Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
701/14.6TYLSB-E.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: LIQUIDAÇÃO DO ACTIVO
VENDA JUDICIAL
ANULAÇÃO DA VENDA
FALTA DE LICENCIAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- A venda realizada em sede de liquidação do activo no processo de insolvência é uma venda judicial. 
II- Salvo os casos expressamente regulados no CIRE, as vicissitudes que a afectam têm de ser solucionadas de acordo com o regime jurídico previsto no CPCivil para o processo executivo.
III- A existência de desconformidade entre as características do imóvel, objecto da venda e a descrição que do mesmo foi feita no respectivo anúncio, confere ao comprador o direito a deduzir pretensão de anulação da venda, nos termos enunciados no art.º 838º do CPCivil. 
IV- Constando do anúncio publicado para publicitação da venda que os imóveis apreendidos fazem parte de urbanização em fase de construção que “tem subjacente a licença de construção n°. 9033/2009, emitida em 30/12/2009”, quando tal licença já tinha caducado há mais de quatro anos, verifica-se situação de erro acerca da qualidade da coisa objecto de venda, justificativo da anulação da venda.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:
***
I-RELATÓRIO
Por sentença proferida em 29/10/2015, nos autos nº 701/14.6TYLSB, foi declarada a insolvência de L… – Construções, Lda.
Foram apreendidos no âmbito do processo de insolvência os seguintes imóveis:
i. Prédio urbano sito na Av. … , descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº …, da extinta freguesia de Santarém (São Nicolau), presentemente União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na respectiva matriz sob o artº … da referida União das freguesias;
ii. Prédio urbano sito na Av. …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº …, da extinta freguesia de Santarém (São Nicolau), presentemente União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na respetiva matriz sob o artº … da aludida União das freguesias;
iii. Prédio urbano sito na Av. dos Combatentes da Grande Guerra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº …, da extinta freguesia de Santarém (São Nicolau), presentemente União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na respectiva matriz sob o artº … da referida União das freguesias;
iv. Prédio urbano sito na Av. dos Combatentes da Grande Guerra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº …, da extinta freguesia de Santarém (São Nicolau), presentemente União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na respectiva matriz sob o artº … da União das freguesias em causa;
v. Prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº …, da extinta freguesia de Santarém (São Nicolau), presentemente União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na respetiva matriz sob os art.ºs … da referida União das freguesias.
Consta do respectivo auto de apreensão que: “(…) tendo constado que nos imóveis descritos na Conservatória em nome da insolvente se encontram em fase de construção algumas moradias, construções estas não averbadas, quer na descrição matricial, quer predial, decidi efectuar a apreensão dos imóveis, nos precisos termos em que se encontram descritos na Conservatória (…)”.   
Foi nomeada comissão de credores, presidida pela credora hipotecária C…, foi elaborado o relatório previsto no artigo 155º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e foi realizada a assembleia de credores para apreciação do relatório.
A C… reclamou créditos no presente processo de insolvência, tendo, por sentença proferida em 05/11/2022, sido reconhecidos tais créditos como garantidos por hipoteca para garantia do capital de €800.000,00 e até ao montante máximo de €1.226.000,00.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº 2 do artigo 164º do CIRE, tendo a C… sido ouvida sobre a modalidade da alienação dos prédios em questão e nessa sequência, apresentado requerimento com o seguinte teor:
“(…)
Foram avaliadas as 9 construções implantadas nas 5 descrições apreendidas.
Atentas as especificidades dos bens apreendidos e a dificuldade de correspondência entre as vivendas em construção e as descrições apreendidas, deverá ser promovida a venda em lote único das 5 descrições apreendidas, sobre as quais incide hipoteca a favor da C… , só se aceitando propostas para a totalidade.
(…) seguem os valores indicativos que correspondem ao rateio do valor global das avaliações, pelo valor patrimonial das descrições:
(…)      Valor da avaliação        CRP           Descrição        Artigo 
           rateado pelo VPT  
            120.945,60€                Santarém            …                    …
             49.372,80€                Santarém             …                    …
            60.384,00€                 Santarém              …                   … 
           50.793,60€                 Santarém               …                  …
        310.504,00€                  Santarém               …                  …, … e …
(…)”  
Foi designado para venda dos imóveis o dia 18 de Março de 2016, não tendo sido apresentada qualquer proposta. Foram então designadas novas datas para Junho e Julho, não tendo também sido apresentada qualquer proposta.
Foi então marcada a venda para o dia 16/09/2016, constando dos anúncios publicados que a venda dos imóveis seria efectuada, “no seu conjunto”, “por negociação particular e por meio de propostas” a ser remetidas em carta fechada, sendo o valor base € 479.520,00. Constava igualmente que seriam recebidas propostas de valor igual ou superior a 85% do valor base - €407.592,00 -, que os bens seriam vendidos “no estado físico e jurídico em que se encontram” e tendo-se ali feito consignar que «nos referidos prédios se encontra cm fase de construção "uma urbanização", já executada em cerca de 60%, em condomínio fechado, composta por: 9 moradias, sendo 6 de tipologia T2 e 3 de Tipologia T3, e cave com 9 arrecadações e 26 lugares de estacionamento, a qual tem subjacente a licença de construção n°. 9033/2009, emitida em 30/12/2009».
Nos anúncios publicados para a venda dos bens, consta também expresso o seguinte:
“As propostas serão remetidas, até ao dia 14 / 09 / 2016, que inclui a data do registo de expedição dos CTT, remetidas em envelope fechado, por sua vez introduzido em carta registada, dirigida ao Administrador da Insolvência de L… — Construções, Ld"., F…, com escritório na Avenida …, LISBOA.
As propostas deverão conter: nome ou denominação completa da entidade proponente; morada ou sede social; número de contribuinte ou de pessoa colectiva; representante, em caso de pessoa colectiva, indicação de telefone e/ou fax de contacto e valor proposto por extenso.
Só serão aceites propostas para a globalidade dos imóveis.
A abertura das propostas realizar-se-á ao dia 16 / 09 / 2016, pelas 16H00, no escritório do Administrador da Insolvência, na presença do mesmo e dos Senhores Credores que pretendam assistir, onde deverão comparecer os proponentes, condição para que as s/ propostas sejam aceites. Serão excluídas as propostas que não contenham todos os elementos solicitados.
Se os bens forem adjudicados, o promitente comprador entregará, um cheque referente a 20% do valor do preço, a título de sinal. Os restantes 80% serão pagos no ato da escritura.
A competente escritura de compra e venda, será realizada no prazo máximo de 60 dias, em data, hora e local a notificar ao comprador.
Se não for possível realizar a escritura por razões imputáveis ao promitente comprador, este perderá o sinal já entregue e atrás referido.
(…)”
No âmbito da venda designada para o dia 16-09-2016, a C… apresentou proposta, em carta fechada, para aquisição dos prédios, pelo valor de 450.000,00€, tendo também requerido que, caso a sua proposta fosse aceite, fosse notificada para proceder ao depósito de 20% do preço, nos termos do disposto no artigo 164º-4 do CIRE.
A proposta apresentada pela C… foi aceite pela comissão de credores e pelo Administrador da Insolvência.
A C… entregou o Administrador da Insolvência cheque no valor de 90.000,00€ correspondente a 20% do valor do preço.
Em 31-01-2017 a Ilustre Mandatária da C… enviou e-mail ao Administrador da Insolvência com o seguinte teor:
“(…)
Assunto: Insolvência de L…, Lda (…)
Venho por este meio solicitar se digne agendar a escritura de compra e venda dos imóveis adjudicados no processo de insolvência referido em epígrafe.
(…)”
Em 31-01-2017, o AI requereu nos autos a emissão de certidão para instrução e outorga da escritura de compra e venda, a qual foi emitida.
A escritura de compra e venda dos prédios a celebrar com a C… foi marcada para o dia 27-02-2017.
Nessa data a escritura de compra e venda não foi celebrada, dado o representante da C… não se encontrar munido de procuração, com os poderes necessários à constituição de hipoteca a favor da massa insolvente, para garantia da parte do preço não depositada, tendo a celebração da escritura sido adiada com vista a ser indicado outro representante a ter intervenção na escritura ou apresentada nova procuração.
Em 27/07/2027 o Administrador da Insolvência enviou à Ilustre Mandatária da C… e-mail com o seguinte teor:
“(…) solicito o favor de me informar quais as perspectivas da escritura ser outorgada até ao dia 10 do próximo mês de Agosto (…)”.
