Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4993/20.3T8LRS.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
DANO DE PRIVAÇÃO DE USO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) A privação de um bem antes disponível no património do lesado constitui diminuição daquele património, bastando à prova perfunctória ou de primeira aparência do dano, sem prejuízo da demonstração em contrário que caberá ao obrigado a indemnizar: a indemnização decorre da privação do bem, sem prejuízo da demonstração de que, nas concretas circunstâncias de facto, nenhum dano se verificou.
II) Não se provando que o Autor tenha suportado concretas despesas para suprir a falta do veículo ou tenha deixado de auferir proventos concretos em razão dela, a indemnização tem de, necessariamente, fundar-se na equidade ponderando o tempo  do larguíssimo período de privação do uso do veículo, a utilização que o Autor dele fazia e o valor do bem.
(AAC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO[1]

J… instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra E… – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe € 13.781,08, a título de indemnização por danos patrimoniais, € 20.900,00, a título de indemnização pela privação de uso do veículo, € 9.000,00, a título de indemnização por dano biológico, e € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que ,nas circunstâncias de tempo e lugar que menciona, conduzia o seu motociclo quando foi embatido por um automóvel que, saindo de um parque de estacionamento, não respeitou a obrigação de cedência de passagem, estando a respectiva responsabilidade civil transferida para a Ré por via de um contrato de seguro, vigente à data do sinistro.
A Ré contestou, em síntese, admitindo a ocorrência do acidente de viação e a responsabilidade do veículo seu segurado pelo sinistro, assim como o valor atribuído ao motociclo pela perda total, mas impugnando tudo o mais.
O Autor desistiu do pedido referente ao pagamento das quantias alegadamente devidas como ressarcimento do período de ITA causado pelo acidente e, seguidamente, a Ré procedeu ao pagamento do valor correspondente à indemnização pela perda total do motociclo no montante de € 9.695,00.
Cumprido o demais legal, houve audiência de julgamento após a qual foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré no pagamento ao Autor de € 8.301,55, soma dos juros vencidos sobre o valor da indemnização pela perda total do veículo com a indemnização devida pela privação do respectivo uso, absolvendo-a no mais.
O Autor interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
A) O tribunal “a quo” julgou parcialmente improcedente a acção interposta pelo Apelante contra a Apelada, no âmbito da qual peticionava o pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais na sequência de sinistro.
B) Porquanto, a 15.07.2015, dia do seu aniversário, o Apelante sofreu um acidente de viação, pelo qual a Apelada assumiu a responsabilidade pela regularização dos danos, transferida para esta por efeito de contrato de seguro.
C) O motociclo do Apelante fora considerado perda total e apesar de ter sido apresentada e aceite uma proposta para regularização desse dano, as negociações frustraram-se devido á exigência de recibo de quitação com o qual o Apelante não concordava.
D) Só a 28.02.2022 é que a Apelada efectuou o pagamento da indemnização pela perda total do veículo, já na pendência da acção, fazendo enfim cessar o dano de privação de uso, fixado em 802 (oitocentos e dois) dias.
E) O Apelante desistiu do pedido relativamente à perda total do veículo, prosseguindo a acção relativamente ao peticionado relativamente a equipamento extra comprado para o motociclo - e que fazia parte integrante daquele à data do sinistro [“top case”, silenciador de escape, protecções, entre outros, no valor de €3.214,12 (três mil duzentos e catorze euros e doze cêntimos)]; quanto ao dano de privação de uso à razão de €110,00 (cento e dez) euros diários, bem como, €7.000,00 (sete mil euros) de indemnização a título de dano biológico e €5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos morais.
F) A douta sentença condenou a Apelada ao pagamento de €8.301,55 (oito mil trezentos e um euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativos ao dano de privação de uso, à razão de €10,00 (dez euros) diários, pelo período de 802 (oitocentos e dez) dias, acrescido de juros contados a partir da data da citação.
G) Absolvendo a Apelada do demais peticionado pelo Apelante.
H) Posição com a qual o Apelante não concorda.
I) A douta sentença considera incorrectamente considerado como Não Provados os factos constantes nos Pontos a), c), d) e e).
J) No que se refere ao Ponto a), salienta-se que o relatório de peritagem junto pela Apelada como Documento n.º 2 junto com a Contestação, que configura Relatório de Peritagem Final, inclui na listagem de reparações necessárias ao motociclo do Apelante e anexa ao Relatório de Perda Total, na última página elenca: “SILENCIOSO ESCAPE” – 534,85, bem como “TOP CASE” – 250,00 e “SUPO INF TOP CASE” – 91,46, que correspondem a alguns dos equipamentos danificados cuja compensação o Apelante peticiona, que não são vendidos de origem com o motociclo, foram adquiridos pelo próprio e ficaram igualmente danificados, como resulta do relatório de peritagem, razão pela qual deve ser considerado como Facto Provado que o Apelante adquiriu aquele equipamento, o que representou uma despesa de €3.214,22 (três mil duzentos e catorze euros e vinte e dois cêntimos), conforme os orçamentos apresentados pelo Apelante.
K) Relativamente ao Ponto c), entendeu o tribunal “a quo” que o Apelante não fez prova de que o aluguer de um veículo com características semelhantes teria um custo de €110,00 (cento e dez euros) por dia, o que é falso. Com a Petição Inicial foi junto o Documento n.º 14, que corresponde a orçamento para aluguer diário de uma BMW GS 850 – motociclo de características semelhantes ao motociclo do Apelante -, em empresa de aluguer de motociclos de Lisboa, que, portanto, reflecte a realidade portuguesa relativamente ao custo de aluguer destes veículos, devendo o mesmo ser considerado como Facto Provado.
L) No que concerne aos Pontos d) e e), estes foram erroneamente considerados como Não Provados, na medida em que se encontra devidamente documentado o historial clínico do Apelante após o sinistro, designadamente através dos Documentos n.º 5 e 6 juntos com a Petição Inicial. Destes documentos resulta que o Apelante foi submetido a cirurgia sob anestesia geral, devido a hemorragia intramuscular, com período de internamento e acompanhamento pós-cirúrgico.
M) O Apelante esteve com Incapacidade Temporária Absoluta entre 15.07.2015 e 17.09.2015, data da alta.
N) O Apelante foi contactado pela Apelada, para marcação de consulta de avaliação de dano corporal.
O) A 26.09.2017, o Apelante recebeu uma comunicação da Apelada, na qual consta que fora fixado ao Apelante uma “Incapacidade Permanente Geral“ de 3 Pontos percentuais, 1 Ponto de dano estético e 4 Pontos de “quantum doloris”, e apresentavam uma proposta de indemnização, no valor de €3.382,72 (três mil trezentos e oitenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), para regularização do dano biológico e danos morais sofridos pelo Apelante, cuja responsabilidade assumiam integralmente, como decorre do Documento n.º 15 junto com a Petição Inicial.
