Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2053/20.6T8ALM.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO DO MONTANTE
LIQUIDAÇÃO POSTERIOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - O art.º 40º do DL 291/2007, de 21 de agosto, foi instituído em benefício dos lesados, pelo que não faz sentido considerar que estes têm de propor a ação declarativa em prazo mais curto que o da prescrição do seu direito à indemnização apenas para que a penalização da seguradora não atinja valores elevados.
2 - Provando a A. que o conjunto de trator e reboque está afeto à sua atividade de transporte rodoviário internacional de mercadorias, presume-se que, da respetiva privação, derivam danos efetivos e não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a indemnização ser relegada para posterior liquidação, nos termos do art.º 609º nº 2 do C.P.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Na presente ação declarativa que Rodo Cargo - Transportes Rodoviários de Mercadorias, S.A. move contra Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., a R. interpôs recurso da sentença pela qual foi julgada a ação parcialmente procedente e, em conformidade, foi condenada a R. a pagar à A.:
“i) €54.100,00, a título de indemnização, no valor de €100,00 por cada dia, com respeito ao período que mediou entre o dia 10.11.2018 e o dia 16.06.2020;
ii) €4.607,15, a título de indemnização pelos danos da viatura;
iii) €200,00, a título de indemnização pelos custos da peritagem;
iv) juros de mora, à taxa de 8%, sobre as quantias aludidas em ii) e iii), calculados desde o dia 23.11.2018 até à presente data;
v) sanção pecuniária compulsória, à taxa de 5%, sobre as quantias aludidas em i) a iii), desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até integral e efetivo pagamento;
vi) indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado pelo período de 12 dias, correspondentes ao período necessário para a sua reparação, a liquidar em incidente, com o limite máximo de €6.168,72.”
Na alegação de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«1. Com interesse para a apreciação das questões objeto deste recurso, vejam-se os pontos 1, 4, 9, 10, 17, 18 e 21 da matéria de facto dada como provada;
2. A Recorrente entende que existe abuso do direito por parte da Recorrida ao pretender beneficiar de uma indemnização calculada sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir;
3. A este respeito, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 10.02.2022, Processo n.º 576/20.6T8EVR.E1, disponível em www.dgsi.pt, que foi enunciado pela Recorrente em sede de alegações orais e cujo resumo consta da sentença recorrida;
4. A Recorrente que não pode ser penalizada pela inércia propositada por parte da Recorrida, impondo-se a redução da indemnização para o montante total de 6.000,00€ (60 dias X 100€);
5. A Recorrente não acompanha a posição sufragada pelo Tribunal a quo de relegar para incidente de liquidação de sentença a fixação da indemnização pela paralisação da viatura;
6. Conforme assinala – e bem – a sentença: “Relativamente aos prejuízos concretos decorrentes dessa imobilização, não estão os mesmos demonstrados, sabendo-se apenas que se trata de um conjunto de trator e reboque afeto à atividade de transporte internacional”;
7. Incumbia assim à Recorrida a prova dos factos constitutivos do direito que alegou;
8. Não tendo a Recorrida provado os prejuízos concretos decorrentes da paralisação, necessário se torna concluir pela improcedência integral do pedido por esta formulado;
9. Impõe-se assim concluir que nenhum dano haverá a indemnizar a título paralisação da viatura.»
A A. respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. A Ré incumpriu os prazos previstos no artigo 36º nº 1 alínea e) do Decreto-lei 291/2007.
2. A Ré não pagou à Autora qualquer valor no âmbito na regularização do presente sinistro.
3. A Ré assumiu a regularização do presente sinistro.
4. A Ré tem a direção efetiva de todo e qualquer processo de regularização de sinistro que lhe seja reclamado pelo terceiro lesado e participado pelo seu segurado.
5. No âmbito do presente processo, no prazo decorrido entre 23.11.2018 até 16.06.2020, a Ré nada fez, disse ou comunicou à Autora, no que diz respeito à assunção de responsabilidade.
6. Esta inércia é penalizada, de forma automática, pelo dispositivo previsto no artigo 40º nº 2 do Decreto-lei 291/2007, por se tratar de uma sanção civil.
