Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MOISÉS SILVA | ||
Descritores: | DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/08/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. O arguido detinha 9,78 gramas de canabis (resina), enquadrada na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em que a dose individual diária máxima é de 0,5 gramas. 2. Daqui resulta que não pode aplicar-se ao arguido o regime jurídico relativo ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas para consumo, porquanto excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. 3. Face ao acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR, 1.ª série, de 05 de Agosto de 2008, os factos assentes integram o crime previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40.ºdo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. 4. Para se alterar a doutrina fixada por um acórdão que fixou a jurisprudência num certo sentido, torna-se necessário que sejam invocados, em concreto, argumentos novos e de peso, que não tenham sido considerados pelo acórdão uniformizador e que sejam de molde a modificar a doutrina fixada, o que não ocorre na decisão recorrida. 5. Tendo em consideração a finalidade teleológica do n.º 2 do art.º 40.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na interpretação que lhe é conferida pelo acórdão de fixação de jurisprudência, afigura-se-nos que a pena de multa de 60 dias pode realizar de forma adequada e suficiente a prevenção especial e geral para este caso, dentro dos limites da culpa. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No processo comum nº 282/07.7PDCSC do 3.º Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, o Ministério Público, veio recorrer da sentença proferida em 13 de Janeiro de 2009, que condenou o arguido P…, já identificado nos autos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º n.º 1 e 25.º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma legal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, em virtude de entender que não foi acatado o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR 150, série 1.ª, de 5 de Agosto de 2008, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1ª – Nos presentes autos, o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 25º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa ao diploma referido, por não ter sido acatado o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, de 25 de Junho, publicado no DR 150, série I, em 5 de Agosto de 2008. 2ª – A ser observado o referido Acórdão de Fixação de Jurisprudência, a subsunção dos factos provados nos presentes autos, determinaria a aplicação da norma constante do art. 40º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. 3ª - A partir da reforma de 1998 do processo penal, os tribunais judiciais podem-se afastar da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, conquanto que fundamentem as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (art. 445°, n.º 3 do Código de Processo Penal). 4ª - A Mma. Juiz, na sua decisão, não fez qualquer alusão ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência supra referido e, consequentemente, não fundamentou, em especial, as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada, nem invocou a sua inconstitucionalidade. 5ª - Pelo que, deverá a sentença proferida pela Mma. Juiz a quo ser revogada e substituída por outra que decida de acordo com a jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, de 25 de Junho, publicado no DR 150, série I, em 5 de Agosto de 2008. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, ser a douta decisão recorrida objecto de revogação e determinada a substituição por outra que respeite aquela jurisprudência uniformizada. 3. O arguido não contra-alegou. 4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu visto e emitiu o seu parecer, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, reenviando os autos à 1.ª instância ou aplicar uma pena de multa nos termos dos art.ºs 71.º e 72.º do CP. 6. Foi cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo havido resposta. 7. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso. 8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir. II – Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer[1]. Mediante o presente recurso o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior, em síntese, a seguinte questão: - Não ter a sentença recorrida acatado o acórdão para fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008, de 25 de Junho, publicado no DR 150, série 1.ª, em 5 de Agosto de 2008, pelo que deve ser revogada e aplicado o disposto no art.º 40.º n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com as respectivas consequências jurídicas daí advenientes. 2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto: a) O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos: 1.