Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6954/16.8T8LSB.L1-7
Relator: ROSA RIBEIRO COELHO
Descritores: PENSÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A obrigação, a cargo dos pais, de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação pode estender-se para além da maioridade daqueles, no caso excecional – de hoje em dia tornado comum – de estes, não obstante terem atingido já a plena capacidade de exercício de direitos, não haverem completado ainda a sua formação profissional – art. 1880º do C. Civil.
II - Com a criação do nº 2 do art. 1905º do C. Civil, operada através da Lei nº 122/2015, de 1.09, o legislador esclareceu definitivamente que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinja os 25 anos de idade, salvo no caso excecional de o processo de educação ou formação profissional daquele ter terminado antes daquela idade, de ter sido livremente interrompido por ele, ou, em qualquer caso, se o progenitor obrigado à prestação fizer prova da falta de razoabilidade da sua exigência.
III - Não há já, pois, como poder negar a exequibilidade, depois da maioridade do filho, da sentença que tenha homologado o acordo dos progenitores sobre os alimentos a prestar-lhe enquanto o mesmo era menor.
IV - Esta regra, aplicável após a entrada em vigor da lei que a instituiu – art. 12º do C. Civil -, abrange todos os que se encontrem nas condições que prevê, ou seja, os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

7ª SECÇÃO CÍVEL


I – M… propôs contra Francisco …. execução especial de alimentos, para haver dele o pagamento da quantia de € 3.000,00.

Alegou, em síntese, que:

- Por acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativas ao exequente, então menor, homologado por decisão proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento de seus pais, o executado, seu progenitor, ficou obrigado a pagar-lhe a quantia mensal de € 500,00, a título de alimentos;

- O exequente perfez 18 anos de idade em 27 de Janeiro de 2015 e desde então o exequente não mais pagou aquela prestação de alimentos;

- Nos termos do art. 1905º do C. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, mantém-se “ (…) para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, (…)

- Encontram-se vencidas as prestações referentes aos meses de Outubro de 2105 a Março de 2016, no valor global de € 3.000,00.

Foi proferido despacho do seguinte teor:

“Nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do C.P.C. «toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva».

Ora, alegando o requerente que atingiu a maioridade no dia 27-01-2015, ou seja, antes de 01-10-2015 (data da entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 01-09), verifica-se que o mesmo já não dispõe de título executivo.

Na verdade, o requerente não atingiu a maioridade, entretanto (após a referida data da entrada em vigor da Lei), mas sim antes, pelo que a presente execução carece de título executivo.

Importa, pois, indeferir liminarmente o requerimento executivo, em conformidade com o disposto no artigo 726.º, n.º 2, al. a) do C.P.C., por manifesta falta de título.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, indefiro liminarmente o requerimento executivo.

            Contra esta decisão apelou o exequente, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1. A manutenção do direito a alimentos resultante do artº. 1880º do C. Civil, após a maioridade e até que o filho complete 25 anos de idade não pode ser vista como um efeito do novo nº. 2 do artigo 1905º do Código Civil, introduzido pela Lei nº. 122/2015, de 1/9, uma vez que o mesmo já se encontrava previsto em norma anterior, justamente o referido artigo 1880º - Cfr. Cfr. J. H. DELGADO DE CARVALHO, in “Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa”, 2ª Edição, 2016, Quid Juris Soc. Edit., pág. 275.

2. Mesmo que no passado houvesse quem entendesse que a obrigação de alimentos se extinguiria com a maioridade, entende-se agora, com força de Lei, que para efeitos do artº. 1880º, se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade.

3. O que significa que a Lei nº 122/2015 estabeleceu uma extensão, ao período da maioridade, da exequibilidade da decisão que fixou a pensão de alimentos para a menoridade. – Autor e ob. cit, págs. 273.

4. Em suma, aquela Lei criou um novo título executivo – inovação de ordem processual e, por isso, de imediata aplicação.

5. Em termos de implicações processuais das novas medidas adoptadas no âmbito do regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado, deve ser observado o princípio da aplicação imediata da lei nova » - Autor e ob. cit, p. 274.

