Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2977/2007-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
REENVIO DO PROCESSO
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Em caso de recurso interposto, apenas, pelo arguido, ordenando o tribunal ad quem o reenvio do processo para novo julgamento, não pode o tribunal de 1ª instância, no novo julgamento, agravar a situação do arguido, o que se impõe por força do princípio da proibição da reformatio in pejus.
II - O agravamento da pena, neste caso, constituiria violação daquele princípio por via indirecta, ou seja, ao tribunal de 1ª instância, no novo julgamento determinado pelo tribunal ad quem, seria permitido o que a este tribunal está vedado de forma expressa pelo art.409.º, do CPP.
III - Julgamento anulado ou reenviado não é o mesmo que julgamento inexistente, produzindo aquele alguns efeitos, nomeadamente em matéria de proibição da reformatio in pejus, só esta solução sendo compatível com o recurso como meio de defesa e com a ideia de um processo equitativo, justo e leal.
IV - O art. 69.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, só abrange crimes dolosos, não prevendo a lei pena acessória de proibição de conduzir para o crime de homicídio por negligência.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº191/02.6GTCSC, do 3º Juízo Criminal de Oeiras, em que é arguido, R…, o Tribunal, após julgamento, por sentença de 19Out.05, condenou o arguido por crime de homicídio por negligência, p.p., pelo art.137, nº1, do Código Penal, na pena de duzentos e dez (210) dias de multa, à taxa diária de €1,5 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por quatro (4) meses.
Dessa sentença foi interposto recurso pelo arguido, defendendo a sua absolvição, tendo este Tribunal da Relação, por douto acórdão de 20Jun.06, declarado nula a sentença por falta de fundamentação e reconhecido, ainda, a verificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, determinando o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo.
Realizado novo julgamento, o tribunal, por sentença de 26Jan.07, decidiu não aplicar ao arguido a sanção acessória de inibição de conduzir e condená-lo como autor de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art.137, nº1, do Código Penal, na pena de duzentos e dez (210) dias de multa, à taxa diária de €1,5.

2. Desta decisão interpôs recurso o Ministério Público, motivando-o com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
2.1 Com a aplicação de uma pena de multa no montante de 315€ estamos a desacreditar a pena, enquanto tal, os tribunais, a própria justiça, pois perante o cometimento de uma contra-ordenação grave ou muito grave, a coima prevista seria muito superior à aqui prevista, o que naturalmente leva a que se gere um sentimento de insegurança e impunidade.
2.2 Perante a ausência de critérios na lei, terá o juiz obrigatoriamente de atender à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte, do trabalho, por conta própria ou alheia, ou do capital, pensões ou seguros.
2.3 Assim, no caso ora sub judice, e na determinação do quantitativo diário, o juiz deveria ter em conta o quantitativo dos proventos que ao arguido couberem para seu proveito pessoal em virtude do cumprimento pelo outro cônjuge do dever de assistência, bem como o valor do subsidio de emprego auferido pelo arguido.
2.4 Nestes termos, foi o arguido sujeito a uma multa cujo quantitativo diário - 1,5 € - apenas poderíamos admitir se estivéssemos perante um indigente.
2.5 Quando o processo é reenviado para novo julgamento nos termos do artigo 426° não estamos limitados pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
2.6 Não podemos retirar da interpretação deste artigo que perante o reenvio para novo julgamento o tribunal se encontra limitado pela decisão que outro tribunal tomou anteriormente.
2.7 Ainda que o tribunal a quo entendesse, como entendeu, estar limitado pelo principio da proibição da reformatio in pejus, sempre poderia, nesse caso, e seguindo essa teoria de principio, aplicar a estatuição do artigo 409, nº2 e nesse caso ter aferido da situação económica e financeira do arguido.
2.8 Deve ao arguido ser aplicado a taxa de 4€ diário nos termos do artigo 47, nº2 do C.P.
2.9 Nos termos do artigo 69°, n°1, alínea b), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.
2.10 A letra da lei não prevê uma distinção entre crimes dolosos e crimes negligentes.
2.11 Na verdade foi para fazer face a este problema social de elevada sinistralidade rodoviária que o legislador alterou vários preceitos do Código Penal com a Lei nº77/2001, de 13 de Julho.
2.12 É neste conceito que é ampliada a moldura da sanção acessória de proibição de conduzir, passando de um período de um mês a um ano, para um período de 3 meses a 3 anos.
2.13 Do que acabámos de referir, não podemos deixar de concluir que a intenção do legislador foi claramente a de agravar a punição dos crimes rodoviários, de molde a suster a subida imparável da taxa de sinistralidade. nas estradas portuguesas.
214 Deve o arguido ser condenado na sanção acessória de proibição de conduzir, p.p. pelo artigo 69º do C.P pelo período de 1 ano.
Nestes termos, deverá ser a douta sentença condenatória ser substituída por deliberação que aplique o quantitativo diário de 4 € e aplicar ao mesmo a sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano.

3. Admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, não foi apresentada resposta.

4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procuradora Geral Adjunto teve vista.
5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a audiência.
6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação da seguintes questões:
-proibição da reformatio in pejus;
-medida da pena e quantitativo diário da multa;
-pena acessória de proibição de conduzir;
*     *     *
IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor (transcrição):
Declaro provados os seguintes factos:


2. Factos não provados.


3. Motivação fáctica.
*     *     *
IIIº 1. Condenado o arguido por crime de homicídio por negligência, p.p., pelo art.137, nº1, do Código Penal, o recorrente não questiona o enquadramento jurídico factos, mas apenas a medida da pena, quantitativo diário da multa e a não condenação em pena acessória de proibição de conduzir.
No que diz respeito à escolha e medida da pena, entendeu o julgador de 1ª instância estar limitado pelo princípio da proibição de reformatio in pejus (art.409, do CPP), já que, só tendo sido interposto recurso pelo arguido da sentença de 19Out.05, não pode o mesmo ser prejudicado na sentença proferida na sequência de novo julgamento determinado pelo acórdão da Relação que apreciou aquele recurso interposto por ele.
O art.409, nº1, do CPP, consagrando aquele princípio, estabelece:
1. Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”.
O nº2 deste preceito prevê uma única excepção ao princípio, a agravação da pena de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Como justificação para este princípio têm sido apontadas várias vias[1]:
-O princípio dispositivo, directamente ligado ao poder de iniciativa das partes no processo, as quais fornecem e fixam ao tribunal o thema decidendum (ne eat judex ultra petita partium). Sendo só um das partes a recorrer- o arguido -, não se compreenderia que o tribunal agravasse a pena imposta, julgando para além do pedido.
-Outra razão apresentada para justificar este princípio está ligada à ideia de que para recorrer é necessário ter interesse, pelo que, o recurso só do arguido não poderia conduzir a resultados contrários ao seu interesse.
-Alguns autores ligam a proibição de reformatio a razões de equidade “quod favore alienius constitutum est, non potesti in eius perniciem retorquere”, seria iníquo reformar a sentença em prejuízo do arguido quando, sem o seu recurso, a decisão teria passado em julgado.
-Para outros autores, o que explica verdadeiramente a proibição de reformatio é justamente o favor rei, como princípio geral de direito.
-Entendem outros que a proibição de reformatio tem por finalidade fomentar os recursos das sentenças, com vista ao seu reexame crítico e, através deste, ao melhor julgamento da causa. E uma forma de encorajar os recursos será precisamente a de garantir o arguido, embora dentre de certos limites, contra o risco de uma decisão do tribunal de recurso prejudicial ao seu interesse.
-Para outros, a proibição é, afinal, apenas uma máxima de política criminal, uma espécie de favor libertatis, resultante de considerações humanitárias contra os sistemas judiciários do passado.
-Invoca-se também como fundamento da proibição de reformatio a estrutura acusatória do processo, que significa, antes de mais, que cabe aos sujeitos processuais a definição das questões que devem ser submetidos a juízo e que existe separação entre a entidade que investiga e acusa e outra que julga. Ora sendo interposto recurso apenas pelo arguido, conformando-se o Ministério Público- titular da acção penal, com a decisão, não teria sentido a agravação da situação do arguido pelo tribunal ad quem.