º - No dia 21 de Abril de 2007, cerca das 22 horas e 45 minutos, junto à “...”, sita na Praceta ..., o arguido foi surpreendido por agentes da PSP, no exercício de funções, na posse de: 2.º - Um telemóvel de marca Nokia, de cor cinzenta, com o número de série 351488208075947 3.º - A quantia de € 510,00. 4.º - 9,78 gramas de haxixe 5.º - O arguido destinava o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, cujas características e natureza conhecia, ao consumo. 6.º - O arguido sabia que a descrita conduta lhe estava vedada por lei e que lhe era socialmente censurada, não obstante o que se determinou livre e conscientemente. 7.º - Sabia também que é proibido comprar, transportar, guardar, consumir, embalar e vender substâncias de natureza estupefaciente, cuja natureza e características conhecia. 8.º - O arguido é instalador de TV Cabo, auferindo rendimentos não concretamente apurados. 9.º - O arguido vive em união de facto e tem uma filha de menor idade. 10.º - O arguido reside em casa dos pais da companheira. 11.º - Não são conhecidos ao arguido outros processos de natureza criminal ou outros pendentes. 12.º - Do Certificado de Registo Criminal emitido em 02/10/2008 consta que: Por sentença datada de 12/07/2007, proferida no âmbito do processo comum singular n.º 409/06.6PECSC, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 2,25. 13.º - Por sentença datada de 07/11/2007, proferida no âmbito do processo sumário n.º 1185/07.0GACSC, do 4º Juízo Criminal deste Tribunal, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículo pelo período de 3 meses. 14.º - Por acórdão datado de 15/10/2007, proferida no âmbito do processo comum colectivo n.º 38/06.4PJCSC, do 4º Juízo Criminal deste Tribunal, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º e 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, e na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00. b) Factos declarados não provados: Não se provou que: 1.º - O arguido destinava o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, cujas características e natureza conhecia, à venda. 2.º - O dinheiro que lhe foi encontrado provinha das vendas que nesse mesmo dia havia já realizado de produto estupefaciente idêntico ao que lhe foi apreendido. 3.º - O arguido não tem rendimentos legais nem conta actividade lícita remunerada. 4.º - Dedica-se repetida e diariamente à compra, ao transporte, à guarda e à revenda da aludida substância a fim de obter uma margem de ganho entre a verba que gasta na compra das drogas e a quantia, maior, que aufere na respectiva revenda. 5.º - Esse ganho é destinado pelo arguido a fazer face às suas despesas básicas quotidianas tais como as de alimentação, vestuário, transportes, habitação e todos os seus gastos em geral. c) - Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na sentença recorrida: O tribunal formou a sua convicção com base em toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, valorada na sua globalidade, tendo sido preponderantes as declarações do arguido, o testemunho do agente da P.S.P. J…, conjugados com a análise crítica dos documentos juntos aos autos, aqui se destacando o auto de apreensão de fls. 6, o teste rápido de fls. 7, a fotografia de fls. 8 e o relatório pericial de fls. 47. Concretamente, admitiu o arguido que o produto de natureza estupefaciente que lhe foi apreendido era seu, sendo que o destinava ao seu consumo e ao de sua companheira. O agente de autoridade J… confirmou ter procedido à detenção do arguido, esclarecendo que a mesma ocorreu na sequência de uma busca efectuada ao clube, local referenciado como sendo um local de tráfico. No que tange à matéria de facto não provada, de referir que não foi produzida prova nesse sentido, porque ninguém o referiu, mas, também, porque tal não resulta de outros meios de prova, designadamente os já constantes dos autos (maxime, relatórios de vigilância). A existência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada nos autos. O arguido depôs acerca das suas condições pessoais e económicas. d) Finalmente, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos e à medida da pena, expendeu-se na sentença recorrida: A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março regula os procedimentos de diagnóstico e dos exames periciais necessários à caracterização do estado de toxicodependência. Nos termos do disposto no artigo 9º deste diploma, os limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro são os referidos no mapa anexo. Concretamente, para a cannabis (resina) – constante da tabela I-C – o limite quantitativo máximo é de 0,5. A Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, regula o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Esta lei veio despenalizar o consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, o qual, desde que a quantidade de droga em causa não exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, constitui contra-ordenação (artigo 2º da mencionada Lei). A Lei n.