiros dos recorridos procederam à manipulação das canalizações existentes.
Q
A própria testemunha JM confirma, a minutos 10:20 do seu depoimento, que a responsabilidade pela substituição da canalização, entre o contador e o olho de boi é do SMAS e só do contador para dentro de casa é que é do proprietário, de onde resulta que os recorridos tinham conhecimento de que não poderiam manipular as canalizações desde a anterior localização do contador até ao olho de boi.
R
Por outro lado, relativamente ao estado de conservação das canalizações existentes no prédio, há que ter em consideração que, além de constar da folha de serviço junta pelos SMAS em 03 de Agosto de 2021, a ligação da fracção ao ramal ocorreu em 2015, altura em que seguramente se terá procedido à inspecção da canalização e eventual substituição de elementos que dela carecessem, o técnico dos SMAS, única testemunha idónea que visualizou o estado do cano antes da ruptura, qualificou as canalizações existentes como estando em bom estado (minuto 10:07 do depoimento).
S
A este propósito, há que considerar que os demais elementos de prova colhidos nos Autos, nomeadamente o relatório de observação junto com contestação como Doc. n.º 11, e o relatório junto pela Zurich em 13 de Abril de 2021 foram elaborados já depois de a canalização se encontrar devidamente substituída pelo técnico dos SMAS que refere expressamente, a minutos 27:25 do seu depoimento que foi ele quem removeu as torneiras e tubagens, já depois do tubo rebentar, o que fez logo no próprio dia, e antes de ir almoçar, pelas 14:00 horas (Cft. minutos 28:08 do depoimento da testemunha), pelo que tais elementos de prova não podem atestar o estado da canalização anterior à ruptura, não se podendo sequer reconhecer que as fotografias juntas aos Autos e ao relatório da Zurich correspondam ao cano que rebentou.
T
Assim, admitindo-se, conforme acontece no Ponto 11 dos factos provados constante da Douta Sentença recorrida, que DJ tenha apertado o tubo que atravessava a parede da fracção e ligava ao olho de boi situado no exterior daquela e que efectuou uma torção no mesmo, terá que considerar-se que essa sua actuação não se encontrava devidamente autorizada pelos SMAS, em violação do disposto pelos artigos 11º, alínea h) e 12º, n.º 1, alínea b) do Regulamento dos SMAS de Vila Franca de Xira, e foi realizada em violação das instruções  dadas pelo técnico do SMAS, pois que o mesmo não estava habilitado a manipular o tubo que atravessava a parede da fracção para o exterior, o que corresponde a comportamento ilícito.
U
De igual modo, a forma como o tubo foi manipulado contraria as boas práticas da actividade da canalização, que impunham que a canalização antiga fosse removida com início na parte que se pretendia manter (de fora para dentro) e não no sentido inverso (de dentro para fora) como pretenderam os recorridos, através dos seus empreiteiros, concretizar.
V
Ocorrendo a ruptura da canalização e subsequente inundação do prédio e do elevador existente no mesmo por força do comportamento ilícito de DJ supra descrito e não por força do estado em que a canalização do prédio se encontrava que, conforme atestado pela testemunha LP, se encontrava em bom estado de conservação aparente, sendo irrelevante que a ruptura tenha ocorrido antes ou após o olho de boi, ou no interior ou exterior da fracção, dado que os recorridos, através dos seus empreiteiros, efectuaram obras, nomeadamente de abertura de roços e buracos nas partes comuns do prédio, sem qualquer consentimento ou conhecimento do recorrente.
W
Motivo pelo qual, com base no depoimento da testemunha LP, única testemunha presencial de relevo no que respeita a estas matérias, não podiam ser dados como provados os factos constantes dos pontos 7, 8, 9 e 12 supra transcritos, na redacção que consta dos mesmos, a qual se impugna expressamente, requerendo-se, com vista à alteração da mesma, a reapreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, inclusive a gravada.
X
Assim, no caso concreto, estão reunidos, quanto a DJ, todos os pressupostos da responsabilidade civil, previstos no artigo 483º, n.º 1 do Código Civil, nomeadamente o acto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre acto e dano, na medida em que aquele efectuou buracos no exterior da fracção autónoma e manipulou a canalização exterior, o que se lhe encontrava vedado segundo indicação do técnico dos SMAS, aplicando-lhe torção, em desrespeito pelos regulamentos e normas técnicas, o que foi feito de forma consciente e culposa, e que originou a existência de ruptura na canalização do prédio e a sua subsequente inundação do prédio, desde o sétimo andar até à sua base, provocando-lhe danos num dos elevadores - o elevador n.º 1, que ficou completamente submerso.
Y
Inclusivamente, há que não esquecer que é do conhecimento do homem médio que a remoção da canalização, ainda para mais quando a mesma estaria já, na versão dos recorridos, bastante deteriorada, deveria começar pelo lado da ligação da mesma ao ramal principal e não no sentido contrário, de forma a não efectuar pressão sobre a canalização alegadamente deteriorada e cuja substituição não seria por si efectuada, pelo que, não tendo o empreiteiro respeitado esse procedimento, o qual, por si só era apto a evitar a ocorrência da ruptura da canalização e subsequente inundação do prédio, deve ter-se por demonstrado que o mesmo violou, além do mais, as leges artis da sua profissão.
Z
Assim, verificada que está a responsabilidade do comissário, através do comportamento voluntário do agente, ilícito e culposo que provocou danos na esfera jurídica do recorrente, bem assim como a relação de comissão, na medida em que se encontra admitido nos Autos que os empreiteiros foram incumbidos pelos recorridos de efectuar as obras de remodelação da sua fracção autónoma, bem como a prática de factos danosos pelo comissário no exercício das funções de que foi incumbido, verifica-se a responsabilidade civil dos recorridos, ao abrigo do disposto pelo artigo 500º do Código Civil, sendo os recorridos, na qualidade de comitentes, objectivamente responsáveis perante o recorrente por todos os danos resultantes da inundação das partes comuns do prédio.
AA
Por último, a propósito dos danos sofridos pelo recorrente, resulta do depoimento das testemunhas que os factos que foram considerados como não provados sob as alíneas c), d) e e), deviam ter sido considerados provados.
AB
A propósito da circunstância de o recorrente continuar a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referente à manutenção do elevador, tal como o fez relativamente aos meses de Abril a Junho de 2019, a mesma resulta dos depoimentos das testemunhas AR, que prestou depoimento no dia 07 de Maio de 2021, o qual se encontra gravado com recurso ao sistema H@bilus Média Studio, entre as 10h03m24s e as 10h27m11s (minutos 15:29 do seu depoimento), JB, que prestou depoimento no dia 07 de Maio de 2021, o qual se encontra gravado com recurso ao sistema H@bilus Média Studio, entre as 10h36m09s e as 10h46m21s, (minutos 06:00 do seu depoimento) e JV, que prestou depoimento no dia 07 de Maio de 2021, o qual se encontra gravado com recurso ao sistema H@bilus Média Studio, entre as 10h46m23s e as 11h05m32s, (minutos 12:38), que confirmam que esses pagamentos foram objecto de apreciação nas sucessivas assembleias de condóminos.
AC
Também quanto ao facto de o elevador n.º 1 permanecer por reparar por falta de capacidade do recorrente para suportar o respectivo custo da reparação, este é confirmado pelas testemunhas AR (minutos 14:25 do seu depoimento), JB (minutos 05:12 do seu depoimento), e JV (minutos 12:10 do seu depoimento), não se podendo aceitar que uma simples menção à reparação constante de um relatório elaborado a pedido da Zurich, relativamente ao qual foram totalmente desconsideradas as respectivas conclusões, seja susceptível de levantar dúvida acerca da circunstância de o elevador continuar por reparar.
AD
Motivos pelos quais a factualidade supra transcrita no artigo 4º do presente articulado deveria ter sido dada como provada.
AF
Ao não decidir em conformidade com a prova produzida, o tribunal a quo, além de ter violado as normas relativas à responsabilidade civil previstas nos artigos 483º e 500º do Código Civil, violou o princípio da livre apreciação de prova previsto no artigo 607º, n.º 5 do Código do Processo Civil, efectuando ainda uma incorrecta interpretação dos referidos normativos legais.
AG
Cuja correcta interpretação, a qual se impõe, determina a revogação da Sentença proferida e a sua substituição por outra que condene os recorridos no pedido, ou, pelo menos, no pagamento ao recorrente da quantia de €11.893,95 (Onze mil e oitocentos e noventa e três euros e noventa e cinco cêntimos), corresponde ao custo necessário à realização das obras de reparação do elevador n.º 1, acrescida da quantia de €432,28 (Quatrocentos e trinta e dois euros e vinte e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais, e do montante de €108,07 (Cento e oito euros e sete cêntimos) por cada mês de imobilização do elevador n.º 1, tudo acrescido de Juros legais, desde a citação e até integral e efectivo pagamento”.
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Os Réus não apresentaram contra-alegações.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida quanto aos factos provados n.ºs 7, 8, 9 e 12, passando estes a ter, nomeadamente, o sentido proposto pelo Recorrente e, bem assim, quanto aos factos não provados constantes das alíneas c), d) e e), no sentido da sua inclusão no elenco de factos provados;
ii.- saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual fundada em culpa, ainda que presumida, dos Réus ou no risco, geradora da obrigação de indemnizar o Autor;
iii.- saber de que danos deve este ser ressarcido e qual a medida do seu ressarcimento.
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III.- Da Fundamentação
III.I.- Na sentença proferida em 1.ª Instância e alvo deste recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“1. Pela Ap. 35 de 29.11.1982 encontra-se inscrita no registo a constituição da propriedade horizontal do prédio sito na Praça …, Torre …, nº …, edifício e nºs 1 A e 1 B - lojas, freguesia de Vialonga, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ….
2. O prédio anteriormente referido tem 10 andares, para além do r/c, e quatro frações por cada um daqueles andares, identificadas pelas letras A, B, C e D, sendo o r/c composto por duas frações.
3. Pela Ap. 26 de 14.02.1992 foi inscrita no registo a aquisição a favor dos RR., por compra, da fração designada pela letra AF, correspondente ao 7º andar – D do prédio referido em 1).
4. Pela Ap. 2007 de 17.01.2020 foi inscrita no registo a aquisição a favor de JM e de AB, por compra aos RR., da fração anteriormente referida.
5. No dia 20.03.2019 foi afixado na porta da entrada do prédio do A. um aviso de que seriam efetuadas obras de conservação no interior da fração referida em 3), entre as 8h00m e as 17h00m, estando prevista a sua duração em 15-20 dias.
6. As obras anteriormente referidas incluíam a substituição da canalização da fração referida em 3) por completo e a alteração do contador para o exterior da fração.
7. Antes da data referida em 5), JM, filho dos RR., ligou para o SMAS e solicitou a mudança de contador sito no interior da fração referida em 3) para o seu exterior, tendo sido agendado o dia 21 de março de 2019 para deslocação e intervenção no local pelo técnico do SMAS.
8. No dia 21 de Março de 2019 o técnico do SMAS deslocou-se à fração referida em 3), desligou o olho-de-boi que está no exterior daquela, cortando, assim, o fornecimento de água para a mesma, retirou o contador do seu interior, e explicou todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior.
9. Após, o referido técnico ausentou-se, acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse pronto para proceder à instalação do contador no exterior da fração e da respetiva ligação.
10. Seguidamente, DJ, pessoa contratada para executar as obras na fração referida em 3), deslocou-se à mesma e iniciou a abertura dos roços/furos e a remoção da canalização antiga existente no interior da fração à volta do local onde se encontrava anteriormente o contador já retirado.
11. DJ apertou então o tubo que atravessava a parede da fração e ligava ao olho de boi situado no exterior daquela, e efetuou uma torção no mesmo no sentido dos ponteiros do relógio de modo a retirá-lo.
12. Com tal torção ocorreu uma rotura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio, a qual se deveu ao fato do tubo encontrar-se deteriorado por oxidação em estado avançado.