Em 31/07/2017 a Ilustre Mandatária da C… enviou ao Administrador da Insolvência e-mail com o seguinte teor:
«(…) tendo em conta a impossibilidade técnica da C… em assinar a escritura, teremos que aguardar por sentença de graduação de créditos que dispensará a constituição de hipoteca”.
Em 21/11/2017, a sociedade H… STC, S.A. veio, por apenso aos autos de insolvência, deduzir incidente de habilitação de cessionário, para prosseguir os autos na qualidade de credor reclamante, em substituição da C…, invocando que o crédito em causa lhe foi cedido por contrato de cessão de créditos
Em 02/03/2018, a Ilustre Mandatária da C… enviou ao Administrador da Insolvência e-mail do qual consta o seguinte:
“(…)
Venho pelo presente e-mail questionar se existe algum inconveniente em diligenciarmos pelo licenciamento do imóvel.
Até ao momento aguardamos pela graduação de créditos. Tentamos com isto economizar algum tempo.
(…)”
Em 05/03/2018, o AI apresentou nos autos requerimento, dando conhecimento do e-mail que antecede e requerendo que, se fosse caso disso, fosse autorizado o licenciamento em causa previamente à celebração da escritura.
Em 13/03/2018 foi proferido o seguinte Despacho:
“Notifique o Administrador da Insolvência de que inexiste base legal para que liquidação aguarde pela prolação de sentença de verificação e graduação dos créditos.
Pretendendo a credora hipotecária a dispensa do pagamento do remanescente do preço, a hipoteca poderá ser substituída por garantia bancária à primeira solicitação”.   
Em 06/09/2018 e após ter tido conhecimento do despacho supra referido, a Ilustre Mandatária da C… enviou ao AI e-mail com o seguinte teor:
“(…)
Vamos aguardar pela sentença.
(…)”
Em 22/01/2019 foi proferido seguinte Despacho:
“Notifique o Administrador da Insolvência de que a prolação da sentença de verificação e graduação de créditos em nada contende com a venda dos bens, pelo que inexiste fundamento para o diferimento pretendido pelo credor hipotecário”.  
Após informação prestada pelo AI que a celebração tinha estado “agendada” para o dia 13/02/2019 mas que, devido à falta de poderes do representante do “promitente comprador” para constituir hipoteca a favor da massa insolvente sobre os imóveis objecto da venda, em relação à parte do preço não depositado, a mesma não se realizou, em 19/03/2019, foi proferido o seguinte Despacho:
“Notifique o Administrador da Insolvência de que deverá, sem mais delongas, agendar a escritura e notificar o adquirente da respectiva data e local”.  
Em 26/03/2019 o Administrador da Insolvência enviou carta registada com A/R à Ilustre Mandatária da C…, notificando a mesma que a escritura de compra e venda se encontrava marcada para o dia 5 de Abril, às 15 horas, no Cartório Notarial da Dra …, sito na Avª …, em Lisboa e que a C… ali devia comparecer munida da documentação necessária para o efeito.
A C… não compareceu na data designada, tendo informado o AI que havia sido detectado um lapso na escritura de cedência de créditos, o qual iria ser sanado a fim de se proceder à celebração da escritura.
Por sentença proferida em 12/03/2021, no apenso D, foi considerada habilitada a H…, STC., S.A. para, na qualidade de credor, prosseguir os autos no lugar da C…
Em 24/01/2022 a H…  juntou aos autos requerimento no qual requereu que seja:
a) Declarada sem efeito a proposta condicional apresentada pela Credora reclamante por falta de verificação dos pressupostos de que a mesma dependia;
b) Declarada a anulação do negócio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 247.º do Código Civil ex vi do artigo 251.º do mesmo Código, por erro sobre o objeto do negócio que atinge os motivos determinantes da vontade, atendendo a que um dos imóveis é propriedade de terceiro, e que o acesso às moradias é feito através dessa propriedade, o que impossibilita o exercício dos poderes inerentes ao direito de propriedade, com consequente devolução da caução prestada;
c) Caso não venha a ser formalizada qualquer proposta de aquisição, ordenar nova publicitação da venda sem erros na informação e com a explicitação de toda a situação dos imóveis, a fim de permitir novamente a apresentação de propostas em condições de igualdade para todos os interessados.
O Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de dever ser indeferido o requerido, por falta de fundamento legal, tendo terminado o requerimento da seguinte forma:
“Tendo em conta estes considerandos, além do que consta dos autos, designadamente das informações a que alude o art.º 61º do CIRE e documentação anexa às mesmas, parece claro e inequívoco não assistir razão à requerente, devendo o requerido por esta ser indeferido e, em caso de desistência da compra, a perda do sinal entregue…”. 
Em 03/03/2022 foi proferido o seguinte Despacho:
«Sem embargo de ainda se encontrar em curso o prazo para exercício de contraditório quanto ao requerimento junto aos autos pelo Sr. Administrador de Insolvência a 16-02-2022, determino se notifique o mesmo para, em dez dias, explicitar se foi celebrado algum contrato promessa de compra e venda sobre os imóveis apreendidos à ordem dos presentes autos, atendendo a que se refere à credora requerente de 24-01-2022 como “promitente-vendedora” e à quantia de €90.000,00 como “sinal”.
Mais determino se notifique a credora requerente de 24-01-2022 para, no mesmo prazo, informar em que data (e por que forma) teve conhecimentos dos factos que ali alega como fundamento do que requer a final.»
Em 07/03/2022 o Administrador da Insolvência apresentou requerimento com o seguinte teor:
“(…) vem… informar que não foi celebrado qualquer contrato promessa de compra e venda sobre os imóveis apreendidos para a massa, atenta a credibilidade e a condição da promitente compradora (credora hipotecária) e ainda o facto de quando apresentou a proposta ter entregue o correspondente a 20% do valor proposto”.    
Em 21/03/2022, foi proferido o despacho com a refª. 414137192, com o seguinte teor:
“Não tendo sido formalizado qualquer contrato promessa de compra e venda e tendo a proponente perdido interesse no negócio, deverá o Sr. Administrador de Insolvência, tendo deixado de ter título válido para a manutenção da quantia entregue, proceder à sua devolução e diligenciar pela venda do bem.
Notifique.”
*
Inconformada a massa insolvente, representada pelo Administrador da Insolvência, interpôs recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª - O presente recurso tem por objecto o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 21-03-2022, que decidiu que o Senhor Administrador da Insolvência deve devolver ao credor hipotecário a quantia de 90.000,00€, respeitante a 20 % do valor do preço proposto por este para a compra de vários prédios que integram a massa insolvente.
2.ª - O presente recurso não se debruça sobre o pedido de anulação do negócio formulado pela H… no requerimento que apresentou em 24-01-2022 (refª. 41097172), uma vez que esta questão não foi objecto de pronúncia pelo Tribunal a quo, não cabendo por isso aqui apreciar, os fundamentos e a bondade (ou falta dela) da pretensão deduzida pelo credor hipotecário.
3.ª - A decisão recorrida, considera que não tendo sido celebrado contrato promessa de compra e venda, e tendo o proponente “perdido o interesse no negócio”, o Senhor Administrador de Insolvência deixou de ter “título válido” para a manutenção da quantia que lhe foi entregue, pelo que a deve devolver ao credor hipotecário.
4.ª - Embora tal não decorra de forma clara da decisão recorrida, pois a mesma não especifica - pelo menos de forma expressa - os fundamentos de direito que justificam a decisão, o Tribunal a quo parece considerar que, no caso em apreço há lugar a devolução da quantia entregue pelo credor hipotecário, porque não foi celebrado qualquer contrato promessa de compra e venda.
5.ª - A quantia que a C… entregou à Massa Insolvente tem a natureza de caução, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 164º do CIRE.
6.ª - Tal caução é uma garantia de pagamento do preço, que será executada no caso de o preço proposto e aceite (ou a parte dele que não esteja dispensado o credor) não seja pago e que será devolvida ao proponente assim que este deposite o preço.
7.ª - Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 825º do CPC aplicável, ex vi n.º 4 do artigo 164º do CIRE, não tendo o credor hipotecário outorgado a escritura de compra e venda, como se comprometeu, por razões que lhe são a si exclusivamente imputáveis, tal comportamento tem como consequência que i) a venda dos bens fica sem efeito, podendo ser feita através de outra modalidade e não podendo ser admitido o credor hipotecário a adquirir novamente os mesmos bens e ii) o credor hipotecário perde o valor da caução constituída.