P) Nas suas Motivações, o tribunal “a quo” afirma “a prova oferecida não foi, contudo, suficiente para a formação de qualquer convicção sobre os factos v) e w) que se consideram não provados” – aludindo ao Documento n.º 15 junto com a P.I. e que configura proposta de indemnização por dano biológico -, mas não fundamenta a sua posição de que a assunção de responsabilidade pela regularização da Incapacidade Permanente de danos morais do Apelante, pela Apelada, não faz prova bastante da existência do dano biológico sofrido pelo Apelante e que a este nada é devido a título de compensação.
Q) Para todos os efeitos, o tribunal “a quo” excluiu a assunção de responsabilidade da Apelada, quando o documento nunca foi impugnado ou a responsabilidade excluída pela própria Apelada.
R) E fê-lo mesmo conhecendo que a Incapacidade Geral de 3 (três) Pontos do Apelante fora sido fixada na sequência de avaliação clínica, realizada por médico devidamente habilitado, que presta serviço para a Apelada, mas cujas conclusões e informações médicas fazem parte do processo clínico do Apelante, em unidade clínica da Apelada, que não é disponibilizada ao paciente.
S) Ao excluir o valor probatório do Documento n.º 15 junto com a Petição Inicial, tal como ocorrera com os Documentos n.º 5, 6 e 14 configura uma clara violação do princípio de igualdade das partes, na medida em que a exigência de prova ao Apelante é manifestamente desproporcional.
T) No que se refere aos danos morais, âmbito onde se integram o dano estético e o “quantum doloris”, resulta da análise dos Documentos n.º 5 e 6 que, na sequência do sinistro o Apelante sofreu uma queda violenta, que lhe provocou uma hemorragia intramuscular na coxa direita e hematoma no cotovelo direito.
U) Para tratamento da hemorragia intramuscular, o Apelante foi submetido a intervenção cirúrgica, sob anestesia geral, que se realizou a 20.07.2015 e teve 2 (dois) dias de internamento.
V) O Apelante continuou a ser seguido no Hospital dos Lusíadas, onde teve de se deslocar para a troca de pensos.
W) No diário clínico do Apelante (Documento n.º 6 junto com a Petição Inicial) a entrada do dia 17.09.2015 refere “Ferida cicatrizada”, ou seja, há prova documental de que na sequência do sinistro, o Apelante ficou com uma Cicatriz.
X) Apesar de o “quantum doloris” não ser objectivamente mensurável, ele encerra em si elementos objectivos, como a natureza e a gravidade de uma lesão. No caso do Apelante, este sofreu um hematoma na sequência da queda de motociclo de tal ordem que provocou hemorragia intramuscular e implicou incisão cirúrgica, 2 (dois) dias de internamento e um período de recuperação com Incapacidade Temporária Absoluta de 59 (cinquenta e nove) dias após intervenção.
Y) Além do dano biológico de 3 (três) Pontos, deve ser a Apelada condenada ao pagamento de indemnização por danos morais, devidamente comprovados, em função do dano estético, período de internamento e “quantum doloris”.
Z) No que se refere ao dano de privação de uso, o tribunal “a quo” condenou a Apelada ao pagamento de €10,00 (dez euros) diários, pelo período de 802 (oitocentos e dois) dias.
AA) O Apelante peticionou o pagamento de um valor diário de privação de uso à razão de €110,00 (cento e dez euros) diários, tendo por referência o valor do aluguer de uma viatura de características equivalente, cfr. Documento n.º 14 junto com a Petição Inicial.
BB) O critério do custo da locação de um veículo com as mesmas características é um critério justo, adequado e útil, e visa possibilitar a determinação equitativa do valor económico que deve ser atribuído à utilidade que o Apelante retira da disponibilidade efectiva do seu veículo.
CC) Fixar uma indemnização por privação de uso à razão diária de €10,00 (dez euros) é insuficiente para ressarcir o Apelante da lesão ao seu direito de propriedade e contribui exclusivamente para o benefício financeiro das companhias de seguros, enquanto entidades responsáveis pela regularização dos sinistros, que por se furtarem à sua obrigação de providenciar veículo de substituição ao lesado são beneficiadas com valores de privação de uso muito inferiores ao custo da locação diária.
DD) Assim, continua a ser financeiramente mais vantajoso para as companhias de seguros aguardarem pelas decisões judiciais em que a condenação que fixa o valor diário pela privação de uso é uma fracção ínfima do custo que representaria a cedência de um veículo de substituição, como era sua obrigação legal, nos termos e para os efeitos do art.º 562.º do Código Civil.
EE) Relativamente à data de constituição em mora, entende o tribunal “a quo” que só houve efectiva interpelação e início da contabilização dos juros após a data da citação,
FF) Porém, em requerimento junto aos autos a 08.07.2021, veio o Apelante esclarecer que as negociações decorreram até ao dia 18.02.2016 e juntou os emails comprovativos como Documentos n.º 1 a 3 com o requerimento, sendo que no Documento n.º 3 consta especificamente uma interpelação de pagamento dirigida à congénere e “com conhecimento” para a ora Apelada, em email de 11.08.2015, devendo ser esta considerada a data de constituição em mora da Apelada.
GG) Por conseguinte, deverá a Apelada ser condenada a ressarcir o Apelante relativamente aos 802 (oitocentos e dois) dias de privação de uso do motociclo - compreendidos entre 15.07.2015 (data do acidente) e 28.02.2022 (data de pagamento da indemnização pela perda total do veículo) -, à razão de €110,00 (cento e dez euros) diários; bem como quanto aos danos materiais no equipamento extra do motociclo, no valor de €3.214,12 (três mil duzentos e catorze euros e doze cêntimos); a Apelada deverá ser ainda condenada ao pagamento de €7.000,00 (sete mil euros) de indemnização a título reparação de dano biológico e €5.000,00 (cinco mil euros) de indemnização por danos morais.
HH)Por todo o exposto, deverá o presente recurso ter provimento e a Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” alterada nos seus precisos termos, condenando a Apelada no pagamento ao Apelante dos montantes peticionados
Nestes Termos Farão V. Exas. Ilustres Juízes Desembargadores  JUSTIÇA.
A Ré apresentou contra-alegações e interpôs recurso subordinado relativamente ao qual conclui como segue as alegações:
A) Bem andou o Tribunal “a quo” ao absolver a R. dos pedidos do A. relativos a danos patrimoniais, dano biológico e danos morais, uma vez que tais factos como não se acham provados e como tal integram e bem os pontos a); c); d) e e) dos factos não provados, como melhor se explana nas Contra-Alegações da Fidelidade feitas em separado. Sendo certo que efectivamente tal matéria não foi provada pelo A. como deveria.
B) No que concerne ao âmbito do presente Recurso, entende a R. que a, aliás, douta Sentença do Tribunal “a quo”, incorreu em manifesto erro ao contabilizar o período de privação de uso sobre o qual resultaram os 8.020,00€ constantes da Sentença.