13. Tal gerou uma inundação de água que se espalhou por todos os andares do prédio referido em 1).
14. Os Bombeiros de Vialonga e o SMAS foram chamados ao local e o mesmo técnico referido em 8) e 9) efetuou o corte de abastecimento de água ao prédio no exterior do mesmo, dado ter-se constatado não existir olho de boi no interior do edifício para corte geral do abastecimento de água ao mesmo.
15. Seguidamente, tal técnico procedeu à colocação do contador da fração referida em 3) no exterior da mesma e colocou um novo olho de boi, bem como um novo tubo de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio em substituição do que havia sofrido a rotura referido em 12).
16. Na sequência da inundação referida em 13) a caixa do elevador nº 1 do prédio referido em 1) ficou cheia de água, ficando somente a funcionar o outro elevador do prédio.
17. No próprio dia o técnico da Thyssenkrupp, empresa que mantinha os dois elevadores do prédio, foi chamado ao local e desligou-os.
18. Depois de escoada a água o técnico da Thyssenkrupp efetuou uma avaliação dos estragos provocados pela água no elevador nº 1, ficando o elevador nº 2 em funcionamento.
19. Nessa sequência, em 2 de Abril de 2019 o referido técnico apresentou ao A. um orçamento de reparação do elevador nº 1, para que o mesmo pudesse voltar a funcionar, no montante total de €9.669,88, acrescido de I.V.A., o qual compreendia:
- fornecimento e montagem de nova placa de manobra (Quadro de Comando) - €1.623,89 + I.V.A.;
- fornecimento e instalação de nova roda tensora com contato elétrico regulamentar, contra rotura do cabo de aço do limitador de velocidade (Conjunto Limitador de Velocidade) - €408,70 + I.V.A.;
- instalação de nova botoneira de revisão regulamentar no topo da cabina, com botões de subida e de descida, interruptor de paragem de emergência e tomada de corrente; fornecimento e instalação de novo contato regulamentar de forma a garantir o corte da manobra em caso de pressão da soleira móvel;
- fornecimento e instalação de novo contato regulamentar de forma a garantir o corte da manobra em caso de atingir o fim de curso; tratamento, limpeza e pintura do fundo da cabina (Cabina) - €787,34 + I.V.A.;
- desmontagem e montagem de nova botoneira, que inclui botões com gravação em relevo e leitura de Braille, incorporação de display e iluminação de emergência (Botoneira de Cabina) - €1.728,13 + I.V.A.;
- substituição do sistema de comunicação por novo conjunto de comunicação bidireccional (Comunicação Bidireccional) - €467,28 + I.V.A.;
- fornecimento e substituição de novo calce móvel (rampa automática para abertura das portas de piso) regulamentar e respetivos conjuntos de montagem, de forma a garantir uma abertura mais suave e precisa das fechaduras existentes (Calce Móvel) - €689,94 + I.V.A.;
- fornecimento e adaptação de novo alarme regulamentar, provido de fonte de alimentação, para garantir o seu funcionamento mesmo em caso de falta de energia (Alarme) - €145,91 + I.V.A.;
- substituição do sistema de controlo de carga e respetiva sinalização (Adaptação de Excesso de Carga) - €515,94 + I.V.A.;
- substituição do display de indicação de posição no piso 0 (Botoneiras de Piso) - €412,50 + I.V.A.;
- substituição da fechadura nas portas dos pisos 0 a 6 (Fechaduras das Portas de Patamar) - €2.643,38 + I.V.A.;
- tratamento e pintura dos arranques de guia do poço do elevador (Caixa do Elevador) - €246,88 + IVA.
20. O A. liquidou à Thyssenkrupps €648,41 por assistência técnica aos dois elevadores do prédio referido em 1) referente ao período de 01.07.2019 a 30.09.2019.
21. O elevador nº 1 do prédio referido em 1) continua parado.
22. Tal implica um desgaste mais acentuado do elevador nº 2 e desadequado face ao número de pisos do prédio do A.
23. O Regulamento nº 203/2013 do SMAS de Vila Franca de Xira, publicado no D.R., Série II, nº 104, de 30.05., estatui nos seus art.ºs 9º, 11º e 12º, de entre o mais, o seguinte:
 “Artigo 9º
Deveres da Entidade Gestora
Compete ao SMAS, designadamente:
(…)
i) Fornecer, instalar e manter os contadores, as torneiras de segurança ou as válvulas de corte;
(…)
Artigo 11º
Deveres dos Utilizadores
Compete aos utilizadores, designadamente:
(…)
e) Não fazer uso indevido ou danificar as redes prediais e assegurar a sua conservação e manutenção;
(…)
g) Avisar o SMAS de eventuais anomalias nos sistemas e nos contadores;
h) Não proceder a alterações nas redes prediais sem prévia autorização dos SMAS, quando tal seja exigível nos termos da legislação em vigor e do presente Regulamento, ou se preveja que cause impacto nas condições de fornecimento existentes;
(…).
Artigo 12º
Deveres dos proprietários
1. São deveres dos proprietários dos prédios, designadamente:
(…)
b) Não proceder a alterações nas redes prediais sem prévia autorização do SMAS;
c) Manter em boas condições de conservação e funcionamento os respetivos sistemas de abastecimento de água;
(…)
f) Instalar os sistemas prediais e respetiva conservação em boas condições de funcionamento e salubridade;
g) Colocar a caixa do contador em local de fácil acesso ao pessoal do SMAS de modo a permitir um trabalho regular de substituição ou reparação no local.
(….)”.
24. De acordo com o art.º 6º do Regulamento anteriormente referido, entende-se por:
(…)
v) Ramal de ligação de água: troço de canalização destinado ao serviço de abastecimento de um prédio, compreendido entre os limites da propriedade do mesmo e a conduta da rede pública em que estiver inserido;
(…)
ee) Sistemas de distribuição predial ou rede predial: canalizações, órgãos e equipamentos prediais que prolongam o ramal de ligação até aos dispositivos de utilização do prédio;
(…)
ii) Torneira de corte ao prédio: válvula de seccionamento, destinada a seccionar a montante o ramal de ligação do prédio, sendo exclusivamente manobrável por pessoal dos SMAS ou por estes acreditado;
(…)”.
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Na mesma sentença não foi considerado provado que:
“a) Aquando da inundação referida em 13) da factualidade provada AR e a administradora do A. AG se tivessem dirigido à casa das máquinas e desligado os dois elevadores do prédio do A.;
b) O A. tivesse contactado o SMAS de Vila Franca de Xira a solicitar a presença de um técnico para proceder ao corte de água da coluna do prédio;
c) O A. continue a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referido em 19) da factualidade provada;
d) O A. tivesse pago tal valor à Thyssenkrupps relativamente aos meses de Abril a Junho de 2019;
e) O elevador n.º 1 do prédio do A. ainda não tenha sido reparado;
f) Em face do referido em 22) da factualidade provada seja previsível a necessidade, a curto prazo, de substituição das componentes de maior desgaste do elevador nº 2 com um custo mínimo estimado de €3.000,00”.
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III.II.- Do objeto do recurso
.- Da impugnação da matéria de facto
Os termos em que a Relação pode conhecer da matéria de facto impugnada em sede de recurso constam, no essencial, do art.º 662.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o disposto no n.º 1 deste preceito, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, nos termos do n.º 2, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) ordenar a renovação da produção da prova quando houve dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) anular a decisão proferida na 1.ª Instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração proferida sobre a decisão da matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
Da leitura de tais dispositivos legais resulta que à Relação é, em sede de recurso em que esteja em causa a impugnação da matéria de facto, conferido um grau de autonomia especialmente relevante.
Na realidade, se, confrontada com a prova globalmente produzida, o seu juízo decisório for diverso do da 1.ª Instância, à Relação incumbe hoje, não a faculdade ou a simples possibilidade, mas um verdadeiro dever de introduzir as alterações que tenha por convenientes ou acertadas.
Por outro lado, se, confrontada com essa mesma prova, reputá-la insuficiente ou mesmo inconsistente, deverá, mesmo sem impulso das partes nesse sentido, o mesmo é dizer oficiosamente, ordenar a renovação de prova já produzida ou mesmo a produção de novos meios de prova.
Em sede de reapreciação da matéria de facto, cabe à Relação, por conseguinte, formar a sua própria convicção quanto à prova produzida, convicção essa que, caso divirja da firmada em 1.ª instância, prevalecerá sobre esta.
Ou seja, e como refere António Santos Abrantes Geraldes, a Relação atua nesta sede com “autonomia decisória” e “como verdadeiro tribunal de instância”, ao qual compete “introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal” (in Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, p. 334).
A posição que a Relação deve adotar quando confrontada com um recurso em matéria de facto deve, pois, ser a mesma da 1.ª Instância aquando da apreciação da prova após o julgamento, valendo para ambos o princípio da livre apreciação da prova, conforme resulta, aliás, do disposto nos art.ºs 607.º, n.º 5 e 663.º, n.º 2 do CPC.
O mesmo é dizer, com Remédio Marques, que a “Relação tem o poder-dever de formar a sua convicção própria sobre a prova produzida e sobre a correção do julgamento da matéria de facto, não se devendo escusar a fazê-lo com base no princípio da livre convicção do julgador da 1.ª instância” (in Acção declarativa à luz do Código revisto, p. 637-638, apud José Lebre de Feitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3.º, p. 172).
Só assim se garantirá, de resto, a efetiva sindicância, por parte da Relação, do julgamento da matéria de facto levado a cabo em 1.ª instância e, com isso, o princípio fundamental do duplo grau de jurisdição (v., neste sentido, e entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2013, de 26-05-2021 e de 04-11-2021, todos disponíveis na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
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A autonomia decisória com que a Relação deve encarar a reapreciação da matéria de facto não pode implicar, contudo, a consideração genérica e indiscriminada de todos os factos e meios de prova já tidos em conta pela 1.ª Instância, como se aquela reapreciação impusesse a realização de um novo julgamento.
Dispõe, com efeito, o art.º 640.º, n.º 1 do CPC que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
.- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (alínea a);
.- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada  diversa da recorrida (alínea b);
.- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c).
Resulta de tal normativo legal que sobre o recorrente que pretenda ver sindicado pela Relação o julgamento da matéria de facto feito em 1.ª instância recai o ónus de, não só circunscrever e delimitar a concreta matéria de facto de cujo julgamento discorda, como o de enunciar os meios de prova que deveriam ter conduzido a decisão diversa e, ainda, o de indicar o sentido da decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida.
O sistema adotado pelo legislador quanto ao julgamento da matéria de facto pela Relação, ao invés de uma solução pautada pela simples “repetição dos julgamentos” e “pela admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto”, consagra, pois, um sistema caracterizado “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, como corolário do “princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objeto do recurso (da matéria de facto) através das alegações” (v., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 195 e 341).
Isto, aliás, com reflexos na aferição da própria admissibilidade do recurso em matéria de facto, já que, como decorre expressamente do corpo do preceito que acaba de ser transcrito, o ónus que recai sobre o recorrente deve ser cumprido sob pena de rejeição do próprio recurso.
Em face do que acaba de ser dito, podemos concluir que os termos em que a Relação deve sindicar a decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância e a amplitude com que o tem de fazer deverá obedecer aos seguintes “parâmetros”, sintetizados no Acórdão da Relação de Guimarães, de 29 de outubro de 2020 (disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Assim, a Relação “só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e, nesse novo julgamento, forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes)”.
Ademais, “a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento da primeira instância”, não se podendo “limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.”
Finalmente, “ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção (…), se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão”.
Sem prejuízo, e ainda de acordo com o mesmo Acórdão, “se a decisão factual do tribunal da 1.ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras da experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com benefício da imediação e oralidade – apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum”.
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No presente recurso, e tal como resulta das conclusões do Recorrente, a divergência deste quanto ao julgamento da matéria de facto feito pela 1.ª instância prende-se com os factos provados com os n.ºs 7, 8, 9 e 12, bem como com os factos não provados constantes das alíneas c), d) e e).
Na perspetiva do Recorrente, o teor daqueles factos considerados provados não poderia ter sido o que deles consta, mas um outro, que o mesmo assinala, enquanto que os factos julgados não provados deveriam ter merecido julgamento em sentido oposto, isto é, ter sido considerados provados.
