Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7/14.0T3MFR.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: BURLA
FALSIFICAÇÃO DE CHEQUE
VÍCIOS DA SENTENÇA
NULIDADES
OMISSÃO DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
VALOR PROBATÓRIO DE EXAME PERICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - Não dá a sentença cabal cumprimento ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, ao não proceder ao exame critico das provas produzidas em julgamento, limitando-se o Tribunal a quo a referir o que os arguidos e as testemunhas disseram, sem explicitar os concretos motivos porque entendeu valorar as declarações dos arguidos e das testemunhas, umas em detrimento das outras, nem fundamentando o motivo pelo qual usou do in dubio pro reopara absolver os arguidos do crime porque foram acusados, pois tal princípio não serve para colmatar as insuficiências do exame crítico da prova.

II - O exame grafológico, realizado pelo LPC da PJ e junto com a acusação, constitui prova pericial e, como tal, subtraída à livre apreciação do julgador. Ao fazer a sentença tábua rasa do exame pericial junto aos autos, concluindo, sem qualquer fundamentação, em sentido diverso deste, está a violar o disposto nos artigos 127.º e 163.º do CPP e a consubstanciar a nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do mesmo diploma.

III - Não é consentâneo com as regras da experiência comum que alguém que falsifica nove cheques, abusando das assinaturas dos titulares da conta, e depois procede ao depósito dos mesmos na sua conta bancária, atue sem intenção de lhes causar prejuízo e de estar obter para si um  enriquecimento ilegítimo. Mesmo que se tivesse provado a tese da defesa de que a arguida assim procedeu porque tinha créditos pelos quais por esta via pretendia ressarcir-se, mal se andará se for permitido que todos aqueles que tendo créditos sobre outros falsifiquem cheques de contas bancárias destes e procedam em seu favor ao respetivo depósito.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 7/14.0T3MFR, da Comarca de Lisboa Oeste – Instância Local de WW– Secção Criminal – J1, foram submetidos a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, os arguidos AA (…) e BB (…), acusados da prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a), 256º, nºs 1, al. c) e 3, e 30.º, n.º 2, e de um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1, e 30.º, n.º 2, todos do Código Penal.

Realizado o julgamento vieram os arguidos a ser absolvidos, por sentença proferida e depositada em 11 de Junho de 2015, da prática dos crimes pelos quais estavam acusados.

2. O Ministério Público, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

"1 - Os arguidos AA e BB vinham acusados da prática, em co-autoria material de crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256º,nº1, al. c) e nº 3 e em concurso efectivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº1, todos do Código Penal.

2 - Realizado julgamento foi proferida sentença absolutória de ambos os arguidos. Os factos que constam do elenco probatório não autorizam a ilação jurídica de absolvição de ambos os arguidos.

3- O Tribunal conclui que não foi feita prova da especial intenção que ambos os crimes exigem, valorando a versão apresentada pela arguida de que vinha adiantando dinheiro em nome do condomínio e que falsificou os cheques, depositando-os, para reaver esse dinheiro.

4 - Sucede que a sentença não indagou quais os concretos valores em dívida e quais os cheques que a arguida utilizou para se ressarcir desse valor.

5 - O arguido foi absolvido porque não se provou que tivesse conhecimento da conduta da arguida, pois a esta cabiam as tarefas administrativas e financeiras da gestão do condomínio.

6 - Contudo o tribunal não indagou, nem fixou, na matéria de facto dada como provada, a divisão de tarefas dos arguidos e quais as que cabiam em concreto ao arguido.

7 - Verifica-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provado, vício previsto no artigo 410º, nº2 do C.P.P., o qual se arguiu para os devidos efeitos.

8- O facto dado como provado em 9) e o facto dado como não provado em 1) espelham a mesma realidade, pelo que não podem estar simultaneamente no elenco dos factos provados e dos não provados.

9 - O facto dado como não provado em 3), ou seja que arguida se apropriou da quantia de €3.815,95 está em contradição com o facto dado como provado em 9), no qual são descritos os nove depósitos efectuados pela arguida, na sua conta, no valor global de  €3.815,95. Se a arguida logrou o depósito dos cheques apropriou-se do dinheiro.

10 - Na fundamentação a Meritíssima Juiz a quo incorre em contradição quando, na mesma frase, afirma que as testemunhas de acusação confirmaram a repartição de tarefas admitida pelos arguidos e, logo a seguir, conclui que as mesmas testemunhas não confirmaram nem infirmaram o relato dos arguidos.

11 - As apontadas contradições integram o vício previsto no artigo 410º, nº2, al. b) do CPP, pelo que a sentença é nula.

12 - A sentença deu como provado que a arguida falsificou nove cheques e que procedeu ao depósito dos mesmos em conta por si titulada.

13 - Incorre a sentença em erro notório na apreciação da prova quando dá como assente que a arguida falsificou nove cheques e os depositou na sua conta, não sendo a absolvição compaginável com tal realidade.

14 - A consciência da falsidade, concretizada na assunção dos factos pela arguida, por si só, é suficiente para dar como provada a intenção de causar prejuízo ao condomínio e a intenção de enriquecimento ilegítimo e, consequentemente, concluir-se pela condenação da arguida.

15 - O erro na apreciação da prova é notório a qualquer pessoa que leia a sentença, pois não se percebe perante os factos provados a absolvição da arguida, pelo que incorre a sentença no vício previsto no artigo 410º, nº2, al c) do C.P.P., que se arguiu para os devidos efeitos.

16 - Na fundamentação o Tribunal limitou-se a sumular as declarações dos arguidos e das testemunhas e a indicar as folhas onde estão os documentos juntos aos autos pelos arguidos.

17 - Que documentos relevaram, e para que efeitos, isto é, para que concretos factos provados contribuíram, directa ou indirectamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção é o que se desconhece, porque a sentença não o diz.

18 - O princípio “in dubio pro reo” não serve para colmatar as insuficiências do exame crítico da prova.

19 - Se o Tribunal não examinou criticamente a prova não pode concluir pela dúvida razoável; a dúvida surge depois de uma actividade de reflexão e depois de esgotadas as possibilidades de investigação, percursos racionais que não se encontram espelhados na sentença.

20 - A falta de exame crítico das provas, imposto pelo artigo 374º, nº2 do Código de Processo Penal e a consequente insuficiência da fundamentação determina, nos termos do artigo 379º, nº1, al. a), a nulidade da sentença.

21 - No âmbito do inquérito foi requerido ao LPC da PJ exame pericial à letra dos arguidos, dos representantes do condomínio e das assinaturas constantes dos cheques descritos na acusação, concluindo-se no que respeita aos cheques com os números 3600547167 e 6100547175 (os únicos que admitiram a realização do exame por se tratarem de originais), concluindo-se como muito provável que a assinatura dos mesmos tinha sido feita pela arguida AA.

22 - A Meritíssima Juiz a quo fez tábua rasa do exame pericial à letra junto à acusação, omissão que até compreenderíamos perante a admissão dos factos por parte da arguida.

23 - Já não compreendemos tal omissão quando o Tribunal conclui que: “olhando às assinaturas dos cheques logo ressalta dos mesmos que foram assinados pelo mesmo punho, de imediato se descortinando uma situação de falso grosseiro, juridicamente enquadrável numa tentativa impossível e não punível, nos termos do artigo 23º , nº3 do Código Penal.”

24 - O Tribunal ao concluir em sentido diverso do exame pericial, sem fundamentar e sem fazer referência ao mesmo, violou o disposto nos artigos 126º e 127º do Código de Processo Penal, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, al. c) do Código de Processo Penal.

25 - Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 412.º nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita à arguida AA por se entender que o Tribunal a quo apreciou erradamente a prova, resultando tal erro da análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, interpretada à luz das regras da lógica, da experiência e da normalidade.

26 - O Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos descritos nos pontos 1), 3), 4), 6), 7), 8) e 9) (verifica-se que os factos na sentença não estão numerados sequencialmente, inexistindo facto nº 5) dos “Factos Não Provados”, no que respeita à arguida AA.

27 - A prova produzida impõe decisão diferente no que respeita à arguida.

28 - A arguida no seu depoimento, na sessão de julgamento de 4/06/2015 (acta de fls. 338), declarou o seguinte (gravação digital 01506040902_3550863 _2871369.wma, 01:05 a 02h43):

Arguida: “(…) eu admito que assinei cheques que não deveria ter assinado...ha…assinei no sentido de porque eu…como é que eu hei-de explicar…havia alturas em que o prédio não tinha dinheiro suficiente em conta e eu para não depositar cheques que me tinham sido passados e depois correr o risco de virem devolvidos e depois originar problemas ao prédio, eu por vezes adiantava do meu dinheiro. Eu não o deveria ter feito e de facto assinei cheques, falsificando assinaturas de ambos os titulares para fazer levantamentos para reaver desse dinheiro que eu tinha pago”.

Juiz: “A senhora está a dizer que os condóminos, que CC e DD… essas duas pessoas tinham conhecimento que a senhora fazia isto?”

Arguida: “Não, não. Que eu tinha os cheques no escritório… não tinham conhecimento disso.”

 (gravação digital 201506040902_3550863_2871369.wma, 07:01 a 08:20)

Juiz: “Os cheques que estão aqui elencados na acusação, a senhora admite que foi a senhora…que assinou?”

Arguida: “sim, sim…”

Juiz: “Aqui diz-se que os senhores se apropriaram da quantia de €3,815,95 que pertenciam ao condomínio.”

Arguida: “Não, não senhora doutora juíza. Isso não é verdade. Eu de facto falsifiquei as assinaturas, levantei os cheques, mas foi para me pagar das despesas que eu tinha pago. Aliás todos os cheques estão justificados com essas mesmas despesas e os comprovativos de depósitos e transferências. Eu levantei exactamente para me poder pagar senão também ficava eu prejudicada. E hoje estou arrependida porque sei que não o devia ter feito. Tentei ajudar e acabei…se calhar também ficava prejudicada de outra forma porque automaticamente prejudicava o prédio (…).”

(gravação digital 20150604100311_3550863_2871369.wma, 00:00 a 01h16)

Procuradora-Adjunta: “Porque é que não pediu ao Sr. CC e à Sra. DD para passarem os cheques?”

Arguida: “Olhe Senhora Doutora por parvoíce (…)”.

