Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
519/10.5TYLSB-F.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: É a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação no pagamento das custas que se inicia o prazo de prescrição de cinco anos do crédito de custas, previsto no artigo 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, não tendo qualquer influência na respectiva contagem o facto de a secretaria elaborar tardiamente a conta de custas, uma vez que a sua não elaboração não representa uma causa suspensiva da prescrição.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. Por sentença proferida neste apenso e transitada em julgado em 11/02/2014, foram os AA., condenados no pagamento das custas do processo.
Elaborada a conta de custas (nº 920400140242021) em 20/12/2021, foi notificada aos AA., por carta com a mesma data, terminando em 18/01/2022 o prazo para pagamento voluntário da quantia de 22.182,71 € (Guia nº 703480084939613).
Notificados, vieram os AA. reclamar da conta das custas, arguindo a prescrição do crédito das custas por, em síntese, já terem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Na sequência da referida reclamação, foi proferido despacho que conclui do seguinte modo: “…tendo transitada a sentença proferida nestes autos em 11.02.2014, há muito que decorreu o prazo de cinco anos, sendo irrelevante a omissão da secretaria judicial referente à elaboração tardia da conta de custas, nada mais cumprindo determinar que não seja considerar prescrito o crédito de custas processuais do Estado sobre os AA.”
Inconformado com esta decisão, veio o MINISTÉRIO PÚBLICO, interpor o presente recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Termina as respectivas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. “O presente recurso visa sindicar o decidido no despacho proferido nos presentes autos em 29 de maio de 2022, que, julgando procedente a reclamação da Conta de Custas apresentada pelos AA., considerou prescrito o crédito de custas processuais do Estado.
2. Dispõe o art.º 37.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais que, “O crédito por custas e o direito à devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito de requerer a respectiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei geral”.
3. Sendo o referido preceito legal omisso no que à contagem do início do prazo de prescrição do crédito de custas se reporta, impõe-se considerar as regras gerais do instituto da prescrição, previstas no Código Civil, mais precisamente no n.º 1, do seu art.º 306.º, ou seja, a regra geral do começo do prazo de prescrição quando o direito em causa puder ser exercido.
4. Que, no que ao crédito de custas se reporta – da titularidade do Estado, IGFEJ,IP –, coincide com o termo do prazo de cumprimento voluntário, momento a partir do qual pode o credor exigir (pelos meios coactivos legalmente previstos cfr. art.º 35.º, do RCP) o cumprimento.
5. Iniciando-se, pois, o prazo de prescrição do crédito de custas, com o termo do prazo estabelecido para o respectivo pagamento voluntário, a que se refere o art.º 28.º, da Portaria 419-A/2009, de 27.04.
6. No caso dos autos, tendo os AA. sido notificados para proceder ao pagamento voluntário das custas da sua responsabilidade, por carta de 20.12.2021, terminando em 18 de janeiro de 2022 o prazo de que dispunham para proceder ao pagamento voluntário, forçoso se torna concluir não se encontrar decorrido o prazo de (5anos) de prescrição do crédito do Estado, a que alude o art.º 37.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
7. Desta forma e pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se o despacho judicial recorrido que, por violar o disposto nos artigos 306º nº 1 do Código Civil e 37º nº 1 do Regulamento das Custas processuais, respectivamente, deverá ser substituído por outro que julgue não prescrito o crédito de custas do Estado sobre os AA, por não ter ainda decorrido o prazo legal de prescrição de cinco anos, contado a partir do termo do prazo legal de pagamento das custas devidas.”
Notificados das alegações, vieram os AA. deduzir contra-alegações, concluindo, por um lado, que, por força do disposto no artigo 45º, nº 1 da LGT, se encontra caducado o direito à liquidação das custas e, por outro, que já prescreveu o direito de o Estado cobrar a conta de custas, por decurso do prazo no artigo 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, atendendo ao teor das alegações apresentadas pelo Recorrente, a única questão que cumpre apreciar prende-se com o início do prazo de prescrição do crédito de custas previsto no artigo 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.

3. Os factos com interesse para a apreciação do recurso correspondem aos descritos no relatório, que aqui se dão por reproduzidos.

4. Face à factualidade dada por assente, cumpre, agora, verificar, se face à disciplina legal constante do artigo 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, se pode considerar prescrito o crédito de custas processuais do Estado sobre os AA., como decidiu a 1ª instância.
Com efeito, determina o nº 1 do artigo 37º do Regulamento das Custas Processuais que “o crédito por custas e o direito de devolução de quantias depositadas à ordem de quaisquer processos prescreve no prazo de cinco anos, a contar da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respectiva devolução, salvo se houver disposição em contrário em lei especial.”
Decorre desta norma que, quer o crédito por custas, quer o direito à devolução das quantias depositadas à ordem de quaisquer processos, prescreve no prazo de cinco anos. Quanto à devolução de custas pagas, a norma é clara em referir que aquele prazo prescricional se conta a partir “da data em que o titular foi notificado do direito a requerer a respectiva devolução”. No entanto, é omissa quanto ao início de contagem daquele prazo no que respeita ao crédito de custas.
De acordo com os critérios de interpretação e integração das leis previstos nos artigos 9º e 10º do Código Civil, tal lacuna tem sido preenchida com recurso às regras gerais do instituto da prescrição constantes dos Código Civil e designadamente a que consta do nº 1 do artigo 306º, segundo a qual “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
Assim, inicialmente, a jurisprudência, com destaque para a Relação de Évora, entendia que o prazo prescricional das dívidas de custas se contava do termo do prazo do seu pagamento voluntário.[1]
Contudo, com o decorrer do tempo, a jurisprudência foi mudando[2], sendo actualmente dominante a posição de que “o prazo de cinco anos de prescrição do crédito de custas começa a correr com o trânsito em julgado da decisão condenatória, isto é, desde o momento em que é lícito ao Estado promover a sua liquidação.”[3]
Esta foi precisamente a posição assumida pela 1ª instância que, ao constatar que a sentença proferida nos autos já havia transitado em julgado em 11/02/2014 (portanto, sete anos e cinco meses antes da data da elaboração da conta, que foi em 20/12/2021), concluiu – e bem, dizemos nós – que “há muito havia decorrido o prazo de cinco anos, sendo irrelevante a omissão da secretaria judicial referente à elaboração tardia da conta de custas”, finalizando, assim, por considerar prescrito o crédito de custas processuais do Estado.
Este é o entendimento que também sustentamos.
Na verdade, transitada em julgado a sentença, competia à secretaria elaborar a conta, para o que tinha o prazo de 10 dias (artigo 29º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais. Por isso, estava ao inteiro dispor do credor (Estado) a afectação e a organização dos meios aptos ao exercício do direito. É certo que se trata de um prazo meramente indicativo ou ordenador, mas não é admissível que, transitada em julgado a sentença que condenou os AA. no pagamento das custas, a secretaria do Tribunal precise de sete anos, cinco meses e nove dias para elaborar a conta!
Em suma, é a partir do trânsito em julgado que se inicia o prazo de prescrição de cinco anos do crédito de custas, não tendo qualquer influência na respectiva contagem o facto de a secretaria elaborar tardiamente a conta de custas, uma vez que a sua não elaboração não representa uma causa suspensiva da prescrição
Como bem se refere no citado Ac. do STJ de STJ de 17/10/2017 (proc. 203/14.0T8PTG-E.E1.S1), “a prescrição extintiva dos direitos funda-se no decurso do tempo e na duradoura inércia do credor, na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante determinado período de tempo indicado na lei. Essa extinção por negligência do credor em não exercer o seu direito durante um determinado período de tempo – em que seria legítimo esperar que ele o fizesse, nisso estando interessado – justifica-se por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas, que impõem que a inércia prolongada daquele envolva consequências desfavoráveis para o seu exercício tardio, atendendo, nomeadamente, à expectativa do devedor de se considerar liberto do cumprimento”.
É de concluir, pois, que a conta foi elaborada, muito tempo depois de ter decorrido o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 37º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a presente apelação, assim confirmando na íntegra a decisão recorrida.
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Sem custas, dada a isenção de que goza o Recorrente (artigo 4º, nº 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 09/01/2023
Nuno Teixeira
Rosário Gonçalves
Manuel Marques
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[1] Cfr. TRE, Ac. de 16/11/2010 (proc. 84/98.0GTSB.E1) e de 26/02/2013 (proc. 2288/04.9TBFAR-A.E1) e ainda TRC, Ac. de 07/06/2017 (proc. 1825/03.0PBL.RA.C1), todos publicados em www.dgsi.pt.
[2] Mudança essa ocorrida igualmente na Relação de Évora com o Ac. de 11/05/2017 (proc. 203/14.0T8PTG-E.E1), que decidiu que “o prazo de prescrição do crédito de custas é de cinco anos e conta-se nos termos do nº 3 [rectius nº 4] do artigo 306 do Código Civil.” Tal aresto veio a ser confirmado no STJ por Ac. de 17/10/2017 (proc. 203/14.0T8PTG-E.E1.S1), que concluiu assim: “Nos termos do nºs 1 e 4 do art.º 306º do Código Civil, o prazo de cinco anos de prescrição de créditos de custas (art.º 37º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais) começa a correr: (i) “quando o direito de crédito puder ser exercido”, ou seja, desde que, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, ao credor Estado “seja lícito promover a liquidação”; (ii) desde que sejam notificadas a conta com o apuramento do resultado líquido desse crédito, sem reclamação do devedor, ou a decisão sobre tal reclamação, passada em julgado.”
[3] Cfr. TRE, Ac. de 27/01/2022 (proc. 852/12.1TBPTM-A.E1), publicado em www.direitoemdia.pt.