Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3220/17.5T8FNC-C.L1-6
Relator: ADEODATO BROTAS
Descritores: LEIS COVID 19
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
SUSPENSÃO DA ENTREGA JUDICIAL
SUSPENSÃO DA VENDA EXECUTIVA
FONTE DE SUBSISTÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1- Decorre do artº 6º-E nº 7, al. b) e do nº 8, da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04 – Regime Processual Transitório Excepcional no âmbito da pandemia da doença Covid 19 - que o legislador separou:(i) a protecção a conceder à casa de morada de família, (ii) da protecção a conceder ao direito à subsistência do executado.
2- Ou seja, no nº 7 b), concedeu uma protecção especial em relação à casa de morada de família, determinando que ficam suspensas as diligências relacionadas com a concretização da respectiva entrega judicial. Por sua vez, no nº 8, a preocupação do legislador centrou-se na necessidade de salvaguardar o direito à subsistência do executado, proibindo a venda e entrega de imóveis que constituam sua fonte de subsistência.
3-Para que pudesse ser ordenada a suspensão da venda executiva da fracção autónoma – apesar de constituir cada de morada de família – ao abrigo do artº 6º-E nº 8 da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, teria de ser alegado que esse imóvel constituía fonte de subsistência da executada, v.g., por estar parcialmente dado de arrendamento, ou nele funcionar algum estabelecimento, comercial ou industrial, gerador de receitas/subsistência da executada.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente A, Stc., SA e executada MFM, veio esta deduzir incidente de suspensão da venda executiva do imóvel penhorado.
Alegou, em síntese, que o imóvel em causa constitui casa de morada de família da executada e seu agregado familiar; não é proprietária de outro imóvel que lhe permita habitação; a venda executiva do imóvel determinará que a requerente/executada e o seu agregado familiar fiquem sem habitação; não tem capacidade económica para arrendar outro imóvel ou fracção onde possa viver.
Invoca o disposto no artº 6º-E nº 7, al. b) e nº8 da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção da Lei 13-B/2021, de 05/04.
2- Ouvida a exequente, veio opor-se à suspensão da venda executiva, alegando, em síntese, que o regime jurídico invocado pela executada apenas determina a suspensão da diligência de entrega do bem vendido e não a venda.
3- Em 18/10/202 foi proferido despacho que indeferiu a pretendida suspensão da venda executiva da fracção autónoma penhorada, com a seguinte fundamentação:
O artigo 6.º-E n.º 8 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março (na redacção dada pelaLei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril), consagra que: «Nos casos em que os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.»
Nas palavras de J. H. Delgado de Carvalho, esta norma consubstancia uma «cláusula de salvaguarda dos interesses (móveis ou imóveis), desconsiderando a finalidade da utilização destes bens e a finalidade da execução, sendo igualmente indiferente que o credor exequente beneficie, sobre os bens penhorados, de garantia anterior, bem como a natureza dessa garantia, e ainda que na execução concorram outros credores.»
Como refere J. H. Delgado de Carvalho, no perímetro do preceito cabe, por exemplo, «a diligência de entrega de imóveis, próprios ou arrendados (não habitacionais), em processos que corram termos nos tribunais judiciais, quando aqueles não se destinem a habitação própria e permanente do executado. Com este meio de tutela, o executado pode obter a protecção que não alcança através das alíneas b) e c) do n.º 7 do art. 6.º-E do RPTE. É o caso do comerciante individual que pretende impedir a venda ou a entrega do estabelecimento comercial donde retira os seus rendimentos.»
Compete ao juiz, em cada situação concreta que se lhe antolhe, a ponderação dos interesses das partes, à luz do disposto no artigo 335.º do Código Civil (colisão de direitos).
Tomando como premissa este enquadramento, cumpre referir que não foram alegados quaisquer factos demonstrativos de que o acto da venda que se não confunde com a entrega dos imóveis ao(s) futuro(s) adquirente(s) possa colocar em causa a subsistência da executada e do seu agregado familiar. Com efeito, o imóvel não é fonte do rendimento mensal da executada e/ou do seu agregado familiar.
Demais, como bem notou a exequente, o efeito que a executada pretende obter já se encontra assegurado pelo artigo 6.º-E n.º 7 b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04, segundo o qual: «Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório previsto no presente artigo: b) Os actos a realizar em sede de processo executivo relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família.»
Com efeito, sendo o imóvel penhorado a casa de morada de família da executada realidade que não foi colocada em crise pela exequente, não poderá ser entregue ao adquirente após a venda, desde que, claro está, o regime transitório se mantenha em vigor.
*
Pelo exposto, indefiro o pedido de suspensão da venda do prédio penhorado, sem prejuízo de, caso se concretize a venda, não poder ser o mesmo entregue ao adquirente enquanto vigorar o artigo 6.º-E n.º 7 b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, ou preceito de natureza equivalente.”