29 - Na sessão de julgamento de 4/06/2015 (acta a fls. 339), a testemunha CC declarou, além do mais, o seguinte:

(gravação digital 20150604102629_3550863_2871369.wma, 08h20 )

Procuradora-Adjunta: “(…) como é que teve conhecimento destes cheques que estamos aqui a tratar hoje?”

Testemunha: “(…) fui alertado pelo Banco ZZ por um telefonema, atenção que temos aqui um cheque para pagamento que não tem cobertura. A conta não tem dinheiro. (…) Fui alertado por isso porque nessa altura era o nosso nome, meu e da D. DD, que estava no cheque e portanto era o nosso nome que ía para a lista negra do Banco de Portugal. Recordo-me na altura de haver algumas interacções com a XX  - o que é que se passa não temos aqui o dinheiro, o que é que se passou, houve algum pagamento que não entrou, coisas que, obviamente, nós assumiríamos como normais. Tentou-se regularizar da parte de algumas interacções com a XX , mas o que é certo é que a situação mantinha-se e voltei a ser alertado pelo BANCO ZZ que saiu um cheque, que entrou outro, que foi anulado (…)o que é certo é que as coisas continuavam.

Até que nós resolvemos, quando digo nós, eu e a D. DD enquanto administradora também…nos resolvemos pegar nas coisas por nós e deslocarmo-nos ao Banco ZZ e tentarmos perceber o que é que se passava.

E nessa altura fomos de facto alertados pelo Banco ZZ…que a conta não tinha dinheiro e depois começamos, o Banco ZZ alertou-nos e mostrou-nos uns extractos…haa…de que algo, de que uns cheques tinham saído num período em que tinha dado entrada, salvo erro, pagamentos dos condóminos, e foram saindo alguns cheques de algumas quantias que nós desconhecíamos completamente e que não tínhamos assinado.“

30 - Na sessão de julgamento de 4/06/2015, a testemunha DD declarou, além do mais, o seguinte:

(gravação digital 20150604110107_3550863_2871369.wma, 05:17 a 09:50)

Procuradora-Adjunta: “Esta questão que nos traz aqui já disse que foi despoletada em 2013. O que é aconteceu nessa altura?”

Testemunha:” Então tinham sido feito obras no prédio no Verão desse ano e depois entretanto eu e o senhor CC sabíamos que as pessoas tinham efectuado os pagamentos– por isso é que eu lhe perguntei há pouco se se estava a referir às mensalidades normais ou do pagamento das obras…(…)A paginas tantas no final desse ano o senhor CC que estava habituado a lidar com os dinheiros e as contas disse-me que tinha sido alertado por um banco TT, salvo erro, que havia um cheque que tinha sido entregue para pagamento da obra e que não tinha provisão e nos ficamos assim espantados, como foram confirmados lá está o pagamento, todos os condomínio tinham pago a parte deles das obras, era suposto haver dinheiro para pagar, havia qualquer coisa que estava a falhar.”

Procuradora-Adjunta: “Foi ao Banco com o senhor CC? (…).”

Testemunha: “Não depois ainda tentamos com a XX  perceber o que estava a acontecer, ainda foram trocados uma série de mails, tentativas de telefonemas, nós nunca desconfiámos do que estaria por trás dessa falta de dinheiro, tentamos perceber o que era, mas o que é facto é que nunca conseguimos e acabamos por ir ao Banco para tentar perceber pelos extractos o que estava a acontecer (…) até que a páginas tantas conferindo ponto a ponto, cheque a cheque, acabamos por perceber o que estava a acontecer.”

Procuradora-Adjunta: “E o que é que estava a acontecer?”

Testemunha: “O que estava a acontecer é que havia cheques que supostamente, quantias que tinham sido levantadas por cheques que nem tinham sido assinados por mim nem pelo senhor CC (…).”

Procuradora-Adjunta: “Chegou a confrontar a D. AA com esses cheques  (…)?”

Testemunha: “Eu ainda falei uma vez ao telefone com a D. AA, ainda antes de saber disso tudo, porque nos achávamos que o problema que existiria ali é que havia pagamento de coisas em atraso e por isso é que não havia provisão. Foi isso que ela me disse ao telefone que por lapso dela ainda não tinham sido pagas (…) depois houve troca de mail com o Sr. DD e ou não havia resposta ou havia e dizia que tudo estava a ser tratado e que a gente não se preocupasse e que ainda se ia resolver, uma conversa para nos entreter(…).”

31 – A Meritíssima Juiz a quo afastou a especial intenção que ambos os crimes exigem pelo argumento veiculado pela arguida que actuou, da forma descrita e provada, para se ressarcir de quantias de dinheiro que vinha adiantado para saldar contas do condomínio.

32- As explicações da arguida, que assumiu a falsificação mas já não a apropriação do dinheiro, não têm qualquer suporte probatório e, consequentemente, não conduziram à fixação de qualquer facto provado como se alcança da leitura da sentença.

33- Os documentos juntos aos autos não têm a virtualidade de provar qualquer adiantamento efectuado pela arguida em nome do condomínio.

34 - Os documentos de fls. 169 a 179, 181, 186, 188-192, 194-199 são recibos, facturas e orçamentos, pelo que nada atestam no que respeita a pagamentos efectuados a expensas da arguida.

35 – Dos documentos bancários de fls. 184/185, 187, 193 e 201 não se extraem os destinatários das transferências efectuadas, nem os supostos negócios a eles subjacentes, pelo que não provam quaisquer adiantamentos de dinheiro efectuados pela arguida.

36 - A testemunha EE (sessão de julgamento de 4-06-2015 [fls. 337], gravação digital 20150604111423_3550863_281396.wma, 02:30 a 3:20) começou por dizer que o pagamento foi feito por dinheiro pela XX , pelo que foi requerido pelo Mandatário dos arguido que fosse confrontada com fls. 192 e 193 (e não como se refere na acta com fls. 170 a 173) dos autos, acabando a testemunha por admitir que um dos pagamentos fora feito por transferência bancária.

37 – Sucede que o documento de fls. 193 diz respeito a uma transferência efectuada no valor de 70 euros, datada de 14-02-2014.

38 - Em Fevereiro de 2014 já a arguida tinha falsificado os cheques e procedido ao seu depósito, pelo que apenas por lapso se compreende que a Meritíssima Juiz a quo tenha exarado na sentença que se encontra exemplificada uma das situações em que a arguida liquidou com capital próprio uma despesa do condomínio do qual, como de outras, se veio a compensar com recurso à assinatura dos cheques!

39 – As duas testemunhas da acusação descredibilizam por completo a versão da arguida, pois relatam, de forma credível e consentânea, que descobriram que a conta bancária do condomínio se encontravam sem saldo porque foram contactados pelo gestor de conta do BES.

40 – Os dois depoimentos são reveladores de como a arguida tentou ocultar a situação ao mesmo tempo que a mantinha, pois apenas a deslocação ao BANCO ZZ permitiu aos administradores perceber que tinham sido retirados valores da conta do condomínio sem a sua autorização, mediante cheques falsificados e emitidos a favor dos arguidos.

41 - Resulta da prova, mormente das declarações das testemunhas de acusação, que a arguida, confrontada com a falta de dinheiro, não esclareceu o motivo pelo qual o Condomínio não tinha liquidez para saldar as suas obrigações.

42- Não existe prova documental e/ou testemunhal que corrobore a versão da arguida.

43 - Do cotejo das declarações da arguida com a restante prova produzida – documentos, testemunhas da acusação e de defesa – resulta a inverosimilhança da sua versão.

44- E desta inverosimilhança decorre a prova, por demais evidente, que a arguida agiu, sem o consentimento do condomínio, apropriando-se da referida quantia, com especial intenção de benefício ilegítimo e com especial intenção de enriquecimento ilegítimo.

45 – O Tribunal a quo interpretou erradamente a prova produzida ao concluir pela absolvição da arguida, com o argumento que ficou por provar a especial intenção que ambos os crimes exigem.

46 – A especial intenção resulta, desde logo, dos factos provados e, em última instância, da incoerente e, por consequência, inadmissível tese da arguida.

47- Com base nos elementos de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, que o Tribunal a quo deveria ter julgado provados todos os factos 1), 3), 4), 6), 7), 8) e 9) constantes do elenco dos factos dados como não provados no que respeita à arguida AA.

48- Em consequência, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela condenação da arguida AA pelos crimes pelos quais vinha acusada - um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256º,nº1, al. c) e nº 3 em concurso efectivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº1, todos do Código Penal.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e, em consequência:
a) Ser verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal, com as devidas consequências legais;
b) Ser verificado o vício da contradição insanável da fundamentação, previsto no artigo 410º, nº1, al. b) do Código de Processo Penal, com as devidas consequências legais;
c) Ser verificado o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, nº 1, al. a) do Código de Processo Penal, com as devidas consequências legais;
d) Ser declarada nula a sentença por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 379º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal;
e) Ser declarada nula a sentença por omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 379, nº1, al. c) do Código de Processo Penal;
f) Ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue provada a matéria factual acima referida e, em consequência, condene a arguida pela prática de um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256º, nº1, al. c) e nº 3 e em concurso efectivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217º, nº 1, todos do Código Penal.

Este é o entendimento que perfilhamos.

Vossas Excelências, porém, farão a costumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

3. Não responderam os arguidos.

4. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 403, bem como de sustentação da decisão recorrida, como resulta de fls. 405 a 408, no qual a Mmª Juíza a quo exarou o seguinte:

"Os factos considerados como provados sob 9) foram os atos de
preenchimento e depósito dos cheques por parte 'da arguida, o que não entra em contradição com a circunstância de não se ter apurado que foram os dois arguidos, que, de acordo com um plano entre ambos acordado, decidiram proceder ao referido preenchimento e depósito.

Na mesma senda, os factos considerados como provados sob 9) foram os atos de preenchimento e depósito dos cheques por parte da arguida, o que não entra em contradição com a circunstância de não se ter apurado que houve efectiva apropriação, pois que foi suscitada a dúvida, de acordo com o princípio in dubio pro reu, quanto a esta apropriação, sendo ao M.P. que cabe o ónus da prova da acusação e não aos arguidos ou ao Tribunal indagar de factos que não sejam objecto dos autos.

Novamente, inexiste contradição quando se diz que as testemunhas confirmaram a repartição de tarefas referida pelos arguidos em audiência de julgamento e se refere que as testemunhas não confirmaram, nem infirmaram o relato dos arguidos, porquanto, DD, FF e DD confirmaram ter  conhecimento da referida (pelos arguidos) repartição de funções no condomínio e confirmaram também conhecer a situação deficitária do condomínio por falta ou
atraso de pagamento de quotas pelos condóminos, mas não confirmaram, nem infirmaram as concretas despesas suportadas pelo condomínio e como foram sendo liquidadas pela arguida.