C) De facto, a Sentença do Tribunal “a quo”, condena a R. a pagar ao A., pela privação de uso, o montante de 8.020,00€, desde o dia 18/07/2015 até ao dia da entrega de valor correspondente à perda total em 28/02/2022. Contudo, erradamente, a nosso ver, já que
D) No âmbito da presente acção, o A. peticiona em concreto, o pagamento dos dias que decorrem entre a data do sinistro e a data da apresentação da proposta da perda total (veja-se artº 36º da p.i.).
E) Sucede que, ao contrário do que consta da Sentença do Tribunal “a quo”, esse período não foi de 190 dias, mas sim 20 dias, uma vez que o acidente ocorreu em 15/07/2015 e o pagamento da quantia foi colocado à disposição do A., como o próprio reconhece na p.i. e junta até o Doc. 7, (veja-se os artºs 17º a 20º da p.i.), em 04/08/2015, pelo que este período é de apenas 20 dias e não 190 dias como consta da Sentença do Tribunal “a quo”. Sendo certo que, também como reconhece o A. na sua p.i., nesses mesmos artigos, foi ele A. quem recusou a proposta. Assim,
F) Em bom rigor, deveriam ter sido os 20 dias apenas o período contabilizado para a indemnização de privação de uso, atento o pedido do A., atentos os factos provados devidamente de que foi feita uma proposta em 04/08/2015 e que o A. recusou e atenta o disposto no artº 46º nº 2 do DL 291/2007 de 21 de Agosto, referindo este normativo legal que a obrigação de atribuição de veículo de substituição, ou de uma compensação cessa a partir do momento em que é posta à disposição do lesado o pagamento da indemnização, o que, no caso em apreço, ocorreu em 04/08/2022 e só não sucedeu o efectivo pagamento porque o A. recusou, como ele próprio confessa. Ora,
G) Ao recusar esta quantia, que posteriormente acaba por aceitar em 28/02/2022, está ele próprio credor em mora e nessa medida a Seguradora não terá de responder pelo agravamento dos danos após a constituição em mora. Pelo que, nesse caso, o correcto seria que, na Sentença, ao A. tivesse sido atribuído a privação de uso por apenas 20 dias o que daria a quantia de 200,00€.
H) Acresce ainda, que, nos autos, consta por documento junto em Audiência Prévia, conforme se pode constatar da Acta da mesma, de 12/05/2022, o A. possuía outro veículo desde 04/09/2015 (veja-se Doc. nº 2 junto em sede de Audiência Prévia). Pelo que em bom rigor, o segundo período de privação de uso contabilizado entre a citação em 26/06/2020 e 28/02/2022 não deveriam sequer ter sido contabilizados. Assim,
I) Sem conceder no supra alegado e apenas por hipótese meramente académica, se o Tribunal assim não o entender e julgar de incluir o somatório os dias decorridos entre a citação e o recebimento efectivo pelo A. em 28/02/2022, sempre dará um total de 632 dias (612 dias + 20 dias), o que daria, à razão de 10,00€ diários, o valor de 6.320,00€ e não 8.020,00€, como a nosso ver erradamente consta da Sentença “a quo”.
J) Sendo certo que, nos termos do estatuído nos artºs 562º e seguintes do Código Civil, a indemnização visa sempre compensar os danos efectivamente tidos e provados. Sendo certo que o A. não logrou fazer a respectiva prova de quaisquer prejuízos ou inconvenientes decorrentes da não utilização do veículo, mormente depois de a R. ter feito prova de que logo após 20 dias sobre o acidente o A. adquiriu outro veiculo e essa prova se encontrar junto por documento anexo em audiência prévia, sendo igualmente certo que não resultou impugnada esta prova pelo A. nem este alega tal facto ou invoca matéria de facto constante dos autos que infirme tal prova feita pela R.
Termos em que Deverão V.Exas Venerandos Desembargadores julgar o presente Recurso Subordinado procedente e provado e consequentemente, nos termos expostos reduzir o valor arbitrado para a compensação da privação de uso, nos termos supra expostos, para 200,00€ e apenas em alternativa, subsidiariamente, se assim não se entender, o que não se aceita nem se concede, sempre deverá ser reduzido tal montante para a quantia de 6.320,00€ nos termos também aqui alegados.
O recurso do Autor foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Em despacho liminar nesta Relação foi decidido nada obstar a interposição de recurso subordinado, sendo o seu efeito devolutivo e o modo de subida consentâneo com o praticado.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC -, cumpre apreciar as seguintes questões (indicando-se a relativa ao recurso subordinado e respeitando as demais ao recurso principal):
1) Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto, implicando saber se devem ser julgados provados os pontos a), c), d) e e) que na sentença recorrida foram julgados não provados, e se deve ser aditada a matéria de facto quanto à aquisição pelo Autor de um veículo após o acidente.
2) Do mérito da decisão quanto:
a) ao montante diário fixado quanto a privação do uso do veículo;
b) aos dias a ter em conta como de privação do uso do veículo (recurso subordinado);
c) danos materiais decorrentes da destruição do equipamento extra do motociclo, no valor de €3.214,12;
d)  indemnização por dano biológico de €7.000,00;
e) indemnização por danos não patrimoniais de € 5.000,00.
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. Da impugnação
1.1. Defende o Recorrente que deve ser julgada provada a matéria constante dos pontos a), c), d) e e) da sentença recorrida.
É o seguinte o teor desses pontos:
a) O Autor adquiriu equipamento para a viatura, num total de € 3.214,12 (três mil duzentos e catorze euros e doze cêntimos).
c) O aluguer de um veículo de características equivalentes tem um custo aproximado de € 110,00 (cento e dez euros diários).
d) O Autor continua com reduzida amplitude de movimentos no braço esquerdo, sobretudo em elevação.
e) A cirurgia à perna esquerda deixou-o com uma cicatriz e episódios de dor frequentes, geralmente agravados pelas condições climatéricas.
Embora sem a ter identificado como impugnação da decisão da matéria de facto, a Recorrente pediu em recurso subordinado que fosse aditado um facto à matéria assente, o facto a que se reporta o documento junto em audiência prévia quanto à compra pelo Autor de um veículo após o acidente.
2. Apreciação
Apreciar-se-á com referência aos pontos supra indicados.
2.1. No que se refere ao ponto a) o Recorrente entende que a prova do facto decorre do relatório de peritagem junto pela Apelada como Documento n.º 2 junto com a Contestação. (…)
Improcede neste ponto a impugnação.
2.2.  No que se refere ao ponto c), entende o Recorrente que deve ser considerado provado que o aluguer de um veículo similar teria um custo de €110,00 por dia, com base no documento n.º 14. (…)
Enfim, entendemos que não funda a prova pretendida.
Improcede a impugnação.