6. Há que entender que o filho, que atingiu entretanto a maioridade, dispõe de título executivo contra o progenitor obrigado a alimentos, com vista a obter o pagamento das prestações vencidas e não pagas desde o dia 1/10/2015, dando à execução a decisão que fixou judicialmente em seu benefício a prestação alimentícia durante a menoridade ou o acordo dos progenitores homologado – idem.

7. E ao dispor assim, a Lei 122/2015 – ao contrário do que resulta do entendimento da sentença recorrida - não excluiu do seu campo de aplicação os menores de 25 anos que tenham atingido a maioridade antes de 1/10/2105 – discriminação que seria de todo inaceitável e ao arrepio dos fins e interesses que a Lei procurou salvaguardar.

8. Entendeu o Tribunal a quo que, tendo o Requerente atingido a maioridade antes da entrada em vigor da Lei 122/2015, de 09 de Setembro, não dispõe de título executivo.

9. Pelo contrário: é precisamente desde a entrada em vigor daquela Lei que o ora Recorrente passou a dispor de um título executivo!

10. Por isso teve o escrúpulo de executar apenas as prestações vencidas após 1/10/2015.

11. A sentença recorrida fez errónea interpretação e assim violou o disposto nos artigos 1880º e 1905º, nº 2 do Código Civil.

12. Deve ser revogada e substituída por outra que receba a execução, ordene a citação do executado e o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Dos documentos constantes dos autos resulta como provado que:

1.No âmbito do divórcio por mútuo consentimento, requerido pelos então cônjuges Maria  e Francisco , estes, no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao filho, então menor, Francisco R., convencionaram, além do mais, o seguinte:

3. A título de alimentos para o filho o pai contribuirá com uma pensão mensal de 500,00€ (..), a pagar até ao dia 10 de cada mês (…)

2. Pelo Sr. Conservador do Registo Civil da Baixa da Banheira foi proferida decisão em 26.03.2014 que, homologando, além do mais, aquele acordo, decretou o divórcio por mútuo consentimento dos pais do aqui exequente.

3. Consta do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao ora exequente, Francisco Ricardo , homologado pelo Sr. Conservador que este nasceu em ...01.1997.

III – Debrucemo-nos, pois, sobre a única questão que nos é suscitada, a de saber se o exequente dispõe, ou não, de título executivo.

Na decisão apelada entendeu-se, em resumo, que inexiste título executivo por o exequente, segundo o alegado, ter atingido a maioridade antes de 1.10.2105, data de entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 01.09, e não depois do início da sua vigência.

É decisão que, de modo algum, podemos acompanhar.

Com a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, o art. 1880º do C. Civil[1] dispõe assim:

Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número[2] anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”

Temos, assim, que a obrigação, a cargo dos pais, de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, pode estender-se para além da maioridade daqueles, no caso excecional – de hoje em dia tornado comum – de estes, não obstante terem atingido já a plena capacidade de exercício de direitos, não haverem completado ainda a sua formação profissional.

Trata-se, como doutrinariamente se vem considerando, de um prolongamento, para além do termo da menoridade, de algumas das obrigações que integram as responsabilidades parentais tal como as define o nº 1 do art. 1878º, por forma a assegurar a completude da formação escolar e profissional dos filhos, de hoje em dia sujeita a padrões de exigência acrescida, em altura da vida em que eles, por via de regra, não possuem ainda capacidade económica para prosseguir e ultimar essa mesma formação iniciada enquanto menores de idade.[3]

Estando muitas vezes judicialmente reconhecida a obrigação de prestar alimentos a filho menor, quando este, não obstante ter atingido a maioridade, permanecia em situação que reclamava, nos termos da sobredita norma, o prolongamento da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores, era, entre nós, controvertida a questão de saber se a decisão judicial que fixava prestação de alimentos na menoridade estendia os seus efeitos para além dela, constituindo ainda título executivo bastante para o beneficiário, já maior, cobrar do progenitor inadimplente as prestações alimentícias em dívida.

A nossa jurisprudência dividia-se, entendendo uns que a decisão em causa só constituía título executivo quanto às prestações vencidas durante a menoridade do beneficiário[4], e considerando outros que a mesma decisão era também título executivo relativamente à obrigação de alimentos que se prolongasse, após a maioridade do filho, nos termos referidos no art. 1880º[5].