Logo, não há contradição, pois estas duas testemunhas confirmaram o relato dos arguidos quanto aos factos de que tinham conhecimento (a repartição de tarefas/funções entre os arguidos na administração do condomínio e a situação deficitária deste) e não confirmaram, nem infirmaram os factos de que não possuíam
conhecimento (as concretas despesas suportadas pelo condomínio e o concreto modo de liquidação - em dinheiro, com cheque, através de transferência bancária, ... - das mesmas pela arguida).

Note-se que, contrariamente ao alegado, o Tribunal não deu como
provado que a arguida "falsificou", pois, a "falsificação", ou não, trata-se da conclusão jurídica a que teria que chegar em sede. jurídica (a que não se chegou ... ).

Deu, sim, como provado que a arguida preencheu e assinou com o seu punho o nome dos dois representantes do condomínio.

A consciência de que não poderia assinar com o seu punho o nome dos dois representantes do condomínio nos cheques, não é o suficiente, no nosso modesto entendimento, para se chegar à conclusão das intenções de causar prejuízo ao condomínio e de enriquecer de forma ilegítima, tendo o Tribunal enfrentado a dúvida quanto a estes dois elementos típicos.

O Tribunal concatenou e apreciou com suficiência as provas produzidas em audiência de julgamento, apenas não tendo concluído como pretendido pela acusação.

Não fez o Tribunal tábua rasa do exame pericial à letra aposta nos
cheques e muito menos concluiu em sentido inverso ao mesmo, posto que desde logo a arguida admitiu ter sido quem assinou os. cheques com os nomes dos dois representantes do condomínio, logo não afastando a conclusão do exame pericial.

Porém, esta conclusão do L.P.C. também não afasta que o Tribunal, pelo simples olhar das assinaturas com os nomes de duas pessoas diferentes logo vislumbre terem sido feitas pelo mesmo punho e 'não por punhos de duas pessoas, sendo certo que se tratam de assinaturas de duas pessoas diferentes, o que nos parece óbvio, fazendo ressaltar uma situação de falso grosseiro - qualquer cidadão olhando para as assinaturas de fls. 255 logo questiona como poderão "DD FF" e "EE" possuírem a mesma letra/caligrafia ?!, inexistindo omissão de pronúncia.

No que respeita à alegada errada apreciação da prova, como se vem dizendo, competindo ao M.P. fazer prova dos factos da acusação, basta ao(s) arguido(s) que suscite a dúvida razoável e insanável do Tribunal quanto à matéria acusada.

Tanto a arguida, como a testemunha EE referiram, de forma verosímil, pagamentos de serviços à YY com dinheiro, destas situações se tendo pago a arguida, declarou esta, o que conduziu o Tribunal, sem oposição das regras da experiência comum, a; quedar-se com dúvidas sobre a existência de intenção de apropriação por parte da arguida, sendo certo que também não se assentou como provado ou não provado que efectivamente a arguida se tenha ressarcido, pois que a dúvida que assolou o Tribunal abrangeu tanto a matéria acusada, quanto a factualidade referida pela arguida, quando o ónus probatório quanto à primeira recai sobre a acusação, ou seja, o M.P..

Inexiste qualquer nulidade a apontar à sentença ora recorrida." (fim de transcrição).

5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação apôs apenas o seu “visto”, pelo que não careceu ser dado cumprimento ao disposto no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP) (cfr. fls. 414).

6. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, são, em síntese, as seguintes:

- Sofre a sentença recorrida de todos os vícios a que aludem as alíneas a) a c) do artigo 410.º, n.º 1, do CPP, ou seja de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação  e  erro notório na apreciação da prova;

- Sofre ainda a sentença recorrida de falta de fundamentação e omissão de pronúncia, pelo que, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP, deve ser declarada nula;

- Finalmente, impugnando a matéria de facto provada e não provada, deve ser a mesma alterada, dando-se como provados, no que respeita à arguida AA, os pontos 1), 3), 4), 6), 7), 8) e 9) que na sentença recorrida ora constam nos factos não provados, pelos motivos preconizados pelo recorrente, tudo acarretando, em conformidade, a  condenação da arguida pela prática de um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256.º, nºs 1, al. c) e 3, em concurso efetivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1, ambos do CP e não a sua absolvição.

2. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

Pese embora a ordem cronológica pela qual o recorrente menciona as questões que entende deverem ser apreciadas em sede do recurso, afigura-se-nos que a sua análise e tratamento se deverá fazer em ordem precisamente inversa, isto é, começando pelas nulidades, seguindo-se o erro de julgamento da matéria de facto e só depois os vícios.

Quanto às nulidades por apelo à estrutura da sentença e à obrigatoriedade de se começar pelo saneamento do processo.

Quanto à ordem de tratamento da impugnação da matéria de facto e dos vícios, seguindo o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2007, proferido no proc. 07P2279 e consultável em www.dgsi.pt

Com efeito, aí se expendeu que:

"Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, nº 3 [art. 431.º, al. b)].

Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.

É essa a ordem pela qual a Relação deve conhecer da questão de facto: primeiro da impugnação alargada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. "

Apreciemos.

Com relevo para a decisão, o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

 “1. A arguida AA e o seu companheiro, o arguido BB, constituíram em 2006 a sociedade XX Gestão Lda., com o objectivo de se dedicarem à gestão e administração de imóveis e condomínios, assumindo ambos a qualidade de sócio gerentes.

2. No âmbito dessa actividade profissional, no dia 15 de Fevereiro de 2011, os arguidos, em representação da sociedade, assumiram a administração do condomínio do nº -- da Avenida de ----, sito em WW.

3. Na qualidade de administradores do condomínio, os arguidos participaram, no dia 15 de Fevereiro de 2011, em assembleia ordinária de condóminos.

4. Nessa sede, a arguida AA informou os condomínios que a conta a prazo do condomínio associada ao Banco ZZ ainda se encontrava activa, dando o parecer que deveriam manter activa tal conta para que o dinheiro de fundo de reserva do final de cada ano pudesse aí ser depositado.

5. Ficou decidido, face ao exposto, que o condomínio encerraria uma outra conta domiciliada no Banco RR, ficando toda a actividade bancária do condomínio concentrada na conta com o número 00034969 4992 domiciliada no Banco Espírito Santo.

6. O condomínio deliberou representar-se através de dois representantes internos; e que a conta do BANCO ZZ com o número 00034969 4992 seria movimentada por cheques, através da assinatura desses dois representantes.

7. Foram conferidos poderes aos arguidos AA e BB para requisitarem extractos bancários sempre que necessário e levantarem cheques sempre que requerido pelos representantes do condomínio.

8. No dia 23 de Março de 2013, em assembleia extraordinária de condomínio, foram eleitos para representantes do condomínio, CCe Luísa Alexandra Carvalho, os quais ficaram responsáveis pela movimentação da conta bancária com o número 00034969 4992, através de cheques e mediante a assinatura de ambos.

9. A arguida AA preencheu os seguintes cheques:

a) O cheque com o número 0053359.0, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 14 de Maio de 2013; como valor, a quantia de  €725,00 (setecentos e vinte e cinco euros); o nome de BB, como destinatário; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

Tal cheque foi depositado, no dia da emissão, na conta 0007 2798 5777, no balcão do BANCO ZZ de Mafra;

b) O cheque com o número 0053357.3, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 20 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €817,95 (oitocentos e dezassete euros e noventa e cinco cêntimos); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz

c) O cheque com o número 0053356.5, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 29 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €600,00 (seiscentos euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Mafra.

d) O cheque com o número 0053354.9, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 31 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €400,00 (quatrocentos euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz.

e) O cheque com o número 0053353.1, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 23 de Junho de 2013; como valor, a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz.

f) O cheque com o número 0054719.1, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 29 de Julho de 2013; como valor, a quantia de €260,00 (duzentos e sessenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, ATM MB 07290933680459

g) O cheque com o número 00547718.3, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 19 de Agosto de 2013; como valor, a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ da Malveira.

h) O cheque com o número 0054717.5, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 26 de Setembro de 2013; como valor, a quantia de €260,00 (duzentos e sessenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, na ATM MB 092609733821284.

i) O cheque com o número 0054716.7, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 4 de Outubro de 2013; como valor, a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, na ATM MB 100409733840291.

10. No dia 8 de Abril de 2014 a referida conta bancária do condomínio foi creditada no valor de €3.815,95 pelo Banco ZZ.”

11 - No certificado de registo criminal dos arguidos não consta
averbada qualquer condenação.

12 - A arguida exerce actualmente a actividade de consultora
imobiliária, recebendo mensalmente na ordem dos 300,00 €.

13 - O arguido, mantendo-se na actividade de administração de
condomínios, recebe mensalmente na ordem dos 400,00 €.

14 - Não têm filhos.

15 - Residem em habitação cedida pelos progenitores do arguido." (fim de transcrição).

E como factos não provados os seguintes:

“1. Que na posse de cheques do condomínio do nº -- da Avenida de ---, em WW, a arguida AA e o arguido BB, concretizando plano previamente elaboraram, decidiram preencher os cheques, imitando a assinatura dos representantes do condomínio para se apropriarem das quantias de dinheiro que aí colocassem através de posterior depósito na conta bancária por ambos titulada, com o número nº 0007 2798 5777, domiciliada no Banco ZZ.

2. Que a arguida AA Preencheu os cheques supra referidos em 9. dos factos provados combinada com o arguido BB.

3. Que com a relatada conduta os arguidos apropriaram-se da quantia global de €3.815,95 euros, que fizeram sua, com o desconhecimento e contra a vontade do condomínio.

4. Que os arguidos agiram, em comunhão de esforços, bem sabendo que ao apresentarem-se perante o condomínio com uma sociedade direccionada para a gestão de condomínios, transmitiam profissionalismo e, por consequência, a segurança necessária para lhes confiassem assuntos que envolvessem dinheiro, designadamente a requisição de livros de cheques.

6. Que os arguidos agiram mediante plano previamente traçado, emitindo os referidos cheques, sem autorização para o fazerem, bem sabendo que ao reproduzirem as assinaturas de CC e de DD, prejudicavam o condomínio, resultado que quiseram e conseguiram.