2.3. Relativamente aos pontos d) e e) entende o Recorrente que devem ser julgados provados com fundamento no que consta dos documentos n.º 5, 6 e 15 juntos com a petição inicial. (…)
Improcede a impugnação.
2.4. A Recorrente defende que consta por documento junto em Audiência Prévia, conforme se pode constatar da Acta da mesma, de 12/05/2022, o A. possuía outro veículo desde 04/09/2015 (veja-se Doc. nº 2 junto em sede de Audiência Prévia). Pelo que em bom rigor, o segundo período de privação de uso contabilizado entre a citação em 26/06/2020 e 28/02/2022 não deveriam sequer ter sido contabilizados. (…)
Assim, improcede a pretensão de aditamento do referido facto.
3. Da fixação da matéria de facto
Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância, na ausência de impugnação procedente ou reapreciação oficiosa:
a) O Autor era proprietário de um motociclo de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..PQ…, chassis n.º …, o qual adquiriu pelo montante de € 12.285,00.
b) No dia 15 de Julho de 2015, o Autor sofreu um acidente de viação, enquanto circulava com o motociclo.
c) Quando seguia na Rua …, em Fanhões,
d) Um automóvel saiu do parque de estacionamento dos Bombeiros Voluntários de Fanhões e entrou na via de circulação, sem cumprir a obrigação de cedência de passagem, e colidiu contra o motociclo.
e) Na sequência do sinistro, o Autor foi acompanhado no Hospital dos Lusíadas.
f) Foi submetido a diversos exames de diagnóstico, nomeadamente: Raio-X da bacia, Raio-X da anca esquerda e Raio-X do cotovelo esquerdo, bem como uma ecografia osteoarticular da anca esquerda e ressonância magnética da anca esquerda.
g) Devido a hematomas do cotovelo esquerdo e hematoma de grande dimensão na coxa esquerda.
h) Atendendo às características do hematoma da coxa esquerda o ortopedista/traumatologista considerou necessário efectuar uma drenagem do mesmo, em operação cirúrgica sob anestesia geral, à qual o Autor foi submetido a 20 de Julho de 2015.
i) No âmbito do processo de acidente de trabalho, o Autor continuou a ser acompanhado nos serviços clínicos da Ré, para mudanças de penso e consultas de acompanhamento, até à data da alta, a 17 de Setembro de 2015.
j) Entre o dia da ocorrência do sinistro e a data da alta hospitalar, foi reconhecida uma Incapacidade Temporária Absoluta ao Autor.
k) À data do acidente, o motociclo de matrícula ..PQ.. tinha seguro válido mediante contrato celebrado com a … Seguros, titulado pela apólice n.º ….
l) Enquanto o veículo responsável pelo sinistro tinha seguro de responsabilidade civil automóvel com a ora Ré, identificado pelo n.º de apólice ….
m) No âmbito do processo do acidente de trabalho, a ora Ré assumiu que a culpa pela produção do acidente foi do seu segurado e, consequentemente, a responsabilidade pela regularização do sinistro.
n) No âmbito do processo de acidente de viação, foi paga pela Ré ao Autor o valor de € 2.786,72 (dois mil setecentos e oitenta e seis euros e setenta e dois cêntimos) relativamente a equipamento danificado na sequência da queda.
o) O motociclo ..PQ.. foi considerado “perda total”, em sede de peritagem realizada pela própria Seguradora do lesado.
p) Uma vez que o valor venal do veículo era de € 12.999,99 (doze mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e nove cêntimos) e ao salvado foi atribuído o valor de € 3.305,00 (três mil trezentos e cinco euros), a “… Seguros” apresentou uma proposta indemnização ao Autor, no valor de € 9.694,99 (nove mil seiscentos e noventa e quatro euros e noventa e nove cêntimos).
q) Para concretização do pagamento, a “…Seguros” exigiu que o Autor assinasse um recibo de quitação relativamente a todos os danos que o Autor tivesse sofrido no âmbito do sinistro.
r) O Autor recusou assinar o recibo de quitação nos termos redigidos.
s) Tendo o Autor recusado a assinatura do recibo de quitação, a “…Seguros” recusou liquidar os € 9.694,99 (nove mil seiscentos e noventa e quatro euros e noventa e nove cêntimos).
t) O Autor exerce actividade profissional como talhante e é sócio-gerente da empresa M…, Lda..
u) O Autor habita em local distante do seu local de trabalho e todos os dias utilizava o motociclo para percorrer as distâncias respeitantes à ida e regresso.
v) No âmbito do processo de acidente de trabalho, após a consolidação dos danos corporais, os serviços clínicos da Ré deram alta ao Autor, tendo-lhe sido reconhecida uma Incapacidade Permanente Geral de 3 pontos.
w) Consequentemente, a 26 de Setembro de 2017, a Ré enviou uma proposta de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo Autor, no valor de € 3.382,72 (três mil trezentos e oitenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), sendo que € 2.501,88 (dois mil quinhentos e um euros e oitenta e oito cêntimos) são referentes à Incapacidade fixada.
x) A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo …DJ encontrava-se, em 15/07/2015, transferida para a E…– Companhia de Seguros, S.A., através da Apólice nº ....
y) O processo foi aberto inicialmente como IDS (Indemnização Directa ao Segurado) e foi a Seguradora …, que garantia o veículo do A., quem realizou a peritagem ao mesmo, tendo a, ora, R., sido alheia à regularização e alegada indemnização dos danos materiais.
z) À E... apenas foi reclamado o valor correspondente à despesa de capacete, luvas, blusão, calças e Smartphone, e, por esse motivo, foi realizada a peritagem patrimonial da GEP e foi pago o montante apurado de € 2.786,72, em 06/10/2015, uma vez que tais danos em objectos não estão abrangidos no processo de IDS (Indemnização Directa ao Segurado).
aa) À aqui R. foi comunicado um sinistro no âmbito dos acidentes de trabalho neste âmbito foi liquidado ao A. perdas salariais no montante de € 1.722,05.
bb) Após o pagamento dos objectos e a alta do acidente de trabalho em Setembro de 2015, por não estarem cobertos pela IDS, foi feita a proposta ao A. do dano biológico, à qual este não respondeu.
cc) Neste âmbito, o lesado foi seguido no Hospital dos Lusíadas e teve as seguintes perdas de incapacidade por A.T. a) ITA de 16/07/2015 a 13/08/2015; b) ITP de 20% de 14/08/2015 a 27/08/2015; c) ITA de 28/08/2015 a 17/09/2015, tendo tido alta (CDS) em 18/09/2015.
dd) Em 28 de Fevereiro de 2022, a Ré pagou ao Autor o montante de € 9.695,00.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da indemnização por privação do uso do veículo
1.1. No recurso que se aprecia não está em causa a verificação dos pressupostos da indemnização relacionados com o facto e sua imputação ao agente a título de culpa, com a ocorrência de danos ou de nexo de causalidade entre estes e o facto, nem os relativos à existência de contrato de seguro.  Tudo isso é pacífico.
