Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8245/05.0TBCSC-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CUSTAS
RESPONSABILIDADE
INSTANCIA CAUTELAR
ACÇÃO PRINCIPAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Estando finda a ação principal – a ação executiva, extinta na sequência da procedência dos embargos –, sem que tivessem sido contadas – nem pagas – as custas alusivas ao procedimento cautelar, considera-se que na conta a elaborar, incluindo estas, o contador deve atender à condenação definitiva em custas expressa na ação principal; assim e com referência à instância cautelar propriamente dita é a parte vencida na ação principal que “deve suportar as custas devidas no procedimento cautelar, na proporção da responsabilidade tributária expressa nessa decisão final”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
Ação
Procedimento Cautelar, que corre por apenso (apenso A) à execução nº 8245/05.0TBCSC [  ]

Requerente/apelada: G.

Requeridos/apelantes: As. e Na.

Conta de custas
Em 18 de abril de 2018 foi elaborada a conta de custas que consta de fls. 2207 dos autos, concluindo por um total a pagar de 10.610,98€, pelos requeridos.  

Incidente de reclamação da conta
Em 20-04-2018 os requeridos apresentaram o requerimento junto a fls. 2209 e, em 03-05-2018 apresentaram reclamação da conta, pedindo que a mesma “seja corrigida em conformidade devendo as custas do procedimento cautelar e bem ser suportadas pela parte vencida na ação principal, designadamente por G., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiou, e não pelos ora reclamantes que não podem ser considerados responsáveis pelas mesmas”.

Em 10-07-2018 a Srª Contadora prestou a seguinte informação:
“Em 10-07-2018 consigno que em resposta à reclamação da conta apresentada em 3-5-2018 e uma vez que notificadas as partes do despacho de 4-5-2018 nada vieram acrescentar, pronuncio-me sobre a mesma nos seguintes termos:
Considerando que a decisão da primeira instância proferida nestes autos foi revogada pelo acórdão de 8-11-2007 e tendo este condenado nas custas os Agravados/Requeridos, foi a conta elaborada com respeito pelo então em vigor, art° 453° do anterior CPC que dispõe " ... havendo oposição, observar-se-á o disposto nos art°s. 446° e 447 do anterior CPC."
Quanto à prescrição do crédito por custas, parece-me ocorrer apenas no prazo de cinco anos a contar da data em que o responsável foi notificado para pagar por analogia com o que ali prescreve relativamente ao direito à devolução.
Assim, parece não ter razão o reclamante. No entanto V.Exa. decidirá”.

O Ministério público teve vista, conforme fls. 2217, consignando como segue:
“Concordo com a informação que antecede.

Em 08.10.2018 foi proferida a seguinte decisão:
“Req. com refª 2286910:
Os requeridos As. e Na. vieram reclamar da conta de custas.
Atento o teor das explicações aduzidas pela Srª Contadora sob a refª de 10.07.2018 e a posição expressa pelo Digno Magistrado do Ministério Público na promoção que antecede, aderindo aos fundamentos ali plasmados, indefere-se o requerido.
Notifique”.