4- Inconformada, a executada/requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1- Após notificação nos termos do n.° 1 do artigo 812.° do CPC, a Recorrente deduziu o incidente a que alude a parte final do n.° 8 do artigo 6.°-E da Lei n.° l-A/2020, de 19 de Março (Lei), pugnando pela suspensão da venda executiva do Imóvel penhorado nos autos.
2- Para tanto, alegou a Recorrente que o Imóvel constitui o seu centro doméstico diário, ou seja, a sua casa de morada de família e a do seu agregado familiar, integrada por dois filhos estudantes, que não exercem atividade profissional remunerada, resumindo-se o rendimento mensal do agregado ao da Recorrente, variável entre € 700,00 e € 800,00, servindo para pagar, mensalmente, os consumos domésticos - cerca de € 146,00 - e a alimentação - cerca de € 400,00 (cfr. artigos 7º a 21° e 25º a 30°do Requerimento fls. ).
3- Mais, a Recorrente alegou não ser, tal como os elementos do seu agregado familiar, proprietária de outro imóvel passível de lhes permitir aí fixar aquele centro, para além de não dispor de condições monetárias para aquisição de um novo fogo habitacional.
4-A Recorrente alegou e demonstrou que a venda (e, subsequentemente, a entrega judicial) do Imóvel é suscetível de causar prejuízo à sua subsistência, bem como à do seu agregado familiar, mormente na medida em que o seu rendimento mensal, descontado das despesas mensais comuns a qualquer cidadão, não lhe permite arrendar um imóvel da mesma tipologia e cuja renda, atentas as atuais condições de mercado, não seria inferior a € 400,00 mensais, ou seja, alegou os factos indispensáveis ao juízo ponderado que o Tribunal a quo teria que fazer quanto ao eventual preenchimento da hipótese “prejuízo para a subsistência do executado”; e para um eventual acolhimento da pretensão suspensiva aduzida.
5- Se o Tribunal a quo considerou que “não foram alegados quaisquer factos demonstrativos de que o acto da venda (...) possa colocar em causa a subsistência da executada e do seu agregado familiar”, então, sempre se lhe impunha, nos termos do n° 2 do artigo 7° e do n° 4 do artigo 590°, ambos do CPC, lançar mão, por forma a evitar decisões formais em detrimento de decisões de fundo, ao poder vinculado - e, por isso, não discricionário -, de, previamente ao conhecimento de mérito, permitir à parte concretizar a matéria de facto que alegou nos autos, ainda que de forma deficiente - o que a Recorrente apenas admite a título académico in casu -, ao invés de decidir-se pela improcedência da pretensão deduzida invocando, para tanto, que a Recorrente não alegou - o que aquela não aceita - factos concretos para demonstrar o prejuízo para a sua subsistência fruto da venda do Imóvel.
6-A Exequente nada alegou nem provou quanto à possibilidade da propalada suspensão da venda causar prejuízo grave à sua subsistência (ou prejuízo irreparável) o que, de resto, dificilmente seria de compaginar atenta a sua natureza societária e comercial.
7- Atento o ónus de impugnação que sobre si recaía, a Exequente não impugnou nenhuma da matéria de facto alegada pela Recorrente, com especial destaque para a vertida nos artigos 7.° a 21.° e 25.° a 30.° do seu requerimento, incluindo a respeitante à correspondência entre o Imóvel e a casa de morada de família da Recorrente, ao prejuízo para a sua subsistência derivada da sua venda e à ausência de prejuízo grave à subsistência (ou prejuízo irreparável) da Exequente em caso de suspensão daquela.
8- O Tribunal a quo, por considerar que o Imóvel não é fonte de rendimento da Recorrente e do seu agregado familiar, indeferiu “o pedido de suspensão da venda do prédio penhorado (…)”.
9- Nos termos do n° 8 do artigo 6°-E da Lei, a realização da venda não é suspensa, mesmo que respeite a casa de morada de família mas, no entanto, deverá aquela ser suspensa se o executado o requerer e demonstrar que a realização da venda importa em prejuízo para a sua subsistência, sendo certo que, mesmo logrando o executado fazer prova desse prejuízo, a venda não deverá ser suspensa se o exequente, por seu turno, demonstrar que a não realização da venda importa em grave ou irreparável prejuízo para a sua subsistência.
10-Mal andou o Tribunal a quo pois, relativamente a saber se deveria ter sido decretada a suspensão da venda do Imóvel, realizou uma errada interpretação do n° 8 do artigo 6.°-E da Lei, acabando por ferir essa norma jurídica, mormente por considerar, à luz do regime legal aplicável, que a suspensão dos atos executivos se mostra restringida à entrega judicial da casa de morada de família e não, portanto, à sua venda judicial.
11- Nada na Lei prevê que a suspensão da instância executiva seja restrita apenas e só à hipótese de entrega judicial de imóvel que constitua casa de morada de família, como na decisão recorrida se invoca para decidir pelo indeferimento da suspensão da venda.