8.ª - No caso dos autos, a quantia entregue pelo credor hipotecário à Massa Insolvente tem a natureza de caução, e não tendo sido outorgada a escritura de compra e venda, por motivos exclusivamente imputáveis ao credor hipotecário, a venda ficou sem efeito, assistindo à Massa Insolvente, o direito de fazer sua a quantia que o credor lhe entregou, nos termos do disposto nas normas conjugadas do artigo 164º- 4 do CIRE e da alínea b) do nº 1 do artigo 825º do CPC.
9.ª - O Tribunal a quo ao não ter entendido deste modo e ter considerado na decisão recorrida que o Senhor Administrador da Insolvência não dispõe de título válido para a manutenção da quantia que lhe foi entregue pelo credor hipotecário e que deve proceder à sua devolução, não interpretou, nem aplicou convenientemente e por isso violou as normas constantes do artigo 164º-4 do CIRE e do artigo 825º-1, alínea b) do CPC.
10.ª - No presente caso estamos perante a venda de bens da massa insolvente mediante propostas em carta fechada, a que se aplicam, as normas do artigo 164º-4 do CIRE e do artigo 825º-1, alínea b) do CPC, cuja aplicação ao caso em apreço, nos leva a concluir que assiste à Massa Insolvente o direito a fazer sua a quantia que lhe foi entregue pelo credor hipotecário.
11.ª - No entanto, mesmo que se considerasse não haver lugar à aplicação, no caso concreto, da norma constante do 825º-1, alínea b) do CPC, sempre se alcançaria a mesma solução, por via da aplicação do regime específico do contrato de compra e venda e das regras gerais que regem os negócios jurídicos.
12.ª - No caso em apreço, estamos perante uma situação comum aos contratos - como é o caso da compra e venda - que exigem para a sua celebração, um especial formalismo.
13.ª - A Massa Insolvente e a C… acordaram previamente e de forma informal quanto aos termos do contrato, designando um momento posterior (a data de 27-02-2017)
para a sua formalização.
14.ª - Tal como tem sido entendimento na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores e na Doutrina, existindo um acordo anterior à outorga formal do contrato, que não reveste a forma de contrato-promessa, este acordo deve ser encarado como uma etapa avançada, última e conclusiva das negociações preparatórias de um contrato.
Obtido, “de facto”, esse acordo final, apenas resta outorgar o contrato segundo a forma exigível, pelo que uma desistência unilateral injustificada após esse momento e antes da celebração formal do contrato fará incorrer o desistente em responsabilidade pré-contratual.
15.ª- No caso concreto, a outorga da escritura de compra e venda dos bens em questão só não foi celebrada por motivos exclusivamente imputáveis ao credor hipotecário (na escritura agendada para 27-02-2017, porque o representante da C… não dispunha de procuração com poderes para o efeito, e posteriormente, porque o credor hipotecário se recusou a fazê-lo, não tendo comparecido na escritura agendada para 05-04-2019).
16.ª - Ora, recusando-se o credor hipotecário a outorgar a escritura, apesar das várias interpelações e solicitações que lhe foram feitas pelo Senhor Administrador da Insolvência, deve considerar-se que o credor hipotecário incorreu em responsabilidade pré-contratual, uma vez que injustificadamente frustrou a confiança que havia criado na formalização do contrato de compra e venda ao acordar “de facto” os seus termos com o Senhor Administrador da Insolvência.
17.ª - A norma do artigo 227º do Código Civil dispõe que quem infringe as regras da boa-fé na formação do contrato, aqui se podendo compreender os casos de ruptura injustificada do processo negocial, deve responder pelos danos causados
culposamente à outra parte.
18.ª - No caso dos autos, o credor hipotecário apresentou proposta para aquisição dos prédios. Esta proposta foi aceite pelo Senhor Administrador da Insolvência e após ter sido aceite a sua proposta, a C… procedeu ao pagamento de 20% do preço acordado (90.000.00 €).
19.ª- O artigo 440º do Código Civil prevê que, se no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que ficar adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.
20.ª- Tal como tem sido entendimento da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, também nos casos, em que há uma entrega, no termo das negociações preparatórias de um contrato de compra e venda de um imóvel, de uma quantia pelo interessado comprador ao interessado vendedor, sem que tenha sido outorgado contrato-promessa, ainda que tal entrega também possa funcionar como antecipação ou princípio de pagamento do preço, dado que se tem em vista um contrato futuro, deve presumir-se que ela reveste um carácter de sinal.
21.ª- Assim, e considerando que no caso em apreço, nada foi convencionado em sentido contrário entre as partes, a quantia entregue pelo credor hipotecário ao Administrador da Insolvência, deve ser considerada como tendo a natureza de sinal, para os efeitos previstos no artigo 442º do C. Civil.
22.ª- Nos termos do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 442º do C. Civil, se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue.
23.ª- Assim sendo, assiste ao Senhor Administrador da Insolvência o direito de fazer da Massa Insolvente a quantia entregue pelo credor hipotecário.
24.ª- Ao não ter entendido deste modo, e ter considerado que o Senhor Administrador da Insolvência não dispõe de título válido para a manutenção da quantia que lhe foi entregue pelo credor hipotecário e que deve proceder à sua devolução, o Tribunal a quo, não interpretou, nem aplicou convenientemente e violou as normas constantes dos artigos 227º e 442º, nº 2 do Código Civil.
Terminou peticionando que a decisão do Tribunal a quo seja revogada e substituída por outra que determine que assiste ao Sr. Administrador da Insolvência o direito de fazer da Massa Insolvente a quantia entregue pelo credor hipotecário.
*
A apelada H…, STC, SA, contra-alegou, CONCLUINDO:
A) A recorrente interpôs recurso do douto despacho com a referência 414137192 que determinou a devolução da quantia entregue à Massa Insolvente pela C… (90.000€) aquando da apresentação de proposta de adjudicação dos bens apreendidos nos autos, considerando a perda do interesse no negócio e o facto de não ter sido formalizado qualquer contrato promessa de compra e venda.
B) O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artigo 639° n° 1 do CPC).
C) O recurso do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo foi interposto exclusivamente quanto à segunda parte do mesmo no qual se ordena que o Sr. Administrador de Insolvência - porque deixou de ter título válido para a manutenção da quantia entregue - proceda à devolução da quantia entregue pelo Credor Hipotecário. Assim, a única questão a decidir consistiria em saber se “Não tendo sido formalizado qualquer contrato promessa de compra e venda e tendo a proponente perdido interesse no negócio (…) o douto despacho ao ordenar a devolução da quantia entregue pelo Credor Hipotecário “(…) não interpretou, nem aplicou convenientemente e por isso violou as normas constantes do artigo 164º-4 do CIRE e do artigo 825º-1, alínea b) do CPC”, ou, em alternativa, “(…) não interpretou, nem aplicou convenientemente e violou as normas constantes dos artigos 227º e 442º, nº 2 do Código Civil.”.
D) No entanto, entende a recorrida que existem vários fundamentos para o indeferimento liminar do recurso, como falta de interesse em agir, falta de legitimidade (a ora recorrente não ficou vencida) e a recorrente suscita questões no recurso que não foram levantadas e como tal objecto de apreciação pelo Tribunal a quo (artigo 608º nº 2 do CPC).
E) A recorrente não tem interesse em agir na medida em que o douto despacho ordenou que esta diligencie pela venda dos bens apreendidos a favor da massa insolvente e esta parte da decisão não foi objecto de recurso. Assim, na prática, a recorrente, em cumprimento do douto despacho, diligenciará pela publicação de nova venda dos bens apreendidos e, como tal, o futuro proponente vencedor irá proceder ao pagamento da caução e, posteriormente, ao depósito do remanescente do preço.
Acresce que,
F) Os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido – nº 1 do artigo 631º CPC. A legitimidade para o recurso radica na necessidade de tutela, ou seja, na utilidade que para o recorrente, advém da procedência do recurso, cujo reverso reside no prejuízo que a decisão determina na sua esfera jurídica, que in casu como se expôs, não se verifica.
G) No conceito de parte vencida, previsto no artigo 631º, nº 1 do CPC, para efeito de legitimidade de recurso, a lei consagrou um critério material de legitimidade para recorrer, ou seja, a parte afectada objetivamente pela decisão, e não meramente um critério de legitimidade formal, em que não se obteve o que se pediu ou requereu.
H) Em momento algum a recorrente explica em que medida a decisão da qual recorreu lhe é desfavorável ou qual o prejuízo decorrente da mesma que justifica lançar mão do recurso. Nem poderia fazê-lo, pois, como se expôs, não existe qualquer prejuízo decorrente do douto despacho, uma vez que foi ordenado novo procedimento de venda (decisão esta que não foi objeto de recurso).