7. Aliás, o valor de penalização só deveria cessar com o pagamento do valor do sinistro, doutra forma gerando uma redundância de se penalizar para obrigar ao pagamento e este continuar sem ser efetuado, como é o caso dos presentes Autos, em que se define a data de 16.06.2020 como data de comunicação da assunção ou não assunção, sem que tenha ocorrido pagamento.
8. Assim, tendo a Ré incumprido o dever que se lhe impunha, deverá ser condenada nos precisos moldes que definiu o Tribunal Recorrido, sob pena de violação do direito Europeu, nem sendo de aplicar a figura do abuso de direito a uma sanção civil, em que o lesado, que já de si é lesado, e portanto, estranho à relação entre Ré e o seu segurado e, mais, continua a ser lesada por a Ré não pagar o sinistro.
9. No tocante à quantificação dos danos referentes à paralisação do veículo da Autora em incidente de liquidação, deverá ser mantida igualmente a douta decisão proferida pelo Tribunal Recorrido.
10. Estando provada a existência de danos, apenas não estando determinado o seu valor exato, cumpre relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação de execução de sentença, sem que ocorra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal.»
As questões a decidir são as seguintes:
- do abuso do direito e consequente redução da indemnização pelo atraso na comunicação da assunção ou não da responsabilidade; e
- do relegar para incidente a liquidação da indemnização pela privação do uso do veículo.
*
Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
«1. A A. é uma sociedade comercial cujo objeto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada (1º p.i.)
2. Está inscrita, a favor da A., a propriedade do veículo trator com a matrícula 97…, e do semirreboque com a matrícula L-…, que constituem o conjunto circulante especial para transporte de automóveis com as matrículas 97…/L-…, afeto ao desenvolvimento da atividade da A. (1º p.i.).
3. A A. é ainda titular da licença nº …, emitida para o trator matrícula 97…, a qual a legitima a usar o conjunto circulante constituído pelo veículo trator com a matrícula 97… e pelo semirreboque com a matrícula L-… no transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, licença esta emitida pela Delegação de Évora do IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., a 09 de novembro de 2016 e válida de 09 de novembro de 2016 a 18 de outubro de 2017 (2º p.i.).
4. No dia 31 de agosto de 2017, pelas 15:00 horas, na A-2, sentido Sul/Norte, no distrito de Setúbal, concelho de Almada, freguesia de Almada, na zona destinada à saída para Almada, ocorreu uma colisão envolvendo o conjunto circulante constituído pelo veículo trator com a matrícula 97… e pelo semirreboque com a matrícula L-…, conduzido por AA, motorista da A., e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 40…, conduzido por BB (4º p.i.).
5. O condutor do veículo seguro pela R. iniciou a mudança de faixa de rodagem para o seu lado esquerdo, sem se precaver que o fazia em segurança (7º p.i.).
6. Por força de tal desatenção, veio o condutor do veículo seguro pela R. a embater na lateral frente direita do trator de mercadorias do veículo ao serviço da A., que ali circulava pela faixa imediatamente à sua esquerda (8º p.i.).
7. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 40… está transferida para a R., através da Apólice 004511765786 (4º p.i.).
8. Em 08.09.2017, conforme indicação da sua representante, a empresa CC., a A. contactou a empresa DD, para proceder à realização da peritagem aos danos verificados no seu veículo e esta veio a emitir esse relatório de peritagem em 19.09.2017 (28º p.i.).
9. A representante da A., a empresa CC, decidiu enviar à R. um fax datado de 08.10.2018, para o nº de fax …, contendo a cópia de uma alegada carta enviada à R. em 05-09-2017, com referência ao sinistro (30º p.i.).
10. Em 09.10.2018, por email, a R. comunicou à A. o seguinte: “(…) constatamos tratar-se de um sinistro que reúne condições para enquadramento na Convenção Complementar IDS (Indemnização Direta ao Segurado).
Assim, ao abrigo da referida Convenção, agradecemos que contacte a sua seguradora.” (10º cont.).
11. Em 12 de dezembro de 2018, a representante da A., a empresa CC, decidiu enviar uma carta à R., como “Reclamação de prejuízos de forma quantificada” (40º p.i.).