A este respeito, cumpre começar por dizer que o Recorrente, além de, como se vê, ter individualizado os concretos pontos de facto que reputou incorretamente julgados pela 1.ª instância, indicou, também, os meios de prova que, na sua perspetiva, impunham um julgamento diverso, além de concluir pela enunciação do sentido em que, na sua perspetiva, tais factos devem agora ser julgados.
Cumpriu o mesmo, assim, o ónus que o acima citado art.º 640.º do CPC faz recair sobre si, nada obstando ao conhecimento do recurso nesta parte.
Apreciemos, pois, a pretensão do Recorrente, começando-se pelos factos que, em 1.ª instância, foram dados como provados, mas que aquele entende que deveriam ter merecido decisão diversa.
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.- Do facto constante do n.º 7
O teor do facto em causa, tal como se mostra descrito na sentença recorrida, é o seguinte:
Antes da data referida em 5), JM, filho dos RR., ligou para o SMAS e solicitou a mudança de contador sito no interior da fração referida em 3) para o seu exterior, tendo sido agendado o dia 21 de março de 2019 para deslocação e intervenção no local pelo técnico do SMAS”.
Segundo o Recorrente, o sentido do facto resultante da sua redação foi contrariado pela prova produzida em julgamento, pelo que, na sua perspetiva, a sua redação, de acordo com a prova efetivamente produzida, deveria passar a ser a seguinte:
No dia 21 de março de 2019, PF, amigo de JM, filho dos Réus, solicitou ao técnico dos SMAS que compareceu no local para proceder à reparação de uma torneira e substituição do contador da fracção referida em 3) na sequência de pedido e agendamento efectuado na véspera, solicitou a mudança de contador sito no interior da fração para o seu exterior, o que foi autorizado no local pelo técnico do SMAS”.
Ora, quanto a este facto, cumpre-nos, desde já, dizer que o mesmo, por razões de natureza jurídico-processual, não podia ter sido considerado pelo tribunal de 1.ª instância, o que, ditando a sua exclusão do acervo de factos que suportarão a apreciação jurídica desta causa, tornará despicienda a discussão em torno da questão de saber se o mesmo resultou ou não evidenciado pela prova produzida em julgamento.
E isto porque, como se verá, se trata de “facto essencial” no contexto da defesa dos Réus, mas que não foi alegado por qualquer das partes nos seus articulados, constituindo, assim, facto de que o tribunal não podia conhecer oficiosamente.
Vejamos porquê.
A propósito do ónus de alegação das partes e da amplitude dos poderes de cognição do tribunal em matéria de facto, dispõe o art.º 5.º, n.º 1 do CPC que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
Por seu turno, estabelece o n.º 2 do mesmo preceito que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
.- os factos instrumentais que resultem da instrução da causa (alínea a);
.- os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar (alínea b);
.- os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Da leitura deste preceito resulta um sistema em que, tratando-se de factos essenciais, cabe exclusivamente às partes o ónus da sua alegação, sem que o tribunal se possa substituir-lhes nessa tarefa.
À margem destes casos, o tribunal só se pode socorrer oficiosamente dos factos que, resultando da instrução da causa, se assumam como instrumentais, ou então como complementoou concretização dos alegados pelas partes, ou, finalmente, dos factos notórios e daqueles de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.
Subjacente a tal solução está a opção do legislador processual civil pela consagração da denominada “teoria da substanciação”, a qual “implica para o autor a necessidade de articular os factos dos quais deriva a sua pretensão, constituindo-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado apenas sobre os factos integradores dessa concreta causa de pedir” (v. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2023, p. 26).
Os factos essenciais são, como resulta do n.º 1 do preceito em análise, aqueles que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o mesmo é dizer os factos que servem de fundamento à ação e à defesa.
Divergem dos factos instrumentais, que “são aqueles que permitem a afirmação, por indução, de outros factos de que depende o reconhecimento do direito ou da exceção”, tratando-se, por isso, “dos factos que possam servir para a formação da convicção sobre os demais factos (designadamente por via do uso de presunções judiciais)” (v., neste sentido, os mesmos Autores, in ob. cit., p. 32 e 33).
De salientar, a este propósito, que os factos instrumentais não se confundem com os factos “que sirvam para integrar presunções legais (v.g. em matéria de responsabilidade civil extracontratual, da posse ou do regime da filiação)”, os quais “são de considerar essenciais, devendo ser alegados em conformidade (art.º 5.º, n.º 1) e ser objeto de pronúncia positiva ou negativa na sentença (ibidem, p. 33).
Os factos complementares ou concretizadores, por seu turno, são, como, como se depreende da norma legal, os que sirvam de desenvolvimento ou explicitação dos factos que haviam sido alegados pelas partes e que, por isso, contribuem para a definição do direito aplicável ao caso.
Finalmente, os factos notórios são os factos do conhecimento geral, isto é, aqueles que, como se referiu no Acórdão do STJ de 12-03-2009, “o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos” (disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt), enquanto que os factos oficiosos são aqueles que o juiz adquire por decorrência do exercício das suas funções.
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Na presente ação, pretende o Recorrente, enquanto Autor, ser indemnizado dos prejuízos sofridos em partes comuns do edifício em propriedade horizontal que administra, prejuízos esses decorrentes de uma inundação verificada nesse edifício, que teve a sua origem em obras executadas na fração autónoma dos Réus.
Tais obras, de acordo com a estrutura dada à causa na petição inicial, foram executadas por empreiteiro contratado para o efeito, o qual, na sua execução, não teria observado as regras atendíveis, violando, assim, o dever de cuidado que se lhe impunha, assim responsabilizando os Réus, no interesse dos quais atuou.
A ação, por conseguinte, é suscetível de se fundar no instituto jurídico da responsabilidade civil extracontratual, assente, no que àquilo que aqui importa considerar, em culpa, ainda que presumida, dos Réus ou no risco.
Ora, neste enquadramento, mostra-se determinante, do ponto de vista da posição dos Réus, saber se estes adotaram, previamente à realização das obras, qualquer conduta suscetível de afastar a sua culpa na produção do evento danoso, seja para afastar a verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, seja para ilidir a eventual presunção de culpa que sobre eles possa recair.
E esse é, notoriamente, o caso do facto em apreço.
Com efeito, o facto em causa, referindo-se, como se refere, a um suposto comportamento do filho dos Réus em momento anterior ao da execução das obras na fração destes, no sentido de ter solicitado aos SMAS a mudança do contador da água do interior da fração para o seu exterior, agendando esta entidade um dia determinado (o da inundação) para deslocação e intervenção no local pelo mesmo, é suscetível de, por si só, ou, pelo menos, se conjugado com os restantes factos provados, evidenciar que os SMAS “autorizaram”, pelo menos tacitamente, a intervenção no contador em causa.
Essa autorização, se efetivamente dada, altera - diríamos que - radicalmente a configuração do caso dos autos no que diz respeito à culpa dos Réus, já que uma coisa é o facto de estes ou de outrem com o seu consentimento terem sido responsáveis por uma intervenção num contador de água de motu proprio e outra é o facto de o terem feito munidos da autorização da entidade competente para a gestão e regulação da instalação e do uso de tais artefactos.
De resto, a importância do facto para a definição do direito aplicável ao caso foi reconhecida na própria sentença proferida em 1.ª instância, ao mencioná-lo em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável.
Temos, pois, um facto que serve de fundamento à defesa dos Réus e, portanto, um facto essencial de acordo com o conceito definido no art.º 5.º, n.º 1 do CPC acima citado.
Ora, enquanto facto essencial, a sua consideração pelo tribunal pressupunha que o mesmo tivesse sido alegado pelas partes nos seus articulados, máxime pelos Réus.
Tal, contudo, não sucedeu, como resulta da análise da sua contestação, em cujo articulado não teceram qualquer consideração a propósito dele.
Aliás, os Réus não só não alegaram o facto em causa, como descreveram um conjunto de factos que, de certo modo, até o contrariam.
Na verdade, além de não fazerem referência a qualquer conduta levada a cabo por alguém em momento anterior ao da realização das obras, além do facto atinente à afixação, na porta de entrada do prédio, do aviso de início das obras (v. art.º 1.º da petição inicial), afirmaram expressamente que foi “no dia” em que o técnico esteve presente no local que lhe foi solicitado o “corte da água” (v. os artigos 9.º e 10.º da contestação).
Ou seja, de acordo com a estrutura dada à defesa pelos Réus, teria sido no dia da deslocação do técnico dos SMAS à fração autónoma daqueles que teria sido pedido a este para que diligenciasse pelo corte de água.
Tal versão dos factos, contudo, contraria que, dias antes, tivesse havido um pedido expresso de intervenção no contador, no sentido da sua retirada do interior para o exterior da fração, já que, pela própria natureza das coisas, esta intervenção pressuporia naturalmente aquela.
O facto em causa não se mostra, pois, alegado nos autos pelas partes, o que, pelas razões acima expostas, veda que possa ser aqui considerado.
Ora, o Recorrente, ao bater-se, nas suas conclusões, pela consideração do facto em causa como não provado, está, no essencial, a questionar a própria existência do facto em si mesmo, pelo que, apesar de propor uma redação diversa para o mesmo, nada obsta a que este tribunal, concluindo que se trata de facto cuja consideração era inadmissível, pura e simplesmente o desatenda.
Ademais, quaisquer “patologias” de que a sentença alvo do recurso possa padecer e que “não correspondam (…) a erros de apreciação ou de julgamento (…) poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação”, isto é, oficiosamente, sendo que uma dessas patologias é, precisamente, aquela em que “o conteúdo da decisão” se revela “excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais para a integração da causas de pedir ou das exceções (art.º 5.º, n.º 1 do CPC)” (v, neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 2022, p. 354).
De resto, na elaboração do acórdão pela Relação é observado, na parte aplicável, por remissão do n.º 2 do art.º 663.º do CPC, o regime de elaboração da sentença em 1.ª instância e, por conseguinte, o disposto no n.º 1 do art.º 609.º do CPC, que veda ao tribunal o conhecimento de objeto diverso do pedido na ação.
Atestado que está, pois, que o facto em causa não pode integrar o objeto do processo decorrente do modo como as partes cumpriram o ónus de alegação dos factos essenciais à ação e à defesa, sempre este tribunal estaria vinculado a, ex officio, independentemente, pois, de posição das partes nesse sentido no recurso, não o considerar e determinar a sua exclusão do acervo de factos que suportarão a decisão jurídica do caso.
Em conclusão, o facto constante do n.º 7 do elenco de factos provados constante da sentença alvo do recurso deve ser excluído desse elenco, por dele não poder fazer parte, ficando prejudicada a questão de saber se o mesmo resultou ou não evidenciado da prova produzida julgamento realizado em 1.ª instância.
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.- Do facto constante do n.º 8
O teor deste facto que consta da sentença recorrida é o seguinte:
“.- No dia 21 de Março de 2019, o técnico do SMAS deslocou-se à fração referida em 3), desligou o olho-de-boi que está no exterior daquela, cortando, assim, o fornecimento de água para a mesma, retirou o contador do seu interior, e explicou todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior”.
Segundo o Recorrente, por forma a retratar o resultado da prova produzida em julgamento, o facto em causa deveria passar a ter a seguinte redação:
“.- No dia 21 de março de 2019 o técnico do SMAS deslocou-se à fração referida em 3, desligou o olho de boi que está no exterior daquela, cortando assim o fornecimento de água para a mesma, retirou o contador do seu interior e explicou todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro e fora da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior, devendo os proprietários proceder apenas à abertura dos roços e buracos necessários”.
Cotejando o teor do facto que consta da sentença com o proposto pelo Recorrente no seu recurso, constata-se que este, diversamente do que sucedia com o facto n.º 7, aceita, no essencial, a verificação do facto tal como ficou vertido na sentença recorrida.