I) Vem a recorrente alegar que o douto despacho ao ordenar a devolução da quantia entregue pelo Credor Hipotecário, não interpretou, nem aplicou corretamente e por isso violou as normas constantes do artigo 164º n.º 4 do CIRE e do artigo 825º-1, alínea b) do CPC.
J) Entende a recorrida que também nesta sede, o recurso deverá ser rejeitado liminarmente, porquanto, no requerimento de pronúncia apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, datado de 03/02/2022, sobre o requerimento do Credor Hipotecário que deu origem ao douto despacho objeto de recurso, a recorrente não enquadrou legalmente a questão nos termos agora expostos no recurso, pelo que, o douto Tribunal a quo não foi chamado a pronunciar-se sobre a aplicação dos normativos legais agora invocados em sede recursiva (artigo 608.º n.º 2 do CPC).
K) Dispõe o artigo 639º, nº 1, do CPC que o recorrente apresenta, na sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está vedado ao tribunal de recurso apreciar as questões novas antes não suscitadas, nem apreciadas, pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 608º, nº 2, do CPC.
L) Pelos fundamentos expostos, entende a recorrida que, nos termos e ao abrigo dos artigos 652º, nº 1, b) e 655º, nº 1, do CPC, deverá ser proferida decisão de não admissão do recurso.
M) Mesmo que assim não se entendesse, o que, apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se diria que, contrariamente ao defendido pela recorrida, não seria de aplicar ao caso em análise o artigo 164.º n.º 4 do CIRE, uma vez que a proposta não foi apresentada pelo Credor Hipotecário ao abrigo do disposto no n.º 3 do referido artigo. Como resulta dos autos, o Credor Hipotecário apresentou proposta em carta fechada na terceira diligência de venda, sendo a sua proposta a única recepcionada pelo Sr. Administrador Judicial.
N) Também não tem aplicação o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 825º do CPC, ex vi do artigo 164.º n.º 4 do CIRE, uma vez que se trata de proposta apresentada pelo Credor Hipotecário e não por terceiro. Assim, não colhe o argumento da recorrente no sentido de estar no direito de fazer sua a quantia que lhe foi entregue pelo credor hipotecário.
O) Quanto aos argumentos da recorrente ínsitos nos artigos 11.º a 24.º das Conclusões do recurso, remete-se para o que se expôs em J), K) e L). Mesmo que assim não fosse o que, apenas por mera cautela de patrocínio se admite, sempre se diria que, a aplicação do disposto no artigo 440.º do CC implicaria precisamente o efeito contrário do pretendido pela recorrente, uma vez que o valor entregue pelo Credor Hipotecário correspondia à totalidade do valor a que este estaria adstrito e, como tal, resulta da Lei que seria uma antecipação total do cumprimento e não a um sinal/caução, visto que as partes não lhe atribuíram esse carácter.
P) E, nessa medida, tendo a recorrida deixado de ter interesse no negócio - considerando que a proposta era condicional e ficou provado nos autos que não se verificaram as condições de que a mesma estava dependente - deixou a recorrente de ter título válido para a manutenção da quantia entregue, pelo que, andou bem o Tribunal ao quo ao ordenar a entrega da referida quantia à recorrente.
Peticionou que o recurso seja “indeferido” e mantido o despacho proferido pelo tribunal a quo.
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A Mma Juiz a quo proferiu despacho, admitindo o recurso.
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Em 24/11/2022 foi proferido por este Tribunal da Relação o seguinte Despacho:
“Tendo em consideração o objecto do recurso e os fundamentos do mesmo e ponderando a possibilidade de este tribunal, em cumprimento da regra da substituição prevista no art.º 665º, nº 2, do C.P.Civil, vir a conhecer do requerido pela recorrida H…, STC, Lda, em requerimento apresentado nos autos em 24-01-2022, relativamente a que seja:
a) Declarada sem efeito a proposta condicional apresentada pela Credora reclamante por falta de verificação dos pressupostos de que a mesma dependia;
b) Declarada a anulação do negócio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 247.º do Código Civil ex vi do artigo 251.º do mesmo Código, por erro sobre o objeto do negócio que atinge os motivos determinantes da vontade, atendendo a que um dos imóveis é propriedade de terceiro, e que o acesso às moradias é feito através dessa propriedade, o que impossibilita o exercício dos poderes inerentes ao direito de propriedade, com consequente devolução da caução prestada, ouçam-se as partes nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do supra referido normativo.”
Na sequência deste despacho, em 28/11/2022, a recorrente apresentou requerimento no qual declarou que, uma vez que já anteriormente se tinha pronunciado sobre a questão, dava por “integralmente reproduzido o teor do seu requerimento de 03/02/2022”.
Em 09/12/2002, a recorrida H… STC, SA, pronunciou-se no sentido que o Administrador da Insolvência, ao não publicitar a venda indicando os imóveis com as suas reais características e com todos os seus vícios, ónus e encargos, não assegurou os princípios da transparência, da igualdade e da sã concorrência e que foi cometida uma nulidade processual que influiu na apresentação da proposta e nos subsequentes termos do procedimento, prejudicando, consequentemente, os interesses da Credora Hipotecária (conforme artigo 201.º do CPC ex vi do artigo 17.º n.º 1 do CIRE). Diz que tal determina, por si só, a anulação de todos os termos processuais ulteriores ao anúncio de venda, com consequente devolução do montante de 90.000€ pago pelo Credor Hipotecário. Para o caso de assim não se entender, sustentou que a impossibilidade de acesso às moradias consubstancia uma situação de erro sobre o objecto do negócio que atinge os motivos determinantes da vontade e que o torna anulável nos termos do artigo 247º do C. Civil.
Em 21/12/2022, a recorrente veio pronunciar-se sobre o requerimento da recorrida, sustentando, em síntese, que, ao contrário do que esta refere, os factos relevantes, por esta alegados no requerimento de 24/01/2022, não só não se encontram provados por documento, como foram devidamente impugnados, que o anúncio da venda não padece de qualquer irregularidade e muito menos enferma de nulidade, que a questão dos acessos aos imóveis era do perfeito conhecimento do credor hipotecário C… e que este apresentou a sua proposta de aquisição dos prédios, tendo total conhecimento da realidade dos prédios. Sustentou que o Tribunal já dispõe dos elementos necessários, designadamente da prova documental junta aos autos, para a decisão da questão suscitada pela recorrida no requerimento de 24/01/2022 ou caso assim não se entenda, que seja determinada a baixa do processo à 1ª instância, para prosseguimento dos ulteriores termos processuais, designadamente para produção de prova testemunhal, indicando desde já uma testemunha.
Em 04/01/2023, a recorrente H… veio pronunciar-se sobre o requerimento da recorrente de 21/12/2022 e indicar também, por sua vez, meios de prova, para o caso de este tribunal entender ser de ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento de ulteriores termos.
Por último, em 17/01/2023, a recorrente Massa Insolvente veio requerer que o requerimento da recorrida de 04/01/2023 seja considerado nulo, por legalmente inadmissível e ordenado o seu desentranhamento dos autos.  
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Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
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II – Questões a decidir
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a) como questões prévias – da admissibilidade dos requerimentos apresentados pela recorrente em 21/12/2022 e pela recorrida em 04/01/2023; da admissibilidade do recurso, o que passa por decidir da legitimidade e do interesse em agir por parte da recorrente para efeitos de interposição do recurso e
b) se deve, ou não, haver lugar à revogação do despacho que determinou a restituição pela massa insolvente da quantia que foi entregue pela credora/apresentante da proposta de aquisição dos imóveis apreendidos nos termos do art.º 164º, nº4, do CIRE e com que fundamento.
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III - Fundamentação
A) De facto
Atentos os elementos que constam dos autos, encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
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B) De Direito
i) Da admissibilidade dos requerimentos apresentados pela recorrente Massa Insolvente em 21/12/2022 e pela recorrida H… em 04/01/2023
 Ponderando a possibilidade de este tribunal, atento o objecto do recurso e os fundamentos do mesmo e em cumprimento da regra da substituição prevista no artº 665º, nº2, do C.P.Civil, vir a conhecer do requerido pela recorrida H…, STC, Lda, em requerimento apresentado nos autos em 24-01-2022, nomeadamente no que respeita à invocada invalidade da venda, que não foi conhecida pelo tribunal a quo porquanto prejudicada pelo despacho recorrido, foram as partes notificadas para se pronunciarem nos termos e para os efeitos do nº 3 do mesmo normativo.