Subjacente a cada um destes entendimentos estava a diversidade de posição adotada quanto a saber quando cessava a obrigação de prestar alimentos a filhos menores.

Para o primeiro, essa obrigação extinguia-se automaticamente, uma vez atingida a maioridade, sem necessidade de requerimento nesse sentido dos progenitores [6].

Diversamente, à segunda das referidas teses subjazia o entendimento segundo o qual os alimentos fixados a menores não cessavam, sem mais, por este ter atingido a maioridade, mantendo-se depois dela e só se extinguindo quando tal fosse judicialmente declarado ou quando fosse firmado acordo nesse sentido[7].

Entrada em vigor em 1.10.2015, a Lei nº 122/2015, de 1.09, concretamente o seu art. 2º, deu nova redação ao art. 1905º do C. Civil, tendo agora o seu nº 2 o seguinte teor:

2. Para efeitos do disposto no art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada a seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido, ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.

Com isto o legislador pôs termo à controvérsia jurisprudencial existente, esclarecendo definitivamente que a pensão de alimentos, fixada durante a menoridade do filho, não cessa quando este atinge a maioridade, mantendo-se até que atinja os 25 anos de idade, salvo no caso excecional de o processo de educação ou formação profissional daquele ter terminado antes daquela idade, de ter sido livremente interrompido por ele, ou, em qualquer caso, se o progenitor obrigado à prestação fizer prova da falta de razoabilidade da sua exigência.

Não há já, pois, como poder negar a exequibilidade, depois da maioridade do filho, da sentença que tenha homologado o acordo dos progenitores sobre os alimentos a prestar-lhe enquanto o mesmo era menor.

E, como é evidente, esta regra, aplicável após a entrada em vigor da lei que a instituiu – art. 12º do C. Civil -, abrange todos os que se encontrem nas condições que prevê, ou seja, os jovens beneficiários de pensão de alimentos fixada na sua menoridade que, tendo atingido já a maioridade, ou vindo a atingi-la depois, não tenham ainda completado os 25 anos de idade, nem concluído o seu processo de educação ou de formação profissional.

Daí que se não possa manter a decisão apelada que, erradamente, pressupõe que a regra em causa se aplica apenas no caso de a maioridade ser atingida após a sua entrada em vigor.

Nestes termos, a apelação procede.

IV – Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, revogando-se a decisão apelada, determina-se que os autos prossigam seus ulteriores e normais termos, caso nada mais a tal obste.

Sem custas.

Lxa. 14.06.2016


(Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho)

(Maria Amélia Ribeiro)

(Graça Amaral)

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[1] diploma a que respeitam as normas doravante referidas sem indicação de diversa proveniência.
[2] O legislador quis manifestamente dizer artigo (e não número) anterior. 
[3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, pág. 338 e 339; Remédio Marques, “Algumas Notas Sobre Alimentos Devidos a Menores”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 291 e segs.; e “Ana Leal, “Guia Prático da Obrigação de Alimentos”, 2ª edição pág. 49 e segs.  
[4] É exemplo deste entendimento o acórdão de 31.05.2007, Relator Conselheiro Salvador da Costa, acessível em www.dgs.pt.
[5] Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos da Relação de Guimarães de 19.06.2012, Relatora Ana Cristina Duarte, da Relação do Porto 09/03/2006, citado naquele, ambos acessíveis em www.dgsi.pt

[6] Cfr., a título e exemplo, o acórdão do  STJ de 22.04.2008, Relator Cons. Pereira da Silva, da Relação e Lisboa de 6.05.2008, Relatora Ana Grácio; de 10.09.2009, Relatora Teresa Albuquerque; da Relação do Porto de 21.02.2008, Relator Coelho da Rocha e de 26.01.2004, Relator Fonseca Ramos, todos acessíveis em www.dgsi.pt
[7] Cfr., para além dos já cima citados, a título de exemplo, os acórdãos da Relação do Porto de 9.03.2006, Relator Fernando Batista e de 26.05.2009, Relator Vieira e Cunha, acessíveis em www.dgsi.pt