12- A questão que se coloca é a de saber se a Recorrente logrou demonstrar que a venda do Imóvel importa em prejuízo para a sua subsistência, sendo certo que tratando-se a Exequente de entidade financeira, dotada da necessária robustez financeira, a não realização da venda de um imóvel não coloca, naturalmente, em perigo a sua subsistência, uma vez que aquele, não obstante a suspensão da venda, permanecerá penhorado à ordem da execução e garantirá a satisfação do crédito exequendo, ainda que mais tardiamente.
13- O Tribunal a quo propendeu para o entendimento de que a venda do Imóvel (mesmo sendo a casa de morada de família) não importava em prejuízo para a subsistência da Recorrente e do seu agregado familiar, por não constituir uma sua fonte de rendimento mensal.
14- Afigura-se à Recorrente curial concluir que a venda do Imóvel onde reside, junta mente com aquele agregado, importará sempre num prejuízo, na medida em que se, por um lado, com a venda solverá (total ou parcialmente) o débito exequendo, por outro, terá necessariamente que arcar com uma nova despesa que antes não tinha, seja a renda de uma outra habitação, seja a prestação de um eventual crédito para aquisição de outra.
15- Não terá a Recorrente pejo em admitir que esse efeito inevitável da venda executiva não basta para que a mesma seja suspensa, pois que se bastasse o Legislador teria previsto a suspensão, pura e simples, da venda do imóvel que constitua casa de morada de família e o certo é que não o previu pois, pelo contrário, à luz do n° 8 do artigo 6°-E da Lei, por princípio, a instância executiva não é suspensa e, portanto, a venda executiva também não o é, salvo se da venda decorrer prejuízo para subsistência do executado.
16- Neste conspecto, a suspensão da venda do Imóvel depende da alegação e demonstração de factos concretos a partir dos quais possa o Julgador concluir pela existência de um prejuízo para a subsistência do executado, permanecendo em aberto a questão de saber em que consiste esse prejuízo que, por certo, não se reconduzirá a um “simples” prejuízo.
17- “A subsistência, em termos económicos, há-de corresponder àquele valor mínimo que permita ao executado e ao seu agregado familiar (aqueles que com ele vivem e que de si dependem economicamente) ocorrer às despesas com a habitação, a alimentação, o vestuário e a saúde, pois que a capacidade para a realização de tais despesas é, segundo os padrões sócio-culturais vigentes, essencial à subsistência condigna” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08-03-2021, Processo n.° 3744/Q6.0TBVLG-B.P1).
18- Mas para aquilatar deste prejuízo, não basta apelar-se, como sucede no Despacho recorrido, apenas ao valor do hipotético rendimento mensal a extrair do Imóvel, inclusive na medida em que, constituindo a casa de morada de família da Recorrente, não haveria de estar arrendado a terceiros, com os proveitos daí decorrentes, havendo, outrossim, para apurar a afectação negativa da subsistência, confrontar o rendimento mensal com todas despesas mensais (do executado e do seu agregado familiar, para o que relevam os membros desse agregado, a sua idade, os seus rendimentos), nelas incluindo, naturalmente, o valor da renda para arrendamento de uma nova habitação, segundo os valores de mercado.
19- “A circunstância do executado ter de procurar uma outra habitação, com o consequente pagamento da respectiva renda, (pode) comprometer ou prejudicar a sua subsistência, isto é, comprometer a realização das referidas despesas essenciais” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto op. cite).
20- Perante o n° 8 do artigo 6°-E da Lei, e não sendo de manter a venda do Imóvel, atento o pedido de suspensão da mesma, os autos haverão de regressar à fase prévia à decisão de venda (já tomada) daquele e, logicamente, deverá ser esta suspensa, pelo menos, até que venha a ocorrer a alteração da Lei, que assume confessado caráter transitório.
21-A decisão do Tribunal a quo deverá, pois, ser revogada e substituída por douto Acórdão que, apreciando os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgue procedente a apelação e, em consequência, declare por ora suspensa a (realização da) venda do Imóvel, nos termos do n.° 8 do artigo 6.°-E da Lei, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n° 7 do mesmo normativo legal, declaração essa que se haverá de manter até que o regime legal atualmente vigente sobre a matéria em apreço seja revogado ou alterado, posto o que os autos prosseguirão em conformidade com o que for consignado em subsequente regime legal.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.
5- A exequente contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A - O recurso ora em análise vem interposto do Douto Despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância que indeferiu o pedido de suspensão da instância executiva requerido pela Recorrente.
B - Com efeito, a Recorrente, deduziu nos autos de execução, incidente com vista à suspensão da venda executiva, nos termos do artigo 6º-E nºs 7 b) e 8 da Lei nº l-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei nº 13-B/2021, de 05/04, tendo o Tribunal a quo proferido despacho de indeferimento.