Com efeito, os poderes de cognição da Relação incluem todas as questões que ao tribunal recorrido era lícito conhecer, ainda que a decisão recorrida não as haja apreciado, nomeadamente por terem ficado prejudicadas pela solução que deu ao litígio. Compete nesse caso à Relação, assegurado que seja o contraditório, resolver aquelas questões, desde que os autos disponham dos elementos necessários.  
Cada uma das partes exerceu o contraditório - pronunciou-se conforme requerimentos de 28/11 e 09/12, respectivamente -, não resultando da lei que os articulados apresentados no exercício do direito previsto no nº3 do referido artº 665º possam, nesta circunstância, ser objecto de resposta pela parte contrária.
Assim, os articulados apresentados pela recorrente Massa Insolvente em 21/12/2022 e pela recorrida … em 04/01/2023, respectivamente, não são admissíveis, pelo que se ordena o seu desentranhamento.
No que concerne ao requerimento da recorrente de 17/01/2023, a mesma limita-se ali a invocar a nulidade e consequente inadmissibilidade do requerimento da recorrida de 04/01, pelo que nada há a determinar no que ao mesmo concerne.
Custas do incidente pela recorrente e recorrida, fixando-se taxa de justiça em 1 Uc para cada.
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ii) Da (i)legitimidade da recorrente
Sustentou a apelada nas respectivas contra-alegações que a recorrente não tem “interesse em agir” na interposição do recurso, bem como não tem legitimidade para recorrer.
Conhecendo das excepções dilatórias em causa pela ordem indicada no art.º 278º, nº1, do C.P.Civil, aplicável ex vi do art.º 17º, nº1, do CIRE, cumpre decidir da invocada falta de legitimidade da massa insolvente.
Invocou a recorrida H… STC, SA, que só tem legitimidade para recorrer a parte afectada objectivamente pela decisão e a recorrente não invoca em que medida a decisão da qual recorre lhe é desfavorável ou qual o prejuízo decorrente da mesma. Com este fundamento, concluiu pela ilegitimidade da recorrente massa insolvente para interposição do recurso.
Esta, notificada, veio invocar, no exercício do contraditório, que a massa insolvente tem como objectivo primordial a satisfação dos credores e que a decisão recorrida é prejudicial aos interesses daquela e consequentemente dos credores, pois da mesma decorre um empobrecimento da massa insolvente, que se traduz na restituição ao credor hipotecário da quantia de 90.000,00 €, quando tal valor integra o activo que servirá para o pagamento aos credores.
Estabelece o art.º 631º, nº 1, do C.P.Civil, que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 15/02/2018, relator: Henrique Araújo, Proc. nº 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, in www.dgsi.pt: “A legitimidade para o recurso advém da tutela que a decisão do recurso disponibiliza ao recorrente, ou seja, na utilidade que para ele resulta da procedência do recurso.
A aferição dessa utilidade pode concretizar-se a partir de um critério formal ou material.
Pelo critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que não logrou obter o que pediu ou requereu.
Pelo critério material, tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão foi desfavorável, total ou parcialmente.
Na aferição da legitimidade ad recursum prevalece, segundo a doutrina maioritária [2 - Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, Volume V, página 266, Castro Mendes, “Direito Processual Civil”, Volume III, páginas 14/15, Armindo Ribeiro Mendes, “Recursos”, página 162, e Lebre de Freitas/Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, 2003, página 19], o critério material, abstraindo-se, portanto, do comportamento da parte recorrente na tramitação que precedeu a decisão [3 -Neste mesmo sentido, Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, página 62, e Carla Câmara, “Recursos em Processo Civil: Regime dos Pressupostos após a Reforma de 2007”, Revista do CEJ, n.º 12, página 260. Em sentido contrário, Rui Pinto, “O Recurso Civil – Uma Teoria Geral”, 2017, página 171, defendendo que o critério formal é o critério essencial para aferição da legitimidade para recorrer, atribuindo ao critério material um papel secundário a relevar apenas em sede de decisões proferidas oficiosamente pelo tribunal]”.
A questão que é colocada no presente recurso reporta-se a incidente ocor­rido na fase da liquidação do activo em processo de insolvência e após ter sido determinada pelo Administrador Judicial a venda por negociação particular dos imóveis integrantes do património da insolvente. Após ter sido aceite pelo Administrador a proposta apresentada pela C… para aquisição dos imóveis e tendo esta procedido ao depósito de 20% do valor acordado, foi marcada para o dia 27.02.2017 a realização da escritura de compra e venda, a qual não se realizou nessa data em virtude de a C…, credora hipotecária, haver requerido a dispensa do depósito do preço e dado que ainda não tinha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, o representante da credora não se mostrar munido de procuração com poderes especiais para efeitos da constituição da hipoteca a que alude o art.º 815º, nº3, do C.P.Civil. 
Entretanto ocorreram diversas vicissitudes, tendo vindo a ser proferido Despacho que determinou a restituição à H…, credora habilitada no lugar da C…, da quantia supra aludida e que o AI diligenciasse pela venda dos bens.
O recurso tem por objecto a decisão que determinou a devolução da quantia em causa.
O conceito de massa insolvente encontra-se previsto no art.º 46º do CIRE, segundo o qual esta é constituída por todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
É através da liquidação da massa insolvente que se obterá o produto para satisfação dos interesses dos credores da insolvência e a matéria da liquidação da massa insolvente vem regulada nos artigos 156º a 170º do CIRE. Cabe ao administrador da insolvência proceder com prontidão à venda de todos os bens apreendidos para a massa, independentemente da verificação do passivo e desde que observadas as condições estabelecidas no n.º 1 do artigo 158º do CIRE.
Assim, a massa insolvente, representada pelo AI, tem legitimidade para recorrer do despacho que determinou a restituição à respectiva credora da quantia de €90.000,00, uma vez que tal significa que esta deixe de fazer parte da massa e, nessa medida, não possa ser considerada para efeitos de satisfação dos credores e isto independentemente do valor pelo qual os bens venham a ser vendidos.
Nestes termos, entende-se que a recorrente tem legitimidade para interposição do recurso.
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iii) Da invocada falta de interesse em agir
Diz ainda a recorrida que a recorrente não tem interesse em agir, na medida em que o despacho proferido pelo tribunal a quo também ordenou que o AI diligencie pela venda dos bens apreendidos a favor da massa insolvente e esta parte da decisão não foi objecto de recurso.  Assim, irá ser realizada a venda dos bens apreendidos e recebida a respectiva quantia, pelo que diz não haver interesse em agir por parte da massa insolvente na interposição do recurso.
A recorrente sustentou que a decisão recorrida, ao determinar a devolução pela massa insolvente ao credor hipotecário da quantia de 90.000,00€, ao invés de reconhecer e decidir que assiste à massa insolvente, o direito a fazer sua tal quantia, afecta e prejudica os interesses dos credores, em particular dos credores titulares de créditos comuns, na medida em que com esta decisão – caso a recorrente não tivesse recorrido - se veêm privados de ver ingressar tal valor no activo e consequentemente de ver satisfeitos, pelo menos parcialmente, o valor dos créditos que reclamaram e lhes foram reconhecidos no processo de insolvência.
A afirmação do interesse em agir como verdadeiro pressuposto processual visa assegurar que o direito de acção seja efectivamente exercido para tutela do direito correspondente.
O interesse processual ou interesse em agir, sendo diferente da legitimidade tem, todavia, em comum com este conceito o dever ser aferido, objectivamente, pela posição alegada pelo autor, que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito (cf. Sousa, Miguel Teixeira de, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, p. 97).
A acção há-de ser indispensável à resolução do litígio e há-de ser adequada, no sentido de que é a acção o meio apto à consecução do resultado.
"O interesse processual (ou interesse em agir) pode ser definido como o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de uma situação subjectiva através de um determinado meio processual e o correspondente interesse da parte passiva em impedir a concessão daquela tutela" (Sousa, Miguel, op. cit., p. 99).
O facto cuja existência se pretende que seja declarada não pode ser um facto qualquer. Tem de ser um facto jurídico, ou seja, um facto juridicamente relevante (Varela, Antunes, Manual de Processo Civil, 2.a ed., p. 21).
É facto jurídico todo aquele de que promanam efeitos jurídicos, sendo juridicamente irrelevante todo o que nenhuma alteração produz na ordem jurídica (Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 2002, pp. 9, 11 e 17).
O interesse em agir apresenta-se como um interesse instrumental em relação ao interesse substancial primário, pressupondo "a lesão de tal interesse e a idoneidade da providência requerida para a sua reintegração ou tanto quanto possível integral satisfação" - Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, voI. II, 1982, p. 253).