No que se refere à privação do uso, o Recorrente defende que deve ter-se em conta o valor diário do aluguer de um veículo idêntico enquanto a Recorrente subordinada defende que é menor o número de dias a atender quanto a tal indemnização.
O Recorrente fundou a sua pretensão na alteração da decisão quanto à matéria de facto, defendendo que o montante diário a ter em conta é o de € 110,00 e não o de € 10,00 considerado na sentença recorrida. Todavia, não procedeu a impugnação da decisão de facto quanto a tal montante.
A Recorrente por seu lado impugna a decisão (i) por entender que o período a considerar apenas pode ser o de 20 dias decorrido entre a data do acidente e aquela em que foi proposta ao Autor a indemnização pela perda total do veículo, (ii) por, de todo o modo, dever cessar a indemnização na data em que resultou provado que o Autor era dono de um outro veículo similar e, ainda, (iii) por não ter o Autor provado quaisquer dados em concreto decorrentes da privação do uso.
1.2. No que respeita ao período a considerar, a Recorrente defende, num primeiro momento, que o Autor apenas pediu a condenação da Ré a pagar-lhe indemnização por privação de uso entre a data do acidente e a data da apresentação da proposta de indemnização pela perda total do veículo.
Ora, da petição inicial (artigos 36 e 37) resulta que o Autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe € 20.900,00 de indemnização pela privação de uso desde o acidente até à data da apresentação da proposta e, considerando que a privação de uso se mantém e perdura desde essa data, o A. requer o pagamento da privação de uso desde a data da entrada da acção até integral e efectivo pagamento, à razão de €110,00 por cada dia.
No pedido que conclui a petição pede a condenação da Ré ao pagamento de € 20.900,00 (vinte mil e novecentos euros), a título de indemnização pela privação de uso, ao Autor.
Não pode considerar-se que o pedido a final seja um modelo de clareza. Porém, tendo em atenção a clareza da exposição quanto ao pretendido ressarcimento, entendemos que a formulação do pedido ao referir a condenação da Ré naquela quantia líquida e a título de indemnização pela privação de uso, que explicitara devida até ao pagamento do valor de perda total, deve ser interpretado como englobando todo o período referido (incluindo por isso o que decorreu desde a data de entrada da acção até pagamento) e não apenas o que mediou entre o acidente e a data da apresentação da proposta.
É o que resulta do disposto no artigo 295.º, do Código Civil, ao remeter para a regulamentação estabelecida quanto à interpretação dos negócios jurídicos, o que engloba o regime do artigo 217.º do Código Civil - que admite a declaração tácita como meio de expressão da vontade quando deduzida de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – e o do artigo 236.º, n.º 1, do mesmo Código, que estabelece que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Num segundo momento, a Recorrente defende que a recusa do Autor em aceitar a indemnização proposta pela perda do veículo o constitui em mora e impede que possa invocar com êxito direito a ser indemnizado pela privação do uso.
Resultou assente que o Autor recebeu uma proposta de indemnização pela perda do veículo e que a recusou, vindo a receber indemnização a esse título em 28 de Fevereiro de 2022 (alíneas p) e dd) supra).
Resultou ainda assente que a proposta lhe foi feita pela seguradora que procedia à regularização do sinistro e que esta exigiu ao Autor, como condição para a concretização do pagamento, que emitisse uma declaração de quitação quanto a todos os danos emergentes do acidente, o que este não aceitou razão pela qual a seguradora não fez o pagamento.
O artigo 213.º do Código Civil estabelece que o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.
Da norma liminarmente resulta que a mora não decorre de uma qualquer recusa de aceitação da prestação, antes exige que a recusa seja sem motivo justificado. A exigência de uma quitação sem correspondência com a prestação constitui motivo justificado de recusa, uma vez que a prestação se referia ao dano da perda do veículo e a quitação pretendida a todos os danos sofridos em consequência do acidente.
Não pode considerar-se verificada mora do credor susceptível de integrar a previsão do artigo 42.º, n.º 2, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto: no caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.
1.3. A Recorrente pretende que a fixação quanto a privação de uso deve ter em atenção que o Autor adquiriu um veículo após o acidente do qual podia retirar as comodidades que o veículo sinistrado lhe proporcionava.
O facto em causa não pode constar da factualidade assente neste autos, como decidido supra, pelo que improcede a pretensão baseada em facto não alegado.
1.4. Por fim entende a Recorrente no recurso subordinado que sempre a pretensão de indemnização por privação do uso do veículo fracassaria em razão de o Autor não ter feito prova de danos resultantes em concreto de tal privação.
 Em torno da questão da indemnização pela privação de uso de bem próprio[2], a jurisprudência acolhe-se a duas teses principais[3]. Uma primeira defende que a mera privação do uso determina o direito a indemnização, uma outra, oposta, entende que a indemnização apenas é devida se demonstrada a ocorrência de danos efectivos.
Podem ainda distinguir-se sub-espécies, intermédias, reconhecendo a verificação do dano se estiver provada a utilização anterior ou presumindo-o, sem prejuízo de o obrigado poder ilidir a presunção.
Vejam-se de entre os acórdãos mais recentes do Supremo Tribunal de Justiça os seguintes (indicando o sentido em que os consideramos):
- de 18 de Setembro de 2018, proferido no processo 108/13.2TBPNH.C1.S1 (José Rainho) entendendo necessária a prova de danos efectivos.
- de 25 de Setembro de 2018, proferido no processo 2172/14.8TBBRG.G1.S1 (Roque Nogueira), entendendo que a mera privação de um bem que era utilizado justifica a indemnização.
- de 29 de Outubro de 2020, proferido no processo 515/04.1TBGDM.P1.S1 (Tomé Gomes), entendendo que basta a privação do uso.
- 8 de Setembro de 2021, proferido no processo 10192/15.9T8STB.E1.S1 (Vieira e Cunha), subscrevendo aresto anterior no sentido de o que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se asso­ciados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir.
- de 28 de Setembro de 2021, proferido no processo 6250/18.6T8GMR.G1.S1 (Oliveira Abreu): o dano decorrente da privação do veículo constitui dano patrimonial autónomo suscetível de indemnização, quando o proprietário do veículo sinistrado se viu privado de um bem que faz parte do seu património, deixando de dele poder dispor e gozar livremente, nos termos estabelecidos no art.º 1305º do Código Civil, cabendo, assim, pela violação do direito de propriedade, o direito a indemnização pela ocorrência desse dano.
- de 14 de Julho de 2022, proferido no processo 168/18.0T8FVN.C2.S1 (Maria Clara Sottomayor), embora referente a seguro facultativo de danos próprios refere a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça como inscrevendo-se na primeira tese exposta.