D - Assim, o objecto do presente recurso consiste em saber se deveria o juiz de primeira instância indeferir o pedido de suspensão da acção executiva.
E - Salvo o devido respeito, não assiste razão ou fundamento à Recorrente para a interposição de recurso, carecendo as questões arguidas de fundamento legal e de aceitação jurisprudencial, conforme a ora Recorrida procurará evidenciar.
Senão vejamos,
F - Lemos no sumário do Douto Acórdão do TRP, de 09/20/2021, Processo nº 2524/17.1T8LOU.P2, em que é Relator o Venerando Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes, disponível para consulta em www.dgsi.pt o seguinte:
"I- O artº 6º-A, nº 6, alíneas b) e c) e nº 7, da Lei nº l-A/2020, de 19/03 (na redacção da Lei n.9 16/2020, de 29/05) prevê três níveis diferentes de protecção das pessoas visadas com diligências de entrega de imóveis: a) se o imóvel em causa constituir casa de morada de família ficam automaticamente suspensas todas as diligências de entrega judicial da mesma: b) se o imóvel a entregar, não sendo casa de morada de família, for um imóvel arrendado apenas se suspendem estas mesmas diligências caso "o arrendatário, por forca da decisão final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa": c) se o imóvel em causa não constituir casa de morada de família nem for arrendado somente se suspende a prática de tais diligências caso estas "sejam susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente (...) desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável. II- A al. b) do citado preceito apenas suspende a entrega do imóvel que constitui a casa de morada de família, mas não já a sua venda ou adjudicação que necessariamente precedem aquela. III- O nº 7 do citado preceito não abrange na sua factie species a casa de morada de família, mas ainda que assim não fosse, não vemos como seria possível, nessas situações, a verificação do primeiro dos apontados requisitos (prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente), quando a sua protecção durante o período pandémico está garantida pela imposição da suspensão da entrega judicial do imóvel, sendo que, passado o referido período, a venda do imóvel poderá ser uma inevitabilidade."
G - 0 imóvel em causa é a casa de morada de família, indubitavelmente, a Recorrente beneficia da protecção que lhe é conferida pelo artº 6-E. nº 7. alínea b) que prevê que ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excepcional e transitório "Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família".
H - Concretizando, a Recorrente, beneficia deste grau de protecção e não de qualquer outro pois a sua situação não se enquadra nem na situação do arrendatário nem na situação daquele cuja vendas ou entrega judicial do imóvel seja susceptíveis de causar prejuízo à sua subsistência, na medida em que o imóvel não é a sua fonte de rendimento.
I- Lemos, a propósito do nº 7, alínea b) no Douto Acórdão do TRP, de 09/20/2021, Processo nº 2524/17.1T8LOU.P2, em que é Relator o Venerando Juiz Desembargador Manuel Domingos Fernandes, disponível para consulta em www.dgsi.pt. o seguinte: "Esta norma, como dela claramente resulta, está especialmente vocacionada para os casos de alienação em sede executiva ou de processo de insolvência do imóvel que constitui a casa de mora de família, sendo que a sua previsão constitui a única disposição daquela Lei explicitamente respeitante à protecção do desapossamento daquele tipo de imóvel no âmbito daqueles processos.
Como assim, não obstante aquela norma imponha a suspensão dos actos concretizadores da entrega judicial da mesma, daí não se retira que ela impossibilite a realização dos actos transmissores da sua propriedade que sejam necessariamente anteriores a tal entrega. Ou seja, impõe o preceito a suspensão da entrega, mas não já a venda ou adjudicação que necessariamente precedem essa mesma entrega, o que tanto bastaria para improceder a pretensão dos requerentes/recorrentes no sentido de suspensão da venda do imóvel em causa." (negrito e sublinhado nossos)
J - Ainda que assim não se entendesse, atendendo a que a Recorrente lança mão de também do disposto no nº 8 do artigo 6-E, que entendemos que não se aplica na medida em que existe uma disposição criada concretamente para as situações em que o imóvel é a casa de morada de família, nesse caso, teriam de se verificar cumulativamente 2 requisitos: a prática dos actos processuais a realizar com vista à venda do imóvel teriam de ser susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do Executado e a suspensão não poderia causar prejuízo grave à subsistência do Exequente ou um prejuízo irreparável.
K - Parece-nos flagrante que nenhum destes requisitos se verificam: por um lado, o conceito de prejuízo não se pode aplicar no caso sub judice na medida em que o imóvel não é a fonte de rendimentos da Executada e, por outro lado, é evidente que a suspensão da execução causaria um grave prejuízo à Exequente, ora Recorrida, que se veria impedida de concretizar a venda do imóvel numa fase em que o mercado imobiliário está em alta, quando vem objectivamente a somar prejuízo desde 2013, data em que iniciou a situação de incumprimento.