Escreve, por seu turno, Manuel de Andrade, in Noções Elementares, pp. 78/82 - que o interesse em agir [na Alemanha designado por "necessidade de tutela jurídica"]: " ... Consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial".
Antunes Varela (Manual de Processo Civil, pp. 181 e 186/187), defende que se exige:
"Uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais que isso" [ ... ] "só quando a situação de incerteza contra a qual o autor pretende reagir através da acção de simples apreciação, reunir os dois requisitos postos em destaque - a objectividade, de um lado; a gravidade, do outro - se pode afirmar que há interesse processual" [ ... ] Será objectiva a incerteza que brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor [ ... ].A gravidade da dúvida medir-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor".
Humberto Theodoro Júnior (in Curso de Processo Civil, voI. I, Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 59), citado no ac. do STJ, de 16-9-2008, in http://www.dgsi.pt/(relator Fonseca Ramos) escreve: "O interesse de agir, que é instrumental e secundário, surge da necessidade de obter através do processo a protecção ao interesse substancial. Entende--se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exactamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais".
Atento o que fica referido, não há dúvidas que, entendendo a recorrente que não assiste à recorrida o direito à restituição da quantia que foi por esta entregue ao Administrador da Insolvência nos termos do disposto no art.º 164º, nº4, do CIRE, conforme foi determinado pelo tribunal a quo e que o despacho recorrido violou o disposto no art.º 825º, nº1, b) do C.P.Civil, existe por parte daquela interesse em agir na interposição do presente recurso.
Improcede, assim, também esta excepção.
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iv) No que concerne à questão suscitada pela recorrida de o recurso dever ser liminarmente rejeitado, com fundamento no facto de, no requerimento de pronúncia apresentado pelo Administrador da Insolvência em 03/02/2022 sobre o requerimento do credor hipotecário  que deu origem ao despacho objecto de recurso, a recorrente não ter enquadrado legalmente a questão nos termos agora invocados em recurso, não pode proceder o invocado. O recurso foi interposto do despacho que determinou a restituição à credora da quantia depositada nos termos do artº 164º, nº 4, do CIRE e é este despacho que cumpre decidir se deverá, ou não, ser mantido, não constituindo o invocado fundamento para rejeição liminar do recurso.
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v) No que respeita à manutenção, ou não, do despacho sob recurso, resulta da factualidade apurada que foi designada nos autos que a realização da venda dos imóveis apreendidos por negociação particular.
No âmbito da venda designada, a C… apresentou proposta, em carta fechada, para aquisição dos prédios, pelo valor de 450.000,00€, tendo também requerido que, caso a sua proposta fosse aceite, fosse notificada para proceder ao depósito de 20% do preço, nos termos do disposto no artigo 164º-4 do CIRE.
A proposta apresentada pela C… foi aceite pela comissão de credores e pelo Administrador da Insolvência, tendo aquela entregado ao Administrador da Insolvência um cheque no valor de 90.000,00 € correspondente a 20% do valor do preço.
Em 31-01-2017 a Ilustre Mandatária da C… enviou e-mail ao Administrador da Insolvência, solicitando a marcação da escritura, a qual veio a ser designada para o dia 27-02-2017.
Nessa data a escritura de compra e venda não foi celebrada dado o representante da C… não se encontrar munido de procuração com os poderes necessários para efeitos da constituição de hipoteca a favor da massa insolvente, com vista à garantia da parte do preço não depositada. A celebração da escritura foi adiada de modo a que fosse indicado outro representante a ter intervenção na escritura ou apresentada nova procuração. Depois de vicissitudes várias, em 26/03/2019 o Administrador da Insolvência enviou carta registada com A/R à Ilustre Mandatária da C…, notificando a mesma que a escritura de compra e venda se encontrava marcada para o dia 5 de Abril.
A C… não compareceu na data designada, tendo informado o AI que havia sido detectado um lapso na escritura de cedência de créditos à H…, que já havia deduzido incidente de habilitação de cessionário, para prosseguir os autos na qualidade de credor reclamante, em substituição da C… e que o lapso iria ser sanado a fim de se proceder à celebração da escritura.
Por sentença proferida em 12/03/2021, no apenso D, foi considerada habilitada a H…, STC., S.A. para, na qualidade de credora, prosseguir os autos no lugar da C… e em 24/01/2022 esta juntou aos autos requerimento no qual requereu que seja:
a) Declarada sem efeito a proposta condicional apresentada pela Credora reclamante por falta de verificação dos pressupostos de que a mesma dependia.
O Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de dever ser indeferido o requerido, por falta de fundamento legal.
Na sequência do declarado por este, o tribunal a quo determinou que o Administrador da Insolvência informasse se havia sido celebrado algum contrato promessa de compra e venda sobre os imóveis apreendidos à ordem dos presentes autos, tendo o mesmo declarado que não tinha tido lugar a celebração de tal contrato.
Foi, então, proferido despacho determinando a devolução da quantia entregue à credora, uma vez que não tinha sido formalizado qualquer contrato promessa de compra e venda e a proponente tinha perdido interesse no negócio.
Está em causa a venda de imóveis realizada em sede de liquidação do activo, imóveis esses que foram apreendidos à devedora/insolvente.
Nos termos do disposto no nº 1 do art.º 164º do CIRE, a alienação dos bens compreendidos na massa insolvente é feita, designadamente, por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo, embora preferencialmente por venda em leilão electrónico.
In casu foi escolhida a venda por negociação particular – embora com recurso à apresentação das propostas em carta fechada -, que é uma modalidade de venda em pro­cesso judicial mas que se efectua sem a participação do tribunal, não se lhe aplicando genericamente o disposto para a venda judicial mediante propostas em carta fechada. Como referem Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, em Código de Processo Civil anotado, vol. 3.º, pág. 602-603, ed. 2003, Coimbra Editora, a venda por negociação particular está sujeita ao regime geral da compra e venda de direito civil, incluindo as disposições respeitantes à forma do contrato.
No presente caso estamos perante um contrato de compra e venda de bens imóveis, sendo exigível a sua celebração por escritura pública ou documento particular autenticado – art.º 875º do C. Civil. O Administrador da Insolvência designou várias datas para a celebração da escritura.
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/04/2015, relatora Sílvia Pires, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «O acordo anterior à outorga formal do contrato, não revestindo a forma de contrato-promessa, deve ser encarado como uma etapa avançada, última e conclusiva das negociações preparatórias de um contrato. Obtido, “de facto”, esse acordo final, apenas resta outorgar o contrato segundo a forma exigível, pelo que uma desistência unilateral injustificada após esse momento e antes da celebração formal do contrato fará incorrer o desistente em responsabilidade pré-contratual.»
Estabelece o art.º 227º, nº1, do C. Civil:
“Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”
Com efeito, refere Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, vol. I, 7.ª ed., Almedina, pág. 359:
“Ao referir-se simultaneamente aos preliminares e à formação do contrato, a lei esclarece-nos que a responsabilidade pré-contratual abrange simultaneamente a fase negociatória, que decorre desde o início das negociações até à emissão da proposta contratual, e a fase decisória, que decorre desde a emissão da proposta contratual até à conclusão do contrato, com a sua aceitação. A lei não distingue os tipos de contratos abrangidos, pelo que a responsabilidade contratual pode ser aplicada a todo e qualquer contrato, e não apenas aos contratos obrigacionais.”
Continua depois o mesmo autor, citando Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, I-I, pp. 504 e 513 e ss, do dever de actuar segundo a boa fé derivam três tipos de deveres pré-negociais:
- deveres de protecção, de informação e deveres de lealdade.
Diz ainda o mesmo autor:
“Estes deveres são impostos em virtude do princípio da boa fé, correspondendo assim aos vectores deste princípio, como seja a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, sendo neste caso primordial o primeiro vector. É a violação desses deveres que gera a culpa in contrahendo, a qual, conforme Galvão Telles756 (Obrigações. p. 71), abrange fundamentalmente três situações:
1) a interrupção ou ruptura das negociações, levando a que o contrato não se venha a celebrar;
2) a celebração do contrato, em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou ineficácia;
3) a celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi celebrado gere danos para uma das partes.
Relativamente à ruptura das negociações, (…) Apenas quando na outra parte tenha sido criada a confiança justificada de que o contrato iria ser concluído e ocorre uma ruptura das negociações sem motivo legítimo é que se pode considerar ter ocorrido uma violação das regras da boa fé, único caso em que a responsabilidade pré-contratual se aplica”- vd ainda, entre outros, Nuno Pinto Oliveira, em Princípios de direito dos contratos, ed. 2011, Coimbra Editora, pág. 217-218, Paulo Mota Pinto, em Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, vol. II, , ed. 2008, Coimbra Editora, pág. 1347.