Seguimos a posição maioritária entendendo que a privação de um bem, antes disponível no património do lesado para ser por ele utilizado, determina que se considere a ocorrência de uma diminuição daquele património, bastando à prova perfunctória ou de primeira aparência do dano, sem prejuízo da demonstração em contrário que caberá ao obrigado a indemnizar. O mesmo é dizer que aderimos à tese de que basta a privação do uso para que se considere verificado um dano, sem prejuízo da possível demonstração de que, nas concretas circunstâncias de facto, tal dano não se verificou[4].
Voltando à situação concreta temos que o Autor era proprietário de um motociclo de marca BMW, modelo …, com a matrícula ..PQ.., o qual foi considerado perda total em virtude do acidente causado pelo segurado da Ré, o Autor exercia actividade profissional como talhante sendo sócio-gerente de uma empresa, habitava em local distante do seu local de trabalho e todos os dias utilizava o motociclo para percorrer as distâncias respeitantes à ida e regresso - (alíneas a), o), t) e u)).
Ou seja, o Autor demonstrou ser dono do veículo que ficou inutilizado e que esse veículo era em concreto por ele utilizado para se deslocar todos os dias no exercício da sua actividade profissional.
Não oferece dúvida que a afectação que o Autor dava ao veículo sua propriedade era efectiva e cessou em razão do acidente ficando privado da utilidade que dela lhe decorria.
A impossibilidade de utilizar o veículo implica normalmente um custo (de ordem vária) suportado que é consequência da privação.
Certo é que podem ocorrer situações em que esse custo se não verifique, mas a sua excepcionalidade impõe que seja a Ré a alegá-las, o que não fez[5].
Adiante-se que mesmo que fosse possível considerar nesta acção o facto de o Autor ter outro veículo, tal seria indiferente. Se o Autor tinha outro veículo o normal é que o afectasse a outras utilidades, como é seu direito fazer enquanto dono, não podendo a Ré pretender que seja esse veículo e não o lesante a suportar a substituição do inutilizado.
O contrário corresponderia a considerar que o Autor estaria obrigado a suprir com os seus meios o dano que outrem lhe provocou em benefício do lesante. Não se vê, contudo, de onde lhe nasceria tal obrigação.
A Ré não colocou em causa a decisão de considerar como critério de indemnização o valor diário de € 10,00, mas o Autor fê-lo cumprindo apreciar tal matéria independentemente de não ter resultado provado o montante de aluguer indicado pelo Autor.
Na circunstância dos autos em que se não provou que o Autor tenha suportado despesas para suprir a falta do veículo ou tenha deixado de auferir proventos em razão dela, a indemnização tem de, necessariamente, fundar-se na equidade que o artigo 566.º, n.º 3, autoriza. É à luz de critérios de equidade e não do valor de um aluguer diário que não ocorreu que deve ser fixada. Critérios de equidade que apelam no caso concreto à ponderação do larguíssimo período de privação do uso do veículo, da utilização que o Autor dele fazia e que resultou assente e do valor de compra do mesmo de € 12.285,00.
Ponderados estes elementos, na ausência de perdas concretas ou de gastos específicos, entendemos como critério adequado para a privação do uso do veículo pelo Autor que a indemnização não ultrapasse o valor venal do veículo à data do acidente (€ 12.999,99 ). Considerando o período de 802 dias que é o da privação, entendemos adequado fixá-la em € 10.000,00 (dez mil euros).  
Com o que se conclui pela improcedência do recurso subordinado e parcial procedência do recurso principal neste aspecto.
2. Da indemnização por dano biológico e por danos não patrimoniais
2.1. Pretende o Recorrente que lhe seja atribuída indemnização pelo dano biológico que sofreu em razão do acidente.
Na sentença recorrida, que negou a indemnização, discorreu-se a tal propósito como segue: resta que se consigne que da matéria de facto provada não se extraem outros danos passíveis de fundamentar a condenação da Ré no pagamento de qualquer outra indemnização [para além da indemnização pela privação do uso do veículo], pelo que os demais pedidos improcedem na totalidade.
2.2. A obrigação de indemnizar que ora nos ocupa tem a sua consagração legal na norma do artigo 483º, n.º 1, do Código Civil (CC), que prevê que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
A indemnização assim prevista visa reconstituir a situação pré-existente ao evento lesivo, conforme dispõe o artigo 562.º, do CC, ou seja, visa tornar o credor da indemnização indemne, isento de dano, revertendo à situação pré-evento.
Visando colocar a vítima em situação indemne, o âmbito do dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo que o tribunal deve ainda atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior. É o que estatui o artigo 564.º, n.º 1 e 2, do CC.
A indemnização deve ser calculada em dinheiro, na possibilidade frequente e verificada no caso que se analisa de a reconstituição natural não ser possível – artigo 566.º, n.º 1, do CC.
A indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme dispõe o artigo 496.º, n.º 1, do CC, sendo o montante dela, nos termos do n.º 4, fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, circunstâncias essas que são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Por fim, o recurso à equidade é ainda convocado para as situações em que não possa ser averiguado o valor exacto dos danos, caso em que o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – artigo 566.º, n.º 3, do CC.
Em concretização do que deva entender-se por equidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Dezembro de 2022, proferido no processo 2517/16.6T8AVR.P1.S1 (Manuel Aguiar Pereira) onde se lê:
A equidade é, por definição, a justiça do caso concreto, caracterizada grosso modo por ser flexível e alheia a critérios normativos expressos e em que rege a prudência, o bom senso prático, a justa medida das coisas e a criteriosa ponderação da realidade.
A adopção de fórmulas de cálculo com resultado mais objectivo, utilizando os factos provados no processo com possível reflexo na quantificação do dano, é um modo de concretização da equidade e o seu resultado traduz um valor base de referência na aproximação à definição do montante da indemnização, que deverá corresponder a um capital de rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá na data provável do termo da sua vida.
Mas é de afastar a imperatividade dos resultados de equações de complexidade variável quando extravasem a sua função de auxiliares de orientação com vista à determinação do montante concreto da indemnização.
Do que resulta que, no que respeita aos critérios normativos a considerar na fixação da indemnização, não é sem relevo sublinhar que os critérios constantes dos diplomas referidos pela Recorrente não vinculam os tribunais, o que se crê actualmente pacífico, permitindo-nos utilizar as palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 2012[6]:
Diga-se a esse respeito - e como constitui jurisprudência consolidada nos nossos tribunais superiores, e particularmente neste Supremo Tribunal -, que no que concerne à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, como sucede in casu, os critérios e valores constantes da Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, pois, têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos à regras e princípios insertos no Código Civil. (Cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 19/09/2019, proc. 2707/17.6T8BRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Se esta era a posição do Supremo Tribunal de Justiça já no ano de 2012, ela tem vindo a ser repetidamente reafirmada até ao acórdão de 11 de Outubro de 2022, proferido no processo 1822/18.1T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa).
Este o regime legal a considerar.