12. Constava desta carta o seguinte:
- Reclamação de indemnização correspondente ao custo de reparação do veículo com a matrícula 97…, no valor de € 4.607,15 (ponto “1” da carta datada de 05-09-2017 endereçada à R.);
- Reclamação de correspondente aos custos de paralisação do veículo matrícula 97…, no valor de € 3.084,36 (ponto “3” da carta datada de 05-09-2017, endereçada à R.);
- Reclamação de indemnização correspondente aos custos decorrentes da necessidade de contratar a empresa DD, para proceder à peritagem do veículo acidentado, no valor de €200,00 (ponto “6” da carta datada de 05-09-2017, endereçada à R.) (42º a 44º p.i.).
13. Em consequência direta do acidente ocorrido a 31 de agosto de 2017, o trator ficou no seguinte estado:
− A fratura: do para-choques frente, do aro exterior do farol frente direito, do farol de longo alcance, do farol, do conjunto de resguardos da porta frente direita;
− O empeno: do estribo inferior direito, suporte direito do para-choques, do canto frente direito da cabine; ligeiro da porta frente direita, do suporte dos estribos direitos, da respetiva moldura, da cava da roda frente direita;
− Um golpe profundo no pneu frente direito;
− Danos: na pintura das partes sinistradas (60º a 61º p.i.).
14. O que importou uma reparação, com os seguintes custos:
Para-choques - 365,85€;
Farol - 197,62€;
Farol de longo alcance direito - 76,32€;
Aro exterior do farol frente direito – objeto de reparação;
Estribo inferior direito - 42,09€;
Suporte direito do para-choques – 21,23€;
Canto frente direito da cabine - objeto de desempeno;
Porta frente direita - objeto de desempeno;
Conjunto de resguardos da porta frente direita – 283,45€;
Suporte dos estribos direitos e respetiva moldura – 306,61€;
Cava da roda frente direita – 234,83 €;
Pneu frente direito (75%) – 394,15 € (63º a 74º p.i.).
15. Tudo, conjuntamente com a “mão de obra”, avaliado no valor total €4.607,15, sem IVA, atento o facto de a reparação ter ocorrido nas instalações oficinais da própria A. (75º p.i.).
16. O veículo matrícula 97… deu entrada nas instalações oficinais da A. em 08-09-2017 (79º p.i.).
17. Após a 1ª vistoria, em 08-09-2017, a reparação iniciou-se, em 11-09-2017, e para a realização da mesma foi determinado, pelo perito, um período de 7 dias úteis, tendo a mesma vindo a ocorrer nesse período (80º p.i.).
18. O veículo da A. ficou impossibilitado de prestar quaisquer serviços à mesma no período que decorreu entre a entrada na oficina (08.09.2017) e a data de conclusão da reparação (19.09.2017) (82º p.i.).
19. No âmbito de um acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS foi fixado o valor diário de € 257,03, com referência à paralisação dos veículos pesados afetos ao transporte internacional (76º p.i.).
20. A A. suportou o valor de €200,00 com a peritagem mandada efetuar ao seu veículo matrícula 97… (94º p.i.).
21. A A. não participou o sinistro à EE, a sua companhia de seguros.»
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Na sentença recorrida, foram dados como não provados os seguintes factos:
«a) Em 05 de setembro de 2017, a A. enviou à R., por correio normal, para a Direção do Ramo Automóvel na Av. do Mediterrâneo, 1, Parque das Nações, Apartado 1953, 1058-801 Lisboa, através da empresa sua representante, a sociedade CC, a sua “Reclamação Inicial” sobre o acidente (13º p.i.).