Recurso
Não se conformando As. e Na. apelaram, formulando as seguintes conclusões:
“i. Foram os Recorrentes notificados para o pagamento da totalidade das custas, considerando-os 100% responsáveis pelas mesmas por terem sido parte vencida em sede de procedimento cautelar
ii. Os Recorrentes reclamaram da conta de custas, o que veio a ser indeferido pelo Digníssimo Tribunal Recorrido.
iii. Na sua reclamação referiram os, ora, Recorrentes que foram parte vencedora da ação principal, porquanto foi julgada totalmente procedente a sua oposição à execução.
iv. O Digníssimo Tribunal Recorrido indeferiu a reclamação por entender que, tendo existido oposição ao procedimento cautelar e a mesma ter sido julgada improcedente, decretando-se o arresto e arrolamento, que os Recorrentes são totalmente responsáveis pelas custas.
v. Salvo melhor opinião, a decisão do Digníssimo Tribunal Recorrido assenta numa incorreta interpretação da lei, nomeadamente do arte o 453º e dos art.ts 446º e 447º, por remissão, todos do anterior CPC.
vi. Tais normativos legais referem-se à ação principal, uma vez que não pode a parte vencedora nesta, tratando-se de decisão definitiva, ser responsabilizada por uma decisão temporária anterior, estando em causa o mesmo litígio.
vii. Não podia, salvo melhor entendimento, ter o Digníssimo Tribunal Recorrido considerado que uma decisão provisória ganha autonomia relativamente à composição final, estando em causa o mesmo litígio.
viii. Nesse sentido pronunciou-se o (in www.dgsi.pt o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão n." 4619/2007-7 de 19/06/2007, assumindo a posição de que as custas do procedimento cautelar em que houve oposição são suportadas pela parte vencida na ação principal, ainda que esta não o tenha sido no procedimento cautelar conclusão que se acolhe na integra.
ix. A mesma posição é sustentada no acórdão n." 8124/05.1 TBOER- A.Ll-l, datado de 06/10/15 (in www.dgsí.pt), pelo mesmo Tribunal Superior (TRL) que considera que a responsabilidade pelas custas em sede de procedimento cautelar só pode ser aferida em conformidade com a decisão da ação principal, isto é, na mesma proporção em que as partes foram condenadas na ação principal.
x. Os Recorrentes foram parte vencedora no âmbito da ação principal, pese embora tenham sido condenados na proporção de 1/100 (1 °/0) relativamente às custas da mesma.
xi. Pelo que, deverão os Recorrentes ser responsáveis pelas custas do procedimento cautelar na medida em que o foram na ação principal.
xii. Isto porque, as providências cautelares encontram-se sempre na dependência de uma ação principal, precisamente pela morosidade associada à decisão definitiva do litígio em causa, incluindo em matéria de custas processuais.
xiii. Entendem os Recorrentes que, deve a conta de custas do procedimento cautelar ser corrigida em conformidade com a decisão da ação principal.
xiv. E assim, serem os Recorrentes responsáveis por apenas 1 °/0 das custas do procedimento cautelar, devendo a parte vencida na ação principal, a Sra. G., ser responsável pelos restantes 99°/0, sem prejuízo de a mesma beneficiar de apoio judiciário nesses autos.
Nestes termos e nos que Suas Excelências doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando o despacho recorrido e ser reformulada a conta de custas no sentido de os Recorrentes serem responsáveis apenas por 1 °/0 do valor total das mesmas.
Deverá o presente recurso ser acompanhado de certidão do despacho recorrido (ref." 115503869 e com data de 12.10.2018), de certidão do requerimento de reclamação de conta com a ref," 29026407 datado de 03.05.2018, de certidão da conta de custas com a ref," 112687453 datado de 19.04.2018, de certidão do requerimento de consulta aos autos pelos Recorrentes com a ref." 28993287 de 30.04.2018, de certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 08.11.2007 (Os. 1256 a 1275 do apenso A), de certidão da sentença da ação principal, ação executiva sob o n. o 8245/05.0TBCSC (Os. 328 a 334 do apenso C), de certidão da conta de custas da ação principal, ação executiva sob o n. o 8245/05.0TBCSC com a ref," 93867023 com data de 01.11.2015 e certidão da notificação de extinção da ação principal remetida pelo Sr. Agente de Execução com a ref," 10712447 datada de 23.09.2017.
Fazendo desta forma V. Exas. a acostumada justiça!
Valor: € 10.610,98”

Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Para além do circunstancialismo enunciado, relevam ainda as seguintes incidências processuais:
1. Em 11-03-2005 foi proferida a decisão de fls. 178-194, que deferiu o arresto e arrolamento peticionado pela requerente G., responsabilizando a requerente pelas custas processuais “nos termos do art. 453º, nº1, sem prejuízo do que vier a ser decidido sendo deduzida oposição ou na acção principal”.

2. Os requeridos deduziram oposição após o que foi proferida decisão, em 22-02-206, que concluiu como segue: “(…), decido revogar ambas as providências ordenadas (arresto e arrolamento) e a consequente devolução de todos os bens e documentos arrestados e arrolados aos requeridos.
Custas pela requerente, considerando-se, no entanto, que lhe foi concedido o apoio judiciário.
Notifique.”

3. Por acórdão do TRL de 08-11-2007, a fls. 1256-1273, foi revogada esta decisão, repristinando-se a decisão proferida a fls. 178-194, concluindo-se como segue: “[c]ustas pelos agravados”.

4. Os requeridos/executados/apelantes Na. e As. deduziram oposição à execução, que correu termos sob o apenso C), tendo sido proferida sentença, em 27-06-2013, que concluiu como segue:
“IV – DECISÃO
Face ao exposto, julga-se totalmente procedente a presente oposição, extinguindo-se a execução que G. deduziu contra Na. e As.
Absolvo o executado do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si formulado pela exequente.
*
Absolvo a exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé contra si formulado pelos executados.
*
Custas na proporção de 1/100 (1%) pelos executados e de 99/100 (99%) pela exequente – artigo 446.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
*
Registe e notifique”.

5. Essa sentença foi notificada ao MP em 26-09-2013 e aos mandatários das partes em 25-09-2013 [  ].

6. Em 23-09-2017 o agente de execução notificou os mandatários das partes “da extinção da execução pela procedência da oposição, nos termos do nº4 do artigo 732º e alínea f) do nº1 do artigo 849, ambos do CPC”.  

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do NCPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar se a conta de custas foi elaborada em conformidade com os critérios legais.

2. A Senhora contadora indicou na informação prestada que a conta foi elaborada em função do decidido no acórdão de 08-11-2007, que condenou “nas custas os Agravados/Requeridos”, ora apelantes e o tribunal seguiu acriticamente essa posição, sem razão em nosso entender.
A conta de custas é elaborada pela secretaria de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, incidentes, procedimentos e recursos, procedendo-se a uma só conta por cada sujeito processual (arts. 1º, 3º nº1 e 30º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais), devendo ser elaborada “no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão final, após a comunicação pelo agente de execução da verificação de facto que determine a liquidação da responsabilidade do executado” (art. 29º, nº1 do mesmo diploma).
No caso em apreço, procedeu-se à elaboração da conta depois do terminus da ação executiva, aí se incluindo, como se impunha, as custas devidas tendo por referência os autos de procedimento cautelar que correm por apenso a essa execução, sendo que esta cessou na sequência da procedência da oposição deduzida pelos requeridos, uma vez que os embargos foram julgados procedentes – daí a notificação aludida no número 6 dos factos assentes.
Assim sendo, essa circunstância tinha que mostrar-se refletida na conta de custas, como decorre do art. 539º do NCPC. O preceito, sob a epígrafe “[c]ustas dos procedimentos cautelares, dos incidentes e das notificações”, dispõe como segue:
“1 - A taxa de justiça dos procedimentos cautelares e dos incidentes é paga pelo requerente e, havendo oposição, pelo requerido.
2 - Quando se trate de procedimentos cautelares, a taxa de justiça paga é atendida, a final, na ação respetiva.
(…)”
O preceito reproduz, sem alterações, o art. 453º do CPC de 1961, na redação dada pelo Dec. Lei nº 34/2008 de 26-02 [  ].
O que daqui se retira é que, em conformidade com a natureza provisória e cautelar deste tipo de procedimentos e da sua dependência de outra ação – definitiva –, sempre que esta exista, a responsabilidade pelas custas deve recair, em última linha, sobre a parte vencida a final, na medida em que o for. Assim, aquando da elaboração da conta de custas, abrangendo o respetivo procedimento cautelar apenso, deve atentar-se na responsabilização que emerge e foi definida na ação definitiva [   ]. Sendo que entendemos que essa orientação é válida mesmo no âmbito da lei processual anterior ao Dec. Lei nº 34/2008, desde que ainda não se mostrasse efetuada a conta de custas.
Adere-se, pois, ao entendimento expresso nos arestos citados pelos apelantes, nomeadamente o acórdão do TRL de 19-06-2007; lê-se nesse aresto:
“Temos assim como correcta, em face dos elementos de interpretação consagrados no art.º 9.º do C. Civil, em especial a ratio legis, a interpretação segundo a qual o art.º 453.º, n.º 1, do C. P. Civil não estabelece uma regra especial quanto ao pagamento final de custas no âmbito dos procedimentos cautelares, mas apenas uma regra específica, quanto ao seu pagamento antecipado (relativamente à conta final da acção principal) sendo que aquele (pagamento final) constitui encargo da parte vencida na acção, nos termos da regra geral do art.º 446.º do C. P. Civil, tenha, ou não, sido deduzida a oposição a que se reporta o art.º 385.º, n.º 2, do C. P. Civil.
E, assim, in casu, estando em causa a questão de saber quem deve suportar a final as custas do procedimento cautelar, a mesma deve ser resolvida no sentido de que é a parte vencida na acção que paga essas custas, independentemente do vencimento no procedimento cautelar” [  ].
Acrescente-se que, no caso, nem colhe a objeção feita no acórdão do TRL de 03-07-2012, no sentido de que “[o] procedimento cautelar, o incidente processual que nele tenha lugar e o recurso que nele seja interposto, gozam de autonomia tributária; sendo a decisão final que, em cada um, seja produzida aquela que há-de fixar a respectiva responsabilidade subjectiva, bem como a sua medida (artigos 453º, nº 1, 446º, nº 1, do Código de Processo Civil, e 12º, nº 3, do Código das Custas Judiciais na versão do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro)” e que “[f]ixada essa responsabilidade, se o segmento condenatório concernente não é objecto de reparo ou de impugnação, forma-se quanto a ele caso julgado formal (artigo 669º, nº 1, alínea b), e nº 3, do CPC)”, pelo que a “conta de custas final é elaborada em consonância com a distribuição da responsabilidade, assim fixada (artigos 50º e 53º, nº 1, do CCJ) [  ].
É que, no presente procedimento cautelar, na sentença proferida e que foi posteriormente repristinada pelo tribunal da Relação, o senhor Juiz concretizou o segmento condenatório das custas salvaguardando o que pudesse ser determinado na ação principal – “sem prejuízo do que vier a ser decidido sendo deduzida oposição ou na acção principal” [  ], como se lê no segmento dispositivo da sentença, sendo que a conta de custas só foi elaborada vários anos depois, findos que estavam todos os processos; refira-se que qualquer dúvida que a esse propósito se colocasse ao senhor contador sempre podia ser por este apresentada ao senhor Juiz, a quem incumbiria apreciar.
Em suma, estando finda a ação principal – a ação executiva, extinta na sequência da procedência dos embargos –, sem que tivessem sido contadas – nem pagas – as custas alusivas ao procedimento cautelar, considera-se que na conta a elaborar, incluindo estas, o contador deve atender à condenação definitiva em custas expressa na ação principal; assim e com referência à instância cautelar propriamente dita é a parte vencida na ação principal, no caso o exequente/embargado/requerente do procedimento cautelar, que “deve suportar as custas devidas no procedimento cautelar, na proporção da responsabilidade tributária expressa nessa decisão final” [  ].
Procede, pois, a apelação.
                                                        *
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e julga-se procedente a reclamação, determinando-se a reforma da conta, que deve ser elaborada em conformidade com o indicado.
Custas pela apelada.
Notifique.

Lisboa, 2.7.19
Isabel Fonseca
Maria Adelaide Domingos
Ana Isabel Pessoa