2.3. O Recorrente faz apelo à categoria de dano biológico, face ao que deve considerar-se o que pode subsumir-se à designação[7].
A dicotomia entre danos patrimoniais e não patrimoniais[8] vem sendo substituída pela de danos materiais e danos corporais[9] ou pessoais[10].
Enquanto a primeira implicava uma nítida contraposição baseada nas consequências, patrimoniais ou não patrimoniais dos danos, a ponderação da classificação dos danos pessoais ou corporais não se justapõe à primeira permitindo ter em atenção dimensões do dano corporal que não tendo directa e actual incidência patrimonial, constituem uma diminuição da saúde física e psíquica que permite considerar verificada a existência de um dano patrimonial futuro.
A classificação permite distinguir os diversos danos a indemnizar sem valoração dupla dos mesmos, a um título enquanto danos não patrimoniais nos termos tradicionais e ainda enquanto danos ponderados em sede de dano biológico com incidência patrimonial.
Pese embora, a dicotomia patrimonial/não patrimonial, que é a legal, tem implicações ao nível dos critérios de ressarcibilidade e de fixação de indemnização. Essa apreciação deve ser feita em concreto na ponderação do mencionado dano real e das suas consequências.
O que assume relevância no caso por dever distinguir-se o que se pondera em sede de danos não patrimoniais e em sede de dano biológico peticionado pela Autora como lucros cessantes patrimoniais, de modo a evitar a dupla valoração.
2.4. Embora recorrendo à noção de dano biológico, resulta das alegações de recurso que o Autor tem em vista os danos sofridos em consequência do acidente que se centram no sofrimento resultante dos ferimentos (hematomas e escoriações) e do tratamento que foi necessário, da lesão do seu estado de saúde física e psíquica que tal constitui, da incapacidade permanente e no dano estético, fazendo apelo aos valores atribuídos pela seguradora a que se referem as alíneas v) e w).
O Recorrente que pretende seja reavaliada a matéria de facto assente face aos seus pedidos de ressarcimento de dano biológico e de danos morais de, respectivamente, € 7.000,00 e € 5.000,00. NO que respeita à invocação de dano biológico não esclareceu se o situa na vertente patrimonial ou não patrimonial. A invocação do dano corporal foi-o tanto na dimensão do quantum doloris e dano estético como por referência à incapacidade permanente, pelo que só podemos assumir que teve em vista ambas as vertentes, sem distinguir a vertente não patrimonial do que designou como danos morais. Todavia, a amplitude da categoria «dano biológico» a que acima aludimos permite a apreciação global.
2.5. No que se refere à vertente patrimonial a mesma poderia encontrar expressão na privação futura de rendimentos do trabalho e na maior penosidade no exercício das diversas actividades da vida enquanto danos patrimoniais futuros decorrentes do dano corporal[11].
Mesmo que tivesse resultado assente que o Autor ficou com uma incapacidade permanente de 3 pontos percentuais – e o que ficou assente foi que no âmbito do processo de acidente de trabalho, após a consolidação dos danos corporais, os serviços clínicos da Ré deram alta ao Autor, tendo-lhe sido reconhecida uma Incapacidade Permanente Geral de 3 pontos (al. v)) – nada se provou nos autos quanto à repercussão dessa incapacidade na actividade profissional do Autor que permita considerar uma indemnização por perda da capacidade aquisitiva, mesmo que na perspectiva da maior dificuldade de exercício da referida actividade. Sublinhe-se que a inexistência de tais factos assentes nos autos não incide sobre a quantidade da indemnização – sempre suprível em liquidação ulterior -, mas nos próprios pressupostos de verificação da dita indemnização.
Em suma, não há que fixar indemnização por dano biológico na vertente patrimonial do mesmo.
2.6. Na vertente não patrimonial do dano biológico em que se integra também o que o Autor indicou como danos morais, não ficou assente qual o grau da dor sofrida em sede de quantum doloris, como não resultaram assentes factos que permitam concluir pela verificação de um dano estético; o único a tal relativo era a invocação da persistência de uma cicatriz que não julgámos provada.
Entendemos, todavia, que não obstante a determinação médico-legal do quantum doloris, existem factos assentes passíveis de serem ponderados a este título.
Assim, resultou assente (alíneas f) a j)) que: o Autor foi submetido a diversos exames de diagnóstico - Raio-X da bacia, Raio-X da anca esquerda e Raio-X do cotovelo esquerdo, bem como uma ecografia osteoarticular da anca esquerda e ressonância magnética da anca esquerda - devido a hematomas do cotovelo esquerdo e hematoma de grande dimensão na coxa esquerda; foi necessário efectuar uma drenagem do hematoma da coxa esquerda, em operação cirúrgica sob anestesia geral, à qual o Autor foi submetido a 20 de Julho de 2015; o Autor foi acompanhado nos serviços clínicos da Ré, para mudanças de penso e consultas de acompanhamento, até à data da alta, a 17 de Setembro de 2015; e entre o dia da ocorrência do sinistro e a data da alta hospitalar, foi reconhecida uma incapacidade temporária absoluta ao Autor.
A apreciação da questão dos danos não patrimoniais situa-se justamente na realidade subjectiva da perceção existencial pelo lesado do estado decorrente da lesão e da angústia/sofrimento/tristeza que esse estado e os tratamentos causam[12].
A indemnização por danos não patrimoniais encontra o seu assento legal no artigo 496.º, do CC, que estabelece no seu n.º 1 a regra geral da ressarcibilidade determinada pela gravidade dos danos ocorridos.
Esta gravidade tem de ser aferida à luz de critérios de normatividade estabelecida e não de subjectividade casuística, critérios que apontam para a consideração dos bens jurídicos violados. Assim considerados, tem de concluir-se que danos que ocorram na esfera de bens jurídicos constitucionalmente garantidos ou aqueles que sejam assegurados ou protegidos pelas normas infraconstitucionais de natureza criminal, constituem um reduto inatingível da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.
Entre estes se encontram os que respeitam à integridade física e saúde, tendo de considerar-se que a violação destes bens jurídicos entendidos como de enorme relevo pelo ordenamento jurídico tem como consequência a ressarcibilidade dos danos, independentemente do seu reflexo patrimonial, repete-se.
Entendemos que os factos assentes têm o relevo que a lei atribui aos danos não patrimoniais indemnizáveis, devendo ser fixada indemnização.
2.7. A questão a abordar seguidamente é a da medida da indemnização. A mesma implica um exercício de superior dificuldade qual seja o de traduzir quantitativamente o que é intrinsecamente qualitativo.
Em consequência, têm de procurar-se critérios que levem à determinação do “indeterminável”, ou seja, a exprimir em valor patrimonial aquilo que o não tem, por ser de outra ordem.
Nestas circunstâncias, o critério de fixação da indemnização funda-se na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso – artigos 496º, nº3, e 494º, ambos do Código Civil – bem como a atribuição de uma indemnização cujo valor patrimonial proporcione nessa dimensão patrimonial algum conforto específico, nomeadamente afastando preocupações materiais a acrescerem ao dano sofrido [13].