º 30/2000 revogou o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 15/93, excepto quanto ao cultivo. Colocam-se, a este propósito, várias hipóteses, muito debatidas na jurisprudência: Interpretação restritiva do art. 28º da Lei n.30/2000, de 29 de Dezembro, que entende que se mantém em vigor o artigo 40º do Decreto-Lei n.º 15/93 para os casos de aquisição e detenção de estupefacientes para consumo próprio, em quantidade superior a 10 doses diárias (neste sentido, cfr. o recente Acórdão do S.T.J de 25/06/2008, em que foi relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, Dr. Souto de Moura, processo 06P4684, disponível no site www.dgsi.pt); Interpretação que entende que todos os casos de consumo, aquisição ou detenção de droga para consumo foram degradados em contra-ordenação pela lei nova, independentemente da quantidade de droga em causa; Interpretação que aceita a revogação do art. 40º do Decreto-Lei n.º15/93 (com excepção do cultivo) e que entende também que o período fixado no artigo 2º n.º 2 da Lei n.º 30/2000 é imperativo, pelo que a detenção de droga, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante um período superior a 10 dias, integra um crime de tráfico (artigos 21º ou 25º da Lei n.º 15/93, conforme os casos). Adianta-se, desde já, que se sufraga a terceira das interpretações acima referidas, uma vez que a mesma, para além de respeitar a letra das normas em confronto, é coerente com os valores tutelados (perigo para a saúde e integridade física dos cidadãos atingidos com o tráfico). Em casos de detenção de grandes quantidades (ainda que com o intuito do consumo pessoal) é significativo o perigo de, a qualquer momento, o detentor alterar o destino que inicialmente tinha decidido dar à droga (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09 de Dezembro de 2004, disponível no site www.dgsi.pt). Provou-se, no caso, que o arguido, no dia 21 de Abril de 2007, cerca das 22 horas e 45 minutos, junto à “...”, sita na Praceta ..., foi surpreendido por agentes da PSP, no exercício de funções, na posse de um telemóvel, da quantia de € 510,00 e de 9,78 gramas de haxixe. Da prova resulta também que o arguido destinava o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, cujas características e natureza conhecia, ao consumo. Detinha assim o arguido quantidade de haxixe superior ao limite máximo quantitativo legalmente estipulado, sendo que o fez ciente das características destes produtos, e de modo livre, voluntário e consciente, ou seja, com dolo. Considerando a qualidade dos produtos de natureza estupefaciente (haxixe), a quantidade das mesmas, a circunstância de a mesma se destinar ao consumo, não resultando dos autos que o mesmo tenha sido disseminado por terceiros, entende este tribunal, sopesados tais elementos, estar-se, sem dúvida, perante um caso de tráfico previsto no artigo 25º. Verificam-se, assim, preenchidos, in totum, os elementos objectivos e subjectivos do tipo, não operando, in casu, qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude. Uma vez feito o enquadramento jurídico do tipo legal em questão, cabe agora determinar a medida da pena a aplicar. O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º e 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos De acordo com o disposto nos artigos 71º e 40º do Código Penal, há que atender, na ponderação e determinação da medida da pena, à culpa do agente e às exigências de prevenção, geral e especial, que no caso concreto se fazem sentir. O n.º 2 do artigo 71º do Código Penal manda atender, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Assim, ponderados os vários elementos apurados, importa salientar a ilicitude dos factos, que é elevada, o tipo de drogas detidas pelo arguido (haxixe), a circunstância de a mesma se destinar ao consumo, a existência de antecedentes criminais pelo mesmo tipo de ilícito. Foram também consideradas as condições pessoais e sociais do arguido. Sopesando os vários elementos, decide este tribunal de adequado, por justo e proporcional, fixar, pela prática do crime de tráfico a pena de dois anos e seis meses de prisão. As circunstâncias pessoais relativas ao recorrente, especialmente a integração familiar e mesmo laboral e o apoio familiar de que (com todas as dificuldades) dispõe, permitem formular a previsão de que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade de prevenção especial» Perante um prognóstico favorável nos termos do artigo 50º nº 1 do Código Penal, que faz concluir pela suspensão da execução da pena, são considerações de prevenção especial que determinam a socialização do arguido em liberdade, por assim se lograr alcançar a finalidade reeducativa e pedagógica, pela ameaça da pena, e ser adequada e suficiente às finalidades da punição. Considerando que as quantidades aprendidas não são muito elevadas, a confissão do arguido, entende este tribunal, sopesados os elementos referidos, que o juízo de prognose não é ainda, de todo, desfavorável e que é de lhe dar uma oportunidade, esperando que o arguido sinta a simples censura do facto como suficiente e que de futuro não venha a cometer mais crimes. Assim, decide-se fixar em dois anos e seis meses o período da suspensão da execução da pena (n.º 5 do artigo 50º do Código Penal). Dispositivo: Tudo visto e ponderado, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decide este tribunal: 1.º - Condenar o arguido, em autoria material, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º n.º 1 e 25º alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C anexa ao diploma referido, na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. 2.º Declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida, ordenando-se a sua destruição. 3.º - Determinar a restituição ao arguido da quantia monetária de € 510,00 e do telemóvel, melhor identificado a fls. 6. 4.º - Condenar o arguido no pagamento de 2 UC de taxa de justiça, (artigos 513º do Código de Processo Penal, artigo 85º n.º 1 alínea b) do Código das Custas), reduzida a metade, nas custas do processo e em procuradoria pelo mínimo. Acresce a condenação do arguido no pagamento de 1% da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro. 3. Vejamos se assiste razão ao recorrente. Antes do mais, há que apurar se a matéria de facto dada como provada implica a aplicação aos autos do acórdão para fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR. 1.ª série, n.º 150, de 05 de Agosto de 2008, que o recorrente diz ter sido preterido. Foi dado como provado na sentença recorrida, além do mais, que o arguido tinha na sua posse um telemóvel de marca Nokia, de cor cinzenta, com o número de série 351488208075947, a quantia de € 510,00, 9,78 gramas de haxixe e que o arguido destinava o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, cujas características e natureza conhecia, ao consumo. Na qualificação jurídica dos factos o tribunal recorrido refere-se ao produto haxixe como sendo canabis (resina) constante da tabela I-C e ao limite quantitativo máximo de 0,5. Face ao disposto na alínea a) do art.º 431.º do CPP, embora o recurso verse apenas sobre matéria de direito, tendo em conta a prova pericial de fls. 47 elaborada pelo laboratório de polícia científica, da Polícia Judiciária, entendemos dever acrescentar aos factos provados que a quantidade de produto haxixe encontrado na posse do arguido é canabis (resina), uma vez que este facto não foi impugnado e não encontramos fundamentos para divergir daquele juízo científico (art.º 163.º do CPP). Na verdade, a perícia foi efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos e científicos, pelo que só poderia ser objecto de crítica da mesma natureza[2]. Contudo, existe liberdade de apreciação dos dados de facto que servem de base ao juízo científico[3], mas não vislumbramos qualquer um que o possa colocar em dúvida. Deste modo, acrescentamos aos factos assentes que o produto encontrado na posse do arguido é canabis (resina), evitando o reenvio, como sugeria o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, a fim de apurar de que produto se tratava em concreto (óleo ou resina). Este facto é importante para efeitos de apurar o limite quantitativo máximo para cada dose individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, previsto no art.º 9.º da Portaria 94/96, de 26 de Março e mapa anexo a esta, porquanto o limite diário para a resina é de 0,5 gramas e para o óleo é de 0,25 gramas. Está assente que o produto encontrado na posse do arguido apresentava-se como canabis (resina) e destinava-se a consumo. A Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, veio definir o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (constantes das tabelas I a IV do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01), bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica (art.º 1.º). Prescreve o art.º 2.º deste diploma legal que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no parágrafo anterior constituem contra-ordenação quando não excederem a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. No caso que nos ocupa o arguido dispunha de 9,78 gramas de um produto que, depois de analisado pericialmente, se apurou ser canabis (resina), enquadrado na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em que a dose individual diária máxima é de 0,5 gramas. Constata-se que a quantidade possuída pelo arguido dava para 19 doses diárias individuais completas. Daqui resulta que não pode aplicar-se ao arguido o regime jurídico relativo ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas para consumo, porquanto excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. Esta verificação fê-la também o tribunal de 1.ª instância, pelo que optou pela qualificação jurídica dos factos de modo a integrar a conduta do arguido como preenchendo um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido nos termos do no n.º 1 do art.º 21.º e na alínea a) do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-C anexa a este diploma legal e, em consequência, condenou-o na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período. Ao optar por esta qualificação jurídica dos factos, a sentença recorrida desviou-se da qualificação jurídica constante do acórdão para fixação de jurisprudência n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR. 1.ª série, n.º 150, de 05 de Agosto de 2008. Este acórdão decidiu fixar jurisprudência nos seguintes termos: Não obstante a derrogação operada pelo art.º 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o art.º 40.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias. Prescreve o n.º 3 do art.º 445.º do CPP que a decisão que resolver o conflito (acórdão para fixação de jurisprudência) não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão[4]. Para se alterar a doutrina fixada por um acórdão que fixou a jurisprudência num certo sentido, torna-se necessário que sejam invocados, em concreto, argumentos novos e de peso, que não tenham sido considerados pelo acórdão uniformizador e que sejam de molde a modificar a doutrina fixada[5]. O tribunal de 1ª instância nem sequer refere este acórdão na sentença que proferiu. Menciona vários arestos, mas omite totalmente o acórdão que fixou jurisprudência sobre esta matéria e não invoca qualquer argumento novo para contrariar a doutrina assim fixada. Nesta conformidade, decidimos revogar a decisão recorrida. Face ao acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR, 1.ª série, de 05 de Agosto de 2008, os factos assentes integram o crime previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40.ºdo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. O art.º 70.º do CP manda dar preferência às penas não detentivas sempre que estas realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: prevenção geral e especial. O arguido possuía 9,78 gramas de canabis (resina) para consumo. Tendo em consideração a finalidade teleológica do n.º 2 do art.º 40.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na interpretação que lhe é conferida pelo acórdão de fixação de jurisprudência, afigura-se-nos que a pena de multa pode realizar de forma adequada e suficiente a prevenção geral e especial para este caso. A regra é a liberdade e a prisão a excepção. O arguido deve ser punido sem perder a sua liberdade, mas de modo a que a sanção seja uma tal que o leve a pautar a sua conduta de acordo com o dever ser imposto pela ordem jurídica no seu todo. Quanto à medida da pena há que atender ao disposto no n.º 2 do art.º 40.º do CP, o qual prescreve que a pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa, e ao art.º 71.º do mesmo diploma legal. Nos termos da primeira norma citada, a pena não pode exceder a medida da culpa, pelo que a pena concreta há-de ser doseada até esse limite máximo, tendo presentes as exigências de prevenção, como manda o n.º 1 do art.º 71, entre um limite mínimo ligado à culpa e um limite máximo também consentido pela culpa[6]. Ou seja, a medida concreta da pena tem como limites a medida da culpa, concorrendo os demais elementos para a fazer aproximar mais do mínimo ou do máximo, de acordo com as exigências do caso concreto. A questão central continua lá. O legislador quis responsabilizar o juiz pelo resultado da sua decisão. O juiz tem que compreender as normas jurídicas e fazer a justiça do caso concreto. Não pode demitir-se do seu dever de agente que faz a ponte entre a lei abstracta e a carne viva dos interesses da vida real. O Direito é para os homens e o Direito justo existe apenas aproximadamente[7]. O direito não é uma ciência exacta. É preciso trabalhar os seus diversos elementos para que o resultado final se aproxime o mais possível do justo. A ideia de justiça manda tratar o igual de forma igual e o diferente de forma proporcionalmente diferente[8]. É inescapável a diferente sensibilidade patenteada por diferentes seres humanos perante a desgraça, incluindo o juiz[9]. O direito contém um dever-ser geral e abstracto, igual para todos os cidadãos, colocados nas mesmas circunstâncias, considerados de forma geral e abstracta[10]. A aplicação do direito não se resume a um acto de pura subsunção. O julgador parte da compreensão do conflito para atingir a objectividade. O direito existe na relação dos homens entre si e as coisas[11]. A autocompreensão do juiz é fundamental para escapar ao erro de pensar que interpreta a lei sem qualquer subjectividade. O juiz precisa de ter consciência deste facto para entrar na pré-compreensão da realidade e fundamentar argumentativamente o que tinha antecipado como provisório[12]. O direito norma transforma-se em direito de resultado[13]. O direito de resultado tem por objecto o facto e a norma numa relação dialéctica permanente com vista a resolver o conflito. Ponderando o preceituado no art.