L - Assim sendo, não alcança a ora Recorrida como pode a Recorrente invocar prejuízo considerando a composição do seu agregado familiar e o preço dos arrendamentos, quando, confessadamente, não suporta quaisquer despesas com habitação desde 2013, ou seja, na prática, qualquer valor a pagar a título de renda, subjectivamente, representará para a mesma nunca um prejuízo, mas antes o desaparecimento da vantagem económica que representa ocupar um imóvel sem suportar qualquer despesa com o mesmo.
M - Verifica, pois, a Recorrida que o pedido de suspensão da Executada não demonstra objectivamente a existência de um prejuízo para a Executada, na medida em que a entrega efectiva do imóvel se encontra suspensa enquanto vigorar a Lei l-A/2020 pelo que, até lá a Recorrida irá permanecer no imóvel.
N - Resulta sim, do teor das Alegações formuladas pela Recorrente, como já resultava do incidente que a mesma deduziu, que a mesma pretende fazer uma leitura da Lei à medida do seu interesse, com uma finalidade manifestamente dilatória, que em muito prejudica a ora Recorrida e que não reflecte, de todo, o espírito da Lei.
O - Concluímos, assim, que ainda se admitisse a leitura que a mesma faz do nº 8, a mesma não demonstrou nem provou que o negócio transmissivo da titularidade do imóvel seria susceptível de causar prejuízo à sua subsistência - nem alcança a Exequente como tal poderia suceder na medida em que a sua subsistência não está dependente de ser titular do imóvel penhorado nos autos.
P - Em face do supra exposto, andou bem o Mmo. Juiz a quo ao determinar a suspensão da entrega efectiva do imóvel enquanto vigorar o disposto o artigo 6º-E nº 7 b) da Lei nº l-A/2020, de 19/03, ou preceito de natureza equivalente.
Q - Dispõe o nº 8 do artigo 6-E da Lei nº l-A/2020, de 19/03, o seguinte: "Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária."
R - Conforme já tivemos a oportunidade de referir anteriormente, entendemos que o artigo em questão só se aplica nos casos em que não está em causa a casa de morada de família dos Executados, atendendo a que existe disposição legal criada especialmente para o efeito - a contida na alínea b) do nº 7 do artº 6-E.
S - Atendendo a que a decisão proferida pelo tribunal a quo suspende as diligências com vista à entrega efectiva do imóvel, a Recorrida apenas lança mão do nº 8 para lograr beneficiar com a suspensão das diligências de venda do imóvel, o que, a proceder, além de profundamente injusto, abriria a porta a uma catadupa de suspensões processuais sem o mínimo de fundamento legal e, mais grave, apenas e só com finalidade dilatória. Concretizando,
T - Ainda que se admitisse a aplicabilidade do nº 8 às situações em que na execução está penhorado o imóvel que corresponde à casa de morada de família, ainda assim, teriam de se verificar 2 requisitos cumulativos:
1- Os actos referentes à venda do imóvel teria de ser susceptíveis de causar prejuízo à subsistência do Executado;
2- A suspensão da Execução não poderia causar prejuízo grave à subsistência do Exequente ou um prejuízo irreparável.
U - Os actos a realizar em sede de processo executivo referentes à venda do imóvel (sendo certo que no caso em apreço está assente a suspensão da entrega efectiva, o que não mereceu oposição do Exequente) não colocam causam prejuízo à subsistência da Executada, ora Recorrente.
V - Em que medida os actos preparatórios da venda do imóvel e o próprio negócio jurídico transmissivo da titularidade do imóvel colocam em causa a subsistência da Recorrente? Em que medida é que esta mera alegação pode ter algum fundo de verdade quanto a entrega efectiva do imóvel se encontra suspensa? Qual é o prejuízo que, a título de exemplo, advém para a Recorrente da decisão sobre a modalidade de venda e valor base? E da própria venda, que em nada altera a sua situação de facto enquanto vigorarem estas medidas excepcionais?
W - A Recorrente alegou mas nunca demonstrou (o não nos causa estranheza porque nunca conseguiria) qual o prejuízo que, com concreto, estes actos provocariam à sua subsistência.
X - Diferente seria se o imóvel em questão, estando na sua titularidade, estivesse afecto à sua actividade económica e a manutenção do mesmo na titularidade fosse imprescindível para o exercício da sua actividade, o que sempre careceria de ser alegado e provado para que o Tribunal pudesse deferir a sua pretensão.
Y - Mais grave, a Recorrente, arrogando-se a conhecer a situação financeira da Recorrida alega que esta não tem prejuízo, alega que a subsistência desta não depende da venda do imóvel...
Z - A ora Recorrida, repudia a postura e atropelo que a Recorrente faz da Lei para prosseguir no seu intento.
AA - A ora Recorrida é uma sociedade com escopo lucrativo, que só consegue manter a sua actividade em funcionamento, pagar vencimentos, pagar impostos e honrar os seus compromissos quanto factura e, no caso em concreto, com a venda da garantia do crédito que comprou, pois que de outra forma nunca receberia qualquer quantia por parte da Recorrida, que tão habilmente se tem furtado às suas responsabilidades.
BB - O prejuízo da Recorrida é flagrante, a sua actividade depende do pagamento dos créditos que titula, seja esse pagamento voluntário ou coercivo.
CC - O prejuízo da Recorrida é ainda mais evidente quando não consegue vislumbrar o fim da pandemia COVID-19 e, em consequência, da legislação extraordinária que, necessariamente foi aprovada com vista à protecção das famílias.
DD - O prejuízo da Recorrida é manifesto quando já se fala numa bolha imobiliária e se vê impedida de prosseguir com a acção executiva para entrega efectiva do imóvel numa fase em que o mercado imobiliário está em alta.
EE - Ainda assim, e porque resulta da Lei, a Recorrida conforma-se com as situações em que realmente a Lei prevê a suspensão a acção executiva e assiste razão aos Executados.
FF - Esse não é o caso dos presentes autos.
GG - A subsistência da Executada não fica prejudicada com a normal tramitação da acção executiva até à venda do imóvel, porquanto está acautelada por via do nº 7, alínea b), conforme Doutamente decido pelo Tribunal a quo.
HH - Não podendo proceder a pretensão da Recorrente com fundamento no nº 8 porque o mesmo não é aplicável em virtude de não ser encontraram preenchidos os seus requisitos.
II - Em face do supra exposto, parece à Recorrida que a protecção da Recorrente durante o decurso da situação pandémica já está devidamente acutelada pela imposição da suspensão da entrega judicial do imóvel que constitui casa de morada de família conforme decidido pelo Tribunal a quo.
JJ - No mais, a Recorrente pretende unicamente prosseguir uma finalidade dilatória, o que merece a veemente reprovação da ora Recorrida.
Pelo exposto e com o Douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente nos termos delimitados pelas conclusões e em conformidade com o exposto na fundamentação que antecede, e em consequência confirmar-se o Douto Despacho nos seus precisos termos, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido do prosseguimento da acção executiva para satisfação do crédito exequendo com a ressalva de, caso se concretize a venda, não poder ser o imóvel entregue ao adquirente enquanto vigorar o artigo 6º-E nº 7 b) da Lei nº l-A/2020, de 19/03, ou preceito de natureza equivalente.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- A revogação do despacho sob recurso com a consequência suspensão da venda executiva da fracção autónoma.
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2- Factualidade relevante.
- A fracção autónoma penhorada nos autos constitui casa de morada de família da executada e seu agregado familiar.
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3- A questão enunciada: A pretendida suspensão da venda executiva da fracção autónoma penhorada.
A executada/apelante insurge-se contra a decisão da 1ª instância que indeferiu a solicitada suspensão da venda executiva da fracção autónoma penhorada que constitui casa de morada de família. Defende que a suspensão dos actos de venda resulta do artº 6º-E nº 8 da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04 e, que a venda da fracção autónoma é susceptível de causar prejuízo à sua subsistência e do seu agregado familiar porque o seu rendimento mensal, descontados a despesas comuns, não lhe permite arrendar um imóvel atentas as condições de mercado.
Já a exequente/apelada entende que a protecção da casa de morada de família está prevista no 6º-E nº 7, al. b), da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, que manda suspender as diligências de entrega da casa de morada de família e não a proibição da venda executiva.
Quem terá razão?
É o que cumpre decidir.
É a seguinte a redacção do artº 6º-E nº 7, al. b) e nº 8, da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04:
“7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a)- (…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
(…)
8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária. (…)”
Ora bem destes dois normativos resulta que o legislador separou a protecção a conceder à casa de morada de família, da protecção a conceder ao direito à subsistência do executado (e em certas situações à subsistência do exequente).
Ou seja, no nº 7 b), concedeu uma protecção especial em relação à casa de morada de família, determinando que ficam suspensas as diligências relacionadas com a concretização da respectiva entrega judicial. Assim, no âmbito de processos executivos (e de insolvência) em que tenha sido penhorado imóvel que constitua casa de morada de família, não podem ter lugar as diligências de entrega judicial do imóvel enquanto perdurar o período de vigência do regime excepcional transitório relativo à pandemia COVID 19.
Por sua vez, no nº 8, a preocupação do legislador centrou-se na necessidade de salvaguardar o direito de subsistência do executado, proibindo a venda e entrega de imóveis que constituam fonte de subsistência do executado.
Para perceber estes diferentes tipos de protecção, importa verificar a evolução legislativa ocorrida sobre o assunto, desde a publicação da “Primeira” Lei Covid (Lei 1-A/2020, de 19/03) até à versão ora em causa, conferida pela Lei 13-B/2021, de 05/04.
Assim, a protecção especial da casa de morada de família no âmbito do regime transitório excepcional, iniciou-se com a Lei 1-A/2020, de 19/03 que, no seu artº 7º nº 1 determinava:
“…aos atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, (…), aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.”
Ou seja, no que dizia respeito à entrega, em sede de execução, de bem imóvel que constituísse casa de habitação efectiva do executado, as diligências encontravam-se suspensas por força da aplicação do regime de férias judiciais nos termos do artº 137º do CPC.
Entretanto, foi publicada a Lei 4-A/2020, de 06/04 que alterou aquela Lei 1-A/2020, de 19/03, dando nova redacção ao 7º nº 6 al. b), que passou a ser a seguinte:
“…
6- Ficam também suspensos:
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.”
Com esta versão da Lei, o legislador optou por suspender quaisquer actos a realizar em processo executivo, incluindo os actos relativos à venda, penhoras e entregas judiciais de imóveis.
Posteriormente, foi publicada a Lei 16/2020, de 29/05 que, no fundo, veio ditar uma série de regras que permitissem o descongestionamento progressivo da Justiça em geral e da actividade dos tribunais em particular. E, uma dessas medidas, foi o levantamento da suspensão dos prazos.
Além disso, esta Lei 16/2020 aditou à Lei 1-A/2020, de 19/03, o artº 6º-A com a seguinte redacção, no que à nossa questão interessa:
“ (…)
6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
(…)
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.”
Assim, nesta versão da Lei, o legislador optou por separar a protecção específica da casa de morada de família (nº 6, al, b)), da protecção do direito do executado à sua subsistência (nº 7).
Na verdade, apesar de, em regra, terem deixado de ficar suspensos os prazos e actos a ser praticados no âmbito do processo executivo, o certo é que, à luz do artº 6º-A, nº 6, al. b), ficavam suspensos os actos a ser realizados em sede de processo executivo (e de insolvência) que se encontrem “relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”.
“…Neste particular, coloca-se a questão de saber como deve ser interpretada a expressão “atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família”, isto é, se estarão aqui apenas em causa os atos materiais de entrega coerciva de um bem imóvel, ou, pelo contrário, se essa expressão abrangerá todos os atos preparatórios dessa diligência, designadamente a realização da venda e as diligências subsequentes. (…) se confrontarmos a redação do art. 6.º-A, n.º 6, al. b) – onde se alude a atos “relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família” – com a do n.º 7 do mesmo preceito legal – onde, pelo contrário, o legislador se refere a “atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis” –, dir-se-á que o art. 6.º-A, n.º 6, al. b), aplicar-se-á tão-só às diligências executivas praticadas na ação executiva para pagamento de quantia certa, tendentes à entrega de bem imóvel que tenha sido vendido e que constitua a casa de morada de família do executado, bem como às ações executivas para entrega de coisa certa, que tenham igualmente por objeto esse bem.” (Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Atos Processuais e Prazos no âmbito da Pandemia da Doença Covid-19”, pág. 29, edição online).
E continua este Professor:
De acordo com o art. 6.º-A, n.º 7, se os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência, referentes a vendas ou entregas judiciais de bens imóveis – que não constituam a casa de morada de família do executado –, forem suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente – tal como sucede, por exemplo, com a entrega de um bem imóvel no qual o executado ou o insolvente desenvolvam uma determinada atividade profissional ou laboral –, este pode requerer a suspensão da prática desses atos, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável. Com efeito, o legislador teve em atenção a circunstância de a crise pandémica e subsequente quebra de rendimentos das famílias e das empresas ser suscetível de afetar não só a situação económica dos executados, mas também dos exequentes.” (Atos Processuais e Prazos no âmbito da Pandemia…cit., pág. 31)
Temos assim que a protecção concedida pelo legislador à casa de morada de família é a da suspensão das diligências de entrega judicial após a venda executiva e não a proibição da venda. Já no que respeita à proibição de venda ela apenas pode acontecer se consubstanciar acto susceptível de causar a insubsistência do executado.
Mais tarde, foi publicada a Lei 4-B/2021, de 01/02 que deu a seguinte redacção ao artº 6º-B, nº 6, al. b), na parte que nos interessa:
“-6 - São também suspensos:
a) (…)
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção dos seguintes:
i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e
ii) Atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.”
Ou seja, o legislador voltou a sustar a generalidade dos termos da execução, não só dos prazos como dos actos a praticar em processo executivo, com excepção de pagamentos e de actos cuja não realização fossem susceptíveis de causar prejuízo irreparável ao exequente. Deste modo, por força da alteração levada a efeito pela Lei 4-B/2021, não podiam, por exemplo, realizar-se actos de penhora, vendas, qualquer que fosse a modalidade e, entregas judiciais de imóveis quaisquer que fosse a respectiva finalidade (Cf. J. H. Delgado de Carvalho, O Regime Processual Transitório e Excepcional estabelecido pela L 13-B (2021, de 5/4 (Incidências na Ação Executiva), blog do IPPC, Abril de 2021, pág. 1).
Posteriormente e finalmente, veio a ser publicada a Lei 13-B/2021, de 05/04, que, além do mais, se caracteriza por permitir a realização da maioria das diligências e actos de natureza executiva, alterado, em sentido contrário, a regra anterior que se caracterizava pela sustação da (quase) generalidade dos prazos e actos no processo executivo. Isso decorre da circunstância de a Lei 13-B/2021 ter revogado o artº 6º-B do regime anterior (Lei 4-B/2021) e ter acrescentado o artº 6º-E com a seguinte redacção na parte que nos interessa:
“7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a) (…);
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
(…)
8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”
Com esta alteração, o legislador voltou a distinguir, rectius, separar (i) a protecção da casa de morada de família, ordenando a suspensão das diligências de entrega judicial (artº 6º-E, nº 7 b)), (ii) da protecção do direito à subsistência do executado impedindo, neste caso, a venda de imóvel que constitua fonte de subsistência do executado (artº 6º-E nº 8).
Efectivamente, de acordo com o artº 6º-E nº 8, ficam suspensos os actos a realizar em sede de processo executivo referentes à venda e entrega judicial de imóveis que não sejam casa de morada de família, a requerimento do executado, quando a prática desses actos de venda ou entrega do imóvel seja susceptível de causar prejuízo à sua subsistência. (Cf. J.H. Delgado de Carvalho, O Regime Processual Transitório e Excepcional…cit., pág. 17 e seg.).
Ou seja, tem de tratar-se de imóvel de onde o executado retira a sua subsistência, por exemplo, imóvel que o executado deu de arrendamento e recebe as rendas como única fonte de subsistência; ou de imóvel onde funciona estabelecimento, seja comercial ou industrial que gera a subsistência do executado.
Quer dizer, “…no nº 8 do mesmo preceito almeja-se a tutela do executado ou do insolvente sempre que a diligência de entrega de imóvel seja suscetível de causar prejuízo à subsistência destes, o que deixa pressupor que terão de tratar-se de imóveis que tenham capacidade reditícia, ou seja, terão de ser imóveis com aptidão para gerar rendimentos que sejam necessários à subsistência do executado e do insolvente, suspensão de entrega que em todo o caso só operará desde que não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável. Enquanto a tutela da alínea b), do nº 7 do artigo 6-E da Lei nº 1-A/2020 se basta com a comprovação de que o imóvel a entregar constitui a casa de morada de família da pessoa visada com a diligência de entrega” (Cf. Ac. TRP, de 20/09/2021 (Carlos Gil), www.dgsi.pt).
Dito isto, apliquemos estas considerações ao caso dos autos.
Pois bem, está aceite que o imóvel em causa constitui cada de morada de família da executada e do seu agregado familiar.
Como se viu, decorre do artº 6º-E nº 7, al. b) da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, que a protecção que a lei concede à casa de morada de família é (apenas) a de suspender as diligências de entrega judicial enquanto perdurar o Regime Processual Transitório e Excepcional estabelecido no âmbito da pandemia pela doença Covid 19.
Foi o que a 1ª instância decidiu.
Para que pudesse ser ordenada a suspensão da venda executiva dessa fracção autónoma, à luz do artº 6º-E nº 8 da Lei 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei 13-B/2021, de 05/04, teria de ser alegado que esse imóvel constituía fonte de subsistência da executada, v.g., por estar parcialmente dado de arrendamento, ou nele funcionar algum estabelecimento, comercial ou industrial, gerador de receitas/subsistência da executada.
E essa fonte de subsistência da executada naquele imóvel não foi, sequer, alegada.
De resto, não faz sentido a alegação da requerente/executada relativamente a que a venda da fracção autónoma é susceptível de causar prejuízo à sua subsistência e do seu agregado familiar porque o seu rendimento mensal, descontados a despesas comuns, não lhe permite arrendar um imóvel atentas as condições de mercado. Na verdade, enquanto perdurar o Regime Processual Transitório Excepcional no âmbito da pandemia da doença Covid 19, pelo menos na redacção dada pela Lei 13-B/2021 ao artº 6º-E nº 7 b) da Lei 1-A/2020, de 19/03, a executada estará salvaguardada quanto à permanência na fracção, porque, como vimos, estão suspensas as diligências de entrega judicial como, de resto, a 1ª instância mencionou/decidiu.
A esta vista, restará concluir que não há fundamento para revogar a decisão da 1ª instância.
Assim, o recurso improcede.                               
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III-DECISÃO
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas no recurso, pela apelante, na vertente de custas de parte (as custas relativas à taxa de justiça mostram-se satisfeitas e não há lugar a encargos nesta instância).

Lisboa, 17/02/2022
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Aguiar Pereira