b) Nessa comunicação, a A. transmitiu: a sua referência para o acidente como sendo 2017-08-31 2128/17 97… L-…; a identificação do acidente; a identificação dos intervenientes; a descrição da sua versão relativamente à forma como o mesmo ocorreu; a indicação da localização dos danos; a solicitação para a quantificação dos danos a fim de que pudessem ser prontamente reparados para que o conjunto circulante pudesse rapidamente continuar a laborar; a solicitação da R. para realização da peritagem ao veículo matrícula 97…; a indicação do local onde a R. deveria fazer deslocar o seu perito com o intuito de avaliação dos prejuízos materiais; a indicação de que decorridos 5 dias úteis sem notícias da R., devidamente comprovadas, a empresa CC, tomaria a iniciativa de requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo sinistrado; a indicação de uma 1ª lista de 6 prejuízos a reclamar em consequência direta do acidente (14º a 23º p.i.).
c) Alertando ainda a representante da A. para que, decorridos que fossem 5 dias úteis, sem notícias da R., tomaria a iniciativa de requisitar imediatamente uma peritagem aos veículos em causa (23º p.i.).
d) O veículo da A. estava afeto a serviços já anteriormente contratados, determinando esta situação a necessidade de obter um veículo idêntico para dar continuidade aos referidos serviços, o que não foi possível concretizar (83º p.i.).
e) Assim, a A. viu-se forçada a cancelar todos os serviços para os quais tinha o veículo destinado (86º p.i.).»
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O DL 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, dispõe, no seu art.º 36º nº 1 als. a) e e), o seguinte:
“Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:
a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico”.
Nos termos do art.º 38º nº 1 do referido diploma legal, “a posição prevista na alínea e) do nº 1… consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte”
O art.º 40º nº 2 do DL 291/2007 dispõe o seguinte:
“1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos nºs 1 dos artigos 38º e 39º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:
a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;
b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;
c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.
2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos nºs 1 dos artigos 38º e 39º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1º dia de atraso sobre o montante previsto no nº 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.”
Da fundamentação da sentença recorrida consta o seguinte:
“porque a R. contestou a 17.06.2020, tendo reconhecido aí o acidente e os danos sofridos pela viatura, consideramos que a indemnização deve ser calculada… até ao dia 16.06.2020.”
No entender da recorrente, “existe abuso do direito por parte da Recorrida ao pretender beneficiar de uma indemnização calculada sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir”.
Em apoio da sua posição, a recorrente invocou o acórdão da Relação de Évora proferido a 10 de fevereiro de 2022, no processo 576/20.6T8EVR.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Na fundamentação de tal acórdão, pode ler-se:
“Existe abuso de direito por parte da Autora ao pretender beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir.
Ao acionar a Ré mais de 16 meses depois de reunir os pressupostos legais para o fazer, podendo tê-lo feito mais cedo, não pode a Autora vir a beneficiar dessa inércia.
Sendo razoável estimar em 30 dias o prazo para a Autora acionar e acrescentar-lhe os 30 dias de prazo da contestação (art.º 569, 1 CPC).
Tendo a A. direito a receber da Ré o montante de €6.000 (60 dias x100€) estabelecido no nº 2 do art.º 40.º do DL 291/2007 como penalização pela falta de resposta atempada.”
No sumário do Acórdão do STJ proferido a 30 de novembro de 2022, no processo 576/20.6T8EVR.E1.S1 - precisamente no processo acima referido -, publicado nos Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis do ano de 2022, acessível em www.stj.pt, pode ler-se:
“I - O art.º 40.º do DL n.º 291/2007, de 21-08 - regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel - que transpõe parcialmente para ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05 é uma punição da seguradora por agir de forma negligente, não pronta e atempada, com manifesto prejuízo do lesado.
II - Tal norma foi instituída em benefício dos lesados, por isso, uma simples análise lógica permite concluir que seria um absurdo que, por causa dela, os lesados passassem a ter de instaurar as acções relativas a acidentes de viação em prazos mais curtos que o da prescrição do seu direito à indemnização apenas para que a penalização da seguradora não atingisse valores elevados.
III - O sistema é relativamente simples, tem como finalidade directa compelir a empresas seguradoras à rápida regularização dos sinistros assim protegendo os lesados, em casos ocorrência de um sinistro automóvel, dos danos que acrescem na sua esfera jurídica pela não reparação rápida dos danos que o sinistro lhe causou, e, indirectamente, diminuir o recurso à via judicial para resolução deste tipo de conflitos.