º 71.º, sem perder de vista o n.º 2 do art.º 40.º, ambos do CP, verificamos que o arguido possuía uma quantidade pequena de canabis, da variante resina, a qual destinava a consumo, sendo o próprio arguido a sofrer as consequências desta sua conduta ilícita. Não se trata de um crime de tráfico, onde se revela a exploração da saúde física e psíquica de outros seres humanos para obter lucros, mas de um crime em que o agente tem quantidades excessivas para consumo[14] próprio. Neste contexto, entendemos que o grau de ilicitude é de nível médio, atendendo a casos semelhantes de consumo. Embora o arguido soubesse que estava a praticar um facto ilícito, pensamos que o dolo é de intensidade média, pois, por um lado, destinava-se ao consumo, mas, por outro, já havia sido condenado duas vezes por ilícitos ligados à detenção de estupefacientes. O arguido confessou os factos, é instalador de TV Cabo, auferindo rendimentos não concretamente apurados, vive em união de facto e tem uma filha menor, reside em casa dos pais da companheira e não são conhecidos ao arguido outros processos de natureza criminal ou outros pendentes. A moldura abstracta da pena de multa vai até 120 dias, pelo que tendo presentes todos os elementos acabados de referir, fixamos a pena de multa em 60 dias. Tendo em conta que o arguido trabalha, embora se desconheça a sua retribuição concreta, vive em casa dos pais da companheira, o que de certo modo não deixará de ser benéfico do ponto de vista económico, pois não tem de suportar sozinho os encargos com uma habitação, beneficiando, no mínimo, de economias de escala, tem uma filha menor, a qual certamente carece de alimentos (em sentido lato) e foi encontrado com € 510 na sua posse, decidimos fixar o montante diário da pena de multa em dez euros, a que corresponde o montante global de € 600. III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação em: a) Conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença de 1.ª instância na parte em que condenou o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do art.º 21.º e alínea a) do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mantendo-se o mais que aí foi decidido. b) Condenar o arguido P…, em autoria material, pela prática do crime previsto e punido pelo n.º 2 do art.º 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na interpretação do acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2008, de 25 de Junho de 2008, publicado no DR, 1.ª série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2008, na pena de multa de sessenta dias, à taxa diária de € 10 (dez euros), ou seja, no montante global de € 600 (seiscentos euros). c) Sem custas. d) Notifique. Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art° 94° n° 2 do C.P.Penal. Lisboa, 08 de Outubro de 2009 Moisés Silva Paula Carvalho ----------------------------------------------------------------------------------------- [1] Acs. do STJ, de 16.11.95, 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451°, p. 279 e 453°, p. 338, e CJ/STJ, Ano VII, I, p. 247 e arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP. [2] Neste sentido: Silva, Germano Marques, Curso de Processo Penal, II, 4.ª edição, Editorial Verbo, Lisboa, 2008, pp. 217 e 218; Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 417 e 418. [3] Neste sentido: Prof. Figueiredo Dias e acórdãos citados por Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal Anotado, …pp. 417 a 420. [4] Neste sentido: Ac. do STJ, de 20.04.2005, CJ/STJ, tomo II, p. 181. [5] Neste sentido: Gonçalves, Manuel Lopes Maia, Código de Processo Penal Anotado, … pp. 1049 e jurisprudência aí citada. [6] Ac. STJ, de 10.04.1996, CJ/STJ, t II, pp. 168 a 170 e Ac. STJ, CJ/STJ, CJ, t II, p. 175. [7] Kaufman, Arthur, Filosofia do Direito, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, pp. 65 e 66. [8] Kaufman, Arthur, Filosofia do Direito, …pp. 65, citando a Teoria da Justiça de Radbruch. [9] Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, …, p. 69 e 70. [10] Lúcio, Álvaro Laborinho, Director do Centro de Estudos Judiciários, Sobre a Aplicação do Direito, Lisboa, 1985, p. 15 (também publicado em separata no BMJ, n.º 348). [11] Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, …, p. 69. [12] Arthur Kaufman, Filosofia do Direito, …, p. 69 e 70. [13] Lúcio, Álvaro Laborinho, Director do Centro de Estudos Judiciários, Sobre a Aplicação do Direito, …, pp. 16 e ss. [14] Ac. STJ, de 25.06.2008, para fixação de jurisprudência, DR, 1.ª série, n.º 150, p. 5243. |