7. Que os arguidos agiram em todas as relatadas condutas com o objectivo de obterem dinheiro ao qual sabiam não ter direito, sabendo que o plano delineado e concretizado era apto a enganar os tomadores dos títulos de crédito, designadamente os empregados das agências bancárias, que acreditando que os cheques estavam correctamente emitidos, procederam ao desconto dos mesmos na conta da ofendida, diminuindo, em consequência, o património daquela nos montantes titulados nos cheques

8. Que os arguidos após terem imitado as assinaturas dos representantes dos condomínios no cheque com o número 0053359.0, com data de 14 de Maio de 2013, e tendo conseguido proceder ao depósito na sua conta bancária, praticaram o mesmo tipo de conduta, com os cheques e nas datas supra discriminados, em virtude de não terem sido descobertos e convencendo-se que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem-sucedida, o que motivou a instalação de um ambiente favorável à sua reiteração ao longo do período de tempo referido.

9. Que em todas as relatadas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidas e punidos por lei penal.” (fim de transcrição).

Por seu turno, o Tribunal a quo na sentença absolutória explicitou ter fundado a sua motivação nos seguintes termos:

A convicção do Tribunal assentou no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, analisada conjugada e criticamente à luz das regras da experiência e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

Os arguidos prestaram declarações, ambos referindo que, desde o início da actividade da sociedade que criaram, repartiram as tarefas de cada um, competindo à arguida toda a parte administrativa e financeira e ao arguido todo o trabalho relacionado com a manutenção dos prédios administrados.

A arguida admitiu que abusou das assinaturas dos administradores internos do prédio, porém com o único intuito de reaver quantias que adiantou da conta bancária do casal para pagamento de serviços de limpeza e de manutenção do prédio, sempre que a conta bancária do prédio se encontrava sem provisão.

Sabia que este procedimento não era correcto, porém, foi a melhor forma que, então, achou para dar continuidade à administração do condomínio, nunca pretendendo prejudicar este ou enriquecer o casal arguido à custa do mesmo.

Sendo os arguidos confrontados com a documentação que juntaram a fls. 169 a 205 e a fls. 330, elucidaram o Tribunal de várias situações/despesas do condomínio que foram assumidas com recurso à sua própria conta bancária, após o que, através da assinatura dos cheques do condomínio, se ressarciram das quantias despendidas em favor deste.

As testemunhas arroladas pela acusação, DD EE e CC, confirmaram a referida repartição de funções dos arguidos na administração do condomínio do seu prédio, demonstrando o seu conhecimento da situação deficitária do condomínio em virtude alguns condomínios simplesmente não pagarem ou atrasarem o pagamento das suas quotas, bem como revelaram o seu desconhecimento das concretas despesas suportadas pelo condomínio e de como foram sendo liquidadas, não confirmando nem infirmando o relato dos arguidos.

A testemunha FF, arrolada pelos arguidos, confirmou que alguns serviços da sociedade YY ao condomínio foram liquidados através de dinheiro, assim se exemplificando uma das situações em que a arguida liquidou com capital próprio uma despesa do condomínio da qual, como de outras, veio a compensar-se com recurso à assinatura dos cheques pertencentes ao condomínio.

A documentação constantes dos autos, seja relacionada na acusação, seja junta pelos arguidos, não permite firmar os factos constantes da acusação que se consideram não provados, posto que os arguidos lograram suscitar a dúvida do Tribunal relativamente a estes, acatando-se o princípio constitucional in dúbio pro reo.

Mais, olhando às assinaturas constantes dos cheques logo ressalta dos mesmos que foram assinados pelo mesmo punho, de imediato se descortinando uma situação do vulgarmente conhecido designado "falso grosseiro."

Os CRC' s dos arguidos, a fls. 320 e 321, a propósito da ausência de
condenações prévias.

As declarações que prestaram quanto à sua condição socioeconómica." (fim de transcrição).

Entende o recorrente Ministério Público que a sentença de que agora interpõe recurso, padece de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CPP, por falta de fundamentação de facto e omissão de pronúncia, em virtude de não proceder ao exame crítico das provas, bem como ao ignorar o exame pericial grafológico do LPC da PJ.

A motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo mais ou menos exigente que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório.

Sem embargo, no nosso sistema processual as decisões de facto não assentam puramente no íntimo convencimento do julgador, num mero intuicionismo, antes se exigindo um convencimento racional, devendo, pois, o juiz pesar com justo critério lógico o valor das provas produzidas, o que está em conexão com o também neste aspeto chamado «princípio da publicidade», definido por Castro Mendes «Do Conceito de Prova», pág. 302. como sendo «aquele segundo o qual o processo - e portanto a actividade probatória e demonstrativa - deve ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo e presumivelmente se convença como o julgador (...)», o que, no entanto, não exclui a intuição ou conhecimento por outros sentidos, em si insuscetíveis de serem demonstrados exteriormente.

Ademais, diga-se, na motivação a que se vem aludindo, tanto no aspeto da indicação das provas como da sua crítica, avultando neste último aspeto a explicitação da credibilidade dos meios probatórios, trata-se de publicitar por forma suficiente o processo probatório, não podendo esquecer-se, como vem notado por Figueiredo Dias «Direito Processual Penal», pág. 205, que para a convicção do juiz desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais No dizer impressivo e incontornável do Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-5-2003 (Proc. 3108/02 - 3.ª Secção), in www.stj.pt.

Revertendo ao caso.

Como resulta claro da transcrição supra, a decisão recorrida, no segmento relativo à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, aporta a enumeração dos meios de prova considerados, designadamente as declarações prestadas pelos arguidos quanto aos factos, os quais apresentaram versões não coincidentes com os depoimentos das testemunhas e da prova documental carreada para os autos.

Impunha-se, porém, em vista do exame crítico das provas a que se refere a última fração do n.º 2 do art. 374.º, do CPP, que se explicitassem as razões que levaram o Tribunal a credibilizar a versão dos arguidos que acolheu, no cotejo com as versões, contestes das testemunhas, isto é importaria traduzir, explicar a fórmula descarnada da isenção e coerência dos depoimentos dos arguidos.

Vale dizer que a motivação da decisão de facto não pode deixar de contemplar, para além da indicação das provas a partir das quais se formou a convicção do tribunal, também os motivos que levaram o juiz a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras e, bem assim, os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente estabelecida. Veja-se, a propósito, o acórdão da Relação de Coimbra de 5 de outubro de 2000, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo IV, pp. 53 e segs.

Sem isso, retira-se a génese e o desenvolvimento da convicção do Tribunal do alcance crítico dos sujeitos processuais, sonega-se à decisão a esperada e exigível «força de convencimento do arguido e dos membros da comunidade jurídica relativamente à bondade da decisão encontrada» (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2002, proferido no proc. 157/02 e consultável em www.dgsi.pt), em nítida infração do dever de fundamentação estabelecido, maxime, nos arts. 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e 374.º, n.º 2, do CPP.

Detalhemos.

A decisão recorrida, na sua fundamentação da matéria de facto,  explicitou tão-só o que acima se deixou transcrito e aqui se dá de novo por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

Ora, com o devido respeito, o ali exarado é, repete-se, manifestamente insuficiente para se perceber como chegou o tribunal a quo à matéria fáctica que deu como assente e que, quanto a nós, apresenta também contradições ou pelo menos incompreensões de como à mesma pode, num quadro necessariamente de percurso de raciocínio lógico, coerente e inteligível, chegar o julgador de primeira instância.

Por outro lado a exigência de fundamentação é, simultaneamente, um ato de transparência democrática do exercício da função jurisdicional e das garantias de defesa dos visados com tais decisões, ambas com assento constitucional.

Assim, a análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efetuada.

Na sentença proferida não foi dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, porquanto não foi feito o exame critico das provas produzidas em julgamento, limitando-se, o Tribunal a quo a referir, em suma, o que os arguidos e as testemunhas disseram, sem explicitar os concretos motivos porque entendeu valorar as declarações dos arguidos, e das testemunhas, umas em detrimento das outras, nem fundamentando o motivo pelo qual usou do princípio in dubio pro reo para absolver os arguidos do crime porque foram acusados.

O princípio in dubio pro reo não serve para colmatar as insuficiências do exame crítico da prova.

Se o Tribunal a quo não examinou criticamente a prova produzida em julgamento, não pode concluir pela dúvida razoável. Apenas se admite a existência de dúvida depois de uma atividade de reflexão, depois de esgotadas as possibilidades de apreciação valorativa da prova, percurso racional que não se encontra espelhado na fundamentação da sentença.

Com efeito, limitou-se o Tribunal a quo a efetuar sínteses das declarações dos arguidos e das testemunhas.

No que respeita às declarações da arguida não procedeu a Meritíssima Juiz ao cotejo das mesmas com os documentos juntos aos autos de molde a concluir, de forma segura, pela (in)verosimilhança da sua versão.

Na verdade, no que respeita à análise dos documentos limita-se a sentença, genericamente, a enumerar os documentos de fls. 169 a 205 e a fls. 330. Quanto aos documentos juntos com a acusação, nem uma referência.

Que documentos relevaram, e para que efeitos relevaram isto é, para que concretos factos provados contribuíram, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com outros meios de prova, para a formação da convicção é o que se desconhece porque a fundamentação da sentença não o diz.

Ou seja, quais os documentos com os quais os arguidos foram confrontados e que “justificam” o abuso das assinaturas? Existem faturas com valores idênticos aos constantes dos cheques falsificados? Quais foram as despesas de condomínio que foram assumidas com recurso à conta bancária dos arguidos? Estão, na tese da sentença, todos os cheques falsificados justificados com despesas que os arguidos assumiram pessoalmente em nome do condomínio? Ou apenas alguns?

Que todos os documentos tenham relevado é algo que dificilmente terá ocorrido pois que muitos serão absolutamente irrelevantes para o objeto do processo!

Desconhecemos em absoluto, porque a sentença é completamente omissa no que respeita à análise dos documentos juntos aos autos.

A falta do exame crítico das provas, imposto pelo artigo 374º, nº 2, do CPP, e a consequente insuficiência da fundamentação determina nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, a), do CPP.

A este propósito diremos ainda que, de harmonia com o disposto no artigo 127.º do CPP, “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

Esta regra da livre apreciação da prova tem algumas exceções, designadamente no que respeita à prova pericial.