Na sua perspetiva, contudo, da prova produzida em julgamento resultou algo mais do que aquilo que o facto exprime, pelo que a sua posição é a de que ao mesmo deveriam ser introduzidos dois aditamentos, a saber: por um lado, especificar que os sítios onde, de acordo com o técnico dos SMAS, deveriam ser realizados os furos das canalizações da água eram, não só dentro, mas também fora da fração autónoma; por outro lado, explicitar que era dever dos proprietários proceder apenas à abertura dos roços e buracos necessários, querendo com isso evidenciar que aos proprietários estava vedada qualquer intervenção nos próprios tubos das canalizações.
Ora, a respeito desta questão, e debruçando-nos, desde já, sobre esta segunda proposta do Recorrente de alteração do facto em causa, quanto à consignação do dever dos proprietários de se cingirem à abertura dos furos, entende-se que a mesma não deve ter lugar.
Desde logo, por se mostrar redundante, já que a redação dada ao facto em causa pela Sr.ª Juíza de Direito a quo diz respeito, tão somente, aos furos propriamente ditos que deveriam ser executados na obra, não aludindo a quaisquer operações incidentes sobre as canalizações.
Da redação do facto em causa já resulta, pois, se devidamente interpretado, que a única tarefa que ao responsável pela execução da obra na fração incumbia realizar passava apenas pela abertura dos furos e nada mais, designadamente, à manipulação das canalizações.
Depois, porque, estando aqui em causa factos que sirvam de plataforma de análise da solução jurídica a dar à causa, aquilo que deve constar do segmento decisório em apreço é, por conseguinte, um facto, despido de qualquer coloração valorativa ou juízo conclusivo.
Tal só não seria o caso se se estivesse a cuidar aqui de palavras ou expressões que, apesar de constituírem factos enxutos, tivessem “simultaneamente, uma significação corrente, da qual não depend[esse] a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem” (v., neste sentido, p. António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 138).
A expressão em análise reveste-se, porém, de um conteúdo marcadamente conclusivo, já que introduz um juízo de dever ser sobre uma concreta realidade.
Não há, pois, atento tudo quanto a de ser dito, fundamento para a inserção da expressão em causa no facto em apreço.
Quanto à introdução do advérbio de lugar “fora”, a par do advérbio “dentro” já constante do facto em apreço, a propósito dos locais em que, de acordo com as instruções dadas pelo técnico dos SMAS, deveriam ser abertos os furos das canalizações, também não deverá merecer acolhimento a pretensão do Recorrente.
Na verdade, também aqui se trata de facto não alegado, já que se o Recorrente, no seu articulado inicial, não descreveu sequer as obras levadas a cabo na fração dos Réus, estes, na contestação, aludiram às obras naquilo que em que estas consistiram no interior da fração e não no exterior.
Acresce que a redação do facto proposta pelo Autor, a partir do momento em que situaria a intervenção dos Réus também no exterior da fração, colocar-nos-ia imediatamente perante a possibilidade de intervenção nas partes comuns do prédio e, portanto, num quadro de potencial responsabilização com um outro fundamento que não o que serve de causa de pedir à ação e/ou à defesa.
O facto em causa é, por conseguinte, “essencial”, o que, considerando tudo quanto acima se expôs a propósito do facto n.º 7, não pode, porque não alegado pelas partes, ser considerado nesta sede.
Improcede, pois, a pretensão do Autor no que diz respeito às introduções que propõe para o facto provado n.º 8, facto este que, como tal, deverá permanecer inalterado.
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.- Do facto constante do n.º 9
O teor do facto em causa tal como se mostra vertido na sentença recorrida é o seguinte:
.- “Após, o referido técnico ausentou-se, acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse pronto para proceder à instalação do contador no exterior da fração e da respetiva ligação”.
De acordo com o Recorrente, de modo a retratar o resultado da prova produzida em julgamento, o facto em causa deveria passar a ter a seguinte redação:
.- “Após, o referido técnico ausentou-se, acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse pronto para proceder à substituição da canalização existente desde a anterior localização do contador e à instalação do novo contador no exterior da fração e da respetiva ligação à rede predial”.
A pretensão do Recorrente aqui em análise não deve, também, merecer acolhimento.
Quanto à introdução do adjetivo “novo” e da expressão “à rede predial”, por se tratar de expressões que, em si mesmas, não têm expressão na definição do direito aplicável ao caso, não passando de meras explicitações de factos para cuja significação jurídica nada trazem de novo.
Quanto à introdução da expressão atinente à “substituição da canalização”, vale aqui toda a argumentação aduzida quanto ao facto n.º 8, no sentido de se tratar de facto que, porque não alegado e passível de relevar juridicamente, não pode ser considerado.
Improcede, em face do exposto, tal pretensão do Recorrente.
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.- Do facto constante do n.º 12
O facto em causa, tal como consta da sentença recorrida, tem a seguinte redação:
.- “Com tal torção ocorreu uma rotura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio, a qual se deveu ao fato do tubo encontrar-se deteriorado por oxidação em estado avançado.”
De acordo com o Recorrente o facto em causa deveria passar a ser do seguinte teor:
.- “Com tal torção ocorreu uma rotura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água no prédio”.
Como resulta do que acaba de ser dito, a única divergência do Recorrente quanto ao teor do facto em questão prende-se com a inserção do seu último período, atinente ao suposto estado de deterioração em que se encontrava o tubo que rompeu e que se encontrava no exterior da fração autónoma dos Réus.
E o certo é que lhe assiste razão na sua pretensão.
Na verdade, trata-se aqui de facto não alegado por qualquer das partes nos seus articulados, particularmente pelos Réus, que, apesar de aludirem à ausência de manutenção das canalizações do prédio por parte da administração do condomínio e à caracterização dessas canalizações como sendo “antigas”, não fez qualquer referência a vicissitudes de que as mesmas pudessem padecer como sejam deteriorações internas por oxidação.
Tal facto foi dado a conhecer aos autos com a junção, na sequência de determinação do tribunal nesse sentido no decurso do julgamento, do relatório efetuado pela Companhia de Seguros Zurich respeitante à “peritagem” que a mesma levou a cabo.
O facto em causa é, contudo, e como é de bom ver, determinante para a decisão jurídica do caso, sendo suscetível de relevar em sede de fixação ou mesmo de repartição de culpas pelo evento danoso subjacente aos autos, sendo que tanto assim foi que o próprio tribunal a quo se prevaleceu dele para eximir os Réus de responsabilidade pelo sucedido.
Trata-se, por conseguinte, de facto essencial, que, porque não oportunamente alegado, e nos termos já acima expostos, não podia, como foi ter sido considerado pelo tribunal na definição jurídica do caso.
Assiste, pois, razão ao Recorrente nesta parte, impondo-se a exclusão do facto em causa do seu último período, nos exatos termos propostos por aquele.
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.- Dos factos constantes das alíneas c) e d)
.- Do teor dos factos constantes das alíneas c) e d) do elenco de factos não provados (que apreciaremos em conjunto, por, no essencial, se reportarem à mesma realidade) resulta que, na sentença recorrida, considerou-se não provado que:
.- “o Autor continue a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referido em 19 da factualidade provada” (alínea c);
.- “o Autor tivesse pago tal valor à Thyssenkrupps relativamente aos meses de Abril a Junho de 2019” (alínea d).
O valor pecuniário a que tais factos se reportam diz respeito ao também mencionado no n.º 20 (e não 19, como consta, certamente por lapso de escrita, da sentença) do elenco de factos provados, correspondente àquele que, de acordo com estrutura dada à causa pelo Autor, este tem de despender trimestralmente com a manutenção dos dois elevadores do prédio dos autos.
O tribunal a quo, como decorre da sua fundamentação da matéria de facto, não considerou provados tais factos com base, no essencial, na “ausência de prova”, sendo que, “quanto à alínea c), (…) a testemunha CC referiu não saber se continuam ou não a ser cobrados custos de manutenção, dado que mudou entretanto de zona, e não foram juntos mais recibos pelo Autor, nem é aferível pelo contrato de manutenção junto a fls. 99v-100 o pagamento trimestral da quantia em causa à Thyssenkrupps”.
Acrescentou que “as testemunhas AR, JB e JV (…) apenas souberam dizer o que lhes foi dito nas assembleias de condóminos genericamente no sentido de que continua a ser paga a manutenção”.
O Recorrente, discordando destas conclusões, bate-se pela consideração dos factos como provados, estribando a sua posição, no essencial, no teor dos depoimentos das testemunhas AR, JB e JV, as quais confirmaram a manutenção do pagamento da manutenção dos dois elevadores.
Ora, a este respeito, depois de devidamente apreciada e ponderada toda a prova produzida nos autos, entende-se que os factos em causa devem ser considerados provados, nos termos defendidos pelo Recorrente no presente recurso.
Na verdade, e desde logo, o tribunal a quo considerou provado, no n.º 20 do elenco de factos provados da sentença, que, à Thyssenkrupps, foi liquidado o valor de €648,41 pela assistência técnica aos dois elevadores do prédio, referente ao período de 01.07.2019 a 30.09.2019.
Temos, pois, que é o próprio tribunal a quo a dar como adquirido que o pagamento em causa foi efetuado, pelo menos relativamente a um espaço temporal concreto e determinado de três meses.
A consideração que, na sentença recorrida, se faz relativamente ao facto de não ser aferível pelo contrato de manutenção dos autos o pagamento trimestral da quantia em causa à Thyssenkrupps não tem, pois, com o devido respeito, razão de ser, já que a prevalecer, teria de reportar-se, não só aos valores pressupostos nos factos não provados, como, também, àquele que consta do facto provado.
Acresce que o valor pago pelo Autor e que o tribunal a quo julgou provado diz respeito, não só a um período temporal equivalente a um trimestre, indo, por conseguinte, ao encontro da alegação do Autor de que se tratava de valor cobrado trimestralmente, como se reporta a um período posterior ao sinistro dos autos.
Isto é, o sinistro ocorreu em 21 de março de 2019 e o valor comprovadamente pago pelo Autor pela manutenção dos elevadores diz respeito aos meses de julho, agosto e setembro.
Estando, assim, demonstrado que, pelo Autor, foi despendido um valor pela manutenção dos dois elevadores, relativo a um período ocorrido mais de três meses depois do evento, temos um facto objetivo que, por si só, e levando-se em linha de conta que estamos a falar de uma prestação de natureza periódica e renovável, sugere a possibilidade, não só do pagamento do valor devido anteriormente a essa data (isto é, o pressuposto na alínea d)), como, também, os subsequentes (os pressupostos na alínea c)).
Ora, partindo desta constatação, há que dizer que, como refere o Recorrente nas suas alegações, as testemunhas AR, JB e JV confirmaram a realização dos pagamentos, circunstância atestada por este tribunal com a audição integral da prova produzida em julgamento.
Por outro lado, as testemunhas, todas elas moradoras no prédio, justificaram o seu conhecimento, não em “conversas de circunstância”, mas naquilo que lhes foi dado a conhecer em assembleia de condóminos, que, como é do conhecimento comum, é um espaço vocacionado para discutir questões relacionadas com o condomínio.
Ademais, as testemunhas depuseram de forma clara e, acima de tudo, sem qualquer tendência para o exagero ou subjetividade, limitando-se a responder ao que lhes foi perguntado, nenhuma razão havendo para questionar a sua credibilidade (o que, de resto, também não foi posto em causa pelo tribunal a quo na sentença proferida).
Considerando, pois, o facto - plenamente conhecido e provado - de que, três meses depois do sinistro dos autos, o Recorrente pagou uma prestação relativa à assistência técnica prestada aos dois elevadores, bem como os depoimentos das testemunhas em causa, estão reunidas as condições para, conjugando tais elementos de prova com as regras da experiência da vida, concluir que os factos em causa resultaram provados.
Concluir o contrário equivaleria, quanto a nós, tendo em conta a consideração como provado do facto n.º 20, a compartimentar uma realidade de facto naturalmente orgânica e dinâmica, sem qualquer correspondência com a normalidade das coisas.
Em suma, os factos constantes das alíneas c) e d) (reportados ao facto n.º 20 do elenco de factos provados e não ao facto n.º 19, que se deveu, como se disse, a lapso de escrita) devem ser considerados provados, assim se alterando, em conformidade, a sentença recorrida.
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.- Do facto constante da alínea e)
O facto não provado constante da alínea em apreço é o seguinte:
.- “[Que] o elevador n.º 1 do prédio do A. ainda não tenha sido reparado”.
Como se infere da fundamentação da decisão de facto constante da sentença recorrida, na origem da não consideração como provado deste facto esteve, no essencial, a dúvida da Mm.ª Juíza de Direito que presidiu ao julgamento quanto à sua ocorrência.
Tal dúvida teria advindo, desde logo, do facto de, no relatório de peritagem efetuado pela Companhia de Seguros Zurich constante dos autos, ser “referido expressamente que a reparação do elevador já foi efetuada”.
Depois, do facto de “também as testemunhas moradoras do prédio” terem demonstrado não saberem “com certeza a razão pela qual o elevador continua parado, apesar de pressuporem que seja por continuar avariado”, sendo que a testemunha JM “referiu que sempre foi usual um dos dois elevadores ficar parado, mesmo antes da inundação”.
O Autor insurge-se, no recurso, contra tal decisão, batendo-se por que o facto em causa seja considerado provado, atenta a prova produzida em julgamento, em função daquilo que resultou dos depoimentos das testemunhas AR, JB e JV, que o confirmaram, não podendo a declaração constante do relatório de peritagem mencionado pela Mmª. Juíza ter a virtualidade de suscitar a dúvida quanto ao facto de o elevador ainda não ter sido reparado.
Ora, mais uma vez depois de devidamente analisada e ponderada toda a prova produzida, concluímos que assiste razão ao Recorrente em tudo o que diz a propósito do facto em causa, correspondendo a sua consideração como não provado a uma incorreta apreciação da prova produzida pelo tribunal de 1.ª Instância.
E isto, pela seguinte ordem de razões.
Há que considerar, desde logo, que foi dado como provado na sentença recorrida que o elevador em causa nos autos (o elevador n.º 1, que, de acordo com o Autor, continua a carecer de reparação), “continua parado” (v. facto provado n.º 21).
Ou seja, é o próprio tribunal a julgar verificada a permanência de um estado de coisas – a imobilização do elevador – após a ocorrência de um sinistro que originou a necessidade da sua reparação (note-se que, na sentença, não se questiona a necessidade de realização da reparação, mas apenas que esta já tenha sido feita), o que, por si só, sugere, indicia, ou aponta para que ainda não tenha sido feito o necessário para a sua reposição em funcionamento, isto é, a sua reparação.
Ora, as testemunhas AR, JB e JV, todas moradoras no prédio dos autos, atestaram, como alude o Recorrente nas suas conclusões, a imobilização do elevador devido ao facto de permanecer avariado.
Ademais, o Recorrente não o refere no seu recurso, mas também a testemunha CC, que é comercial da Thyssenkrupps e, portanto, profissional ligado à empresa responsável pela reparação do elevador (além de distanciada dos interesses das partes no processo), foi taxativa a dizer que o elevador “ainda não está reparado e que neste momento está desligado”.
Aliás, esta testemunha assim o afirmou em resposta a pergunta da iniciativa da própria Mmª. Juíza de Direito que presidiu ao julgamento (v. a passagem constante do minuto 6,48´´ da gravação do depoimento da testemunha), sem que tal resposta tenha merecido qualquer reparo ou pedido de esclarecimento por parte da mesma.
Afigura-se-nos, assim, conjugando todos estes elementos de prova, sobretudo com apelo às elementares regras da experiência da vida, que o facto em causa resultou evidenciado pela prova produzida em julgamento.
De referir que a tal conclusão não pode obstar, quer a declaração constante do relatório de peritagem constante da Companhia de Seguros Zurich, quer o depoimento da testemunha JM, elementos probatórios estes que, como se viu, estiveram na origem da dúvida da Sr.ª Juíza quanto à verificação do facto em causa.
Assim, e quanto à declaração do relatório de peritagem, ainda que, de facto, nele se mencione que a reparação já tinha sido efetuada, o certo é que tal declaração emerge de uma entidade alheia aos interesses das partes aqui em litígio e para a qual, de resto, pouco interessava a questão de saber se o elevador havia sido ou não reparado (a Companhia de Seguros em causa declinou, pura e simplesmente, a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos sofridos).
Por outro lado, o documento em causa constitui um documento que foi junto aos autos no decurso do julgamento e se há algo que se pode dizer sobre ele é o facto de se desconhecer em que circunstâncias é que foi elaborado e, consequentemente, o que teria estado na origem da declaração em causa.
O documento em causa não tem, por conseguinte, relevo para afastar a concludência dos elementos probatórios acima referidos, não podendo, pois, ser considerado.
O mesmo se diga do depoimento da testemunha JM, o qual, devidamente analisado e ponderado, não apresenta consistência suficiente para sequer suscitar a dúvida sobre a ocorrência do facto em causa.
Na verdade, e em primeiro lugar, aquilo que foi dito pela testemunha a propósito do facto em apreço foi, como resulta da audição do seu depoimento, que “ao longo dos anos só funcionava um elevador, ora o da esquerda, ora o outro”, sendo que, no dia da inundação, “estava a funcionar o elevador inundado, o outro não; depois é que o ligaram”.
Ou seja, segundo a testemunha, o que se verificava quanto ao elevador era o funcionamento alternado de cada um dos elevadores ao longo do tempo e não a desativação permanente e constante de um deles.
A situação atualmente existente, contudo, decorrente da inundação verificada no prédio, é totalmente distinta da relatada pela testemunha, consistindo numa situação em que um dos elevadores está pura e simples parado (“desligado”), funcionando apenas o outro.
Do depoimento em causa não é possível retirar, por conseguinte, tal como a Mmª. Juíza a quo retirou, qualquer elemento gerador de dúvida acerca da não reparação do elevador, sendo a realidade de que a testemunha falou (a passada) totalmente distinta da realidade que importava apreciar (a presente).
Aliás, bem interpretado o depoimento da testemunha, o mesmo até acaba por reforçar a convicção de que o elevador, não só está parado, como, também, que está parado precisamente por não ter sido reparado.
Com efeito, a fazer fé nas suas declarações, no dia do sinistro dos autos era precisamente o elevador n.º 1 o que estava em funcionamento; todavia, após o sinistro, veio a ser acionado o outro, permanecendo aquele imobilizado desde então.
Ora, um tal estado de coisas, considerado à luz das regras da experiência comum, sugere claramente que o acionamento do segundo elevador se deveu à impossibilidade de manutenção em funcionamento do primeiro, o que, conjugado com o facto – conhecido e dado como provado pelo tribunal a quo – da imobilização do outro elevador aponta claramente para que o mesmo ainda não tenha sido reparado.
O relatório da Companhia de Seguros Zurich e o depoimento da testemunha JM não têm, pois, a virtualidade de gerar a dúvida sobre a verificação do facto em análise.
Tal facto, mercê da concludência e da consistência de todos os restantes elementos de prova a que acima se fez referência, deve, pois, ser considerado provado.
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Em suma, no que diz respeito à decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida, há que concluir que a mesma deve ser alterada no sentido:
i.- da eliminação do facto provado n.º 7;
ii.- da manutenção dos factos provados n.ºs 8 e 9, tal como se encontravam redigidos;
iii.- da eliminação do último período do facto n.º 12, quanto à expressão “a qual se deveu ao fato do tubo encontrar-se deteriorado por oxidação em estado avançado”;
iv.- da inclusão, no elenco de factos provados, dos factos que constavam, como não provados, sob as alíneas c), d) e e).
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O elenco de factos provados e não provados que há-de servir de substrato de facto à apreciação jurídica do presente caso será, assim, aquele que, de seguida, se reproduz, com as alterações, inclusive de numeração, que, em face do acima exposto, se impõe fazer:

.- Factos provados
1.- Pela Ap. 35 de 29.11.1982 encontra-se inscrita no registo a constituição da propriedade horizontal do prédio sito na Praça …, Torre …, nº …, edifício e nºs 1 A e 1 B - lojas, freguesia de Vialonga, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Franca de Xira sob o nº … e inscrito na respetiva matriz sob o art.º ….
2.- O prédio anteriormente referido tem 10 andares, para além do r/c, e quatro frações por cada um daqueles andares, identificadas pelas letras A, B, C e D, sendo o r/c composto por duas frações.
3.- Pela Ap. 26 de 14.02.1992 foi inscrita no registo a aquisição a favor dos RR., por compra, da fração designada pela letra AF, correspondente ao 7º andar – D do prédio referido em 1).
4.- Pela Ap. 2007 de 17.01.2020 foi inscrita no registo a aquisição a favor de JM e de AB, por compra aos RR., da fração anteriormente referida.
5.- No dia 20.03.2019 foi afixado na porta da entrada do prédio do A. um aviso de que seriam efetuadas obras de conservação no interior da fração referida em 3), entre as 8h00m e as 17h00m, estando prevista a sua duração em 15-20 dias.
6.- As obras anteriormente referidas incluíam a substituição da canalização da fração referida em 3) por completo e a alteração do contador para o exterior da fração.
7.- No dia 21 de Março de 2019, o técnico do SMAS deslocou-se à fração referida em 3), desligou o olho-de-boi que está no exterior daquela, cortando, assim, o fornecimento de água para a mesma, retirou o contador do seu interior, e explicou todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior.
8.- Após, o referido técnico ausentou-se, acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse pronto para proceder à instalação do contador no exterior da fração e da respetiva ligação.
9.- Seguidamente, DJ, pessoa contratada para executar as obras na fração referida em 3), deslocou-se à mesma e iniciou a abertura dos roços/furos e a remoção da canalização antiga existente no interior da fração à volta do local onde se encontrava anteriormente o contador já retirado.
10.- DJ apertou então o tubo que atravessava a parede da fração e ligava ao olho de boi situado no exterior daquela, e efetuou uma torção no mesmo no sentido dos ponteiros do relógio de modo a retirá-lo.
11.- Com tal torção ocorreu uma rotura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio.
12.- Tal gerou uma inundação de água que se espalhou por todos os andares do prédio referido em 1).
13.- Os Bombeiros de Vialonga e o SMAS foram chamados ao local e o mesmo técnico referido em 8) e 9) efetuou o corte de abastecimento de água ao prédio no exterior do mesmo, dado ter-se constatado não existir olho de boi no interior do edifício para corte geral do abastecimento de água ao mesmo.
14.- Seguidamente, tal técnico procedeu à colocação do contador da fração referida em 3) no exterior da mesma e colocou um novo olho de boi, bem como um novo tubo de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio em substituição do que havia sofrido a rotura referida em 11).
15.- Na sequência da inundação referida em 12) a caixa do elevador nº 1 do prédio referido em 1) ficou cheia de água, ficando somente a funcionar o outro elevador do prédio.
16.- No próprio dia o técnico da Thyssenkrupp, empresa que mantinha os dois elevadores do prédio, foi chamado ao local e desligou-os.
17.- Depois de escoada a água o técnico da Thyssenkrupp efetuou uma avaliação dos estragos provocados pela água no elevador nº 1, ficando o elevador nº 2 em funcionamento.
18.- Nessa sequência, em 2 de Abril de 2019 o referido técnico apresentou ao A. um orçamento de reparação do elevador nº 1, para que o mesmo pudesse voltar a funcionar, no montante total de €9.669,88, acrescido de I.V.A., o qual compreendia:
- fornecimento e montagem de nova placa de manobra (Quadro de Comando) - €1.623,89 + I.V.A.;
- fornecimento e instalação de nova roda tensora com contato elétrico regulamentar, contra rotura do cabo de aço do limitador de velocidade (Conjunto Limitador de Velocidade) - €408,70 + I.V.A.;
- instalação de nova botoneira de revisão regulamentar no topo da cabina, com botões de subida e de descida, interruptor de paragem de emergência e tomada de corrente; fornecimento e instalação de novo contato regulamentar de forma a garantir o corte da manobra em caso de pressão da soleira móvel;
- fornecimento e instalação de novo contato regulamentar de forma a garantir o corte da manobra em caso de atingir o fim de curso; tratamento, limpeza e pintura do fundo da cabina (Cabina) - €787,34 + I.V.A.;
- desmontagem e montagem de nova botoneira, que inclui botões com gravação em relevo e leitura de Braille, incorporação de display e iluminação de emergência (Botoneira de Cabina) - €1.728,13 + I.V.A.;
- substituição do sistema de comunicação por novo conjunto de comunicação bidireccional (Comunicação Bidireccional) - €467,28 + I.V.A.;
- fornecimento e substituição de novo calce móvel (rampa automática para abertura das portas de piso) regulamentar e respetivos conjuntos de montagem, de forma a garantir uma abertura mais suave e precisa das fechaduras existentes (Calce Móvel) - €689,94 + I.V.A.;
- fornecimento e adaptação de novo alarme regulamentar, provido de fonte de alimentação, para garantir o seu funcionamento mesmo em caso de falta de energia (Alarme) - €145,91 + I.V.A.;
- substituição do sistema de controlo de carga e respetiva sinalização (Adaptação de Excesso de Carga) - €515,94 + I.V.A.;
- substituição do display de indicação de posição no piso 0 (Botoneiras de Piso) - €412,50 + I.V.A.;
- substituição da fechadura nas portas dos pisos 0 a 6 (Fechaduras das Portas de Patamar) - €2.643,38 + I.V.A.;
- tratamento e pintura dos arranques de guia do poço do elevador (Caixa do Elevador) - €246,88 + IVA.
19.- O Autor, pela assistência técnica aos dois elevadores do prédio referido em 1, referente aos períodos compreendidos entre abril a junho de 2019 e entre julho a setembro de 2019, pagou, em cada um desses períodos, a quantia pecuniária de €648,41.
20.- O Autor continua a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referido em 19).
21. O elevador n.º 1 do prédio referido em 1) ainda não foi reparado e continua parado.
22. Tal implica um desgaste mais acentuado do elevador nº 2 e desadequado face ao número de pisos do prédio do A.
23. O Regulamento nº 203/2013 do SMAS de Vila Franca de Xira, publicado no D.R., Série II, nº 104, de 30.05., estatui nos seus art.ºs 9º, 11º e 12º, de entre o mais, o seguinte:
 “Artigo 9º
Deveres da Entidade Gestora
Compete ao SMAS, designadamente:
(…)
i) Fornecer, instalar e manter os contadores, as torneiras de segurança ou as válvulas de corte;
(…)
Artigo 11º
Deveres dos Utilizadores
Compete aos utilizadores, designadamente:
(…)
e) Não fazer uso indevido ou danificar as redes prediais e assegurar a sua conservação e manutenção;
(…)
g) Avisar o SMAS de eventuais anomalias nos sistemas e nos contadores;
h) Não proceder a alterações nas redes prediais sem prévia autorização dos SMAS, quando tal seja exigível nos termos da legislação em vigor e do presente Regulamento, ou se preveja que cause impacto nas condições de fornecimento existentes;
(…).
Artigo 12º
Deveres dos proprietários
1. São deveres dos proprietários dos prédios, designadamente:
(…)
b) Não proceder a alterações nas redes prediais sem prévia autorização do SMAS;
c) Manter em boas condições de conservação e funcionamento os respetivos sistemas de abastecimento de água;
(…)
f) Instalar os sistemas prediais e respetiva conservação em boas condições de funcionamento e salubridade;
g) Colocar a caixa do contador em local de fácil acesso ao pessoal do SMAS de modo a permitir um trabalho regular de substituição ou reparação no local.
(….)”.
24. De acordo com o art.º 6º do Regulamento anteriormente referido, entende-se por:
(…)
v) Ramal de ligação de água: troço de canalização destinado ao serviço de abastecimento de um prédio, compreendido entre os limites da propriedade do mesmo e a conduta da rede pública em que estiver inserido;
(…)
ee) Sistemas de distribuição predial ou rede predial: canalizações, órgãos e equipamentos prediais que prolongam o ramal de ligação até aos dispositivos de utilização do prédio;
(…)
ii) Torneira de corte ao prédio: válvula de seccionamento, destinada a seccionar a montante o ramal de ligação do prédio, sendo exclusivamente manobrável por pessoal dos SMAS ou por estes acreditado;
(…)”.
*
.- Factos não provados
a) Aquando da inundação referida em 12) da factualidade provada, AR e a administradora do A. AG se tivessem dirigido à casa das máquinas e desligado os dois elevadores do prédio do A.
b) O A. tivesse contactado o SMAS de Vila Franca de Xira a solicitar a presença de um técnico para proceder ao corte de água da coluna do prédio;
c) Em face do referido em 21) da factualidade provada seja previsível a necessidade, a curto prazo, de substituição das componentes de maior desgaste do elevador n.º 2, com um custo mínimo estimado de €3.000,00”.
**
*
.- Do enquadramento jurídico dos factos
Subjacente à ação está a pretensão do Recorrente de condenação dos Réus a indemnizá-lo dos prejuízos sofridos em partes comuns do edifício em propriedade horizontal que administra, prejuízos esses decorrentes de uma inundação verificada no edifício e que teve a sua origem em obras executadas na fração autónoma de que os Réus eram proprietários.
Funda-se a ação, neste pressuposto, no instituto jurídico da responsabilidade civil por factos ilícitos, cujo princípio geral consta do n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil (doravante, CC).
Estatui este normativo que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.           
Da sua leitura resulta que a obrigação de indemnização nele prevista depende da verificação de vários pressupostos, a saber: o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (v., neste sentido, Almeida Costa, in «Direito das Obrigações», 9ª edição, Revista e Aumentada, Almedina, 2005, p. 509 e seguintes, Antunes Varela, in «Das Obrigações em Geral», vol. I, 9ª edição, Almedina, 1998, pág. 543 e seguintes e Vaz Serra, in «Requisitos da Responsabilidade Civil», nº2).
A arquitetura do instituto resultante do normativo em apreço assenta, como se vê, na existência de um nexo de imputação do facto ao lesante, o mesmo é dizer, na culpa deste, a qual deve, por conseguinte, ser provada pelo lesado, tal como, aliás, é reforçado no art.º 487.º do CC.
Situações há, contudo, em que o legislador, considerando as especificidades de tais situações, como que prescinde deste elemento, consagrando uma verdadeira responsabilidade objetiva, de que são exemplo os casos geradores de responsabilidade pelo risco.    
Trata-se aqui das situações em que o legislador, tendo por base razões de “justiça distributiva”, estabelece a obrigação de indemnizar a cargo daquele que leva a cabo uma atividade de que “beneficia” e que, em si mesma, “constitui para terceiros uma fonte potencial de prejuízos” (v., neste sentido, Rui Alarcão, in “Direito das Obrigações – Lições policopiadas ao 3.º Ano Jurídico”, Coimbra, 1983, p. 224).
Um desses casos consiste na responsabilidade do comitente, prevista no art.º 500.º do CC, em que o Recorrente essencialmente funda a sua pretensão e sobre a qual, por isso, importa que aqui nos detenhamos com maior pormenor.
*
De acordo com o n.º 1 do citado preceito, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
Por seu turno, de harmonia com o n.º 2, a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
Consagra-se neste normativo a responsabilidade, independentemente de culpa, de todo aquele que recorre a outrem para obter algum benefício resultante da sua atividade, pela indemnização dos danos que o mesmo possa causar a terceiros, desde que sobre o mesmo recaia a obrigação de indemnizar.
Do que se trata aqui não é, como refere Antunes Varela, “de uma simples presunção de culpa, que ao comitente incumba ilidir para se eximir à obrigação de indemnizar”, mas sim de “a responsabilidade prescindir da existência de culpa” (in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Coimbra, 1991, p. 633).
Como decorre do normativo em apreço, são requisitos da responsabilidade objetiva do comitente os seguintes:
.- a existência de uma relação de comissão;
.- a obrigação de indemnizar, ou a responsabilidade, a cargo do próprio comissário;
.- a prática do ato lesivo por parte do comissário no exercício da função que lhe foi confiada pelo comitente.
Requisito da obrigação de indemnizar aqui prevista é, como se vê, que entre a pessoa que beneficia da atividade, o comitente, e a pessoa que a leva a cabo, o comissário, interceda uma “relação de comissão”.
O conceito de comissão aqui pressuposto tem, como também refere Antunes Varela, “o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter caráter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual” (ibidem, p. 634).
Pressupondo uma atividade exercida sob a direção de outrem, a relação de comissão pressupõe, também, que entre o comitente e o comissário interceda uma “relação de dependência”, isto é, uma relação “que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este”, na certeza de que só essa posição de direção da atividade justificará “a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo” (ibidem, p. 635).
Precisamente por não prever ou até por afastar a existência de uma tal relação de dependência, devem ter-se por excluídas do conceito de comissão relações como, entre outras, as constituídas no âmbito de um contrato de empreitada; ou seja, “não podem considerar-se comissários do dono da obra as pessoas que o empreiteiro contrata para execução desta, nem o empreiteiro em face do proprietário” (neste sentido, o mesmo Autor, ibidem, p. 635).
Na verdade, como decorre do conceito de empreitada previsto no art.º 1207.º do CC, a principal obrigação a que o empreiteiro está adstrito para com o proprietário é a de realizar certa obra e, portanto, obter um determinado resultado.
Tal resultado, contudo, pressupõe uma atuação do empreiteiro com autonomia técnica (este é que saberá o que fazer e como fazer para que a obra pedida pelo proprietário seja realizada), a qual se mostra incompatível com a relação de direção que caracteriza a relação de comissão.
Ora, reportando-se ao caso dos autos, e considerando o que acaba de ser dito, não é possível imputar aos Réus a obrigação de indemnizar fundada na responsabilidade do comitente aqui em apreço.
Na verdade, o Autor imputa essa responsabilidade aos Réus estribado no facto de os danos que sofreu e de que pretende ser ressarcido terem sido culposamente causados pelo empreiteiro contratado para a realização das obras que estiveram na origem do sinistro como se entre este e aqueles houvesse uma relação de comissão.
Tal, contudo, não é o caso, pois que se tratou de uma intervenção (a do empreiteiro) no âmbito de um contrato de empreitada cujas características afastam, como seu viu, a existência de uma relação de comissão.
Acresce que o Autor não alegou quaisquer factos dos quais se pudesse concluir que os Réus ou outra pessoa tivessem dado alguma indicação ao empreiteiro sobre a forma como este deveria executar o seu trabalho, sendo que, pelo contrário, o que resulta da factualidade apurada é que este agiu sozinho e na ausência do dono da obra.
Não é possível, assim, em face dos elementos constantes dos autos, concluir que entre o empreiteiro que executou as obras no interior da fração e os Réus ou quem o contratou tenha intercedido a relação de direção pressuposta na relação de comissão, o que, por si só, afasta a responsabilidade dos Réus estribada na responsabilidade do comitente.
Não podendo, pois, proceder a pretensão do Autor com este fundamento, impõe-se agora aferir se sobre os Réus recairá a obrigação de indemnizar fundada em culpa, se não provada, pelo menos presumida, destes.
*
A este respeito, importa convocar o disposto no art.º 493.º, n.º 1 do CC.
De acordo com tal dispositivo legal, reportando-nos àquilo que aqui importa considerar, quem tiver em seu poder coisa imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa da sua parte.
Estabelece-se neste preceito uma presunção de culpa que recai sobre aquele que tenha em seu poder coisa imóvel com o dever de a vigiar.
Pressupondo a culpa, embora presumida, aqui se prevê, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, um caso de “responsabilidade delitual e não de responsabilidade objetiva ou pelo risco” (in Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1987, p. 495).
A única particularidade do regime consiste no facto de se, à luz do princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos, ao lesado incumbe, como se viu, o ónus de provar a culpa do lesante, neste caso a culpa presume-se, passando a recair sobre o lesante, atento o disposto no art.º 344.º, n.º 1 do CC, o ónus de demonstrar que não agiu com culpa.
Subjacente a este regime está a ideia, expressa por Vaz Serra, de que, por um lado, “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano”; por outro lado, “está em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda” (in Trabalhos Preparatórios do Código Civil, in BMJ, n.º 85, p. 365, apud Acórdão do STJ de 20-11-2014, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Tratando-se de responsabilidade pela guarda de coisa imóvel, cabem na previsão do preceito os danos causados por frações autónomas noutras frações autónomas ou em partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal, conforme constitui jurisprudência praticamente uniforme dos nossos tribunais superiores.
Veja-se, a título exemplificativo, os Acórdãos:
.- do STJ de 27-04-1999, em cujo sumário se diz que “o dono de[essa] fracção autónoma responde pelos danos causados em fracção situada no piso inferior, em consequência de inundação decorrente do desprendimento de uma bicha de um seu autoclismo, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido mesmo que não houvesse culpa sua”;
.- desta Relação de Lisboa de 29-01-2009, em cujo sumário se afirma que “o dono de uma fracção autónoma responde pelos danos causados em fracção situada no piso inferior, em consequência de inundação (ou derrame de água) nela verificada e que seja causa de infiltrações verificadas na fração inferior, com a produção de danos, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam produzido mesmo que não houvesse culpa”;
.- da Relação de Coimbra de 03-03-2020, em cujo sumário se pode ler que “em caso de danos resultantes de infiltrações de água provenientes de fracção superior à do lesado presume-se a culpa dos proprietários de tal fracção, isto porque o proprietário que tenha o imóvel em seu poder tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos originados no imóvel (infiltrações de águas, incêndios, etc.), salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa”;
.- da Relação de Guimarães de 11-07-2013, em cujo se sumário se refere que “o proprietário que tenha o imóvel em seu poder tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos originados no imóvel”, sendo que, “provando a autora que as águas que inundaram e danificaram o seu estabelecimento provieram do apartamento da ré, mostra-se preenchido o ónus da prova (art.º 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem na coisa sob vigilância da ré (art.º 493.º, n.º 1 do CC), não lhe cumprindo provar ainda a sub-causa da inundação (uma torneira deixada a correr por mera incúria ou distracção, uma eventual ruptura da canalização, etc.) (todos estes acórdãos estão disponíveis na internet, no sítio com o endereço já acima mencionado).
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.- Reportando-nos ao caso em apreço, o quadro de facto com que nos deparamos é o seguinte.
Os Réus, à data do sinistro dos autos, eram proprietários da fração autónoma correspondente ao 7.º andar D do prédio sito na Praça …, Torre …, n.º …, sito na freguesia de Vialonga, prédio esse em regime de propriedade horizontal, que o Autor administra.
No dia 20 de março de 2019 foi anunciado aos residentes do prédio, através de aviso afixado na sua porta de entrada, que, no interior da fração, iriam ser realizadas obras de conservação, com uma duração previsível de 15 a 20 dias, obras essas que incluíam a substituição da canalização da fração por completo e, bem assim, a alteração do contador de leitura da água do interior para o exterior da fração.
No âmbito dessas obras, no dia 21 de março de 2019, o técnico dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento deslocou-se à fração, desligou o olho de boi que está no exterior daquela, cortando, assim, o fornecimento de água para a mesma e retirou o contador do seu interior.
Explicou, então, todo o procedimento a ser efetuado para colocação do mesmo no exterior, indicando os sítios onde deveriam ser realizados os furos dentro da fração para passagem da nova canalização de ligação e retirada da anterior, ausentando-se de seguida, mas acordando que voltaria nesse dia quando tudo estivesse apto para proceder à instalação do contador no exterior da fração e da respetiva ligação.
De seguida, a pessoa contratada para executar as obras, de seu nome DJ, deslocou-se à fração e iniciou a abertura dos roços ou furos e a remoção da canalização antiga existente no interior da fração à volta do local onde se encontrava anteriormente o contador já retirado.
A pessoa em causa apertou, então, o tubo que atravessava a parede da fração e ligava ao olho de boi situado no exterior daquela e efetuou uma torção no mesmo sentido dos ponteiros do relógio de modo a retirá-lo.
Sucedeu que, com tal torção, ocorreu uma rutura no tubo existente no exterior da fração a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio, o que gerou uma inundação de água que se espalhou por todos os andares do prédio, bem como pela caixa do elevador n.º 1, que ficou cheia de água, provocando estragos no elevador, levando a que só ficasse a funcionar o outro elevador do prédio.
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Ora, perante estes dados, e no que tange aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual acima enunciados, temos por certa a verificação de um facto, isto é, a intervenção na canalização, no contexto da realização das obras na fração autónoma então da propriedade dos Réus, associada à inundação que veio a suceder à intervenção.
Temos por verificado, também, um dano, concretamente a avaria do elevador n.º 1 do edifício em que se inseria a fração autónoma, dano esse reportado a uma coisa comum (v. art.º 1421.º, n.º 2, al. b) do CC) e administrada pelo Autor (v. art.º 1430.º, n.º 1 do CC).
E temos por verificada, ainda, a ilicitude do facto, já que os estragos verificados no elevador do prédio, dizendo respeito a coisa comum, significaram a violação do direito de uso do elevador por parte de todos os condóminos (v. art.ºs 1403.º, n.º 1, 1405.º, n.º 1, 1406.º, n.º 1, 1420.º, n.º 1 e 1422.º, n.º 1 do CC).
As questões que se colocam e que aqui verdadeiramente importa dilucidar são as de saber:
.- em primeiro lugar, se é possível associar o dano verificado ao facto que o despoletou, de modo a concluir-se que se tratou de dano decorrente da fração autónoma (da coisa, nos termos do n.º 1 do art.º 493.º do CC) dos Réus;
.- em segundo lugar, e concluindo-se afirmativamente quanto à primeira questão, se estes lograram ilidir a presunção de culpa que, por causa daquela associação, passou a recair sobre si.
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A propósito da primeira questão, cumpre começar por dizer que a intervenção na canalização por parte da pessoa contratada para o efeito ocorreu, como flui dos factos provados, no interior da fração autónoma dos Réus, mas aquilo que, em último termo, originou a inundação que causou estragos no elevador do edifício estava no exterior da fração.
Foi, na realidade, a rutura da canalização exterior à fração, instalada a montante do olho de boi, de ligação do mesmo à coluna geral de abastecimento de água do prédio, que gerou a inundação da água que se espalhou pelo edifício, inundação essa que não seria possível provinda de qualquer tubo da canalização do interior da fração, pelo facto de, como também se apurou, ter sido previamente cortada a água para o interior da fração por parte do técnico dos SMAS.
Os Réus, neste pressuposto, ou seja, o de se ter tratado de rutura de cano exterior à fração e de a inundação ter sido causada por água proveniente desse tubo e não de tubo existente no interior da sua fração, estruturaram a defesa no sentido de o que sinistro dos teve origem em parte comum do edifício, não lhes podendo ser assacada, como tal, responsabilidade pela produção do evento.
Isto é, na ótica dos Réus, quaisquer danos sofridos pelo Autor teriam tido origem em parte comum do edifício e não no seu próprio edifício, faltando, assim, um pressuposto essencial da obrigação de indemnizar a seu cargo.
Esta posição veio a ser, de certo modo, acolhida na sentença recorrida, que isentou de qualquer responsabilidade os Réus por terem agido como agiram, aludindo, além do mais, ao facto de a inundação ter tido origem em tubo cuja obrigação de manutenção e conservação recaía, se não sobre os SMAS, pelo menos sobre o Autor, em se tratando de parte comum do edifício.
Entende-se, contudo, que tal posição não pode ser aceite e que se impõe, pelo contrário, a conclusão de que todo o evento danoso dos autos teve origem na fração autónoma dos Réus.
Na verdade, como resulta meridianamente claro da factualidade apurada, a rutura do tubo exterior à fração do qual proveio a água que inundou o edifício deveu-se única e exclusivamente à torção que, no interior da fração, foi levada a cabo sobre o tubo sito no interior da mesma.
Ou seja, o tubo exterior, parte comum do edifício, não rompeu por si só ou por motivos relacionados com o mesmo (por exemplo, porque se tivesse verificado um aumento inusitado da pressão da água por circunstâncias relacionadas com o seu fornecimento, porque se tivessem registado amplitudes térmicas desmesuradas que tenham ditado a sua dilatação, ou por qualquer motivo relacionado com as características e composição do próprio tubo), mas porque alguém no interior da fração autónoma, atuando no interesse dos proprietários da fração, manipulou um tubo no seu interior que, naturalmente interligado fisicamente à canalização comum do prédio, provocou uma alteração na estabilidade do tubo exterior, gerando a sua rutura.
Todo o processo causal que deu origem ao evento dos autos nasce e desenvolve-se, assim, não no tubo exterior e comum do edifício, mas no tubo interior e próprio da fração autónoma dos Réus, por via da ingerência direta de alguém que ali executou uma atividade em benefício da mesma.
Ou seja, apesar de a água que gerou a inundação no edifício ter provindo de tubo exterior à fração dos Réus que rompeu e, portanto, de parte comum do edifício, foi devido à manipulação de um tubo no interior da fração autónoma e, portanto, devido a circunstâncias da fração dos Réus. que a inundação veio a ocorrer.
O mesmo é dizer que, ainda que a água que causou a inundação tenha provindo de parte comum do edifício, o elemento “deflagrador” dessa inundação esteve na atividade que foi exercida no interior da fração autónoma dos Réus.
Os danos sofridos no edifício e, designadamente, no elevador n.º 1 do prédio tiveram origem, pois, na fração autónoma dos Réus e, portanto, em coisa que a estes incumbia vigiar e cuidar, tal como previsto no art.º 493.º, n.º 1 do CC.
Pretender-se concluir que, tendo a água emergido do tubo exterior à fração e não de tubo existente no interior da mesma, eximiria os Réus de qualquer responsabilidade é, com o devido respeito, desconsiderar a dinâmica normal de um acontecimento da vida, como que cindindo artificialmente em duas partes a consequência única de um único evento.
De referir que a tal conclusão não obsta o suposto facto de o Autor não ter providenciado ao longo dos anos pela conservação das canalizações, sendo esta antiga, tal como os Réus estruturaram a sua defesa e, de certo modo, veio a ser acolhido na sentença recorrida.
Na verdade, e repita-se, foi a atividade da pessoa contratada para a realização dos trabalhos na fração autónoma dos Réus aquilo que esteve na origem da produção do evento danoso e não o estado da canalização do edifício.
Acresce que não há um único elemento nos autos, nem, de resto, foi alegado pelos Réus, que aponte para que a canalização comum do prédio, não fosse aquela ingerência, não continuaria a servir a função a que se destinava, que era a de assegurar o normal e regular transporte da água para o interior das frações sem quaisquer derrames.
A inundação causada no edifício deveu-se, assim, a ato relacionado com a fração autónoma dos Réus, subsumindo-se o evento dos autos à previsão do art.º 493.º, n.º 1 do CC aqui em análise.
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Chegados aqui, impõe-se analisar a segunda questão acima enunciada que é a de saber se os Réus, presumida que está a sua culpa, lograram ilidi-la.
E o certo é que tal não ocorreu.
Não há dúvida de que, por intervenção do técnico dos SMAS presente no local, se diligenciou pelo corte de água para o interior da fração de modo a permitir-se realizar os trabalhos de substituição da canalização sem risco de inundação provinda do interior da própria fração.
Sucede que, do que se tratava era da realização de trabalhos que implicavam a mudança do contador da água do interior da fração para o seu exterior, o mesmo é dizer trabalhos que se estendiam ou que, pelo menos, tinham a potencialidade de se estender ou de influir sobre partes comuns do edifício.
Por outro lado, é do senso comum que toda a rede de abastecimento de água de um edifício em propriedade horizontal é composto por uma teia complexa de canalizações interligadas entre si, a ponto de não ser de excluir a possibilidade de que a interferência num qualquer cano, ainda que colocado no interior de uma fração, possa interferir na estabilidade de outro, mesmo que no exterior da fração.
Afigura-se-nos, assim, que seria, de todo exigível, desde logo, que as obras não fossem executadas à revelia dos restantes condóminos do edifício ou, pelo menos da sua administração, solicitando-se a sua intervenção no sentido de, pelo menos, permitir o seu acompanhamento de modo a evitar consequências como as verificadas.
Depois, se não desligar o mecanismo de água de todo o prédio, pelo menos, aferir, previamente à realização das obras, onde estava o local do ponto de corte total da água para o edifício, de modo a que, caso sobreviesse, como sobreveio, algum problema, a água pudesse ser cortada de imediato, evitando o risco de inundação.
O certo é que não foi alegado pelos Réus que, por estes ou por alguém sob sua autorização, tenha sido feita qualquer diligência junto dos restantes condóminos ou da administração do condomínio no sentido de dar conhecimento das características das obras que iriam ser realizadas (o aviso colocado na porta do edifício aquando do início das obras consistiu numa mera declaração informativa sobre as mesmas, visando alertar os condóminos para os incómodos que pudessem advir da sua execução).
Também não foi alegado pelos Réus que tenha sido averiguado de que modo é que, em caso de necessidade, seria possível cortar a água do edifício, sendo que o que resulta dos factos provados é que uma das causas da dimensão que a inundação atingiu residiu precisamente no desconhecimento do local onde se podia executar o corte da água em questão.
De resto, deprende-se dos factos provados que o empreiteiro responsável pela realização das obras executou-as sem qualquer colaboração dos Réus ou de outrem (que nem sequer estariam presentes no local), e com base, como também resulta dos factos provados, nas instruções dadas pelo técnico dos SMAS em vídeo gravado sem a sua presença (do empreiteiro).
Ou seja, os trabalhos em causa foram executados sem que os Réus tivessem cuidado de recolher informação prévia sobre condições do prédio essenciais à boa execução dos trabalhos e deixando o trabalhador desacompanhado na realização da sua tarefa.
De referir, ainda, que o argumento respeitante à antiguidade da canalização do edifício joga, no caso, não contra o Autor, mas sim contra os Réus, pois que, como refere o Autor nas suas alegações de recurso, estando em causa a realização de obras em seu benefício, o estado da canalização do edifício cometer-lhes-ia um dever de cuidado acrescido, de modo a precaver a ocorrência de qualquer facto comprometedor da estabilidade da canalização que se saberia antiga.
Ora, ilidir a presunção de culpa que recaía sobre os Réus significaria a demonstração de factos que inequivocamente permitissem concluir que por eles foram observados todos os cuidados necessários a que uma obra com as características e a natureza daquela que foi executada não tivesse consequências prejudiciais como as verificadas.
Não foi esse, contudo, em função do que acaba de ser dito, o caso dos Réus, donde concluir-se que, porque não ilidida, se presume a sua culpa no evento sucedido, assim se afirmando os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que os constitui na obrigação de indemnizar o Autor dos prejuízos sofridos.
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Sublinhe-se, ainda, que a tal conclusão não obsta o facto de os trabalhos cuja realização esteve na origem da inundação terem sido realizados por empreiteiro contratado para o efeito e não pelos próprios Réus ou por pessoas autorizada por eles.
Na verdade, do que se trata aqui é da responsabilidade de quem tem a guarda da coisa pelos danos causados por essa coisa e o certo é que todos os danos cujo ressarcimento se impõe tiveram origem na fração autónoma de que os Réus eram, à data, proprietários.
Ademais, apesar de o facto que originou a inundação ter sido realizado pelo empreiteiro, a obrigação de indemnizar afirma-se aqui, também, como se disse, pelo facto de os Réus, proprietários da coisa, terem omitido deveres de conduta cuja observância, naquelas circunstâncias, se impunham a eles próprios e, portanto, a circunstâncias também a eles respeitantes.
Afirmam-se, assim, os pressupostos da obrigação de indemnizar previstos no art.º 493.º, n.º 1 do CC.
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Resta dizer que tal obrigação de indemnizar recai sobre os Réus efetivamente demandados na ação.
Na verdade, à data do sinistro dos autos, eram eles, como decorre do facto provado n.º 3, os titulares inscritos no registo da fração autónoma que esteve na origem da inundação em causa nos autos e, portanto, os seus presumidos proprietários (art.º 7.º do C.R. Predial).
Acresce que, independentemente de quem tenha sido a pessoa que determinou a realização das obras, o certo é que, do que se trata aqui é, como já foi repetidamente dito, dos danos causados por coisa sobre a qual há o dever de vigilância do proprietário e esse era o caso dos Réus.
Finalmente, os Réus admitiram expressamente na sua contestação (v. o artigo 8.º daquele articulado), que “concordaram” com a realização das obras, seja as respeitantes à “reparação da totalidade da canalização”, seja as atinentes à “alteração do contador”.
Ou seja, de acordo com a própria estrutura dada à defesa pelos Réus, estes assumiram a obra como sua.
Constituíram-se eles, por conseguinte, na obrigação de indemnizar o Autor dos danos sofridos nas partes comuns do edifício.
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Há, pois, que apurar que danos foram esses e qual a medida da reparação a que o Autor tem direito.
De acordo com o disposto no artigo 562.º do Código Civil quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, no que se afirma, como “princípio geral quanto à  indemnização”, o “princípio da reposição natural” (v., neste sentido, Pira de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., p. 576).
Por seu turno, de harmonia com o preceituado no art.º 564.º, n.º 1 o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado - o “dano emergente” -, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão - “os lucros cessantes” (ibidem, p. 579).
Na fixação da indemnização pode o tribunal, ainda, de acordo com o n.º 2 deste último normativo, atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, os quais “tanto podem representar danos emergentes, como lucros cessantes (ibidem, p. 580).
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Reportando-nos ao nosso caso, resulta da factualidade apurada que, com a inundação, o elevador n.º 1 do prédio dos autos sofreu estragos provocados pela água, cuja reparação, ainda não realizada, terá o custo de €9.669,88, acrescido de I.V.A., à taxa legal, o que perfaz o total de €11.893,95.
Trata-se aqui de um prejuízo que o Autor não teria sofrido não fosse o evento danoso imputável aos Réus e, portanto, de um dano emergente de que deverá ser ressarcido.
Mais resulta da factualidade apurada que, após a inundação, só um dos elevadores, o n.º 2, permanece em funcionamento, embora o Autor tenha mantido a obrigação de suportar o custo devido pela assistência dos dois elevadores do prédio, devido trimestralmente.
A este título, por conseguinte, suportou o pagamento da quantia devida referente aos períodos compreendidos entre abril a junho de 2019 e entre julho a setembro de 2019, além de ter continuado e continuar a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor em causa, que, por cada trimestre, ascende a €648,42.
Suportou o Autor, assim, o pagamento de uma quantia equivalente a €108,07 mensais sem beneficiar da respetiva contrapartida, o que continuará a suceder enquanto o elevador não for reparado, o que configura um dano emergente (relativamente aos valores já despendidos) e um dano futuro (também ele sob a veste de dano emergente) de que deverá ser ressarcido.
Tal valor equivalerá ao já vencido à data da propositura da ação, isto é, o de €432,28, bem como o equivalente a €108,07 por cada mês de imobilização do elevador n.º 1, desde aquele momento até à efetiva reparação do veículo.
A tais valores acrescerão juros de mora, contabilizados: quanto às quantias pecuniárias vencidas, a partir da citação e, quanto às quantias vincendas, a partir do respetivo vencimento, correspondente ao seu pagamento efetivo pelo Autor, levado ao conhecimento dos Réus (art.ºs 559.º, n.º 1; 804.º, n.ºs 1 e 2; e 805.º, n.ºs 2, al. b) e 3 do CC).
Na petição inicial, formulou o Autor pedido autónomo de condenação dos Réus no pagamento da quantia de €3.000,00, a título de compensação pelo dano futuro que para si adviria do facto de o elevador n. 2, sendo o único em funcionamento desde o sinistro e por causa deste, sofrer um desgaste acrescido ao servir as 40 frações autónomas que integram o edifício.
Tal pretensão não mereceu procedência na sentença recorrida e o Recorrente, nas suas alegações, não expôs nenhum argumento específico no sentido de contrariar tal decisão nessa parte.
Todavia, nas suas conclusões (v. a conclusão AG), bateu-se expressamente pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra “que condene os Réus no pedido, ou, pelo menos, no pagamento (…) da quantia de €11.893,95 (…), acrescida da quantia de €432,28).
Ora, a alusão expressa à condenação “no pedido”, associada ao pedido (subsidiário) de condenação dos Réus, “pelo menos”, no pagamento das restantes rubricas indemnizatórias, não tem outro sentido que não o de que o Autor continua a bater-se, neste recurso, pela condenação dos Réus no pagamento da referida quantia de €3.000,00.
Tal pretensão não pode, porém, proceder.
Na verdade, ainda que se tenha provado que a imobilização do elevador n.º 1, por decorrência da inundação, implica um desgaste mais acentuado do elevador n.º 2 e desadequado face ao número de pisos do prédio, o certo é que não se provou que, mercê dessa circunstância, seja previsível a necessidade de, a curto prazo, substituir os componentes de maior desgaste, cujo custo mínimo ascenda a €3.000,00.
O Autor, nas suas conclusões, não pôs em causa a consideração deste facto como não provado na sentença recorrida, pelo que se conformou com essa conclusão.
Sucede que da constatação de que a imobilização do elevador n.º 1 resultará maior desgaste para o elevador n.º 2 não é possível, por si só, inferir a verificação de uma perda patrimonial.
Deste modo, não se tendo provado que tal vicissitude venha a acarretar no futuro a necessidade de substituição de peças no referido valor de €3.000,00, a pretensão em análise, posto que se tratava de facto constitutivo do direito do Autor, cujo ónus da prova recaís sobre si (art.º 342.º, n.º 1 do CC), soçobrará.
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IV.- Decisão
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, decide-se:
I.- alterar a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida no sentido:
i.- da eliminação do facto provado que dela constava sob o n.º 7, com a consequente alteração da numeração dos factos provados subsequentes;
ii.- da eliminação do último período do facto provado que dela consta sob o n.º 12, do seguinte teor: “a qual se deveu ao fato do tubo encontrar-se deteriorado por oxidação em estado avançado”;
iii.- da inclusão dos factos que constavam como não provados sob as alíneas c), d) e e), no elenco de factos provados da sentença recorrida, passando estes a ter os seguintes teor e numeração, com a consequente alteração da numeração dos subsequentes:
19.- O Autor, pela assistência técnica aos dois elevadores do prédio referido em 1, referente aos períodos compreendidos entre abril a junho de 2019 e entre julho a setembro de 2019, pagou, em cada um desses períodos, a quantia pecuniária de €648,41”;
20.- O Autor continua a liquidar trimestralmente à Thyssenkrupps o valor referido em 19)”;
21.- O elevador n.º 1 do prédio referido em 1) ainda não foi reparado e continua parado”;
II.- revogar parcialmente a sentença recorrida e, consequentemente, condenar os Réus recorridos no pagamento ao Recorrente:
i.- da quantia pecuniária de €11.893,95 (onze mil e oitocentos e noventa e três euros e noventa e cinco cêntimos), correspondente ao custo necessário à realização das obras de reparação do elevador n.º 1;
ii.- da quantia pecuniária de €432,28 (quatrocentos e trinta e dois euros e vinte e oito cêntimos), já vencida à data da propositura da ação, a título de indemnização do dano emergente resultante da imobilização do elevador n.º 1, acrescida do valor de €108,87 (cento e oito euros e oitenta e sete cêntimos), por cada mês de imobilização do mesmo elevador, desde aquela data até à sua efetiva reparação;
iii.- dos juros de mora contabilizados: quanto às quantias pecuniárias vencidas, a partir da citação e, quanto às quantias vincendas, a partir do respetivo vencimento, correspondente ao seu pagamento efetivo pelo Autor, levado ao conhecimento dos Réus.
III.- Confirmar a sentença recorrida no mais.
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Custas pelo Recorrente e pelos Recorridos na proporção do decaimento.
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Lisboa, 12 de Outubro de 2023
José Manuel Monteiro Correia
Vaz Gomes
Susana Maria Mesquita Gonçalves