Refere-se no acórdão de 29 de Setembro de 2022, proferido no processo 2511/19.5T8CBR.C1.S1 (Ferreira Lopes):
Nos termos do nº3 do art. 496º o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal, devendo ser tomada em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, as circunstâncias do caso (gravidade do dano, tendo em conta as lesões e as suas sequelas, e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima) e as exigências do princípio da igualdade.
(…)
Continuando a citar este douto acórdão [Acórdão de 21.01.2021, P. 6705/14 (Maria dos Prazeres Beleza)]:
“A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso” (acórdão do STJ de 22.01.2009,  P. 07B4242).
Nas palavras do acórdão deste STJ de 31.01.2012, P. 875/05, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se  torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade  consagrado no art. 13º da Constituição”.
De suma importância, dada a indeterminação específica, a ponderação dos parâmetros que o legislador estabelece no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, ao apelar à consideração dos casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.
Assim, o juízo de equidade, como os tribunais e particularmente o Supremo Tribunal de Justiça vêm advertindo, não repousa da discricionariedade e subjectividade antes se alimenta da ponderação dos critérios jurisprudenciais e neles deve apoiar-se[14].
Por isso que se afigura conveniente indicar os critérios seguidos em casos com alguma similitude, pese embora a variedade da vida e das circunstâncias de cada caso e de cada pessoa lesada, sempre de considerar.
Tendo em atenção o critério do acórdão deste Colectivo de 26 de Janeiro de 2023, proferido no processo 9934/17.2T8SNT.L1-6, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2022, proferido no processo 1822/18.1T8PRT.P1.S1 (Ricardo Costa), de 21 de Abril de 2022, proferido no processo 96/18.9T8PVZ.P1.S1 (Fernando Baptista), de 11 de Novembro de 2021, proferido no processo 730/17.8T8PVZ.P1.S1 (Abrantes Geraldes), de 14 de Janeiro de 2021, proferido no processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1 (Rosa Tching), e desta Relação de 11 de Maio de 2021, proferido no processo 1777/19.5T8LRS.L1-7, todos com situações de muitíssimo maior gravidade do que a que os autos documenta e cuja factualidade transcrevemos supra, consideramos adequado fixar em € 5.000,00 (cinco mil euros) a indemnização por dano biológico na vertente não patrimonial e por danos não patrimoniais, julgando no mais improcedente o recurso no que a este aspecto se refere.
2.8. Os juros devidos quanto à indemnização por danos não patrimoniais devem contar-se desde a data da decisão que, baseada na equidade, os fixou – artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, e 806.º, n.º 1, do Código Civil, na interpretação do AUJ 4/2002, de 27 de Junho.
Os juros devidos quanto às indemnizações por danos patrimoniais devem ser contados da citação, nos termos do artigo 805.º, n.º 1 e 3, do Código Civil, carecendo de razão a pretensão do autor de os ver contados de 11 de Agosto de 2015, por considerar como interpelação o envio de carta exigindo o pagamento a outra seguradora com conhecimento à Ré.
Na verdade, a interpelação constante do documento é dirigida à seguradora Açoreana e inquire ainda desta se a seguradora “do veículo causador do acidente” assume ou não a responsabilidade. Não pode, por isso, ter-se tal como interpelação da Ré ao pagamento (apesar de estar em cópia), uma vez que a interpelação constitui a admonição ao cumprimento – artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil - que manifestamente se refere a terceiro que não a Ré na comunicação a que o Autor alude.

IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em:
I. Quanto ao recurso principal:
1) Julgar improcedente a impugnação da decisão da matéria de facto;
2) Julgar parcialmente procedente o recurso alterando a decisão recorrida quanto (i) ao montante de indemnização pela privação do uso do veículo que se fixa em € 10.000,00 (dez mil euros), acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento; (ii) à absolvição da Ré a indemnizar danos não patrimoniais do Autor, condenando-a a esse título no pagamento de € 5.000,00 (cinco mil euros) de indemnização, acrescido de juros à taxa legal desde a data desta decisão até integral pagamento;
3) Julgar o recurso improcedente no mais, mantendo a decisão recorrida.
II) Quanto ao recurso subordinado:
1) Julgar improcedente o recurso subordinado.
*
Custas do recurso principal pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção do decaimento que se fixa em, respectivamente, 49,27% (quarenta e nove vírgula vinte e sete por cento) e 50,73% (cinquenta vírgula setenta e três por cento), em ambas as instâncias, e do recurso subordinado pela Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
*
Data constante das assinaturas electrónicas 
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Nuno Lopes Ribeiro
_______________________________________________________
[1] Beneficia do da sentença recorrida.
[2] Veja-se quanto aos termos do debate Abrantes Geraldes in Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, volume I, Almedina, 3.ª edição.
[3] Seguimos o acórdão desta Relação e secção de 8 de Abril de 2021, proferido no processo 178/19.0 T8ALM.L1, da mesma Relatora e Primeiro Adjunto.
[4] Revemos assim a posição que antes subscrevemos no sentido da tese oposta no acórdão de 6 de Dezembro de 2012, proferido no processo 132/04.6 TBRMR.L1-6 (Anabela Calafate), por entendermos que a agora assumida respeita de modo mais cabal os princípios que regem a reconstituição do dano.
[5] Para sabermos se um facto é constitutivo ou impeditivo não se pode olhar ao facto isoladamente considerado, mas à sua conexão com o direito invocado ou com a pretensão formulada (cf. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 306, nota 4).
[6] Proferido no processo 1633/18.4T8GMR.G1.S1 (Isaías Pádua).
[7] Seguimos anteriores decisões deste Colectivo.
[8] Seguimos de perto os acórdãos que relatámos em 16 de Janeiro de 2014, proferido no processo 9347/11.0 T2SNT.L1-6, e o de 20 de Janeiro de 2020, proferido no processo 590/13.8 TVLSB.L1, também subscrito pelo Ex.mo Primeiro Adjunto.
[9] Cf. Filipe Miguel de Albuquerque Matos in “Alterações legislativas no binómio danos corporais / danos materiais”, Cadernos de Direito Privado, número especial 02, Dezembro de 2012, p. 123.
[10] Exprimindo o conceito de dano biológico mais exactamente o domínio de afectação.
[11] Veja-se a explicitação do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 24 de Fevereiro de 2022, proferido no processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1 (Graça Trigo).
[12] Seguimos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Abril de 2018, proferido no processo 661/16.9T8BRG.G1.S1 (Rosa Ribeiro Coelho).
[13] Acórdão de 22 de Abril de 2021, proferido no processo 1139/16.6T8VFR.P1.S1 (Ferreira Lopes).
[14] «Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”» (cf. Acórdão de 21 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 2044/06.0TJVNF.P1.S1 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza).