Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3369/12.0TBVFX.L1-6
Relator: MANUEL RODRIGUES
Descritores: ÓNUS DA PROVA
SENTENÇA PENAL
CUMPRIMENTO DE UMA OBRIGAÇÃO
LIBERALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Operada a fusão, por incorporação, de duas sociedades, a posição jurídica de que era titular a sociedade incorporada (Império Bonança, S.A.), resultante da qualidade de seguradora da ré, transmitiu-se para a sociedade incorporante (Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.) – artigos 97.º, n.º 4, alínea a) e 112.º, alínea a), do CSC.

II - Beneficiando a autora da presunção estabelecida no n.º 1 do artigo 623.º do CPC, não é a esta que incumbe fazer prova dos factos por si alegados e dados como assentes na sentença penal transitada em julgado, a que a dita presunção conduz – artigo 350.º do Cód. Civil.

III - Em tal caso, compete à ré ilidir essa presunção que a desfavorece – artigos 344.º, n.º 1, do Cód. Civil.

IV – Àquele que efectuou uma prestação com intenção de cumprir uma obrigação, e não com o intuito de fazer uma liberalidade, assiste o direito de repetir o prestado, se a obrigação não existia no momento da prestação – artigo 476.º do Cód. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório:
1.1. Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. anteriormente denominada Companhia de Seguros Fidelidade – Mundial, S.A., pessoa colectiva n.º 500 918 880, que incorporou, em operação de fusão, a Império Bonança - Companhia de Seguros, S.A., propôs a apresenta acção declarativa de condenação contra S.V. …, Lda., peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de €24.770,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para o efeito, alegou, em síntese, que celebrou com a Ré contrato de seguro de ramo automóvel, titulado pela apólice n.º AU 23079290, relativa à responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que fosse interveniente o veículo de matrícula 50-33-UN, o qual garantia o pagamento de indemnização à Ré decorrente de choque, colisão ou capotamento (vulgo, danos próprios) do veículo seguro, até ao montante de €27.000,00.
Alegou, ainda, que em 13/10/2009, pelas 16h30m, ocorreu um acidente em que interveio o veículo seguro 50-33-UN (BMW, série 5) cuja culpa imputa ao respectivo condutor, sócio gerente da Ré, por não ter conseguido regular a velocidade às condições da via, conduzir sem atenção às condições do trânsito e sob os efeitos do álcool, pois foi submetido ao teste de álcool e acusou uma TAS de 1,12 g/l, sendo que as bebidas alcoólicas que este condutor ingeriu antes de iniciar a condução daquele veículo e a taxa de alcoolemia que o mesmo apresentava contribuíram decisivamente para a verificação do acidente.
Mais referiu que a Ré enviou comunicação à Autora, comprometendo-se a reembolsar esta seguradora, caso o teste de álcool fosse superior a 0,5 g/l, e que em 14/01/2010 a Ré pagou à Autora a quantia de 26.460,00€, correspondente ao capital seguro deduzido da franquia de 2% contratualmente estabelecida, sendo que em 27/01/2010 a Autora recebeu o valor de 1.690,00€ correspondente à venda do salvado do UN.
Por fim, alegou que, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea d) das Condições Gerais da Apólice (seguro automóvel facultativo), ficam excluídas do âmbito das coberturas os sinistros quando este conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
Termos em que concluiu que a Ré não tinha direito a receber a indemnização pela perda total do seu carro, facto que omitiu à Autora aquando da participação do acidente, pelo que deve ser reembolsada do montante pago, deduzido do valor recebido com a venda do salvado.
1.2. Citada, a Ré defendeu-se por impugnação, contrapondo uma outra versão acerca da dinâmica do acidente, cuja responsabilidade pela sua produção imputa em exclusivo à condutora do veículo de matrícula 88-20-SR (Kia, modelo Carnival), e alegando que à data da regularização do sinistro desconhecia o resultado de qualquer teste de alcoolemia realizado ao conduto do veículo seguro 50-33-UN (BMW, Série 5), facto de que só tomou conhecimento em 06/08/2010, quando foi notificada do Auto de Notícia n.º 377332216, que lhe foi enviado pela PSP, com o qual o gerente da Ré, condutor do UN, não se conformou, assim como não aceitou a TAS nele mencionada, pelo que impugnou o referido Auto de Notícia, sem que até à presente data tenha sido notificado de qualquer decisão administrativa que o condenasse por conduzir sob o efeito do álcool. Por fim, pugnou pela aplicação do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2002, do Supremo Tribunal de Justiça.
1.3. Procedeu-se ao saneamento do processo, dispensando-se a selecção da matéria de facto.
1.4. Realizou-se perícia médico-legal à pessoa da condutora do SR, cujas conclusões se encontram a fls. 239.
1.5. Mantêm-se os pressupostos de regularidade da instância verificados no despacho saneador.
1.6. A audiência de julgamento decorreu em duas sessões, com registo da prova e respeito pelas demais formalidades legais e no decurso da mesma realizou-se uma inspecção ao local do sinistro (cf. actas com as ref.ªs Citius, 132688056, de fls. 375 a 382 e 132995600, de fls. 385 a 388).
1.7. Na sequência, foi proferida sentença, datada de 24/03/2017, cuja parte dispositiva é do seguinte teor:
«Pelo exposto, julgando-se a ação totalmente procedente, condena-se a ré a pagar à autora a quantia de €24.770,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Custas pela ré».
1.8. A Ré não se conformou e apelou da sentença para esta Relação, concluindo a alegação de recurso da seguinte forma:
«1.ª A douta sentença, por encerrar erro devido a lapso manifesto, deve ser rectificada no que concerne ao quantum indemnizatório que é mais exactamente de € 26.460,00 ao invés de € 27.000,00 - cfr artigos 32° e 44° da p.i., e da sentença na parte em que refere " deve a ré ser condenada no montante respectivo deduzido da quantia recebida pela autora pela venda do salvado." - Vide art° 614°, n°2, do Cód de Processo Civil
2.ª A matéria de facto corporizada sob os pontos 2 a 4 dos factos provados, que vai impugnada, porque erradamente julgada uma vez que o documento n° 1 (apólice n° AU23079290) oferecido pela Autora para os suportar diz respeito à Império - Bonança Companhia Seguros S A, e não à Autora aqui Apelada.
3.ª Consequentemente, deve ser proferida decisão no sentido de haver por não provados os factos amparados pelos ditos pontos 2 a 4 - V artigo 640°, n°l, a), a c), do Cód. de Processo Civil.
4.ª A afirmação expendida na sentença de que a factualidade descrita de 2 a 4 resulta do acordo obtido pelas partes nos articulados, contrapõe-se a de que a lei não o consente por virtude de recair sobre matéria que apenas se pode provar por documento - artigos 574°, n° 2, do Cód. de Processo Civil e 426° do Código Comercial.
5.ª Nem se suscite a questão da oportunidade, i. é., contrariar em sede de recurso o que antes parece ter sido admitido, porque, neste particular, a Recorrente se socorre do Ac. da Relação de Lisboa, de 10.01.2012, in Proc. 4022/08.5TBBRR.L-7, de que foi Relator o Exmo. Desembargador Luís Lameiras, de que ora se junta uma cópia (Doe n° 2).
6.ª Ora, escapando, como de facto escapa, à Apelada a qualidade a que se arrogara ao despoletar a Acção, ou seja, a de seguradora da R. ora Apelante, pelas razões acima expostas, imperioso é reconhecer que lhe falta de todo legitimidade substantiva para a presente acção, o que acarreta a absolvição da R do pedido.
7:ª Acresce ser absolutamente indisfarçável que a responsabilidade pela circulação do 50-3 3-UN se achava transferida para a Império Bonança Companhia de Seguros, S A. Tal resulta claramente do já referido doe n° 1 e, ainda, dos documentos n°s, 2, 3,6 e 8, com que a Autora enxameou os autos - V. art° 342°, n°2, do Cód Civil.
8.ª E em reforço do que vem de ser dito milita a certidão, que ora se junta, extraída dos autos de processo-crime que, sob o n° 3125/09.3TAVFX, correram os seus termos pelo Juízo Local Criminal desta Comarca e em cujo âmbito a então demandante Ana… deduziu pedido cível contra a Império Bonança Companhia de Seguros que, citada, ofereceu contestação, cuja neste espaço se oferece como reproduzida no seu todo (Doc. n.º I).
9.ª A acima referida certidão é apresentada porque se tornou necessária por virtude do julgamento proferido na Ia instância- V art.° 651, n°l, do Cód de Processo Civil.
10.ª Ad cautelam, sempre se aditará que, a não ser admitida, sempre a Apelante se socorrerá daqueloutra que, ao que parece, consta dos autos porque assim o refere a sentença aqui posta em crise.
11.ª Na verdade, a demandada Império - Bonança Companhia de Seguros, S A, na sua defesa, assumiu de modo expresso, entre outros factos, ser civilmente responsável pela circulação do 50-33-UN por via do contrato de seguro titulado pela apólice n° AU23079290 - Vide art.° 1.o da dita peça processual.
12.ª Mais assumiu, e sempre na mencionada supra peça, haver, ao tempo da contestação, já reembolsado a sua congénere Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S A, seguradora que reparou o mesmo acidente porém nas vestes de acidente de trabalho. - V. artigos 4.º a 7.º.
13.ª Por conseguinte a Autora, aqui Apelada, detém conhecimento pleno de que a responsável pela circulação do 50-33-UN por força da apólice AU23079290 é a Império Bonança, da qual, de resto, embolsou as quantias que despendeu por mor deste mesmo acidente enquanto de trabalho.
14.ª Assim posto, brota evidente que, ao demandar a S.V. ., Lda., ao invés da sua seguradora, a Autora, de modo consciente, perseguiu a entidade errada. Quando não, pergunta-se: para que serviria o contrato de seguro titulado pela apólice AU23079290 e outorgado entre a Império - Bonança e a S.V…, Lda. senão para reparar os sinistros em que estivesse envolvido o 50-33-UN?
15.ª Efectivamente, não há compreensão suficientemente ampla que possa dar guarida a tamanho desvario tanto mais que a Apelada sabe, por dever de ofício, da obrigatoriedade do seguro automóvel de responsabilidade civil. Consequentemente, nestes autos,
16.ª A Apelante é parte ilegítima. É o que aqui se suscita sendo que, constituindo a ilegitimidade excepção dilatória, esta determina a absolvição da R da instância - V artigos 577°, e), e 278°, n°l, e), ambos do Cód. de Processo Civil.
17.ª No que concerne à dinâmica do acidente (matéria versada sob os pontos 11 a 14 dos factos provados), ocorre que a matéria que integra o ponto 14 é meramente conclusiva e não encera prova de facto algum pois se não ficou determinada a velocidade a que circulava o 50-33-UN, não se pode afirmar, como o faz sentença, que “circulava a um velocidade excessiva e desadequada para o local.”
18.ª No mais, i e, no que tange aos pontos 11 a 13, o Tribunal a quo, ao condenar, fez violação do disposto no artigo 342°, n° 1 e 2, do Cód. Civil, porque não foi feita prova bastante àquele resultado, e a que foi feita em sentido contrário não foi acolhida pelo Tribunal a quo, que não achou credível o testemunho de Paulo Ferreira pela "forma pouco circunstanciada" como foi produzido, sendo que foi ilidida a presunção que couraçava a condenação no processo-crime.
19.ª Sucede que as instâncias a Paulo… foram levadas ao limite e, por outro lado, sempre o Tribunal a quo podia ter avocado o interrogatório, conduzindo-o, pedir esclarecimentos, confrontar a testemunha em busca da verdade material pelo que mal se compreende a motivação expendida, que se não aceita. De todo o modo,
20.ª Acresce que, efectuada inspecção judicial ao local do acidente, a sentença é omissa a tal respeito pelo que se fica sem saber o que dela extraiu o Tribunal a quo quanto é certo que, através da inspecção, o Tribunal teve um contacto directo com a realidade, sem a mediação de quem quer que fosse. Logo, a justeza ou a falta dela no que diz respeito à valoração daquele meio de prova constitui um autêntico mistério. De sorte tal que o Tribunal ad quem não a poderá sindicar pois a sentença, neste particular, está blindada - Vide art° 342° do Cód. Civil
21.ª Aos erros de julgamento da dita matéria (pontos 11 a 13) aditou a douta sentença uma fundamentação medíocre e apresentada por atacado, socorrendo-se, ao de leve, da sentença produzida no processo-crime a que aditou os subsídios que vislumbrou nos depoimentos testemunhais de Ana N.… e José.., respectivamente, condutora do outro veículo interveniente no acidente, e agente da P.S.P. Simplesmente sucede que,
22.ª Desde logo, a sentença não refere a razão por que acolheu os testemunhos de Ana N…e José …designadamente porque, por exemplo, terão revelado uma recordação mais viva dos acontecimentos e depondo com segurança. De modo que a gravidade desta omissão é manifesta. E no que toca a Paulo …, a sentença não diz que o seu depoimento foi titubeante, dubitativo, sem segurança. Diz, tão-só, que foi pouco circunstanciado, o que não sendo suficiente para abalar a credibilidade que lhe está associada, sempre poderia ter sido colmatado assim o tivesse querido o Tribunal a quo.
23.ª A dita fundamentação não só não observa o que a lei preceitua, assim como ignora a cultura que vem sendo sedimentada pela doutrina e a jurisprudência dos Tribunais superiores.
24.ª Concretamente a sentença inobserva o que dispõe o art.º 607°, n° 4, 1.ª parte, do Cód. de Processo Civil, que diz textualmente o seguinte “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.” Ora isto não foi feito na sentença ora sob recurso.
25.ª A Apelada não provou, como lhe competia, que o gerente da Ré circulava à data do acidente com uma taxa de álcool de l,12g/l - Vide art.° 342.º, n.º l, do Cód. Civil.
26.ª A este respeito o Tribunal a quo, mais uma vez, também não revelou qual o meio de prova em que concretamente se baseou para dar por assente tal circunstância – art.º 607° n.ºs 3 e 4, do Cód. de Processo Civil.
27.ª A testemunha arrolada pala Apelada., Dr. Godinho …, limitou-se a abordar o assunto em tese, e ainda assim pondo em causa estudos irrefutáveis, do conhecimento público, que apontam no sentido da quantidade de álcool que fica no sangue depender, nomeadamente, do tipo de bebida; da quantidade, do tempo de ingestão (rápida ou lentas), do peso da pessoa, do sexo, e da existência de problemas de saúde (principalmente ai nível do fígado), enquanto que, para este especialista, nesta acção, tais variáveis, “… não influenciam absolutamente nada os valores.”
28.ª Acresce que a recolha do sangue na pessoa do gerente da Ré, no Hospital da Santa Maria, levanta sérias dúvidas, porque, para além de ter ocorrido passadas alegaoainente mais de três horas sobre o momento em que ocorreu o sinistro, não se provou que tivesse sido presenciada por agentes da P.S. P., ao contrário do que aconteceu com a recolha de sangue na pessoa da Ana Nicolau, que contou com a presença do agente da P.S. P., José …, que ali fez chegar o Kit destinado a esse efeito. Em resumo: não é seguro que o sangue submetido ao teste de TAS seja do gerente da Ré, José S….
29.ª Por ter fundadas dúvidas a respeito do auto de notícia a fls., dos autos, levantado pela P.S.P de Vila Franca de Xira ao sócio gerente da R, José S…, por pretensa condução sob o efeito de álcool, com uma TAS de l,12g/l, é que este, em sede de processo de contra-ordenação, apresentou a sua defesa a fls., dos autos, na qual questionou o mesmo valor de TAS e requereu que lhe fosse enviado o comprovativo/relatório hospitalar referente a tal resultado, que não lhe havia sido remetido com a notificação do mesmo auto, para sobre o mesmo se poder pronunciar, querendo.
30.ª Uma vez que o auto de notícia tem a mesma natureza de uma acusação em processo-crime, o levantamento do mesmo, só por si, nada prova, apontando apenas no sentido da existência de indícios de condução sob o efeito do álcool.
31.ª Porém, a autoridade administrativa nunca chegou a dar qualquer resposta ao condutor e arguido no processo de contra-ordenação em causa, e, não tendo sido notificado de tal comprovativo, também o sócio gerente da Ré, neste âmbito, nunca exerceu sobre o mesmo o direito ao contraditório.
32.ª O procedimento contra-ordenacional terminou arquivado por efeito da prescrição, volvidos que foram mais de três anos sobre a data do acidente, como resulta da declaração de fls., que o Tribunal a quo relevou, ao indeferir a pretensão da A. de a desentranhar dos autos por alegada junção tardia.
33.ª Ora, se a questão da condução sob o efeito do álcool por parte de José S…, alegadamente, com uma TAS de l,12g/l, não foi objecto de decisão administrativa pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, também, não se vislumbra, e antes de desconhece, qual a via usada pelo Tribunal a quo para dar por provada a matéria do ponto 15, na medida em que a A. jamais fez tal prova, como, de resto, lhe competia,
34.ª Pese embora o Tribunal a quo pudesse dar por provada tal factualidade quiçá, como diz na «Motivação», atendendo a documentos junto aos autos, afinal não lhe merecem qualquer reacção ou um simples comentário o auto de notícia, a impugnação e a resposta da ANSR, a fls., dos autos, sendo certo que em relação a esta última, embora pecando por tardia, o Tribunal a quo determinou que seria de manter nos autos, sobre os quais se deveria pronunciar, tanto mais que correspondiam a factos alegados pela Ré na sua contestação.
35.ª Embora a Ré tivesse sérias e fundadas expectativas de que o Tribunal a quo viesse a apreciar, em conjunto, todos esses documentos e tomasse posição sobre os mesmos, a verdade é que se remeteu ao mais profundo silêncio, escusando-se a qualquer pronúncia sobre factos que, embora instrumentais, uma vez analisados e devidamente ponderados, por certo, contribuiriam para uma boa decisão do pleito, donde também aqui saiu desrespeitado o disposto no n° 4 do art.º 607° do CPC, que remete expressamente para a apreciação judicial de factos daquela natureza (instrumentais).
36.ª Por tudo isto, a matéria do ponto 15 dos factos provados, que aqui se impugna, deve considerar-se não provada porque sobre a dita não foi produzida qualquer prova -Ver art.º 342.º n.º l, do Cód. Civil
37.ª Sucede que à falta de prova em redor da matéria veiculada sob o dito ponto 15 acresce a total ausência de fundamentação de facto e de direito. Isto é: a sentença é, neste particular, totalmente omissa quanto é certo que a questão da TAS ocupa lugar de relevo na decisão do pleito pelo que a sua demonstração não se compadece com vacuidade e ou generalidades. Donde resulta que a sentença padece da nulidade prevista no art.º 615°, n.º l, b), do Cód. de Processo Civil.
38.ª Ao contrário do que refere a sentença, ao abrigo do ponto 22 dos actos provados, a então Ré ter-se-ia comprometido perante a sua seguradora: Império- Bonança, e não perante a Autora. Isto mesmo decorre do doc. 8, oferecido com a p.i. Logo, ocorreu erro de julgamento pelo que se impugna aquela decisão e, em seu lugar, outra produzida mediante a substituição da expressão “à autora” por à “Império Bonança” mantendo-se tudo o resto porque assim o impõe o dito doc. 8, que consta dos autos - Ver art.º 640.º, n.º 1, alíneas a) a c) do Cód. de Processo Civil.
39.ª A matéria albergada pelo ponto 26 da decisão de facto, que aqui se oferece como reproduzida no seu todo, vai impugnada por comportar erro de julgamento uma vez que foi produzida prova bastante (pela testemunha Paulo …) e segundo a qual o condutor do 50-3 3-UN não fez ingestão de álcool em quantidade tal que lhe pudesse reduzir as capacidades de percepção, reacção e sensação ao ponto de invadir a faixa contrária (que diga-se de passagem ficou por demonstrar, e se demonstrada ficasse então o embate entre os veículos não teria sido entre a frente lateral esquerda do 50-33-UN e a lateral esquerdo do 88-20-SR, mas sim frontal).
40.ª Com efeito, a referida testemunha almoçara com José S…, partilhando com este uma garrafa de vinho com a capacidade de 0,751, viajara, do local do repasto até aqueloutro em que havia deixado o seu veículo, à boleia de José S… o que lhe permitiu verificar a condução respectiva, que reputou de segura e responsável - V. art.º 342°, do Cód. Civil.
41.ª E depoimento que não foi abalado apesar da “tortura” no exercício das instâncias pela Autora. Assim, a decisão em causa deve ser alterada no sentido de ser dada como provada a matéria que a corporiza já que dos autos consta um depoimento que o consente - In registo áudio do julgamento, do minuto 16:30 ao minuto 43:34, do ficheiro n° 20170214142644, cie 14.02.2017, 15:10 -6.605KB.
42.ª A sentença recorrida, fez, pois, violação do disposto nos artigos 342°, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, 426.º do Cód. Comercial, 574.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 3 e 4, e 615.º, n.º1, alínea b) todos do Cód. de Processo Civil.
Termos em que,
Revogando-a e, em seu lugar, outra produzida decretando a absolvição da Apelante do pedido, Vossas excelências farão límpida JUSTIÇA».
1.9. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.10. A fls. 845, e na sequência de convite que lhe foi dirigido, a Recorrente veio esclarecer que a sentença recorrida não contém qualquer erro de cálculo sobre o valor indemnizatório e que, só devido a lapso manifesto, a questão foi levantada em sede de recurso.
1.11. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objecto do recurso
De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer oficiosamente, estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[1].
Dentro destes parâmetros e esclarecida que está a questão prévia suscitada da rectificação de erro de cálculo sobre o valor indemnizatório fixado na sentença recorrida, as questões submetidas à nossa apreciação e decisão são as seguintes:
Primeira questão: Os pontos 2 a 4 da sentença em crise foram incorrectamente julgados como provados, devendo ser proferida decisão no sentido de haver por não provados os factos amparados nos ditos pontos 2 a 4 e que considere a Ré/Recorrente parte ilegítima e a absolva da instância? (conclusões 2.ª a 16.ª);
Segunda questão: A sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por não especificar os fundamentos de facto e de direito, que justificaram a decisão de dar como provada a matéria vertida no ponto 15? (conclusões 24.ª a 37.ª)
Terceira questão: Houve erro de julgamento na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto no que concerne à dinâmica do acidente (matéria versada nos pontos 11 a 14 e 15 dos factos provados), ao ponto 22 dos factos considerados provados e ao ponto 26 dos factos dados como não provados? (conclusões 17.ª a 23.ª e 38.ª a 41.ª)
Quarta questão: A sentença recorrida ostenta errada interpretação e aplicação de regras de direito probatório e substantivo, que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente e absolva do pedido a Ré/Recorrente? (conclusão 42.ª)

III – Fundamentação:
3.1. Motivação de Facto:
São os seguintes os factos dados como provados e não provados:
A) Factos provados:
«1. A autora exerce devidamente autorizada a atividade seguradora.
2. A Autora celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo Automóvel titulado pela apólice n.º AU23079290, de fls. 14, relativa à Responsabilidade Civil decorrente da intervenção em acidentes de viação do veículo de matrícula 50-33-UN, cf. proposta de seguro de 05.03.2009, de fls. 15-18.
3. Aquele contrato garantia, ainda, o pagamento de indemnização à ré, decorrente de Choque, Colisão ou Capotamento (vulgo, Danos Próprios), do veículo seguro, até ao montante de €27.000,00.
4. Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea d) das Condições gerais da apólice (seguro automóvel facultativo), ficam excluídas do âmbito das coberturas os danos causados ao veículo seguro quando o condutor conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.
5. No dia 13 de Outubro de 2009, pelas 16 horas e 30 minutos, ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional nº 10.6, entre o Km 3,9 e o Km 4,0, em Calhandriz, no concelho de Vila Franca de Xira.
6. Nesse acidente interveio o veículo seguro, conduzido pelo sócio gerente da Ré, José …. S…, e o veículo de matrícula 88-20-SR, pertença de Ana … e por si conduzido.
7. A EN 10.6 é uma via com dois sentidos de trânsito, com uma faixa para cada sentido.
8. O veículo seguro de matrícula 50-33-UN seguia pela Estrada nacional 10.6, no sentido Alverca/Arruda.
9. Por seu lado, o veículo de matrícula 88-20-SR, seguia pela referida Estrada, mas no sentido oposto, Arruda/Alverca.
10. O estado do tempo era bom.
11. Entre o Km 3,9 e o Km 4,0, o condutor do veículo seguro UN, ao efetuar uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo do veículo.
12. Acabando por passar a circular na faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e ir embater com a frente e lateral esquerda do veículo, na frente esquerda do veículo SR.
13. Projetando o SR para a direita, atento o seu sentido de marcha, onde acabou por capotar para o interior de uma propriedade, imobilizando-se com os rodados para o ar.
14. O condutor do veículo seguro circulava a uma velocidade excessiva e desadequada para o local.
15. O condutor do veículo seguro circulava com uma taxa de alcoolemia de 1,12 g/l.
16. No local do acidente, a curva ali existente é apertada com pouca visibilidade.
17. Em consequência do embate, ambos os veículos sofreram avultados danos, designadamente no veículo de matrícula UN que sendo de tal monta, inviabilizavam a sua reparação, bem como ferimentos graves nos condutores dos veículos envolvidos.
18. Por tal, o UN foi considerado como perda total.
19. A seguradora colocou à disposição da ré, em 14 de Janeiro de 2010, o capital seguro, deduzido da franquia contratualmente estabelecida, ficando a Seguradora na posse do salvado.
20. Em 14 de Janeiro de 2010, a Seguradora pagou à ré, ao abrigo da cobertura de Choque, Colisão e Capotamento, a quantia de €26.460,00.
21. Em 27 de Janeiro de 2010, a Seguradora recebeu de Classe Rápida Automóveis Unipessoal LDA, o valor de 1.690,00, correspondente à venda do salvado do UN àquela empresa.
22. A ré declarou à autora que caso o resultado do teste de álcool fosse superior a 0,50 g/l, se comprometia a reembolsar a autora pelas verbas pagas, cf. fls. 69.

B) Factos não provados:
«Não se provou qualquer outro facto que esteja em contradição com os acima consignados, nomeadamente que:
23. O acidente deveu-se à condutora do veículo 88-20-SR, que circulava em velocidade excessiva, tendo cortado a curva e invadido a faixa contrária, onde circulava o veículo seguro, abalroando-o.
24. A condutora do veículo 88-20-SR ingeria medicamentos para a alopecia, bem como para a bronquite asmática.
25. A condutora do veículo 88-20-SR conduzia sob pressão para o seu local de trabalho.
26. O condutor do veículo seguro não ingeriu álcool em quantidades tais que lhe pudessem provocar qualquer diminuição das capacidades de perceção, reação ou sensação, ao ponto de invadir a faixa contrária».

3.2. Motivação de Direito
3.2.1. Primeira questão:
Sustenta a Recorrente que os factos amparados nos pontos 2 a 4 da sentença em crise foram incorrectamente julgados como provados e defende que deve ser proferida decisão no sentido de haver por não provados tais factos e que considere a Ré/Recorrente parte ilegítima e a absolva da instância.
Insurge-se contra a fundamentação da decisão da matéria de facto relativamente a esta matéria, que se ancorou na existência de acordo entre as partes, posto que os mesmos foram aceites pela Ré na contestação (cf. art.º 1.º), contrapondo que a lei não o consente por recair sobre matéria que apenas pode ser provada por documento, nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do CPC. Argumenta, ainda, que não pode ser posta em causa a oportunidade de contrariar em sede de recurso o que antes “parece ter sido admitido”, respaldando-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 10/01/2012, proc.º 4022/08.5TBBBR.L-7 (Desembargador Luís Lameiras).
Em causa está apenas que o contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º AU23079290, que integra a causa de pedir nos presentes autos, não foi celebrado pela Ré com a Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., aqui Recorrida, mas com a Império Bonança Companhia de Seguros S.A., seguradora que foi citada e ofereceu contestação.
No intróito da petição inicial pode ler-se “A Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., antes denominada Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A., pessoa colectiva n.º 500918 880 (…), tendo incorporado em operação de fusão a Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. (conforme certidão de registo comercial cujo código de acesso é o seguinte: 1085-1103-2071)”.
Conforme se constata da leitura da certidão permanente, junta de fls. 338 a 354 dos autos, relativa à matrícula da Ré/Recorrida, mostra-se inscrita no Registo Comercial a Menção do Depósito 7249/20111-10-28 do projecto de fusão, por incorporação (transferência geral do património), da sociedade Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. (Incorporada) com a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A (Incorporante).
E pela Insc. 20/Ap. 20120531, mostra-se inscrita a operação de fusão, por incorporação (transferência geral do património) da sociedade Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. (Incorporada) na sociedade, aqui Autora, Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. (Incorporante).
A fusão consiste na reunião de duas ou mais sociedades, a qual determina a dissolução de todas elas ou de alguma ou algumas, para dar lugar a outra sociedade com uma nova individualidade jurídica (e assim se reúnem as disponibilidades económicas de todas elas).
Portanto, “a essência da fusão de sociedades consiste em juntar os elementos pessoais e patrimoniais de duas ou mais sociedades preexistentes, de tal modo que passe a existir um só sociedade”[[2]]. E pode ser feita por incorporação ou por constituição de uma nova sociedade.
No primeiro caso dá-se uma transferência global do património de uma ou mais sociedades para outra e a atribuição aos sócios daquelas sociedades (incorporadas) de partes, acções ou quotas desta (a incorporante) (é a fusão por incorporação em que a sociedade incorporante não se extingue, ou seja, só alguma ou algumas sociedades fundidas se extinguem). A sociedade que se mantém conserva a sua personalidade jurídica.
No segundo caso, a fusão faz-se mediante a constituição de uma nova sociedade, para qual se transferem globalmente os patrimónios das sociedades fundidas, sendo aos respectivos sócios atribuídas igualmente partes, acções ou quotas da nova sociedade. Trata-se de uma fusão por constituição de uma nova sociedade, pois todas as sociedades preexistentes se fundem na nova sociedade entretanto criada.
No caso, a fusão operou-se por incorporação, com transferência global do património da Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. (Incorporada) para a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. (Incorporante), aqui Autora e Recorrida.
Estabelece a alínea a) do artigo 112º do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) que com a inscrição da fusão no registo comercial extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade.
Portanto, no presente caso, com a inscrição da fusão no registo comercial extinguiu-se a sociedade incorporada (a Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A.), transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a Autora, ora Recorrente (sociedade incorporante), designadamente o direito que poderia assistir à sociedade incorporada (fundida), ao reembolso das quantias que pagou a terceiro com a regularização de sinistro da responsabilidade de um seu segurado, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
A própria Autora alega, no intróito da petição inicial, que a fusão foi inscrita no registo comercial, querendo com isso afirmar a sua legitimidade activa, ou seja, que nos termos do artigo 112º do CSC, se lhe transmitiram os direitos e obrigações decorrentes do contrato de seguro do ramo automóvel celebrado entre a sociedade incorporada (Império Bonança, S.A.) e a Ré.
Com a inscrição da fusão no registo comercial produzem-se, assim, simultaneamente, os seguintes efeitos:
a) Extinção das sociedades incorporadas, ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas;
b) Transmissão dos seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade;
c) Os sócios das sociedades extintas tornam-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
Com a fusão passa a existir um único património e um único conjunto de sócios. A transmissão do património da incorporada para a incorporante é automática e a título universal, sendo esta, no entender do Prof. Pessoa Jorge[[3]], uma das razões para não lhe ser aplicável o regime específico da transmissão de cada uma das relações jurídicas que integram esse património (obra citada no acórdão do TRC, de 04/06/1997 (CJ, 1997, III, 36 e segs.)
É discutível a natureza jurídica da inscrição da fusão no registo: tem carácter constitutivo ou meramente declarativo?
O Prof. Raul Ventura defende que entre nós a inscrição da fusão no registo comercial tem natureza constitutiva, como resulta dos artigos 5.º e 212º do CSC [[4]].
Henrique Mesquita, pelo contrário defende que “tal como o registo predial, o registo mercantil não reveste natureza constitutiva, destinando-se apenas a tornar eficazes em relação a terceiros os factos a ele sujeitos”[[5]].
Para o caso concreto não tem esta questão qualquer interesse, sem se olvidar que a Ré tomou conhecimento da fusão das seguradoras, se não antes, pelo menos com a citação para a presente acção, em 02/07/2012 (cf. fls. 120).
Pretende a Recorrente que se considera a Autora parte ilegítima e se considere não provada a matéria de facto vertida nos pontos 2 a 4 com o argumento de que celebrou o contrato de seguro aí referido com a Império Bonança, S.A. e não com a seguradora Autora.
Contudo, apenas em parte lhe assiste razão, isto por respeito ao rigor factual e terminológico, que não de natureza adjectiva e menos ainda substantiva.
Senão, vejamos.
O nosso modelo de processo civil é, maioritariamente, orientado pelo princípio do dispositivo, estando a actividade do tribunal sempre limitada pela intervenção processual das partes.
Afirma MONTALVÃO MACHADO que “as partes disp[õem] do processo como coisa sua, assim como disp[õem] da relação jurídica material”[[6]]. O processo civil português é um processo de partes. Quer-se com isto afirmar não apenas que o processo gira em torno das partes[[7]], mas também que são as partes que têm o poder (e, consequentemente, o ónus) de iniciar, conduzir e terminar o processo. Como já se referiu, o processo, para se iniciar, necessita sempre do impulso das partes: o autor, titular de um interesse jurídico, tem que se dirigir ao tribunal solicitando a sua tutela judiciária, alegando os factos que constituem a causa de pedir e formulando o pedido, sem o que o tribunal não estará legitimado a pronunciar-se sobre a relação ou situação jurídica subjacente ao pedido formulado. Já ao réu caberá responder a essa solicitação, através de contestação, impugnando, excepcionando ou reconvindo.
É precisamente por estarmos perante um processo de partes dominado pelo princípio do dispositivo que os momentos da alegação e da impugnação assumem uma relevância preponderante no desenvolvimento da lide, até porque é após estes dois momentos – o de exercício do direito de acção e o de exercício do direito de contradição[[8]] – que o litígio propriamente dito surge.
Para o primeiro desses momentos, estabelece o n.º 1 do artigo 3.º do CPC que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes”. Este preceito consagra uma das vertentes do princípio do dispositivo: o princípio do pedido, segundo o qual o tribunal só se pronunciará sobre uma determinada relação material controvertida quando for chamado para o fazer. Como já se referiu supra, ao autor não basta apenas enunciar o pedido, tendo ainda que o fundamentar através da indicação da sua causa de pedir. É aqui que surge a alegação: a petição inicial não estará completa com a mera indicação do pedido, sendo também necessário que o autor esclareça o tribunal sobre os contornos fácticos em que aquele assenta. É certo que a alegação dos factos é um poder das partes no processo, mas é também mais do que isso: trata-se de um verdadeiro ónus[[9]]. Tal significa que o autor tem o poder de alegar, mas, caso não o faça, sofrerá consequências desfavoráveis: em caso de falta, de ininteligibilidade ou de contradição da causa de pedir com o pedido, a sua petição será considerada inepta[[10]]; fora estes casos, mas estando ainda em falta factos que careçam de ser alegados pelo autor, o pedido não poderá ser considerado procedente[[11]]. Em ambas as situações o réu será absolvido, da instância ou do pedido, respectivamente.
No seguimento do preceito citado no parágrafo anterior e entrando já no segundo momento de desenvolvimento da lide processual, encontra-se consagrado o princípio do contraditório: “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que (…) a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”[[12]].
Neste sentido, pode dizer-se que existem duas premissas essenciais para que o tribunal possa proferir uma sentença, desejavelmente de mérito: (i) que alguém solicite ao tribunal a resolução de um determinado conflito de interesses e (ii) que a pessoa contra quem essa solicitação é feita seja chamada ao processo, para a ela se opor. A oposição é feita através da contestação. A contestação, aqui em sentido formal, pode ser feita de diversos modos: o réu pode defender-se ou pode contra-atacar. Por um lado, o réu pode defender-se contestando, o que significa, aqui em sentido material, através da impugnação dos “factos articulados na petição ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo autor”[[13]]; por outro lado, pode ainda excepcionar, alegando factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito de que o autor se arroga[[14]]. No que diz respeito à defesa por exceção, esta consiste, em bom rigor, numa modalidade de alegação e, nesse sentido, será válido tudo quanto se disse relativamente à alegação dos factos que constituem a causa de pedir pelo autor. O mesmo se aplica aos 67 Cf. Alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC.
Ora, se o autor tem um ónus de alegar, o réu terá, como contrapartida, um ónus de impugnar, estando assim, também ele, sujeito a consequências processuais – e também materiais - caso não o faça. Fora os casos legalmente previstos de revelia inoperante, em que não existirá qualquer consequência desfavorável para o réu que não conteste a acção ou um facto integrante da causa de pedir, a regra vigente no processo civil é de que será atribuída a essa falta de contestação um efeito cominatório semipleno[[15]], considerando-se “confessados os factos articulados pelo autor”[[16]].
O réu não tem apenas o ónus de contestar, ou seja, de apresentar a sua contestação, sob pena de ser considerado um réu revel, como também recai sobre ele um ónus de impugnação[[17]], estando obrigado a “tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial”.
Contudo, a lei estabelece algumas excepções ao ónus de impugnação, dispensando a impugnação especificada quanto aos factos que «estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto»[[18]] ou relativamente aos factos inconfessáveis, «para cuja prova se exija documento escrito»[[19]].
Assim, as partes não só têm os ónus de alegar e de impugnar durante o processo, como também o terão que fazer até determinado momento processual, sob pena de já não o poderem fazer em momento posterior.
       O artigo 573.º do CPC, dispõe:
«1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
2. Depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente».
Outro dos princípios enformadores do processo civil é o princípio da auto-responsabilização das partes, corolário do princípio do dispositivo e do princípio da preclusão[[20]]: se é sobre as partes que recai a iniciativa processual de pedir e de contestar e de trazer para o processo todo o material fáctico sobre o qual o juiz se vai pronunciar; se são as partes que sofrem as consequências desfavoráveis de não trazerem determinados factos ao processo no momento processual adequado, é também sobre elas que recai o risco da condução do processo pois não caberá ao juiz corrigir eventuais efeitos adversos que, para as partes, possam advir da conduta processual destas[[21]].
A responsabilidade das partes verifica-se, assim, em diversos momentos: no momento da alegação, no momento da impugnação e no momento da prova. A verdade é que são as partes os sujeitos da relação material controvertida que é apreciada nos autos e, por isso, são elas que, melhor do que ninguém, estarão em condições de trazer o material fáctico a juízo.
Por outro lado, e atendendo ao direito material probatório vigente, são também as partes que têm o ónus de provar os factos que alegam.
In casu, a Recorrente pretende que se considerem não provados os factos vertidos nos pontos 2 a 4 e que se considere que a Autora, aqui Recorrente, não tem legitimidade activa para a demandar, determinando-se a absolvição da instância da Recorrente.
Nos autos, findos os articulados, no momento processual próprio, foi proferido - e bem - despacho saneador tabelar a declarar estarem as partes dotadas de legitimidade (cf. fls. 143-144).
Ainda que sem a virtualidade de caso julgado (nem mesmo formal), pois que o despacho relativo à excepção dilatória da ilegitimidade ad causam só produz esse efeito (de caso julgado formal) quanto às questões que concretamente aprecie.
É inquestionável, pois, face à ausência de caso julgado (mesmo formal) e porque se trata de excepção de conhecimento oficioso que em sede de acórdão a produzir, em recurso de apelação (artigo 713º, nº 2, do CPC) não está vedado a esta Relação ponderar o assunto (adjectivo) da legitimidade ad causam das partes, na medida em que tal ponderação se justifique (porque, por exemplo, a dúvida apenas venha a ser invocada ou a suscitar-se, com certa consistência, em sede recursória).
Não é esse, claramente, o caso dos autos.
A relação jurídica (material) controvertida, alegada na petição inicial pela Autora/Recorrida (Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.) centra-se num contrato de seguro do ramo automóvel ajustado entre uma seguradora (Império Bonança) e a Recorrente (segurada) e na já referida transmissão dos direitos desta seguradora para a Autora/Recorrida, por via da invocada fusão de sociedades, por incorporação da seguradora Império Bonança, S.A. na seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.
É o que reflecte a causa de pedir invocada na petição inicial; assumindo-se aí a Autora (agora Recorrida) como titular dos direitos e obrigações que resultavam para a Império Bonança, S.A. (sociedade incorporada) do contrato de seguro em causa, do ramo automóvel, titulado pela apólice AU23079290, e que, por efeito da fusão foram transmitidos, de forma automática e a título universal, para a sua titularidade, enquanto sociedade incorporante.
Ora, como se disse, na fusão as sociedades fundem-se numa só (nos seus elementos pessoal e patrimonial), na qual passa a haver um único património. Da fusão resulta efectivamente uma única pessoa colectiva, uma só entidade jurídica.
A sociedade incorporada extingue-se.
E com a extinção da sociedade incorporada opera-se a transmissão para a incorporante dos elementos patrimonial e pessoal daquela. Os direitos e obrigações de que era titular a sociedade incorporada transmitem-se para a sociedade incorporante (artigo 112.º. alínea a),do CSC).
No caso em apreço, tal como se ponderou no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 10/01/2012, proc. 4022/08.5TBBRR.L1-7 (Desembargador Luís Lameiras), acessível em www.dgsi.pt., citado pela própria Recorrente e junto de fls. 442 a 456, pese embora a configuração da questão como de excepção dilatória envolvente de absolvição da instância, certo é que emerge de todo o argumentário utilizado pela Recorrente que o que (aparentemente) se visou foi atingir o próprio contorno da relação jurídica material controversa.
Também neste caso, já para lá da dimensão (estritamente) dilatória e, ainda assim, infundadamente.
Assim e à guisa de conclusão, como se pondera no referido aresto, de 10/01/2012, “a questão da legitimidade ad causam pode ser conhecida, como objecto de apelação, ainda que não haja sido concretamente ponderada no tribunal recorrido, na medida em que, sendo de conhecimento oficioso, sobre ela se não mostra formado caso julgado (formal).”
Na hipótese dos autos, ponderada a relação material controvertida, circunscrita pela Autora (Recorrida) na petição inicial, constata-se haver exacta correspondência entre o sujeito activo naquela, e aquele (que é ela própria) que se posiciona como Autora na lide processual. O que, por si só, é o suficiente para garantir aí a sua legitimidade ad causam (artigos 30.º do CPC e 97.º, n.º 4, alínea a) e 112.º, alínea a), do CSC).
A Ré/Recorrente centra este segmento do recurso que interpôs no argumento de que não celebrou o contrato de seguro com a Autora/Recorrida mas com a seguradora Império Bonança, S.A. e que, como tal, a Autora não possui a qualidade que se arroga para fundar a sua legitimação na relação material controvertida.
Esse argumento não pode, porém, subsistir porque a Autora surge a demandar a Ré como legal “sucessora” dos direitos e obrigações que antes estavam na titularidade da seguradora Império Bonança e que para si se transmitiram por via da fusão, por incorporação desta sociedade na Autora.
É quanto basta para que se considere infundada e improcedente a invocação, pela Ré, da excepção dilatória de ilegitimidade da Autora, aqui Recorrida.
Contudo, ao abrigo dos poderes consignados no n.º 1 do artigo 662º do CPC, deve aditar-se à matéria de facto provada a matéria factual relacionada com a fusão das duas sociedades, circunstâncias que se mostra provada por documento autêntico (certidão e fls. 338 a 354) e se nos afigura com relevância para a boa decisão da causa.
Por outro lado, e em homenagem ao rigor dos factos, mas sem a extensão e as consequências adjectivas e substantivas que da apontada “imprecisão terminológica”[22] extrai a Recorrente, concede-se que a redacção do ponto 2 dos factos considerados provados deve ser corrigida para que da mesma passe a constar que foi a Império Bonança Companhia de Seguros, S.A. que celebrou com a Ré o contrato de seguro em causa.
Na verdade, é inquestionável que, à data do acidente, a responsabilidade pela circulação do veículo 50-33-UN se achava transferida para a Império Bonança Companhia de Seguros, S A., conforme resulta, aliás, dos docs. n.ºs 1, 2, 3, 6 e 8, juntos pela Autora e da certidão junta pela Recorrente com as alegações de recurso (fls. 460 a 493), extraída dos autos de processo-crime que, sob o n.º 3125/09.3TAVFX, correram os seus termos pelo Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, da Comarca de Lisboa Norte.
3.2.1.1. Pelo exposto, na parcial procedência das conclusões 2.ª a 16.ª da apelação, decide-se:
a) Julgar improcedente, por não provada, a excepção dilatória de ilegitimidade activa da Autora;
b) Rectificar a redacção do ponto 2 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:
«2. A seguradora Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. celebrou com a Ré um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º AU23079290, de fls. 14, relativa à Responsabilidade Civil decorrente da intervenção em acidentes de viação do veículo de matrícula 50-33-UN – cf. proposta de seguro de 05/03/2009, de fls. 15 a 18».
c) Aditar à matéria de facto provada o ponto 1.a) com a seguinte redacção:
«1.a) Pela Insc. 20 - Ap. 20120531, mostra-se inscrita no registo comercial a operação de fusão, por incorporação (transferência geral do património), da sociedade Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A. (Incorporada) na sociedade, aqui Autora, Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A. (Incorporante) - cf. certidão junta de fls. 338 a 354».
3.2.2. Segunda questão: A sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por não especificar os fundamentos de facto e de direito, que justificaram a decisão de dar como provada a matéria vertida no ponto 15? (conclusões 24.ª a 37.ª)
Alega a Recorrente, além do mais, que o Tribunal a quo decidiu mal ao concluir pela prova do facto inserto no ponto 15 dos factos provados, ou seja, de que o condutor do veículo UN (BMW), sócio gerente da Ré “circulava com uma taxa de alcoolemia de 1,12g/l”.
Insurge-se a Recorrente contra tal decisão, aduzindo que o Tribunal a quo não revelou qual o meio de prova em que concretamente se baseou para dar por assente que o sócio gerente da Ré “circulava com uma taxa de alcoolemia de 1,12g/l” e que face à total ausência de fundamentação de facto e de direito a sentença padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.
Alega, ainda, que a Autora/Recorrida, não provou, como lhe competia, que o gerente da Ré circulava à data do acidente uma taxa de álcool de 1,12 g/l, abonando-se no artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil; que a testemunha Godinho … (médico), limitou-se a abordar o assunto em tese geral e ainda assim pondo em causa estudos irrefutáveis, do conhecimento do público, que apontam no sentido de que a quantidade de álcool que fica no sangue depende, nomeadamente do tipo de bebida, da quantidade, do tempo de ingestão (rápida ou lenta), do peso da pessoa, do sexo, e da existência de problemas de saúde (principalmente ao nível do fígado); que apresentou defesa logo que notificado do auto de contra-ordenação, por pretensa condução sob o efeito do álcool, tendo questionado o valor de TAS dele constante (1.12g/l), que não teve oportunidade de se pronunciar sobre o relatório hospitalar e que o procedimento contra-ordenacional terminou arquivado por efeito de prescrição, volvidos que foram três anos sobre a data do acidente, não tendo havido decisão administrativa da ANSR.
Salvo o devido respeito, não concordamos com a referida argumentação. E não concordamos no que concerne à suposta nulidade, mas também no segmento que respeita ao julgamento da matéria de facto, por considerarmos que a sentença não padece da invocada nulidade e que outra não poderia ter sido a decisão do Tribunal a quo que não a de considerar provada a factualidade em causa (ponto 15).
O artigo 615º do CPC, sob a epígrafe «Causas de nulidade da sentença», dispõe:
“1. É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”
As nulidades previstas nas alíneas b) e c) reconduzem-se a vícios formais que respeitam à estrutura da sentença e as previstas nas alíneas d) e e) referem-se aos seus limites.
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 n.ºs 3 e 4, do CPC, para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários, cabendo-lhe nessa tarefa analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convenção.
→Atribui a Recorrente à sentença impugnada o vício da nulidade, por violação do dever de fundamentação.
A sentença é nula quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no art.º 607 n.ºs 3 e 4, do CPC, para que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários, cabendo-lhe nessa tarefa analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos param a sua convicção. O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 608º, nº 2, do CPC).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
É sabido que se impõe ao julgador a indicação dos factos provados e não provados, a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados (Acórdão do TRL, de 31/05/2007, proc. 10881/2005, acessível em wwww.dgsi.pt.).
Tal dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente tem, aliás, consagração constitucional no n.º 1 do artigo 205º da CRP, o qual remete para a lei ordinária a fixação da forma como deve ser dado cumprimento a esse dever.
A insuficiência ou mediocridade da fundamentação da decisão da matéria de facto, constitui uma deficiência ou patologia (intrínseca) da sentença, que não se confunde com o chamado erro de julgamento que se traduz na desconformidade entre a decisão e o direito – substantivo ou adjectivo.
A consequência do vício da falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito alicerçantes da decisão é a nulidade, embora, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, só a falta absoluta de motivação e não a motivação meramente deficiente, parcialmente lacunosa, ou medíocre, conduza àquela nulidade.
No sentido de que só a falta absoluta da especificação dos fundamentos de facto ou de direito e não a fundamentação meramente deficiente, incompleta, medíocre ou pouco convincente, constitui o fundamento da nulidade a que se reporta a alínea b) do n,º 1 do artigo 615º do CPC, pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005 (proc. 05B839); de 12.05.2005 (proc. 05B840), de 03.11.2005 (proc. 05B3239), de 14.11.2006 (proc. 06A1986), de 10.07.2008 (proc. 08A2179) e do STA, de 05.11.2002 (proc. 047814, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso em apreço, o Tribunal a quo motivou a decisão da matéria de facto no que se refere ao ponto 15. dos factos provados com base na factualidade que ficou a constar como provada na sentença penal condenatória do condutor do veículo seguro, que transitou em julgado e consta por certidão junto aos autos de fls. 252 a 39, bem como no disposto no artigo 623.º do CPC e, complementarmente, nos depoimentos da condutora do veículo 88-20-SR, Ana … e do agente da PSP (autuante) José ….
Por conseguinte, o que se constata, neste particular, é que não há falta absoluta de fundamentação, de facto e de direito, como alega a Recorrente e que, embora exígua, não se pode considerar tal justificação pouco convincente ou medíocre, como adiante se procurará demonstrar, sendo que só a primeira constitui o fundamento de nulidade a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Não padece, assim, a sentença recorrida do apontado vício de nulidade, por violação do dever de fundamentação.
3.2.2.1. Improcede, portanto, nesta parte, a apelação.
3.2.3. Terceira questão: Houve erro de julgamento na apreciação dos meios de prova que imponha a alteração da decisão da matéria de facto no que concerne à dinâmica do acidente (matéria versada nos pontos 11 a 14 dos factos provados), ao ponto 22 dos factos considerados provados e ao ponto 26 dos factos dados como não provados?
Recapitulemos os pontos 11 a 15 e 22 dos factos provados e 26 dos factos considerados não provados:
«A) Factos provados:
11. Entre o Km 3,9 e o Km 4,0, o condutor do veículo seguro UN, ao efetuar uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo do veículo.
12. Acabando por passar a circular na faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário e ir embater com a frente e lateral esquerda do veículo, na frente esquerda do veículo SR.
13. Projetando o SR para a direita, atento o seu sentido de marcha, onde acabou por capotar para o interior de uma propriedade, imobilizando-se com os rodados para o ar.
14. O condutor do veículo seguro circulava a uma velocidade excessiva e desadequada para o local.
15. O condutor do veículo seguro circulava com uma taxa de alcoolemia de 1,12 g/l.
(…)
22. A ré declarou à autora que caso o resultado do teste de álcool fosse superior a 0,50 g/l, se comprometia a reembolsar a autora pelas verbas pagas, cf. fls. 69.
B) Factos não provados:
(…)
26. O condutor do veículo seguro não ingeriu álcool em quantidades tais que lhe pudessem provocar qualquer diminuição das capacidades de perceção, reação ou sensação, ao ponto de invadir a faixa contrária».
No que concerne à factualidade que foi dada como provada, relacionada com a dinâmica do acidente e às condições do condutor do veículo UN, a Recorrente sustenta ter havido erro de julgamento, aduzindo, além do mais, que a plasmada no ponto 14. é conclusiva e não encerra prova de facto algum, por não ter determinado a velocidade a que circulava o veículo 50-33-UN (ponto 14.), e que a vertida nos pontos 11. a 13. dos factos considerados provados ostenta erro de julgamento por violação do disposto no artigo 342.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil, porquanto não foi feita prova bastante daquele resultado e a que foi feita em sentido contrário não foi acolhida pelo Tribunal a quo, que desconsiderou o testemunho da testemunha Paulo Ferreira.
No que tange ao ponto 15. dos factos provados a irresignação da Recorrente resume-se ao seguinte argumentário: a Autora/Recorrida, não provou, como lhe competia, que o gerente da Ré circulava à data do acidente uma taxa de álcool de 1,12 g/l (artigo 342.º, n.º 1, do Cód. Civil); a testemunha Godinho …(médico), limitou-se a abordar o assunto em tese geral e ainda assim pondo em causa estudos irrefutáveis, do conhecimento do público, que apontam no sentido de que a quantidade de álcool que fica no sangue depende, nomeadamente do tipo de bebida, da quantidade, do tempo de ingestão (rápida ou lenta), do peso da pessoa, do sexo, e da existência de problemas de saúde (principalmente ao nível do fígado); o sócio gerente da Recorrente (condutor do UN) apresentou defesa logo que notificado do auto de contra-ordenação, por pretensa condução sob o efeito do álcool, tendo questionado o valor de TAS dele constante (1.12g/l), não teve oportunidade de se pronunciar sobre o relatório hospitalar e o procedimento contra-ordenacional terminou arquivado por efeito de prescrição, volvidos que foram três anos sobre a data do acidente, não tendo havido decisão administrativa da ANSR.
Relativamente ao ponto 22. dos factos provados o dissenso da Recorrente relaciona-se, apenas, com o facto de se ter dado como provado que a Ré se comprometeu perante a Autora que “caso o resultado do teste de álcool fosse superior a 0,50g/l” a reembolsaria das verbas pagas, pois que esse compromisso foi prestado para com a seguradora Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A., termos em que concluiu pedindo a rectificação do ponto 22. dos factos provados,  substituindo-se a expressão “à autora” por “à Império Bonança”.
Por fim, quanto ao ponto 26. dos factos havidos como não provados a sua irresignação prende-se com o facto de entender que o depoimento da testemunha Paulo Ferreira impunha, também neste caso, que se concluísse em sentido oposto, ou seja, pela prova da factualidade vertida neste inciso.
Ao expressar a sua motivação da decisão sobre a matéria de facto relativa à dinâmica do acidente e taxa de alcoolemia do condutor do veículo UN, concretamente no que concerne aos pontos 11. a 15. e 26. da matéria de facto, o Senhor Juiz a quo louvou-se nos documentos dos autos, na factualidade que ficou a constar como provada na sentença penal condenatória do condutor do veículo seguro, que transitou em julgado e consta por certidão junto aos autos de fls. 252 a 302, bem como no disposto no artigo 623.º do CPC e, complementarmente, nos depoimentos da condutora do veículo 88-20-SR, Ana … e do agente da PSP (autuante) José ….
Relativamente ao ponto 22. dos factos provados, o Tribunal a quo justificou a sua decisão no acordo das partes relativamente à matéria em causa “A ré declarou à autora que caso o resultado do teste de álcool fosse superior a 0,50 g/l, se comprometia a reembolsar a autora pelas verbas pagas, cf. fls. 69.”
Aqui chegados, a questão que, de imediato, se nos coloca, é a da eficácia probatória legal extraprocessual da sentença penal condenatória definitiva (transitada em julgado) proferida contra o condutor do veículo 50-33-UN no processo-crime em que foi arguido e que correu os seus termos sob o n.º 3125/09.3TAVFX, pelo Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, da Comarca de Lisboa Norte.
Dito de outra forma: Quais os efeitos, na presente acção cível fundada na alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto (acção de reconhecimento do direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização do acidente de viação e de trabalho em causa), da decisão penal condenatória definitiva proferida no mencionado processo-crime em que foi arguido o condutor do veículo 50-33-UN segurado na Império Bonança, actual Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., aqui Autora/Recorrida?
A propósito da «oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória» o artigo 623.º do CPC na formulação vigente, que reproduz, sem alterações, o anterior artigo 674.º – A, na redacção do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, dispõe:
A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
Os artigos 153.º e 154.º do Código de Processo Penal de 1929 regulavam especificadamente a eficácia, em acção cível, das sentenças, condenatórias e absolutórias, proferidas em acções penais.
O Código de Processo Penal de 1987, não contém essa regulamentação, limitando-se a referir, no seu art.º 84.º que “a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis”.
Ficou, assim, por determinar a eficácia a atribuir às decisões penais, condenatórias ou absolutórias, de ilícitos penais, que sejam também fontes de direito de indemnização por responsabilidade civil quando os pedidos respectivos não tenham sido formulados na jurisdição criminal, no enxerto da acção civil ali permitido, mas não obrigatório.
Foi para preencher essa lacuna na lei que o legislador veio aditar, através do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, ao Código de Processo Civil, os artigos 6 74.º.-A e 674.º.-B, que correspondem os actuais artigos 623.º e 624.º.
O artigo 623.º do CPC regula o caso de ter havido condenação pelo ilícito criminal e não ter sido exercido, nessa acção, o direito de pedir a indemnização.
Ao contrário do que acontecia com a lei anterior segundo a qual a decisão condenatória definitiva constituía caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes – presentemente a sentença condenatória transitada constitui apenas presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e as formas do crime (art.º 10. a 30. do Cód. Penal).
A decisão proferida em processo penal constitui, assim, uma presunção juris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação. Com efeito e, como sustenta Lebre de Freitas[[23]] “não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença”.
Essa possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado, a quem já foi dada a faculdade do contraditório. Ele teve oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito, no processo penal e, não há falta de contraditório.
Também Lopes do Rego[[24]] defende que a norma do artigo 674.º- A (actual 623.º do CPC) estabelece “a relevância “reflexa” do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza cível, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza “prática” de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada”.
O artigo 623.º do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime.
Reconhecendo-se que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efectivamente – apurados na acção penal.
Neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/01/2010; proc. 1164/07.8TTPRT.S1, acessível em www.dgsi.pt., em cujo sumário se transcreve parcialmente:
«1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido.
2. A possibilidade de ilidir a presunção iuris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório (…)».
Por sua vez, o relatório do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, refere que foi por exigências decorrentes do princípio do contraditório – corolário lógico da proibição da indefesa ínsita nos artigo 2º e 20º da Constituição – que a decisão penal condenatória deixou de ter eficácia erga omnes, tendo a absoluta e total indiscutibilidade da decisão relativa à culpa então apurada sido transformada em mera presunção juris tantum, ilidível por terceiro, da existência do facto e da sua autoria.
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que a causa de pedir é o reconhecimento do direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização à lesada (Ré/Recorrente) no âmbito de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel e em consequência de acidente de viação em que foi interveniente aquela condutora e o condutor do veículo 50-33-UN, seguro na Autora, aqui Recorrida, e propriedade da Ré/Recorrente.
Evidenciam igualmente os autos que o condutor do veículo 50-33-UN, José … S…, sócio-gerente da Ré-Recorrente, já foi julgado e definitivamente condenado pela prática, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física por negligência, p. p. pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, sendo que os factos subjacentes à referida condenação, integradores da infracção criminal, apurados no processo-crime n.º 3125/09.3TAVFX, são os mesmos que se discutem nestes autos, isto é, o acidente de viação ocorrido no dia 13 de Outubro de 2009, em que foram intervenientes os veículos SR e UN e os condutores supra identificados, as respectivas consequências danosas, a conduta (culposa) do condutor do veículo 50-33-UN (ali arguido) e o nexo de causalidade entre essa conduta e a ocorrência do sinistro, bem como a taxa de álcool de que era portador.
Com relevo para estes autos, no processo-crime n.º 3125/09.3TAVFX (cf. certidão de 252 a 302), em que foi arguido o condutor do veículo 50-33-UN, foram definitivamente fixados, como provados, os seguintes factos[[25]]:
«1. No dia 13 de Outubro de 2009, a hora não concretamente apurada mas ainda antes das 16 horas e 30 minutos, o arguido havia estado a almoçar com Paulo… tendo ingerido vinho em quantidade não concretamente apurada.
2. Após, entre as 16 horas e 30 minutos e as 16 horas e 40 minutos, o arguido passou a conduzir o veículo ligeiro de passageiros, da marca BMW, modelo série 5, matrícula 50-33-UN, nas Estrada Nacional n.º 10.6, no sentido Alverca do Ribatejo/Arruda dos Vinhos.
3. Na mesma ocasião e via, no sentido Arruda dos Vinhos/Alverca do Ribatejo, circulava Ana …, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros, de marca Kia, modelo Carnival, matrícula 88-20-SR.
4. Na circunstância, o tempo encontrava-se ameno, estava sol e o piso encontrava-se seco.
5. A velocidade máxima permitida no local é de 90 Kms/hora.
6. Ao quilómetro 4 de tal via, na zona denominada Calhandriz, no sentido em que circulava o arguido, a estrada descreve uma curva acentuada à direita, a qual foi construída com desnível em ascendente inclinação.
7. No sentido em que circulava Ana …, a estrada descreve uma curva à esquerda, a qual foi construída com desnível em sentido descendente, encontrando-se a faixa onde esta circulava em plano mais elevado que a faixa onde circulava o arguido.
8. O arguido provinha de uma zona de curvas e contracurva, chegando a efectuar ultrapassagem a veículo não concretamente apurado.
9. O arguido circulava a velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 60 Kms/hora.
10. Ana … circulava a velocidade não concretamente apurada mas situada entre 50 a 60 Kms/hora.
11. Ao chegar ao quilómetro 4 da Estrada Nacional 10.6, descrevendo a curva referida em 6., o veículo conduzido pelo arguido saiu da sua mão de trânsito, foi invadir a faixa de rodagem de sentido contrário, onde circulava o veículo conduzido por Ana …
12. Em consequência, o 50-33-UN veio a embater violentamente com a sua parte lateral esquerda da frente na parte lateral esquerda da frente do 88-20-SR, que circulava na sua mão de trânsito, projectando-o para foram da estrada.
13. (…)
15. Em razão do apurado em 1. e por via do exame toxicológico efectuado ao sangue por via de colheita tomada em 13 de Outubro de 2009, pelas 19h23, foi detectada ao arguido uma taxa de alcoolemia de 1,12g/l, tendo sido levantado auto de contra-ordenação, bem como 16 ng/ml de Tetrahidrocanabinol.
16. Em razão de não adequar a velocidade que havia imprimido ao veículo 50-33-UN às características da via, o arguido não conseguiu manter o seu veículo na sua mão de trânsito originando deste modo o embate apurado.
17. Ao manobrar da forma apurada, o arguido agiu com imprudência e inconsideração em falta de cuidado, de que era capaz, de modo a evitar o despiste e consequente invasão da faixa de rodagem do 88-20-SR e embate neste.
(…)».
Na mesma decisão condenatória penal definitiva, considerou-se não provada, além do mais, a seguinte factualidade:
«p) A quantidade de álcool ingerida pelo arguido não lhe provocou qualquer diminuição das capacidades de percepção, reacção ou sensação, ao ponto de invadir a faixa contrária».
Ora, sopesando os considerandos legais e jurisprudenciais expostos a propósito da eficácia da decisão penal condenatória, relativamente a terceiros – não intervenientes na acção penal-, segundo os quais o artigo 623.º do CPC estabelece, quanto a estes, uma presunção iuris tantum da verificação dos factos constitutivos da infracção, o que se nos oferece dizer desde já é que a Ré/Recorrente carece de razão quando sustenta nas suas alegações e conclusões recursórias que era sobre a Autora/Recorrida que incumbia o ónus de provar os factos relacionados com a dinâmica do acidente e com existência de uma taxa de alcoolemia de 1,12g/ no sangue do seu sócio-gerente, condutor do veículo 50-33-UN.
Na verdade, é caso de inversão do ónus da prova (art.º 344.º do CC) e por isso mesmo era sobre a Ré/Recorrente (terceiro que não teve intervenção no processo crime) que impendia o ónus de ilidir a presunção estabelecida no artigo 623.º do CPC.
A Autora, aqui Recorrida, porque tem a seu favor a referida presunção, nada tinha que provar (art.º 350.º do CC).
Sem embargo, reexaminados, segundo as regras da lógica e da experiência comum, os meios de prova documental e testemunhal produzidos, estes com transcrição integral a fls. 454 e segs., a conclusão a que se tem, forçosamente, de chegar é a de que a Ré/Recorrente não conseguiu ilidir a referida presunção e fazer vingar a sua peregrina versão dos factos, apoiada no depoimento comprometido de Paulo… e na injustificada desconsideração do exame de pesquisa de álcool e de substâncias psicotrópicas no sangue, salientando-se, neste particular, a curiosidade, de a Ré/Recorrente contestar a TAS (1,12 g/) revelada pelo dito exame e omitir qualquer referência ao resultado positivo que também acusou para o tetrahidrocanabinol, revelador de que o condutor do 50-33-UN, aquando do sinistro, não estava apenas sob o efeito do álcool, mas de um cocktail explosivo, composto por álcool e uma substância estupefaciente (tetrahidrocanibol, vulgo haxixe).
Em suma, nenhuma prova foi produzida pela Recorrente que permitisse abalar a força probatória dos factos assentes no aludido processo-crime em que foi arguido o seu sócio gerente, José Santos, na circunstância condutor do 50-33-UN, quando à dinâmica do acidente e à TAS.
Ao invés, em consolidação da referida força probatória dos factos relacionados com a dinâmica do acidente, que emergiram provados no processo-crime e têm correspondência nos pontos 11. a 13. da sentença recorrida, ora impugnados, concorrem os documentos juntos aos autos (participação do acidente e croqui), valorados de forma concatenada com os testemunhos, que se revelaram objectivos, suficientemente imparciais e convincentes, prestados pela condutora do veículo 88-20-SR, Ana … e pelo Agente da PSP José …, que se deslocou ao local do sinistro, elaborou a participação e o croquis do acidente.
Ainda em consolidação da referida força probatória dos factos relacionados com a TAS que emergiu provada no processo-crime e tem correspondência no ponto 15. da sentença recorrida, militam o depoimento escorreito, suficientemente imparcial e persuasivo, do médico José …, profissional com 40 anos de experiência no ramo da medicina, conjugado com o testemunho do Agente da PSP José …, na parte em que esclareceu os procedimentos relacionados com a recolha de sangue em meio hospitalar, para análise da TAS.
 Por fim, dir-se-á que a valoração global e conjunta dos referidos meios de prova impõe que se conclua, como concluiu o Tribunal a quo, pelo decesso probatório do alegado pela Ré, aqui Recorrente, no artigo 54.º da contestação e, consequentemente, que se confirme o acerto da decisão da matéria de facto quanto ao seu ponto 26. (facto não provado), factualidade que, aliás, também foi dada como não provada no processo-crime.
→Por conseguinte, a impugnação da decisão da matéria de facto terá de improceder quanto aos pontos 11., 12, 13., 15. e 26 da sentença recorrida.
Contudo, impõe-se reconhecer razão à Recorrente no que tange aos pontos 14. e 22., cuja redacção deve ser alterada.
No que concerne ao ponto 14., porque, como bem sustenta a Recorrente, encerra um facto conclusivo, impondo-se antes que, neste inciso, se dê como provada a velocidade que resultou apurada no processo-crime, ou seja, que «o condutor do 50-33-UN circulava a velocidade não concretamente apurada mas não inferior a 60 Kms/hora».
No que tange ao ponto 22., porque a rectificação pretendida se justifica pelos fundamentos invocados pela Recorrente, que são os mesmos que nos levaram a alterar a redacção do ponto 2. dos factos provados.
3.2.3.1. Por tudo o exposto, decide-se:
a) Julgar improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 11., 12., 13., 15. e 26.;
b) Alterar a redacção do ponto 14. da matéria de facto, que passa a ser a seguinte:
«15. O condutor do veículo 50-33-UN, José S…, circulava a velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 60 Kms/hora».
c) Rectificar a redacção do ponto 22. da matéria de facto, que passa a ser a seguinte:
«A Império Bonança – Companhia de Seguros, S.A celebrou com a Ré um contrato de seguro do remo automóvel, titulado pela apólice n.º AU23079290, de fls. 14, relativa à Responsabilidade Civil decorrente da intervenção em acidentes de viação do veículo de matrícula 50-33-UN, cf. proposta de seguro de 05/03/2009, de fls. 15-18».
*
Quarta questão: A sentença recorrida ostenta errada interpretação e aplicação de regras de direito probatório e substantivo, que imponha a sua revogação e consequente substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente e absolva do pedido a Ré/Recorrente?
Em face da decidida improcedência das excepções arguidas (nulidade da sentença e ilegitimidade da Autora/Recorrida) e do que se deixou decidido no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nenhuma alteração no aspecto jurídico incumbe efectuar à sentença recorrida, por ter feito correcta aplicação e interpretação do Direito.
Vejamos.
No caso concreto não se suscita a controvérsia entretanto ressuscitada na jurisprudência[[26]] de saber se para ser reconhecido o direito de regresso à seguradora que satisfez a indemnização, basta ter sido alegado e provado que o condutor/segurado deu causa ao acidente e conduzia com uma taxa de alcoolemia superior à permitida por lei, dispensando-se a alegação e prova do nexo de causalidade adequada entre a etilização e o acidente.
É que o caso em apreço situa-se no âmbito de contrato de seguro facultativo de responsabilidade civil automóvel, fora, portanto, do regime aplicável ao contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, que entrou em vigor no dia 20/10/2007 (cf. respectivo art.º 95º), diploma esse que revogou o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro)
Com efeito, nos termos da Cláusula 5.ª, n.º 1, alínea d) das Condições Gerais da Apólice (Seguro Automóvel Facultativo) ajustadas entre a Império Bonança e a Ré, ficam excluídos do âmbito das coberturas conferidas pelo contrato, os danos causados ao veículo seguro (50-33-UN) resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou acuse consumo de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos (ponto 4 dos factos provados e doc. de fls. 72 e segs.).
Na perspectiva do direito de regresso, concordamos com o raciocínio constante da sentença recorrida.
O direito de regresso consignado nas cláusulas do contrato de seguro, supõe, necessariamente, o prévio pagamento da indemnização, o que, evidentemente, quer dizer que essa indemnização tem de ser efectivamente devida pela seguradora ao lesado, nos termos legais ou contratuais.
Seria absurdo defender que qualquer pagamento ao lesado, efectuado pela seguradora, verificadas as demais condições previstas nas Cláusulas 12.ª das Condições Gerais ou 4.ª das Condições Especiais da Apólice de Seguro Automóvel Facultativo ajustado entre a seguradora Império-Bonança e a Ré/Recorrente faz nascer o direito de regresso, mesmo que se tratasse do pagamento de indemnização não devida, legal ou contratualmente (por exemplo, porque o dano não se verificou, foi muito inferior ao valor da indemnização paga, ou, como sucede no caso concreto, não está coberto pelo contrato).
No caso concreto, nunca se constituiu a favor da Autora/Recorrida o direito de regresso sobre a “indemnização” paga (indevidamente e por erro) à Ré/Recorrente, atenta a exclusão prevista na mencionada Cláusula 5.ª, n.º 1, d), das Condições Gerais da Apólice de Seguro Facultativo.
Como se disse, a cobertura dos danos causados no veículo ..-..-UN, pertencente à própria segurada, extravasa o âmbito do seguro obrigatório, enquadrando-se dentro das coberturas do seguro facultativo.
Consequentemente, o art.º 27º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não tem aplicação, no que concerne à indemnização que aqui e agora está em questão.
Todavia, mesmo que se entendesse aplicável à situação que nos ocupa o aludido preceito legal, mesmo assim, no caso, a indemnização em questão nunca seria devida nos termos contratuais.
Na verdade ficou provado que o sócio-gerente da Ré/Recorrente conduzia o veículo 50-33-UN com uma TAS de 1,12gr./l, superior, portanto, aos 0.5 gr./l permitida por lei (art.º 81.º, n.º 1, do Código da Estrada), razão porque estava excluída a cobertura facultativa contratada (danos próprios), conforme resulta da exclusão referida na Cláusula 5.ª, n.º 1, alínea d), das Condições Gerais das Coberturas Facultativas.
Consequentemente, não tinha a Autora qualquer obrigação contratual de pagar à proprietária do UN, sua segurada, a mencionada indemnização.
Ao fazê-lo, agiu com a sua vontade viciada por erro, e poderá, eventualmente, “repetir” o indevidamente pago.
Como se refere na sentença recorrida, em citação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/10/2011, acessível em www.dgsi.pt.
Não são comparáveis, nem se pode, sem mais, estender as normas que regem o seguro obrigatório aos contratos de seguro facultativos, que as pessoas entendam celebrar entre si. Os princípios e razão de ser subjacentes ao seguro obrigatório não se aplicam, naturalmente, e com os mesmos fundamentos, ao seguro facultativo. Neste último está essencialmente em causa a liberdade contratual das partes e, por esse motivo, poderão no mesmo fazer incluir as cláusulas que lhes aprouver. Não poderá, pois, aplicar-se aos seguros facultativos o disposto no artigo 19º, al. c) do DL 522/85 (entretanto revogado, sendo agora diferente a letra da lei, nomeadamente o teor do artigo 27º nº1 c) do DL 291/07,de 21 de Agosto), que dispõe que “(…) satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso (…) contra o condutor, se este (…) tiver agido sob a influência do álcool”, sendo apenas a propósito deste que se decidiu no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2002, publicado no DR – 1ª série A, de 18/07/2002, que é exigível para a procedência do direito de regresso a prova por parte da seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.”,
Conforme se ponderou, bem a propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/11/2013, acessível em www.dgsi.pt., também citado na sentença recorrida, “(…) no âmbito do seguro facultativo em questão, saber se a exclusão do sinistro da cobertura do seguro depende apenas da circunstância de o segurado conduzir com uma T.A.S. superior à legalmente permitida ou se, pelo contrário, é também indispensável a prova da existência de nexo de causalidade adequada entre tal condução e a eclosão do acidente, é algo que depende estreitamente da redação que, que concreto, tiver a cláusula delimitadora do objeto do contrato de seguro, porquanto estamos no âmbito da interpretação das respetivas cláusulas contratuais”.
In casu, a seguradora Império-Bonança (actual Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., aqui Recorrida) e a Ré acordaram livremente que ficavam excluídos do âmbito das coberturas conferidas pelo contrato, os danos causados ao veículo seguro (50-33-UN) resultantes de demência do condutor do veículo ou quando este conduza com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou acuse consumo de estupefacientes, outras drogas ou produtos tóxicos.
O acidente dos autos ocorreu quando o condutor do veículo seguro, sócio-gerente da Ré, apresentava uma TAS de 1,12g/l (ponto 15 dos factos provados), a qual é superior à taxa mínima (0,50 g/l) legalmente admitida (at.º 81.º, n.º 1, do Código da Estrada).
Por conseguinte, como se dá nota na sentença recorrida, a Autora (anterior Império-Bonança) cumpriu uma obrigação inexistente ao pagar à Ré a quantia cujo reembolso reclama desta, na convicção de que cumpria efectivamente uma obrigação.
Por sua vez, a Ré recebeu, indevidamente, tal quantia da seguradora.
E a Ré, através do seu sócio-gerente, José S…, comprometeu-se perante a Império Bonança (actual Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.) a reembolsar a esta seguradora das quantias pagas, caso o resultado do teste de alcoolemia fosse superior a 0,50g/l (cf. ponto 22. dos factos provados e doc. de fls. 69).
Por conseguinte, assiste à Autora/Recorrida o direito à repetição do que foi prestado à Ré/Recorrente com a intenção de cumprir uma obrigação, que não existia à data do cumprimento – cf. artigo 476º, n.º 1, do Cód. Civil.
Como refere Menezes Cordeiro[[27]], “O cumprimento de obrigação inexistente confere ao seu autor o direito à repetição bastando que não haja sequer, obrigação natural, no momento da prestação. Exige-se a intenção de cumprir obrigação inexistente, mas não se requer a ignorância da inexistência da obrigação”.
Nega-se, por conseguinte, também quanto à questão acabada de analisar, razão à Recorrente.
Assim, soçobrando a conclusão 42.ª da alegação da Recorrente, tem de improceder a apelação e, consequentemente, manter-se a sentença recorrida, uma vez que as alterações introduzidas à matéria de facto nenhuma repercussão têm na solução jurídica que a 1.ª instância deu ao caso.

4. Decisão:
Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
*
Custas pela Recorrente – artigo 527º do Cód. Proc. Civil.
*
Notifique.
*
Lisboa, 21 de Junho de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Maria Manuela Gomes


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[2] Cf. Raúl Ventura, inFusão, Cisão, Transformação de Sociedades”, pag. 14 e 15.
[3] O DIREITO, Ano 122- 1990 - II Abril - Junho (pags. 463 a 480)
[4] Ob. cit., pág. 218 e 223.
[5] RLJ, 128.º, p. 61
[6] Cf. António Montalvão Machado, O Dispositivo e os Poderes do Tribunal à Luz do Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2001, pág. 21.
[7] As partes estarão incluídas dentro do grupo mais lato de sujeitos processuais ou intervenientes processuais. Dentro deste grupo, incluir-se-ão ainda os intervenientes acidentais e o juiz. Neste sentido,
Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais, Coimbra Editora, 2001 pp.73.
[8] Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, pág. 29.
[9] Cf. António Montalvão Machado, obra citada, pp. 21 e segs.
[10] Cf. alíneas a ) e b) do n.º 2 do artigo 186º do CPC.
[11] A respeito do ónus da prova, LEBRE DE FREITAS afirma que “ter o ónus da prova significa que é aconselhável ter a iniciativa da prova, a fim de evitar a consequência desfavorável da falta de prova”.
Neste sentido, FREITAS Introdução ao Processo Civil…., pp. 40, nota de rodapé 34. Ou seja, o juiz não fica numa situação de non liquet, mas imputa à parte que estava incumbida de provar determinado facto as consequências negativas que para ela resultam de não provar esse facto. Por via de regra, o ónus de alegação e o ónus da prova correspondem e recaem sobre a mesma parte, mas tal pode não se verificar (Cf. artigos 343.º a 345.º do CC). Para mais desenvolvimentos, consulte-se MACHADO obra citada, pp. 23 e ss.
[12] Em comentário a este preceito, LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.ª, Coimbra Editora, Nov. 2001) afirma que a disposição citada consagra a “[t]rave mestra do direito processual civil”, que consiste no princípio do dispositivo: em primeiro lugar, o princípio do dispositivo stricto sensu, nos termos do qual a tutela jurisdicional necessita de ser solicitada pelas partes; em segundo lugar, o princípio da controvérsia, que acarreta consigo a responsabilidade das partes pelo material fáctico que é trazido ao processo, sendo estas a quem cabe a formação da matéria de facto no processo.

[13] Cf. 1ª parte do n.º 2 do artigo 571º do CPC
[14] Cf. 2ª parte do n.º 2 do artigo 571º do CPC.
[15] O princípio do cominatório pleno estabelece que a não dedução de oposição importa a condenação no pedido, opondo-se ao princípio do cominatório semipleno – aquele que se encontra actualmente consagrado no processo declarativo –, que determina apenas a confissão dos factos articulados pela outra parte, cabendo depois ao juiz a aplicação do direito adequado, cujo resultado não será, imediatamente, a condenação do réu no pedido. O efeito cominatório pleno encontrava-se consagrado no CPC de 1961, nos processos declarativos sob a forma sumária e sumaríssima, em que se estabelecia, respectivamente, que “[o] réu é citado para contestar no prazo de dez dias, sob pena de ser condenado no pedido” (Cf. artigo 783.º do CPC de 1961) e que “[o] réu é citado para, no prazo de oito dias, contestar, sob pena de ser condenado imediatamente no pedido” (cf. n.º 1 do artigo 794.º do CPC de 1961). Estes efeitos cominatórios plenos foram eliminados com a Reforma de 1995.
[16] Cf. n.º 1 do artigo 567.º do CPC, in fine.
[17] Neste sentido, António Montalvão Machado, obra citada, pp. 46 e ss.., em que o autor afirma que “[s]empre recaiu, pois, sobre as partes este ónus de impugnação dos factos (…) sobre o réu sempre recaiu ainda um outro ónus, que é genérico: - o de simplesmente contestar a própria acção que contra si é instaurada”.
[18] Cf. n.º 2 do artigo 574º do CPC.
[19] Cf. alínea c) do artigo 568º do CPC.
[20] Neste sentido, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil…, pp. 181 a 184
[21] Salvo os casos legalmente previstos, em que haja lugar a despacho liminar, pré-saneador ou saneador, situações nas quais o juiz, à luz do dever de gestão processual e do princípio da economia processual, poderá convidar as partes a suprir insuficiências ou imprecisões.
[22] Dizemos “imprecisão terminológica” porque, ainda que menos bem, no contexto dos articulados e da sentença as referências feitas à Autora/Recorrida condensam em si a qualidade de sociedade para a qual foram legalmente transmitidos os direitos e obrigações emergentes para a extinta (incorporada) Império Bonança. S.A. do contrato de seguro ajustado com a Ré/Recorrente.
[23] Cf. “Código de Processo Civil Anotado”, 2.º volume, pág. 691.
[24] Cf. “Comentários ao Código de Processo Civil”, pag, 448). No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 14.12.2006; proc. 06B3599, acessível em www.dgsi.pt.
[25] Na transcrição corrige-se o lapso de escrita no que se refere à matrícula do veículo BMW que é 50-33-UN (cf. apólice de seguro junta com a PI, a fls. 14) e não 50-53-UN, como se rescreveu na sentença penal.
[26] De acordo com o art.º 27º, nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08, “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso … contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.
Esta formulação da lei, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/01/2013; proc. 1278/11.0T2AVR.C1, acessível em www.dgsi.pt. ressuscitou a larga controvérsia jurisprudencial que se gerou em torno da interpretação a dar à alínea c) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, e que só com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) nº 6/2002, de 28/05/2002, foi resolvida, que consiste em saber se a existência de direito de regresso por parte da seguradora que pagou a indemnização se basta com a mera constatação de que o condutor exercia a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida ou se, para além disso, pressupõe e exige um nexo de causalidade adequada entre a alcoolemia e a ocorrência do acidente.
[27] Obrigações, 1980, 2.º vol. -67.