2. No caso em apreço, porém, não está em causa a violação deste princípio por via directa, já que em relação ao recurso interposto pelo arguido da sentença de 19Out.05, o douto acórdão deste Tribunal da Relação de 20Jun.06, já transitado, não agravou a situação daquele, limitando-se a determinar o reenvio do processo para novo julgamento.
Em causa está a violação desse princípio por via indirecta, pois tendo o Ministério Público se conformado com aquela sentença de 19Out.05, pretende agora ver agravada a situação do arguido na nova sentença de 1ª instância, proferida na sequência daquele reenvio, quando não fosse o recurso interposto exclusivamente pelo arguido da sentença de 19Out.05, esta já tinha transitado.
Defende o recorrente que em caso de reenvio, tudo começa de novo, não ficando o tribunal que procede ao novo julgamento sujeito a qualquer limite, decorrente da inicial sentença de 1ª instância.
Neste sentido, pronunciou-se o S.T.J., por acórdão de 17Mar.04, considerando que tendo o anterior julgamento sido anulado, em relação ao novo julgamento tudo se passa como se o primeiro não se tivesse realizado[2].
Contudo, com o devido respeito, julgamento anulado ou reenviado não é o mesmo que julgamento não realizado.
Como decorre dos princípios gerais de direito, a revogação, seja duma sentença seja de um negócio jurídico qualquer, não opera ex tunc, mas antes ex nunc, ou seja, só para o futuro[3]. Por outro lado, acto processual nulo- a que seria juridicamente equivalente a decisão revogada ou reenviada- não se confunde com acto puramente inexistente.
Com efeito, enquanto a inexistência corresponde àqueles casos mais graves, em que verdadeiramente se pode dizer que para o direito não há nada[4], na nulidade o acto existe, apenas não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos[5].
Tanto assim que os casos de inexistência da sentença se devem resumir, segundo o Prof. Antunes Varela[6], às seguintes três hipóteses:
a) não provir a sentença de pessoa investida do poder jurisdicional;
b) ser o acto emitido a favor de ou contra pessoas fictícias ou imaginárias;
c) não conter a sentença uma verdadeira decisão ou conter uma decisão incapaz de produzir qualquer efeito jurídico.
Ora, o douto acórdão deste tribunal de 20Jun.06 (fls.275 e segs. destes autos), ao declarar nula a sentença de 19Out.05 e ao determinar o reenvio do processo para novo julgamento, manifestamente, não considerou inexistente aquela sentença, cujos vícios reconhecidos não se integram em qualquer uma daquelas hipóteses.
Aliás, no sentido de não existir coincidência, quanto aos seus efeitos, entre a sentença inexistente e a anulada ou reenviada, têm-se pronunciado os nossos tribunais superiores em matéria de prazos de prisão preventiva ao considerar que a anulação do julgamento não tem a virtualidade de fazer considerar, para efeito de contagem de prazo máximo de prisão preventiva do art.215 do CPP, que ainda não houve condenação em primeira instância[7], sinal que à sentença anulada ou reenviada são reconhecidos efeitos, o que não aconteceria em caso de equivalência a decisão inexistente.
Por outro lado, não tendo o Ministério Público recorrido da sentença de 19Out.05, formou-se em relação à mesma caso julgado parcial[8], ficando a acusação limitada por essa decisão de 1ª instância, razão por que qualquer decisão posterior do juiz, para além desse limite, em prejuízo do arguido, se traduziria em violação do princípio do acusatório. Tal possibilidade constituiria, ainda, motivo para o arguido recear interpor recurso, pois mesmo não recorrendo o Ministério Público, em caso de anulação ou reenvio para novo julgamento, na sequência da procedência do recurso por ele interposto ou por determinação oficiosa do tribunal ad quem, podia o mesmo vir a sofrer punição mais desfavorável que a antes proferida, apesar da acusação se ter conformado com esta.
Um processo equitativo, garantido pelo art.20, da C.R.P. (assim como pelo artigo 6, n°1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo art.14, do Pacto Internacional sobre os Direito Civis e Políticos e reconhecido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), entendido como uma processo equilibrado, justo e leal, em que os intervenientes processuais possam confiar, não é compatível com a possibilidade de reformatio in pejus por via indirecta, como é pretendido pelo Ministério Público no caso em apreço. Na verdade, não tendo o Ministério Público recorrido da sentença de 19Out.05, o arguido, como único recorrente, tinha a expectativa legítima de não ver a sua situação jurídica agravada pelo tribunal ad quem, por força do citado princípio da proibição da reformatio in pejus, expectativa que não se compreenderia fosse frustrada por via indirecta, com a agravação da pena pela nova decisão de 1ª instância (o tribunal ad quem estava impedido de agravar a situação do arguido, mas anulando o julgamento deferia essa possibilidade ao tribunal de 1ª instância).
Numa hipótese como esta, o recurso inscrito como meio de defesa, iria conduzir a uma resultado gravame para o arguido, com este a ser surpreendido com um resultado que tinha a expectativa legítima de não contar a partir do momento em que a entidade que representa a acusação não recorreu da decisão proferida em 1ª instância, o que não pode ser admitido[9].
Assim, bem andou o tribunal recorrido ao entender que estava limitado pela sentença de 19Out.05, no que diz respeito à escolha e medida da pena.
Essa limitação, como se referiu, só não era aplicável à agravação da pena de multa “...se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível” (nº2, do art.409, do CPP).
Ora, em relação à situação económica do arguido provou-se que o mesmo está desempregado, vive com a companheira e um filho de menoridade, situação idêntica à descrita nos factos considerados provados na anterior sentença, o que afasta a possibilidade do quantitativo diário da multa poder ser agravado.

3. Considerou a decisão recorrida que, apesar da condenação do arguido por crime de homicídio por negligência, cometido no exercício da condução automóvel, não é caso de lhe ser aplicada pena acessória de proibição de conduzir, por o art.69, nº1, al.b, do Código Penal abranger, apenas, os crimes dolosos, o que o recorrente não aceita.
O citado preceito legal prevê a condenação em proibição de conduzir veículos
automóveis de quem for punido: “Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante”.
Da letra do preceito legal, composta por duas orações ligadas por uma conjunção copulativa (indicando adição), resulta que as condições previstas são de verificação cumulativa.
Em relação à utilização de veículo, não há dúvida que se verificou, resultando a morte da vítima de embate do veículo conduzido pelo arguido na sequência de despiste derivado da falta de adopção pelo mesmo do cuidado que as circunstâncias concretas impunham.
Quanto à segunda condição, não pode a mesma ter-se por verificada. Com efeito, só é facilitado de forma relevante pela utilização do veículo o crime que sempre poderia ser cometido sem essa utilização, mas que graças a ela se tornou significativamente de mais fácil execução, o que, obviamente, exclui as situações em que a utilização do automóvel é elemento necessário do crime.
Tais situações, correspondentes a factos ilícitos típicos, têm tratamento autónomo na alínea a, do preceito legal em causa, relativamente aos crimes dos arts.291 e 292, e na alínea c, em relação a um caso particular de desobediência.
No caso, a condução de veículo não é instrumento da execução do crime, mas, antes, a forma de preenchimento do elemento material da contra-ordenação praticada pelo arguido e reveladora daquela falta de cuidado que integra o elemento subjectivo do crime por que foi condenado, razão por que não cabe na previsão da citada alínea b[10].
Assim, bem andou o Mmo. Juiz de 1ª instância, ao não condenar o arguido em pena acessória de proibição de conduzir.
*     *     *
IVº DECISÃO:
Pelo exposto, os juizes do Tribunal da Relação de Lisboa, após audiência, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Sem tributação.
Lisboa,
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(Relator: Vieira Lamim)

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(1º Adjunto: Ricardo Cardoso)

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(2º Adjunto: Filipa Macedo)

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(Presidente da Secção: Pulido Garcia)

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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág.336, citando o parecer nº13/IX, da Câmara Corporativa, no BMJ nº180, pág.103 e segs.
[2] Acórdão proferido no proc. nº4415/04, 3ª Secção, citado por Maia Gonçalves em anotação ao Código de Processo Penal, 15ª ed. pág.821 “Se em julgamento anterior, entretanto anulado, o arguido foi condenado numa pena de 6 anos de prisão, e posteriormente, em segundo julgamento, é-lhe fixada uma pena de 7 anos de prisão, não se verifica qualquer violação da proibição da reformatio in pejus, pois tudo se passa como se o primeiro julgamento nunca se tivesse realizado”. No mesmo sentido Ac. do STJ de 9Abr.03 (Proc. nº4628/02, 3ª Secção, Relator Cons. Borges de Pinho, com voto de vendido do Cons. Henriques Gaspar, sumário acessível em www.stj.pt) “...na verdade, no contexto concreto de toda e qualquer anulação, porque indexada a um apagamento e vinculada a um nada, face à inexistência de um referencial (condenação, absolvição, quantum da pena, etc.) que, subsistindo, preexista a esse novo julgamento e o condicione, não é legítimo esperar que o tribunal não seja livre na nova apreciação da prova e na emissão de um juízo, naturalmente novo e de modo nenhum predeterminado ou limitado pelo decidido no julgamento anterior.
[3] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág.561 e Pedro Pais Vasconcelos, Teoria do Direito Civil, 2003, pág.608
[4] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 3ª ed., pág.48.
[5] Ac. do S.T.J. de 6Mar.79, np B.M.J. nº285, pág.286.
[6] Manual de Processo Civil, 1ª ed., pág.668, nota 3.
[7] Entre outros, Ac. do S.T.J. de 11Julho02, na C.J. Acs. do STJ ano X, tomo 3, pág.178.
[8] O recurso estabelece um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente (cfr., v. g., José Manuel Damião da Cunha, "O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória", 2002, págs. 240 e segs., 436 e 658 e segs.).
[9] Neste sentido, decidiu o Ac. STJ de 8Julho03 (Pº nº2616/03-5ª, Relator Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt):
“1- Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente.
2- Tal compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
3- O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso.
4- Se o Supremo Tribunal de Justiça, depois de alterar em recurso a qualificação jurídica efectuada nas instâncias, reenvia o processo para a determinação da medida concreta da pena, por admitir como possível a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução, a nova decisão a proferir não só não poderá agravar a medida da pena, como só poderá manter a pena inicial fazendo a demonstração cabal de que tal se impõe no caso.
...”
.
No mesmo sentido, acórdãos do S.T.J. como sumário acessível em www.stj.pt:
- de 27Nov.03 (Proc. n.º 3393/03- 5.ª Secção, Relator Simas Santos) “...Decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente. XIV- Mas a compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido. XV - O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso”.
- de 17Jun.04 (Proc. n.º 1412/04 - 5.ª Secção, Relator Rodrigues da Costa) “...caso a 1.ª instância tenha procedido a “cúmulo por arrastamento” tal decisão deve ser anulada pelo STJ, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, para que o colectivo, voltando a decidir, proceda a novo(s) cúmulo(s) das penas relativas aos crimes que se achem numa relação de concurso - e apenas desses -, sendo certo que, por força do princípio da proibição da «reformatio in pejus», uma vez que só o arguido interpôs recurso da decisão, as penas em que o arguido venha a ser condenado, para serem cumpridas sucessivamente, não podem ultrapassar o limite já fixado na mesma decisão recorrida”.
- de 9Dez.04 (Proc. n.º 4535/04 - 5.ª Secção, Relator Rodrigues da Costa) “... Tendo, porém, a Relação invalidado o julgamento (parcialmente) e a decisão condenatória, não se pode dizer que esta seja inexistente ou que, sendo nula, não produz efeitos jurídicos alguns. Há efeitos jurídicos que mesmo a decisão nula produz: por exemplo, em matéria de proibição de reformatio in pejus, não podendo o arguido ser condenado em pena mais grave no novo julgamento, se o recurso foi só interposto por ele, ou pelo MP no exclusivo interesse do arguido. V -  Ora, se mesmo no caso de ter sido anulado o julgamento por força de um vício sancionado legalmente com a nulidade, se tem entendido nesta Secção que a anulação não faz com que o prazo máximo de prisão preventiva encolha, por regressão à fase anterior, como se não tivesse havido condenação em primeira instância, muito mais não há-de ter esse efeito a invalidade parcial do julgamento e subsequente invalidade da decisão condenatória, por força de uma irregularidade consistente na falta de gravação de certos depoimentos, por uma anomalia técnica no sistema de reprodução...”.
- de 17Fev.05 (Proc. n.º 565/05 - 5.ª Secção, Relator Santos Carvalho) “...Tendo sido imputada ao requerente na acusação a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e tendo o mesmo sido condenado em 1.ª instância pela autoria de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no art. 25.º do mesmo diploma, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; tendo o mesmo recorrido dessa decisão para o Tribunal da Relação que decidiu anular a sentença da 1.ª instância, por violação do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, determinando-se a sua reelaboração pelo mesmo Tribunal: - daí resulta que os efeitos da proibição da reformatio in pejus (art. 409.º, n.º 1, do CPP) impedem que, alguma vez, o ora requerente possa vir a ser condenado por crime mais grave do que o de tráfico de menor gravidade e mesmo por pena mais grave do que a que lhe foi efectivamente aplicada. II - Com efeito, se o tribunal “ad quem” não podia ter agravado a pena aplicada, o tribunal “a quo”, chamado novamente a intervir por ordem daquele, não pode deixar de estar sujeito à mesma disciplina. III -                Isto é, o objecto do processo que corre termos contra o ora requerente está limitado ao crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, punível com uma pena máxima de 5 anos de prisão (e, em rigor, por força da referida proibição, não mais do que 3 anos e 6 meses de prisão)...”.
[10] No sentido de ao crime de homicídio por negligência não ser aplicável a pena acessória de proibição de conduzir, entre outros, Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 28Set.05, na C.J. ano XXX, tomo 4, pág.238. No sentido da alínea b, do nº1, do mesmo art.69, se referir, apenas, a crimes dolosos, ainda, Ac. desta Relação de 11Fev.03 (Proc. nº6271/02, desta Secção, Relator Vasques Diniz), acessível em www.pgdl.pt “A alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal inclui dois casos: o do crime praticado com utilização do veículo - ex. atropelamento com veículo, sendo este instrumento do crime - e o da execução do crime ter sido relevantemente facilitada pelo uso do veículo - ex. rápida deslocação para o local do crime para que a vítima pudesse ser surpreendida, transporte de objectos furtados que, por outro modo não poderiam ser deslocados. Esta alínea só pode reportar-se a crimes dolosos em que se verifique uma relação de instrumentalização entre a utilização do veículo - como meio acessório - e a execução do crime, isto é, a conduta que preenche o núcleo essencial do tipo tal como se acha desenhado na norma penal. Não contempla, por isso, os casos em que o exercício da condução e a utilização do veículo não são meramente acessórias ou instrumentais em relação à execução do crime, mas constituem o elemento material, objectivo e nuclear, essencial para o preenchimento do tipo”. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto, acessíveis em www.dgsi.pt, de 8Mar.06 (Relator Jorge Jacob) “Da previsão da alínea b) do nº1 do artº 69º do CP95 estão excluídas as situações em que a utilização do automóvel é elemento necessário do crime aí referido” e de 22Fev.06 (Relator Jorge França) “Para ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69º, 1, b) do Código Penal, exige-se não só que o crime seja cometido ao volante de um automóvel, mas ainda que a condução seja um elemento essencialmente facilitador da prática do crime e que o veículo seja utilizado como um verdadeiro instrumento do crime, que seja usado como “meio de arremesso” para o cometimento do delito”. No mesmo sentido, embora em relação a situação diversa da destes autos, se decidiu, também, no Proc. nº6.458/06, desta Secção, por acórdão de 26Set.06, com os votos do relator e dos adjuntos do presente acórdão.