IV - Não é o lesado que tem na sua disponibilidade o valor desta penalização, mas a empresa seguradora. Mesmo que a autora tivesse, como estratégia, deixar arrastar o assunto durante anos para depois reclamar quantias muito elevadas a título de penalização, a empresa seguradora só deixa que essa estratégia surta efeitos se não apresentar a sua proposta de resolução do sinistro.
V - Ao lesado confere a lei um prazo para obter judicialmente o reconhecimento do seu direito, muito curto, três anos - art.º 498.º do CPC. Dentro desse prazo de três anos, até que uma norma legislativa venha encurtá-lo, não é legítimo que, por via interpretativa, entendam os tribunais que passa o lesado a dispor de um menor prazo de prescrição apenas porque aquela penalização aumenta a cada dia que passa.
VI - O lesado pode, até ao final do prazo de prescrição, ter a legitima expectativa de que a empresa seguradora possa vir a acordar na solução extrajudicial do litígio, e pode não ter condições financeiras, ou psicológicas para avançar com uma contenda judicial, em momento anterior.
VII - O exercício desse direito corre validamente até ao último dia do prazo de prescrição, sem que a escolha do momento em que decide propor a acção judicial, desacompanhada de qualquer outro elemento, possa constituir um uso abusivo do seu direito.
VIII - A lei não estabeleceu qualquer limite, tecto máximo, para esta penalização pelo que não pode deixar de ter considerado que ela pode vir a ser contabilizada por um período próximo do prazo de prescrição para a propositura da acção de indemnização, caso o incumprimento por parte da seguradora persista em tal extensão temporal.”
Subscrevemos esta argumentação do STJ.
Não se verifica, pois, abuso do direito por parte da A. por ter proposto a presente ação no momento em que o fez e, consequentemente, não há que reduzir a indemnização pelo atraso da R. na comunicação da assunção ou não da responsabilidade
 Nos termos do art.º 609º nº 2 do C.P.C., “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“Decorre da matéria de facto provada que a A. esteve impossibilitada de utilizar o veículo, por virtude dos danos resultantes do sinistro, durante o tempo necessário para a sua reparação, o que se cifrou em 12 dias.
Relativamente aos prejuízos concretos decorrentes dessa imobilização, não estão os mesmos demonstrados, sabendo-se apenas que se trata de um conjunto de trator e reboque afeto à atividade de transporte internacional.
Somos, pois, conduzidos ao art.º 566º, nº 3 do CC, competindo decidir se deve ser fixada a indemnização solicitada, com recurso à equidade, como pretende a A., tomando por referência os valores fixados em acordo celebrado entre a ANTRAM e a APS.”
O tribunal recorrido termina defendendo que “deve ser relegada para incidente de liquidação de sentença a fixação da indemnização de que se cura (art.º 609º, nº 2 do CPC), só aí tendo lugar a ponderação da questão à luz da equidade, na eventualidade de não se alcançar a prova dos prejuízos concretos”.
A fundamentação da sentença recorrida quanto ao dano da privação do uso do veículo está conforme com a jurisprudência maioritária.
“São conhecidas as divergências jurisprudenciais sobre a necessidade de demonstração de terem ocorrido prejuízos concretos para o lesado, resultantes da impossibilidade de uso e fruição de uma viatura sinistrada, para que o denominado dano de privação de uso seja indemnizável.
Como refere Maria da Graça Trigo, em paralelo com o aprofundamento do problema surgiu uma posição intermédia que parte da exclusão da reparação do dano em abstrato mas que, num segundo nível, admite como suficiente a prova da ocorrência de danos concretos com base numa presunção. Ao lesado pede-se apenas a prova que utiliza habitualmente a viatura na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivem danos efetivos. Esta posição é hoje tendencialmente maioritária na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
Os prejuízos podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.) e, não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a respetiva indemnização ser remetida para posterior liquidação, nos termos do artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil. Em último caso, funcionará um juízo de equidade” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 17 de junho de 2021, no processo 879/17.7T8EVR.E1.S1).
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Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.

Lisboa, 26 de outubro de 2023
Maria do Céu Silva
Cristina Lourenço
Carla Figueiredo