Dispõe o artigo 163º do Código de Processo Penal :

“1- O juízo técnico, científico ou artístico, presume-se subtraído à livre apreciação do julgador;

2- Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos só pode ser afastada se o julgador, para poder rebate-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos”.

Conclui a sentença que se está perante um falso grosseiro: “olhando às assinaturas constantes dos cheques logo ressalta dos mesmos que foram assinados pelo mesmo punho, de imediato se descortinando uma situação do vulgarmente designado falso grosseiro, juridicamente enquadrável numa tentativa impossível e não punível, nos termos do artigo 23º nº3 do Código Penal.”.

No âmbito do inquérito foi requerido ao Laboratório de Polícia Cientifica (LPC) da Policia Judiciária (PJ) exame pericial à letra dos arguidos, dos representantes do condomínio e das assinaturas constantes dos cheques descritos na acusação, concluindo-se no que respeita aos cheques com os números 3600547167 e 6100547175 (os únicos que admitiram a realização do exame por se tratarem de originais), como provável que as assinaturas sejam da autoria da arguida AA.

Na acusação proferida foi junto o exame pericial grafológico realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Tal exame constitui prova pericial e, como tal, subtraída à livre apreciação do julgador.

Tal como assinala o recorrente, também não estranharíamos que a Meritíssima Juiz a quo não se pronunciasse sobre o exame pericial em causa perante a “confissão” da arguida.

Contudo já não se compreende a omissão a tal exame pericial quando em sede de motivação se refere que estamos perante um falso grosseiro.

Neste caso, a circunstância da falsificação ter resultado de exame pericial logo inculca que não se trata de falsificação grosseira.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de maio de 2012, publicado in www.dgsi.pt, “ a falsificação, posto que bastante imperfeita, passível de detecção sem exame pericial, mas não necessariamente nem por qualquer pessoa comum, não constitui uma falsificação grosseira; já a imperfeição da falsificação, na medida em que representa um menor prejuízo de induzir em erro um qualquer observador e, de assim, causar prejuízos ou benefícios ilegítimos, deve ser tida em conta na determinação da medida concreta da pena.

A Meritíssima Juiz a quo fez tábua rasa do exame pericial junto aos autos, concluindo em sentido diverso do exame pericial, no que respeita aos cheques com os números 3600547167 e 6100547175, sem qualquer fundamentação, o que constitui uma violação do disposto no artigo 127.º e 163.º do CPP e a nulidade da sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma.

Atentemos, agora, no segmento do recurso relativo à impugnação da matéria de facto

No entender do Ministério Público das declarações dos arguidos, das testemunhas, do exame pericial e dos documentos juntos aos autos deveria ter sido outra a conclusão do Tribunal a quo no que à arguida AA e à matéria dada como provada e não provada diz respeito.

Considera o recorrente que foram incorretamente julgados os factos descritos nos pontos 1, 3., 4., 6., 7., 8. e 9. (verifica-se que os factos na sentença não estão numerados sequencialmente, inexistindo facto n.º 5. dos “Factos Não Provados”, que, pela sua relevância, voltamos a aqui transcrever:

"1. Que na posse do cheques do condomínio do nº -- da Avenida de ---, em WW, a arguida AA e o arguido BB, concretizando plano previamente elaboraram, decidiram preencher os cheques, imitando a assinatura dos representantes do condomínio para se apropriarem das quantias de dinheiro que aí colocassem através de posterior depósito na conta bancária por ambos titulada, com o número nº0007 2798 5777, domiciliada no Banco ZZ.”

3. Que com a relatada conduta os arguidos apropriaram-se da quantia global de €3.815,95 euros, que fizeram sua, com o desconhecimento e contra a vontade do condomínio.

4. Que os arguidos agiram, em comunhão de esforços, bem sabendo que ao apresentarem-se perante o condomínio com uma sociedade direccionada para a gestão de condomínios, transmitiam profissionalismo e, por consequência, a segurança necessária para lhes confiassem assuntos que envolvessem dinheiro, designadamente a requisição de livros de cheques.

6. Que os arguidos agiram mediante plano previamente traçado, emitindo os referidos cheques, sem autorização para o fazerem, bem sabendo que ao reproduzirem as assinaturas de CC e de DD, prejudicavam o condomínio, resultado que quiseram e conseguiram.

7. Que os arguidos agiram em todas as relatadas condutas com o objectivo de obterem dinheiro ao qual sabiam não ter direito, sabendo que o plano delineado e concretizado era apto a enganar os tomadores dos títulos de crédito, designadamente os empregados das agências bancárias, que acreditando que os cheques estavam correctamente emitidos, procederam ao desconto dos mesmos na conta da ofendida, diminuindo, em consequência, o património daquela nos montantes titulados nos cheques

8. Que os arguidos após terem imitado as assinaturas dos representantes dos condomínios no cheque com o número 0053359.0, com data de 14 de Maio de 2013, e tendo conseguido proceder ao depósito na sua conta bancária, praticaram o mesmo tipo de conduta, com os cheques e nas datas supra discriminados, em virtude de não terem sido descobertos e convencendo-se que a actuação que vinham levando a cabo estava a ser bem-sucedida, o que motivou a instalação de um ambiente favorável à sua reiteração ao longo do período de tempo referido.

9. Que em todas as relatadas condutas agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidas e punidos por lei penal."      

Com efeito, a prova produzida impunha e impõe decisão diversa, conforme resulta das provas que passamos a analisar.

Escutando a que foi gravada, este Tribunal ad quem constata o seguinte:

A arguida AA no seu depoimento, na sessão de julgamento de 4/06/2015 (ata de fls. 338), declarou o seguinte (gravação digital 201506040902_3550863_2871369.wma, minuto 01:05 a 02:43):

Arguida: “(…) eu admito que assinei cheques que não deveria ter assinado...ah…assinei no sentido de porque eu…como é que eu hei-de explicar…havia alturas em que o prédio não tinha dinheiro suficiente em conta e eu para não depositar cheques que me tinham sido passados e depois correr o risco de virem devolvidos e depois originar problemas ao prédio… eu por vezes adiantava do meu dinheiro. E eu não o deveria ter feito e de facto assinei cheques, falsificando as assinaturas de ambos os titulares para fazer levantamentos para me reaver desse dinheiro que eu tinha pago. Os cheques…ah … foi-me dado permissão para requisitar tanto extratos como cheques ao balcão da agência Banco ZZ. Eu ia levantar os cheques e guardava-os no escritório com o conhecimento dos titulares da conta e dos condomínios, dos condóminos digo.

Juíza: “A senhora está a dizer que os condóminos, esta a dizer que CC e DD… essas duas pessoas tinham conhecimento que a senhora fazia isto?”

Arguida: “Não, não. Que eu tinha os cheques no escritório… mas não tinham conhecimento disso.”

(e na mesma gravação de minuto 03:35 a 04:36)

Juíza: “Então o que a senhora está a dizer era que depositava cheques que poderia não ter provisão de condóminos, que não faziam o pagamento de quotas?”

Arguida: “Os condóminos faziam pagamento anual de quotas para a conta do prédio, mas por vezes havia condóminos que não pagavam as (…) haviam despesas mais altas ao valor que entrava em conta … e eu então porque esses cheques na altura não convinham ser depositados porque depois não tinham dinheiro suficiente e para não virem devolvidos então eu pagava essas despesas com o meu dinheiro, tal como está os originais dos depósitos dos pagamentos no processo e depois…ah…realmente sinto-me arrependida e de que não o deveria ter feito…ah …assinei cheques.”

(e ainda na mesma gravação de minuto 07:01 a 08:20)

Juíza: “Os cheques que estão aqui todos elencados na acusação, a senhora admite que foi a senhora…que assinou?”

Arguida: “sim, sim… admito e confirmo”

Juíza: “Aqui diz-se que os senhores se apropriaram da quantia de €3,815,95 que pertenciam ao condomínio…”

Arguida: “Não, não senhora doutora juíza. Isso não é verdade. Eu de facto falsifiquei as assinaturas, levantei os cheques, mas foi para me pagar de despesas que eu tinha pago. Aliás todos os cheques estão justificados com essas mesmas despesas e os comprovativos de depósitos e transferências. Eu levantei exatamente para me poder pagar também senão também ficava eu prejudicada. E hoje estou arrependida porque sei que não o devia ter feito. Tentei ajudar e acabei…se calhar também ficava prejudicada de outra forma, porque automaticamente prejudicava o prédio (…).”

(e na gravação digital 20150604100311_3550863_2871369.wma, desse mesma sessão de 4/06/2015, 00:00 a 01:16)

Procuradora-Adjunta: “Porque é que não pediu à D. DD e ao Sr. CC para passarem os cheques?”

Arguida: “Olhe Senhora Doutora por parvoíce (…).”

Por seu turno, igualmente na sessão de julgamento de 4/06/2015 (ata a fls. 339), a testemunha CC declarou, além do mais, o seguinte:

(gravação digital 20150604102629_3550863_2871369.wma, a partir do minuto 08:20)

Procuradora-Adjunta: “(…) como é que teve conhecimento destes cheques que estamos aqui a tratar hoje?

Testemunha: “(…) fui alertado pelo Banco ZZ por um telefonema, atenção que temos aqui um cheque para pagamento que não tem cobertura. A conta não tem dinheiro. (…) Fui alertado por isso, até porque nessa altura era o nosso nome, meu e da D. DD, que estava no cheque e portanto era o nosso nome que ía ficar na lista negra do Banco de Portugal. Recordo-me na altura de haver algumas interacções com a XX  - o que é que se passa não temos aqui o dinheiro, o que é que se passou, houve algum pagamento que não entrou, coisas que, obviamente, nós assumiríamos como normais. Tentou-se regularizar da parte de algumas interacções com a XX , mas o que é certo é que a situação mantinha-se e voltei a ser alertado pelo BANCO ZZ que saiu um cheque, que entrou outro, que este foi anulado (…) o que é certo é que as coisas continuavam.

Até que nós resolvemos, quando digo nós, eu e a D. DD enquanto administradora também, nós resolvemos pegar nas coisas por nós e deslocarmo-nos ao Banco ZZ e tentarmos perceber o que é que se passava.

E nessa altura fomos de facto alertados pelo Banco ZZ… que a conta não tinha dinheiro e depois começámos, o Banco ZZ alertou-nos e mostrou-nos uns extractos…haa…de que algo , de que uns cheques tinham saído num período em que tinha dado entrada, salvo erro, pagamentos dos condóminos, e foram saindo alguns cheques de algumas quantias que nós desconhecíamos completamente e que não tínhamos assinado.”

Procuradora-Adjunta: “E quem eram os destinatários desses cheques?”

Testemunha: “Ora bem, eu obviamente agora não tenho de cor todos esses cheques mas penso que a maior percentagem era à D. AA, não sei não me recordo, sou honesto, se haveria algum do Senhor BB.”

Procuradora-Adjunta: “Chegou a falar com a D. AA ou com o Senhor BB  sobre esses cheques?”

Testemunha: “(…) solicitámos que nos fosse regularizada a nossa conta, de dinheiro, permita-me o termo, que tinha sido sacado irregularmente da conta sem a nossa autorização. Sobre os cheques especificamente, o detalhe de cada cheque não.” (…)

Procuradora-adjunta: “Teve conhecimento da D. AA ter efetuado algum pagamento ou alguns pagamentos referentes a contas do condomínio de dinheiro próprio? (…) nomeadamente à senhora da limpeza?”

Testemunha: “Sim a senhora da limpeza aquilo que eu soube, pelo menos, no final no tal acerto de contas, salvo o erro e o passado não sei me se não me falha a memória que a D. AA nos disse que isto faltava pagar, também tivemos essa queixa da senhora da Limpeza, é que eu vou assumir este pagamento com a senhora da limpeza, falta vou tirar da minha conta dinheiro próprio que seja, mas também lhe sou honesto o que nos queríamos na altura é que o pagamento fosse feito, foi feito pelo menos à senhora da limpeza e sim, salvo erro, terá sido feito e segundo descrição da própria, por conta própria .”

Procuradora-Adjunta: “Mas sem ser esse pagamento anteriormente alguma conta da senhora da limpeza teria sido paga?”

Testemunha: “Não sei, não sei se foi.”

Na sessão de julgamento de 4/06/2015, a testemunha DD declarou, além do mais, o seguinte:

(gravação digital 20150604110107_3550863_2871369.wma, minuto 05:17 a 09:50)

Procuradora-Adjunta: “Esta situação que nos traz aqui já disse que foi despoletada em 2013. O que é aconteceu nessa altura?”

Testemunha:” Então tinham sido feito obras no prédio no Verão desse ano e depois entretanto eu e o senhor CC sabíamos que as pessoas tinham efetuado os pagamentos– por isso é que eu lhe perguntei há pouco se se estava a referir às mensalidades normais ou do pagamento das obras…(…) A páginas tantas no final desse ano o senhor Paulo, lá está, que estava habituado a lidar com os dinheiros e as contas disse-me que tinha sido alertado por um banco, ---, salvo erro, que havia um cheque que tinha sido entregue para pagamento da obra e que não tinha provisão e nós ficámos assim espantados, como foram confirmados lá está o pagamento, todos os condomínios tinham pago a parte deles das obras, era suposto haver dinheiro para pagar, havia qualquer coisa que não estava bem, que estava a falhar.”

Procuradora-Adjunta: “Foi ao Banco com o senhor CC? (…).”

Testemunha: “Não depois ainda tentámos junto da XX  perceber o que estava a acontecer, ainda foram trocados uma série de emails, tentativas de telefonemas, nós nunca desconfiámos do que estaria por trás dessa falta de dinheiro, tentámos perceber o que era, mas o que é facto é que nunca conseguimos e acabámos por ir ao Banco para tentar perceber, então, perante extratos o que estava a acontecer (…) até que a páginas tantas conferindo ponto a ponto, cheque a cheque, algum trabalho de precisão, acabámos por perceber o que estava a acontecer.”

Procuradora-Adjunta: “E o que é que estava a acontecer?”

Testemunha: “O que estava a acontecer é que havia cheques que supostamente, quantias que tinham sido levantadas por cheques que nem tinham sido assinados por mim nem por ele (senhor CC) (…).”

Procuradora-Adjunta: “Chegou a confrontar a D. AA com esses cheques  (…)?”

Testemunha: “Eu ainda falei uma vez ao telefone com a D. AA, ainda antes de saber disso tudo, porque nos achávamos que o problema que existiria ali era que havia pagamento de coisas em atraso e por isso é que não havia provisão. Foi isso que ela me disse ao telefone que havia cosias que por lapso dela ainda não tinham sido pagas (…) depois houve troca de email com o Sr. CC e ou não havia resposta ou quando havia  dizia que tudo estava a ser tratado e que a gente não se preocupasse e que ainda se ia resolver, uma conversa para nos entreter (…).”

Perante isto e em face da análise global da prova constante dos autos, produzida antes e durante a audiência de julgamento, os factos dados como não provados sob n.ºs 1. e 3. a 8., no que respeita à arguida AA, deveriam ter sido dados como provados.

Utilizando critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, facilmente, se conclui que do facto provado em 9. resulta, inequivocamente a especial intenção que ambos os crimes de falsificação e burla exigem.

Contudo, a Meritíssima Juiz a quo afastou a especial intenção, que ambos os crimes exigem, pelo argumento veiculado pela arguida que atuou, da forma descrita e provada, para se ressarcir de quantias de dinheiro que vinha adiantado para saldar contas do condomínio.

Com efeito, pretendeu a arguida na audiência de julgamento fazer crer que atuou, altruisticamente, para ajudar o condomínio, acabando, estranhamente, por se prejudicar.

Explicações aventadas sem qualquer apoio probatório e que, evidentemente, não conduziram à fixação de qualquer facto provado nesse sentido como se alcança da leitura da sentença.

Não obstante, a tese esgrimida pela defesa serviu para abalar o inabalável pelo que cumpre analisar a prova produzida de forma a concluirmos razão pela qual consideramos que devem todos os factos não provados, no que concerne à arguida, serem dados como provados.

A arguida assume a falsificação e o depósito dos cheques, mas já não a apropriação do dinheiro.

Pacificada a falsificação, vejamos como da prova produzida a apropriação do dinheiro é por demais evidente.

Os documentos juntos aos autos pelos arguidos não têm a virtualidade de provar qualquer adiantamento efetuado pela arguida em nome do condomínio.

Os documentos de fls. 169 a 179, 181, 186, 188-192, 194-199 são 5 recibos, de recebimento de pretensos serviços de limpeza ao edifício, todos no montante de sessenta euros e datados do últimos dia dos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho e setembro de 2013, que nem sequer estão assinados, faturas e orçamentos, que nada atestam no que respeita a pagamentos efetuados a expensas da arguida.

Vejamos os documentos bancários de fls. 184/185, 187, 193 e 201:

- O documento de fls. 184 diz respeito a extrato de conta do Banco SS de AA, apenas com indicação de depósitos à ordem;

- Do documento de fls. 185 verificamos a existência de uma transferência com data de 1/07/2012, no valor de 84,87 euros, com a descrição: "TEI - Fanga Fe 2125 e Bárbara 10";

- Do documento de fls. 187, do Banco ZZ, verificamos a existência de uma transferência bancária no valor de € 1.313,00 com a descrição "Obras Bárbara 10";

- Do documento de fls. 193, do Banco ZZ, verificamos existência de uma transferência no valor de 70 euros, datada de 14/02/2014;

- E do documento de fls. 201, do Banco SS, uma transferência bancária no valor de 1500 euros, datada de 6/08/2013, cujo destinatário se desconhece.

Pergunta o recorrente e perguntamos nós: os documentos provam que a arguida efetuou pagamentos que se destinavam a saldar contas do condomínio? A resposta terá que ser negativa. Não só os destinatários não se encontram identificados, como se encontram desacompanhados das respetivas faturas. Não há coincidência entre valores das transferências e valores titulados nos cheques. A mera indicação efetuada pelos titulares da conta aquando da transferência do destinatário não prova a quem se destinava o dinheiro, nem o negócio visado com tal pagamento.

Na sentença recorrida a Meritíssima Juiz a quo referiu a propósito do depoimento de EE: “a testemunha (…) confirmou que alguns serviços da sociedade YY ao condomínio foram liquidados através de dinheiro, assim se exemplificando uma das situações em que a arguida liquidou com capital próprio uma despesa do condomínio do qual, como de outras, veio a compensar-se com recurso à assinatura dos cheques.”

Ora, a testemunha EE (sessão de julgamento de 4-06-2015 [fls. 337], gravação digital 20150604111423_3550863_281396. wma, 02:30 a 3:20) começou por dizer que o pagamento foi feito por dinheiro pela XX, pelo que foi requerido pelo Mandatário dos arguidos que fosse confrontada com fls. 192 e 193 (e não como se refere na ata com fls. 170 a 173) dos autos, acabando a testemunha por admitir que um dos pagamentos fora efetuado por transferência bancária.

A leitura do documento de fls. 193 é suficiente para contrariar o que foi referido na sentença.

O documento de fls. 192 diz respeito a uma fatura de serviços prestados, pela YY na limpeza do jardim, dirigida, curiosamente, a BB, datada de 10 de julho de 2012, no valor de 70 euros; e o documento de fls. 193 diz respeito a uma transferência efetuada no valor de 70 euros, datada de 14 de fevereiro de 2014.

Em Fevereiro de 2014 já a arguida tinha falsificado os cheques, procedido ao depósito dos mesmos na sua conta e a situação detetada pelos representantes do condomínio. Assim, apenas por lapso se compreende que a Meritíssima Juiz a quo tenha exarado na sentença que se encontra exemplificada uma das situações em que a arguida liquidou com capital próprio uma despesa do condomínio do qual, como de outras, se veio a compensar com recurso à assinatura dos cheques!

Não se compreende, outrossim, que na fundamentação a Meritíssima Juiz a quo refira que as testemunhas da acusação – CC FF e DD - não infirmaram nem confirmaram a versão dos arguidos.

A leitura das transcrições dos depoimentos fala por si.

As duas testemunhas descredibilizam por completo a versão da arguida. Relatam, de forma credível e consentânea, que descobriram que a conta bancária do condomínio se encontravam sem saldo porque foram contactados pelo gestor de conta do Banco ZZ. Repare-se que o alerta foi dado no Verão de 2013 e que expuseram logo a situação à arguida, a qual se justificou com atrasos de pagamentos. As testemunhas da acusação confiavam de tal forma na arguida que deixaram a situação prolongar-se no tempo, ao ponto da arguida continuar a falsificar cheques e a depositá-los na sua conta até Outubro de 2013.

Os dois depoimentos são reveladores de como a arguida tentou ocultar a situação ao mesmo tempo que a mantinha.

Sobre a primeira imediação com a arguida após conhecimento da situação deficitária da conta bancária relata FF: Tentou-se regularizar da parte de algumas interacções com a XX , mas o que é certo é que a situação mantinha-se e voltei a ser alertado pelo BANCO ZZ que saiu um cheque, que entrou outro, que foi anulado (…) o que é certo é que as coisas continuavam.

A este respeito, a expressão utilizada pela testemunha DD para descrever a forma como a arguida AA lidou com as primeiras indagações por parte do condomínio é elucidativa do comportamento astucioso de AA – “uma conversa para nos entreter”.

Não obstante as tentativas de diálogo com a arguida, apenas a deslocação ao BANCO ZZ permitiu aos administradores do condomínio perceber que tinham sido retirados valores da conta do condomínio sem a sua autorização, mediante cheques falsificados e emitidos a favor dos arguidos.

Se a arguida em comportamento altruísta adiantava da sua própria conta bancária os pagamentos, por que motivo não aproveitou este confronto por parte dos administradores do condomínio para expor e explicar a situação?

“Por parvoíce”, como referiu a instâncias do Ministério Público?

Não cremos!

Resulta da prova, mormente das declarações das testemunhas de acusação que a arguida, confrontada com a falta de dinheiro, não esclareceu o motivo pelo qual o Condomínio não tinha liquidez para saldar as suas obrigações. Assim falece por completo o argumentação da arguida que vinha atuando com o intuito de se ressarcir de valores que tinha adiantado em nome do condomínio.

Do cotejo das declarações da arguida com a restante prova produzida – documentos, testemunhas da acusação e de defesa – resulta a inverosimilhança da sua versão.

E desta inverosimilhança decorre a, nosso ver, a prova de que a arguida agiu, sem o consentimento do condomínio, apropriando-se da referida quantia, com especial intenção de benefício ilegítimo e com especial intenção de enriquecimento ilegítimo

Entende-se, com base nos elementos de prova produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, que o Tribunal a quo deveria ter julgado provados os factos 1., 3., 4., 6., 7., 8. e 9. constantes do elenco dos factos dados como não provados, no que respeita à arguida AA.

Finalmente, mais considera o recorrente que a decisão recorrida padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de contradição insanável da fundamentação  e  erro notório na apreciação da prova, vícios previstos nas alíneas a), b) e c), do n.º 2, do art. 410.º do CPP.

Lembre-se que qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

O erro notório na apreciação da prova configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

O “erro notório na apreciação da prova” “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» [Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal ”, vol. III, p. 341].

Por isso – por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art. 410º, n.º 2 do CPP -, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» [Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ n.º 476, p. 82)], isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar» [Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. n.º 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 11ª ed., 1999, pp. 744-745)], ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» [Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ nº 450, p. 110)].

Do mesmo modo, há contradição insanável da fundamentação "quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si só ou conjugado com regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal" - Acs. do STJ de 6 e 13 de outubro de 1999, in "A Tramitação Processual Penal", 1058 - Tolda Pinto.

Por seu turno, a insuficiência a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.

Só existe o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar a decisão assumida, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação.

Há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

Portanto, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando da factualidade vertida na decisão se retira faltarem factos e elementos que são necessários para se formular um juízo seguro para a decisão, neste caso, de absolvição.

Ou seja, o vício tem lugar quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação.

O Tribunal a quo absolveu a arguida AA concluindo que não resultou provada a especial intenção que os crimes de falsificação e de burla exigem.

Porém, perante a factualidade provada não conseguimos perceber o raciocínio do Tribunal ao concluir pela falta de prova no que respeita à especial intenção de benefício e enriquecimento ilegítimos.

Era exigível ao Tribunal uma indagação fáctica mais alargada e aprofundada para concluir que não se fez prova da especial intenção.

Na verdade, o Tribunal recorrido afastou a intenção de prejudicar terceiros e de enriquecimento ilegítimo sem indagar da razão pela qual a arguida ao falsificar não quis prejudicar o condomínio e ao conseguir o depósito dos cheques atuou sem querer enriquecer ilegitimamente.

A nosso ver, deviam constar no elenco dos factos provados, outros factos que permitissem ancorar tal decisão, por exemplo, quais os valores em dívida e quais os cheques que a arguida utilizou para se ressarcir desses valores.

Os factos que constam do elenco probatório não autorizam a ilação jurídica retirada de absolvição da arguida, pelo que se verifica o vício da insuficiência da matéria de facto dada como provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP.

Tem pois razão o recorrente nesta matéria, mas já não quando refere nas suas motivações o seguinte:

"O arguido foi absolvido porquanto não se apurou que tenha tido participação e conhecimento da conduta da arguida, “pois a esta competia todas as tarefas administrativas e financeiras da gestão do condomínio”.

Se eram estas as tarefas da arguida, quais as que competiam ao arguido?

A conclusão de absolvição do arguido, a nosso ver, não tem suporte fáctico. Consideramos que o Tribunal deveria ter indagado quais as concretas funções de cada arguido na empresa, de forma a estabilizar essa situação na matéria de facto provada.

Os factos que constam do elenco probatório não autorizam a ilação jurídica retirada de absolvição de ambos os arguidos"

Com efeito, o Tribunal a quo explicou, sem que tal nos mereça censura, que "Os arguidos prestaram declarações, ambos referindo que, desde o início da actividade da sociedade que criaram, repartiram as tarefas de cada um, competindo à arguida toda a parte administrativa e financeira e ao arguido todo o trabalho relacionado com a manutenção dos prédios administrados."

Ora, o senso e a experiência comum distinguem perfeitamente na atividade de gestão de condomínios o que são tarefas administrativas e financeiras do que são as tarefas de manutenção dos prédios administrados.

Obviamente que as primeiras consistem na cobrança das quotizações dos condomínios, com o envio dos inerentes avisos para pagamento e posterior emissão de recibos, chamadas de atenção para pagamentos em atraso por parte de condóminos relapsos, bem como no pagamento de todas as despesas inerentes à vida das partes comuns de um edifício habitacional, desde prémios de seguros às remunerações ao pessoal responsável pela regular limpeza, mormente de escadas, patins, corredores e átrios, das avenças às empresas contratadas para assegurarem a manutenção e revisão periódica de elevadores, caso existam, bem como da conferência e pagamento das despesas aos fornecedores ao condomínio da água e eletricidade necessárias à lavagem, funcionamento de ascensores e iluminação das áreas comuns e de circulação no prédio. Cabem também habitualmente nestas funções administrativo-financeiras convocar assembleias gerais, preparando, com vista a serem nestas apreciadas, contas, orçamentos e outros documentos. 

Já as segundas - as tarefas de manutenção dos prédios administrados - dizem naturalmente respeito a verificar se nas partes comuns do imóvel urbano tudo está a funcionar normalmente, isto é e exemplificando, se não há lâmpadas fundidas a necessitarem de ser substituídas, se não desapareceram placas de sinalética e extintores, legalmente obrigatórios, e se os existentes têm as cargas com a revisão em prazo, mandado a esta proceder quando necessário, se não há telhas quebradas, terraços com pisos fendidos ou rachas nas paredes exteriores do edifício que requeiram urgente ou preventiva reparação que elimine ou impeça humidades por infiltrações de águas pluviais, atentar se não surgem obras privadas ou montagem de equipamentos não autorizados pelo regulamento interno (estendais ou antenas na cobertura, máquinas de ar condicionado na fachada, etc.), bicicletas ou arrumos bloqueando escadas ou saídas de emergência; e, caso existam, se estão em pleno funcionamento os sistemas de gravação da videovigilância própria da prédio em causa, testar sistemas de alarme para situações de fumo/incêndio, aferir do bom funcionamento de bombas de esgoto de garagens, geradores de urgência, etc.

Passemos agora a apreciar do alegado vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – art. 410.º, nº 2, al. b) do CPP.

Como já supra avançamos, a contradição insanável de fundamentação é apenas aquela que se apresenta como insanável, irredutível, que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques (in Código de Processo Penal Anotado, pág. 739) “por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão pode também respeitar à contradição entre os factos dados como provados e os não provados (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 341/342).

Este vício ocorre quando um mesmo facto, com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado.

É o que sucede na sentença recorrida.

A Meritíssima Juiz a quo deu como provado o facto número 9., ou seja, que a arguida AA preencheu os cheques constantes da acusação.

E considerou não provado “que na posse de cheques do condomínio do nº -- da Avenida de ---, em WW, a arguida AA e o arguido BB, concretizando plano previamente elaboraram, decidiram preencher os cheques, imitando a assinatura dos representantes do condomínio para se apropriarem das quantias de dinheiro que aí colocassem através de posterior depósito na conta bancária por ambos titulada, com o número nº0007 2798 5777, domiciliada no Banco ZZ.” (ponto 1. dos factos não provados).”

Existe contradição entre o facto objetivo provado em 9. e o facto objetivo não provado em 1., no que respeita ao preenchimento e depósito dos cheques por parte da arguida AA.

Como bem refere o recorrente na sua motivação, se o objetivo era dar como não provado a especial intenção que o crime de falsificação exige, não foi alcançado tal objectivo. A Meritíssima Juiz a quo ao limitar-se a “arrumar” os factos da acusação em provados e não provados, sem os redigir de novo, incorreu em contradição insanável.

Não pode ainda a sentença dar como provado que a arguida depositou os cheques na sua conta bancária, num total de € 3.815,95 (ponto 9.) e dar como não provado que se tenha apropriado da quantia global de € 3.815,95 (ponto 3. dos factos dados como não provados). Tais afirmações são contraditórias, pois se a arguida logrou o depósito dos cheques apropriou-se da quantia que os mesmos titulavam.

Existe ainda contradição insanável na fundamentação quando na mesma frase a Meríssima Juiz a quo refere que as testemunhas de acusação confirmaram a referida repartição de tarefas aventada pelos arguidos para, logo de seguida, concluir que as mesmas testemunhas de acusação nem confirmaram nem infirmaram o relato dos arguidos.

As referidas contradições preenchem o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.

Finalmente, atentemos no invocado vício do erro notório na apreciação da prova – art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Como acima dissemos, mas importa aqui de novo sublinhá-lo, o vício de erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si ou conjugada com o senso comum, se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido – Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em processo Penal, 6ª edição, pag. 74.

Existe tal erro quando se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência.

A convicção formada pelo Tribunal de absolvição da arguida não é compaginável com os factos dados como provados, ou seja, que a arguida preencheu os cheques, abusando da assinatura dos representantes do condomínio e que efetuou o depósito das quantias neles tituladas.

A consciência da falsidade, admitida pela arguida, por si só, é suficiente para se concluir pela intenção de causar prejuízo ao condomínio e, consequentemente, para dar como provado o dolo específico que o tipo de falsificação exige.

O facto de ter conseguido proceder ao depósito dos cheques falsificados, por nove vezes, implica, necessariamente, que a arguida acreditou e consolidou no tempo a idoneidade da sua atuação para enganar os funcionários do banco, os quais acreditando que os cheques estavam assinados pelos titulares procediam ao depósito dos mesmos.

Ao atuar da forma descrita a arguida agiu com especial intenção de enriquecimento ilegítimo, pois sabia que o dinheiro que entrava na sua conta provinha de uma falsificação e de engano criado nos funcionários do banco.

A arguida trabalha na área de administração de condomínios desde 2006. No que respeita aos factos da acusação resulta que lhe foram conferidos poderes para requisitar cheques. Na posse dos mesmos imitou as assinaturas dos representantes condomínio, num período compreendido de 14 de Maio a 4 de Outubro de 2013, por nove vezes.

Assim, bem ousa o recorrente perguntar, questão que também coloca este Tribunal ad quem, se é consentâneo com as regras da experiência que alguém falsifique nove cheques, durante 8 meses, sem intenção de prejudicar os titulares da conta dos cheques falsificados?

Bem como igualmente perguntar se é consentâneo com as regras da experiência que esse alguém, que falsificou nove cheques, proceda ao depósito dos mesmos na sua conta bancária, atue sem intenção de enriquecimento ilegítimo?

In casu inexiste qualquer facto que exclua a culpa ou a ilicitude da arguida.

Não é plausível admitir, mesmo com a maior das boas vontades, que a arguida não soubesse que com a sua conduta prejudicava o condomínio e que enriquecia ilegitimamente. Mal seria que todos aqueles que tivessem créditos sobre outros falsificassem cheques, procedessem ao seu depósito e que tal conduta saísse impune por não verificação da especial intenção que ambos os crimes exigem!

Pelo exposto, mais consideramos que se encontra preenchido o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Destarte, de acordo com as regras da experiência comum, conjugadas com a prova produzida, julgamos que o Tribunal a quo deveria ter decidido pela condenação da arguida pelos crimes pelos quais vinha acusada - um crime de falsificação, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, al. c) e 3 em concurso efetivo com um crime de burla, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Assim, tudo visto e ponderado, procede o recurso, impondo-se revogar a decisão revidenda, que se considera inquinada pela verificação dos vícios a que aludem as alíneas a), b) e c) do artigo 410.º, n.º 1, do CPP, e nula, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), ambos do mesmo diploma, por falta de fundamentação de facto e omissão de pronúncia, tudo nos termos que deixámos consignados, devendo ser proferida nova decisão em que tais irregularidades se mostrem sanadas, e considerada a matéria de facto que ora se passará a dar por assente, daí se retirando, seguidamente, em sede de subsunção dos factos ao Direito, as necessárias ilações.

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, decidem:

a) alterar a matéria de facto que ora fixam nos seguintes termos:

Factos provados:

1. A arguida AA e o seu companheiro, o arguido BB, constituíram em 2006 a sociedade XX , Gestão Lda., com o objectivo de se dedicarem à gestão e administração de imóveis e condomínios, assumindo ambos a qualidade de sócio gerentes.

2. No âmbito dessa actividade profissional, no dia 15 de Fevereiro de 2011, os arguidos, em representação da sociedade, assumiram a administração do condomínio do nº --- da Avenida de ----, sito em WW.

3. Na qualidade de administradores do condomínio, os arguidos participaram, no dia 15 de Fevereiro de 2011, em assembleia ordinária de condóminos.

4. Nessa sede, a arguida AA informou os condomínios que a conta a prazo do condomínio associada ao Banco ZZ ainda se encontrava activa, dando o parecer que deveriam manter activa tal conta para que o dinheiro de fundo de reserva do final de cada ano pudesse aí ser depositado.

5. Ficou decidido, face ao exposto, que o condomínio encerraria uma outra conta domiciliada no Banco RR, ficando toda a actividade bancária do condomínio concentrada na conta com o número 00034969 4992 domiciliada no Banco ZZ.

6. O condomínio deliberou representar-se através de dois representantes internos; e que a conta do BANCO ZZ com o número 00034969 4992 seria movimentada por cheques, através da assinatura desses dois representantes.

7. Foram conferidos poderes aos arguidos AA e BB para requisitarem extractos bancários sempre que necessário e levantarem cheques sempre que requerido pelos representantes do condomínio.

8. No dia 23 de Março de 2013, em assembleia extraordinária de condomínio, foram eleitos para representantes do condomínio, CC e DD, os quais ficaram responsáveis pela movimentação da conta bancária com o número 00034969 4992, através de cheques e mediante a assinatura de ambos.

9. A arguida AA preencheu os seguintes cheques:

a) O cheque com o número 0053359.0, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 14 de Maio de 2013; como valor, a quantia de  €725,00 (setecentos e vinte e cinco euros); o nome de BB, como destinatário; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

Tal cheque foi depositado, no dia da emissão, na conta 0007 2798 5777, no balcão do BANCO ZZ de Mafra;

b) O cheque com o número 0053357.3, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 20 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €817,95 (oitocentos e dezassete euros e noventa e cinco cêntimos); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz

c) O cheque com o número 0053356.5, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 29 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €600,00 (seiscentos euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Mafra.

d) O cheque com o número 0053354.9, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 31 de Maio de 2013; como valor, a quantia de €400,00 (quatrocentos euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz.

e) O cheque com o número 0053353.1, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 23 de Junho de 2013; como valor, a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ de Santa Cruz.

f) O cheque com o número 0054719.1, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 29 de Julho de 2013; como valor, a quantia de €260,00 (duzentos e sessenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, ATM MB 07290933680459

g) O cheque com o número 00547718.3, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 19 de Agosto de 2013; como valor, a quantia de €250,00 (duzentos e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, no balcão do BANCO ZZ da Malveira.

h) O cheque com o número 0054717.5, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 26 de Setembro de 2013; como valor, a quantia de €260,00 (duzentos e sessenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, na ATM MB 092609733821284.

i) O cheque com o número 0054716.7, onde pelo seu próprio punho colocou: como data de emissão o dia 4 de Outubro de 2013; como valor, a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros); o seu nome, AA, como destinatária; e o nome dos dois representantes do condomínio, CC e DD como emitentes.

 Tal cheque foi depositado na conta 0007 2798 5777, no dia da emissão do cheque, na ATM MB 100409733840291.

10. No dia 8 de Abril de 2014 a referida conta bancária do condomínio foi creditada no valor de €3.815,95 pelo Banco ZZ.

11. Na posse de cheques do condomínio do nº -- da Avenida de ----, em WW, a arguida AA decidiu preencher os cheques, imitando a assinatura dos representantes do condomínio para se apropriar das quantias de dinheiro que aí colocassem através de posterior depósito na conta bancária, titulada por si e por BB, com o número nº 0007 2798 5777, domiciliada no Banco ZZ.

12. Com a relatada conduta a arguida apropriou-se da quantia global de € 3.815,95 euros, que fez sua, com o desconhecimento e contra a vontade do condomínio.

13. A arguida agiu bem sabendo que ao apresentar-se perante o condomínio com uma sociedade direccionada para a gestão de condomínios, transmitia profissionalismo e, por consequência, a segurança necessária para lhe confiarem assuntos que envolvessem dinheiro, designadamente a requisição de livros de cheques.

14. A arguida agiu mediante plano previamente traçado, emitindo os referidos cheques, sem autorização para o fazer, bem sabendo que ao reproduzir as assinaturas de CC e de DD, prejudicava o condomínio, resultado que quis e conseguiu.

15. A arguida agiu em todas as relatadas condutas com o objectivo de obter dinheiro ao qual sabia não ter direito, sabendo que o plano delineado e concretizado era apto a enganar os tomadores dos títulos de crédito, designadamente os empregados das agências bancárias, que acreditando que os cheques estavam correctamente emitidos, procederam ao desconto dos mesmos na conta da ofendida, diminuindo, em consequência, o património daquela nos montantes titulados nos cheques.

16. A arguida após ter imitado as assinaturas dos representantes dos condomínios no cheque com o número 0053359.0, com data de 14 de Maio de 2013, e tendo conseguido proceder ao depósito na sua conta bancária, praticou o mesmo tipo de conduta, com os cheques e nas datas supra discriminados, em virtude de não ter sido descoberta e convencendo-se que a actuação que vinha levando a cabo estava a ser bem-sucedida, o que motivou a instalação de um ambiente favorável à sua reiteração ao longo do período de tempo referido.

17. Em todas as relatadas condutas agiu a arguida de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidas e punidos por lei penal.”

18. No certificado de registo criminal dos arguidos não consta
averbada qualquer condenação.

19. A arguida exerce actualmente a actividade de consultora
imobiliária, recebendo mensalmente na ordem dos 300,00 €.

20. O arguido, mantendo-se na actividade de administração de
condomínios, recebe mensalmente na ordem dos 400,00 €.

21. Não têm filhos.

22. Residem em habitação cedida pelos progenitores do arguido.

E factos não provados:

1. Que a arguida AA preencheu os cheques supra referidos em 9. dos factos provados combinada com o arguido BB.

2. Que a arguida AA agiu em comunhão de esforços com o arguido BB.

3. Que os arguidos AA e BB agiram mediante plano previamente traçado entre ambos.

4. Que o arguido BB tenha imitado as assinaturas dos representantes dos condomínios nos cheques em causa nos autos e tenha sido ele a proceder ao seu depósito na conta bancária com o número 00034969 4992 de que era cotitular com a arguida.

b) declarar nula a sentença revidenda, determinando que a Mmª Juíza do Tribunal a quo profira nova decisão, em conformidade com o decidido em a) e suprindo todos os apurados e acima assinalados vícios, reabrindo, se assim for entendido por conveniente, a audiência, para que os intervenientes processuais, querendo, se possam, eventualmente, pronunciar.

Sem custas.

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por quarenta e duas páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 17 de dezembro de 2015

Calheiros da Gama

Antero Luís