Com efeito, não obstante o que consta dos anúncios publicitados para a venda, não foi celebrado qualquer contrato promessa de compra e venda, nem tinha que o ser, mas a perda de interesse por parte da credora na celebração do negócio, contrariamente ao que consta do despacho do tribunal a quo, não pode, sem mais e caso não seja justificada, dar lugar a que lhe seja restituída a quantia que já havia entregue ao Administrador da Insolvência nos termos do art.º 164, nº4, do CIRE. Segundo este normativo, a proposta de aquisição só é eficaz se for acompanhada, como caução, de um cheque visado à ordem da massa insolvente, no valor de 10 /prct. do montante da proposta, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 824.º e 825.º do Código de Processo Civil. Estabelece este normativo as consequências da falta de depósito da parte restante do preço, podendo o agente de execução, in casu, o AI:
“a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos”.
Os fundamentos invocados pelo tribunal a quo não permitem sustentar o decidido no despacho recorrido, pelo que, com essa fundamentação, não poderia o mesmo ser mantido.
Há, então, como se consignou no despacho proferido em 24/01/2022 e em cumprimento da regra da substituição prevista no art.º 665º, nº2, do C.P.Civil, que apreciar se existe fundamento para que, conforme o requerido pela recorrida H…, STC, Lda, em requerimento apresentado nos autos em 24-01-2022, seja:
a) Declarada sem efeito a proposta condicional apresentada pela Credora reclamante por falta de verificação dos pressupostos de que a mesma dependia;
b) Declarada a anulação do negócio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 247.º do Código Civil ex vi do artigo 251.º do mesmo Código, por erro sobre o objeto do negócio que atinge os motivos determinantes da vontade, atendendo a que um dos imóveis é propriedade de terceiro, e que o acesso às moradias é feito através dessa propriedade, o que impossibilita o exercício dos poderes inerentes ao direito de propriedade, com consequente devolução da caução prestada.
Começou a credora, ora apelada, por invocar para sustentar a sua pretensão que a credora hipotecária apresentou uma “proposta condicional” de aquisição dos bens, fazendo depender a sua validade/manutenção das seguintes condições cumulativas:
1) inexistência de ónus ou encargos e de pessoas e bens;
2) inexistência de qualquer contrato de arrendamento e que veio a apurar que a licença de construção a que o anúncio para publicitação da venda fazia menção deixou de ser válida após 28/12/2011.
Diz que a proposta foi apresentada no pressuposto dos imóveis terem licença de construção e que, anunciada a venda de bem diferente do que foi apreendido, verifica-se uma irregularidade que, porque suscetível de influir na venda e, por isso, de prejudicar os Credores e proponentes, constitui nulidade, que determina a anulação de todos os termos processuais ulteriores ao anúncio da venda.
Sustentou ainda que da certidão predial e da caderneta predial do prédio urbano sito na Av. … 100-B, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob a ficha n.º …, da União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na matriz sob o art.º … da referida União das freguesias, consta que o mesmo corresponde a “casa de cave e rés-do-chão para habitação e pátio”/”habitação”.
Apurou que o n.º de polícia 1…-B é, na realidade, a garagem do prédio com o n.º de polícia 1… e não é independente do edifício, conforme resulta da certidão predial e caderneta predial que junta, que a área do prédio com o n.º de polícia 1…-B corresponde à área do 1…, 1…-A e 1…-B e que dos referidos documentos juntos resulta, assim, que o prédio em causa, que constava do anúncio de venda e para o qual a Credora apresentou proposta de adjudicação, é propriedade da empresa V… Unipessoal Lda, NIF …, com sede no Bairro …, Arganil.
Diz que apurou também que o acesso a quatro das moradias (correspondentes ao prédio urbano com a área de 302 m2, sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob a ficha n.º …,  da União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na matriz sob os art.ºs …, … e … da referida União das freguesias), é feito única e exclusivamente por este prédio propriedade de terceiro, pois não existe outro acesso nem ligação à estrada, conforme diz resultar do Doc. 6 que junta.
Que o acesso aos lugares de estacionamento, no piso subterrâneo que está construído no subsolo das moradias e do prédio de terceiro, é feito através deste último prédio, sendo que não existe qualquer servidão de passagem e que do anúncio de venda não consta qualquer informação no sentido de que o acesso ao prédio urbano, sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob a ficha n.º …, da União das freguesias de Marvila, S. Iria da Ribeira de Santarém, S. Salvador e S. Nicolau, inscrito na matriz sob os art.ºs …, … e … da referida União das freguesias, se faz através de prédio de terceiro.
Com estes fundamentos, sustentou que a proposta apresentada tem que ficar, assim, necessariamente sem efeito, uma vez que o foi no pressuposto de todos os imóveis dela constantes serem bens apreendidos a favor da massa insolvente (e não de terceiro) e ainda de ser possível exercer os poderes inerentes ao direito de propriedade e que, mesmo
que assim não se entendesse, a impossibilidade de acesso às moradias, consubstancia, nos termos e para os efeitos o disposto no artigo 251.º do Código Civil uma situação de erro sobre o objeto do negócio que atinge os motivos determinantes da vontade, e que o torna anulável nos termos do artigo 247.º do Código Civil ex vi daquele artigo.
O AI respondeu que, com o seu relatório a que alude o art.º 155.º do C.1.R.E., anexou ao mesmo a minuta do anúncio publicitário da venda, ao qual não houve qualquer oposição. A venda foi anunciada nos precisos termos indicados pela Credora Hipotecária C…, tendo inclusive esta dado a sua anuência à minuta do anúncio, como igualmente se constata do mail que junta. A referida minuta, além de reproduzir a pretensão da Credora Hipotecária, também refere que os imóveis, são vendidos no estado físico e jurídico em que se encontram.
Diz também que era do conhecimento da Credora Hipotecária a situação do "empreendimento".
Vejamos.
Salvo os casos expressamente regulados no CIRE, as vicissitudes que afectam a venda têm de ser solucionadas de acordo com o regime jurídico previsto no CPC para o processo executivo, solução essa que, de resto, se mostra em plena concordância com o regime do 17º do CIRE, que determina que o processo de insolvência se rege pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições daquele Código.
No que concerne desde logo à invalidade da venda judicial, como refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL Editora, 2019, Reimpressão, págs. 913 e ss:
“1. O ato de venda judicial pode ser impugnado por invalidade material, invalidade processual e por ineficácia superveniente, consoante tenha lugar um vício de violação da lei substantiva, um vício de violação da lei processual ou uma ausência de efeitos que não corresponda a uma específica violação normativa.
Para tal devem, prima facie, ser chamados à colação os artigos 838º a 841º.
(…) o regime processual civil de invalidades tem uma capacidade expansiva maior do que decorre do seu teor literal e (…) os regimes gerais civis não podem ser aplicados sem consideração dos princípios públicos de processo civil e da venda executiva.
É que, se é certo que as normas de direito privado podem ser aplicadas em consideração ao caráter subsidiário do regime geral dos atos jurídicos, de que o processo também não deixa de ser composto, e em consideração aos efeitos patrimoniais privados da venda executiva, porém, não estamos perante um contrato, mas perante uma transmissão executiva. Esta não pode ser sujeita à instabilidade (limitada, é certo) que o regime civil da declaração negocial acarreta.
(…)
2. Deste modo, diríamos que há invalidades materiais absolutas que, na ausência de norma processual especial, são regidas pelo Código Civil: a falta de personalidade ou capacidade – do terceiro, não da parte, pois para esta valem as regras processuais -, a venda de coisa alheia, a impossibilidade física ou legal, a contrariedade ou inadmissibilidade legal e a contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes.
Elas correspondem a valores que são condições da existência do próprio tráfego jurídico privado e que, por isso, não podem ser postergadas.
Remetemos, em consequência, para o Código Civil.
3. Ao contrário, as invalidades materiais relativas merecem uma cuidada ponderação de interesses entre a execução e o terceiro: (i) erro na formação da vontade, o (ii) vício na formação da vontade e (iii) a divergência entre a vontade real e a vontade declarada”.
Continua a referir o mesmo autor relativamente ao erro na formação da vontade: “no plano abstrato, o erro na formação da vontade do adquirente do bem na ação executiva pode decorrer de coação moral, conforme o artigo 255º CC (…)”, podendo “(…) configurar-se atos de venda praticados por coação moral sobre o terceiro, sujeitos às regras gerais”.
Já quanto ao erro sobre os motivos, acompanhando o autor em referência, “temos muitas dúvidas que se possa relevar no processo o erro sobre os motivos – económicos, pessoais – que estiveram na base da aquisição por parte do terceiro. (…)
Para uma e outros valem aqueles regimes civis gerais, embora nos pareça que somente a coação moral tenha relevância jurídica.
Já relativamente ao erro sobre o objeto, os artigos 838º e 840º preveem normas especiais em matéria de existência, titularidade, conteúdo e objeto do direito transmitido.
(…) o artigo 838º, nº1, determina que a venda executiva pode ser anulada caso se reconheça a existência de:
a. ónus oculto: ónus ou limitação que, sendo eficaz em face da penhora (cf. artigo 819º CC) – v.g. direito real de gozo, direito real de aquisição, redução de doação – não fosse tomado em consideração, i. e., de que não foi dado conhecimento ao adquirente – ainda que estivesse registado – e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, (…)
b.  falta de conformidade com o que foi anunciado, tanto quanto à identidade como quanto à qualidade da coisa, incluindo o defeito.
Exemplo: divergências entre a descrição do prédio a vender feita no registo predial e incluída nos anúncios e editais que publicitaram tal venda, e a real composição do mesmo prédio.
É somente neste nº 1 do artigo 838º que se devem procurar os requisitos e efeitos do erro sobre o objeto, não no Código Civil.
Efetivamente, tanto no caso de ónus oculto, como de desconformidade objetiva, o erro sobre o objeto vendido não apresenta, nomeadamente, o requisito geral subjetivo (cf artigos 247º e 251º CC) da cognoscibilidade para o declarante (in casu, o Estado, através do agente de execução) da essencialidade para o declaratário (o terceiro adquirente) do elemento sobre que incidiu o erro em questão por parte do declaratário. Isto porque o interesse do adquirente prevalece sobre o interesse do exequente ou do credor reclamante(sublinhado nosso).
De tudo o que fica exposto, conclui-se que sempre que ocorram os vícios na formação de vontade do comprador que caiam sob a alçada do n.º 1 do art.º 838º do CPC, a anulação da venda executiva rege-se exclusivamente pelo regime jurídico previsto neste artigo, o qual determina que:
“Se depois da venda se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir na execução a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906º do CPC”.
É face ao disposto neste artigo que deve ser decidida a invocada invalidade e não nos termos do disposto no art.º 195º do aludido código, como a apelada invocou, sendo que o tribunal é livre na qualificação dos factos – cfr art.º 5º, nº3, do mesmo C.P.Civil.
A existência de desconformidade entre as características do imóvel, objecto da venda e a descrição que do mesmo foi feita no respectivo anúncio, confere ao comprador o direito a deduzir pretensão de anulação da venda, nos termos enunciados no art.º 838º supra referido.
«A anulação da venda executiva com fundamento em “erro sobre a coisa” está dependente da verificação de dois pressupostos cumulativos: a) que o ato que concretizou a venda esteja viciado por erro acerca da identidade ou a qualidade da coisa transmitida; e b) que esse erro provenha de falta de conformidade entre a identidade ou as qualidades da coisa e aquilo que tiver sido anunciado.
Reafirma-se, para além destes dois requisitos a lei não exige outros para que a venda executiva seja anulada, de onde resulta que, contrariamente ao que acontece com a anulação da venda com fundamento nos art.ºs 247º e 251º do CC, no caso particular da venda executiva, a lei não exige a verificação do requisito da essencialidade do erro para o declarante, sequer que o declarante desconhecesse o vício.
Quando a venda executiva esteja viciada por um dos enunciados vícios assiste ao comprador/remidor o direito, não só a requerer a anulação da venda, como a ser indemnizado (art.º 836º, n.º 1 do CPC).
Note-se que os dois enunciados fundamentos de anulação (existência de ónus ou limitações não considerados e erro sobre a coisa transmitida) visam a tutela do comprador/remidor e daí que se encontre na sua exclusiva disponibilidade a opção de requerer ou não a anulação da venda.» - cfr Ac. da RG de 08-10-2020, Proc. 1408/13.7TBVCT-I.G1, relator: José Alberto Moreira Dias, o qual pode também ser consultado in: www.dgsi.pt.
No caso, verifica-se desde logo que se fez constar dos anúncios publicitados para efeitos da venda que os bens seriam vendidos “no estado físico e jurídico em que se encontram” e que «nos referidos prédios se encontra em fase de construção "uma urbanização", já executada em cerca de 60%, em condomínio fechado, composta por: 9 moradias, sendo 6 de tipologia T2 e 3 de Tipologia T3 e cave com 9 arrecadações e 26 lugares de estacionamento, a qual tem subjacente a licença de construção n°. 9033/2009, emitida em 30/12/2009».
Resulta do documento emitido pela Câmara Municipal de Santarém, em 16-02-20, documento esse junto pela ora recorrida como doc. nº 1 com o requerimento de 24-01-2022, que foi, efectivamente, emitido o alvará de licença de construção nº 9033/2009, datada de 30 de Dezembro de 2009 e   que esteve válida até 28 de Dezembro de 2011. Tal factualidade não foi impugnada pelo Administrdor da Insolvência. 
Ou seja, quando os anúncios foram publicados já a licença de construção referida nos mesmos tinha caducado há mais de 4 anos, sendo certo que o Administrador da Insolvência nunca invocou que a credora soubesse, aquando da publicação dos anúncios, que a licença de construção tinha já caducado.
Um destinatário normal e médio perante o teor do referido anúncio, não pode deixar de concluir que os imóveis apreendidos fazem parte de urbanização em fase de construção que dispõe de licença de construção válida, o que não corresponde à realidade.
Estamos em presença de um erro acerca da qualidade da coisa objecto de venda, erro esse que provém de falta de conformidade entre a qualidade jurídica real e aquilo que foi anunciado, o qual não pode deixar de ser considerado relevante (sobre a desconformidade em termos de limitações ao direito de edificar relacionado com o problema da falta de licenças de construção para efeitos de anulabilidade da venda nos termos do artigo 905º do C. Civil vd. Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 1994, pág. 221).
Refere Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Executivo, 4.ª edição, Almedina, pág. 520, quanto a imóvel vendido, que "(...) constitui fundamento de anulação da venda (...) a circunstância de não possuir licença de habitabilidade." Cita o mesmo autor, na nota 1766, o Ac. da RP de 29/11/1999 (Proc. 9950929), cujo sumário pode ser consultado in www.dgsi.pt e segundo o qual:
“I - A falta de licença de habitabilidade de um imóvel vendido em execução constitui limitação que excede os limites normais inerentes ao direito arrematado, susceptível, por isso, de fundamentar a anulação da respectiva venda nos termos do art.º 908º, nº 1, do Código de Processo Civil” (ora art.º 838º).
Refira-se ainda que o facto de o art.º 164º, nº6, do CIRE, ao estabelecer que à venda de imóvel em que esteja em curso de edificação, uma construção urbana, se aplica o disposto no nº 6 do art.º 833º do C.P.Civil, ou seja, dispensar, para efeitos de venda à ordem do respectivo processo, a apresentação da licença de construção, não colide com o que supra ficou referido. Não está em causa a não apresentação/existência de licença de construção, mas o facto de a venda dos imóveis ter sido publicitada como detendo tal licença, o que não se verifica.
Atento tudo o que ficou dito, a invocada desconformidade constitui fundamento de anulação da venda nos termos do art.º 838º, nº1, do C.P.Civil, anulação essa que tem como consequência, a restituição do que tiver sido prestado – cfr art.º 289º, nº 1, do C.Civil.
Cumpre ainda referir que não chegou a ser celebrada a escritura de compra e venda dos imóveis, não estando ainda concluída a venda quando a anulação foi requerida, pelo que não colocam questões quanto à tempestividade do incidente deduzido.
Desta forma, a credora tem direito à restituição da quantia entregue a título de “caução”, pelo que, embora com fundamentação diversa, deve ser mantida a decisão recorrida, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no requerimento apresentado por aquela em 24/01/2022.
*
IV – Decisão
Em face do exposto acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, no conhecimento, ao abrigo do disposto no art.º 665º, nº2, do C.P.Civil, da anulação da venda requerida pela credora/recorrida,  em julgar o recurso interposto pela recorrente improcedente e, em consequência, embora com fundamentação diversa, mantém-se a decisão recorrida.
*
Custas pela massa insolvente.
Registe e Notifique.                                                 

Lisboa, 07/03/2023
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro