Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
548/12.4TTALM-E.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: INCIDENTE
LIQUIDAÇÃO
SALÁRIOS DE TRAMITAÇÃO
PAGAMENTO
SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: O pagamento de salários de tramitação pela segurança social, nos termos do art.º 98-N.º, do CPT, deve ser determinado na sentença que declare ilícito o despedimento, sendo extemporânea a sua discussão em momento posterior, nomeadamente em incidente de liquidação.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


A) Requerente/Recorrido: AAA
Executada/Recorrente: BBB, Ld.ª,

O requerente deduziu incidente de liquidação alegando que o montante relativo a retribuições, subsídio de férias e de Natal vencidos entre a data do despedimento, em 25.06.2012, e a do trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal, em 29.09.2015, deduzidas as quantias auferidas pelo requerente a título de subsídio de desemprego, acrescido de juros de mora desde a data de constituição de cada uma das parcelas até integral pagamento, à taxa legal que se mostra fixada em 4% ao ano, ascende a € 110.919,17.

A requerida contestou, alegando que nos termos do disposto no 98.º-N, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, a responsabilidade pelo pagamento das retribuições intercalares cabe à Segurança Social, não sendo a requerida responsável no tocante ao pedido de liquidação dos salários intercalares, com a consequente absolvição desta do pedido contra si formulado a este título.

O Tribunal proferiu saneador sentença em que julgou o incidente procedente por provado e liquidou o montante a pagar pela requerida BBB, Ld.ª ao requerente AAA no valor de € 110.919,17
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Inconformada, a requerida apelou para esta Relação, concluindo:
1. O recurso tem por objecto a sentença que julgou “o incidente de liquidação procedente por provado e, em consequência, liquida-se o montante a pagar pela requerida BBB, Ld.ª ao requerente AAA no valor de € 110.919,17 (cento e dez mil, novecentos e dezanove euros e dezassete cêntimos) ”.
2. Não pode conformar-se com a sentença (que não atendeu) aos argumentos por si expendidos nomeadamente no tocante à interpretação e aplicação do disposto no artigo 98.º-N do Código de Processo de Trabalho (CPT).
3. A Requerida, em sede de oposição, impugnou os factos alegados pelo Requerente e, nomeadamente, questionou a eventual existência de outros rendimentos que houvessem sido auferidos pelo Requerente na pendência dos autos, não se tendo o Tribunal a quo pronunciado quanto a esta questão.
4. Donde, e quanto a este ponto, resulta a nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi art.º 1.º do CPT.
5. A sentença proferida nos autos principais liquidou apenas a quantia respeitante à indemnização em substituição da reintegração, tendo resultado ilíquido, quanto ao mais, o decaimento da aqui Requerida.
6. A sentença proferida nos autos principais, além de remeter para liquidação de sentença o apuramento das eventuais quantias a receber pelo Requerente a título de “retribuições, subsídio de férias e de Natal vencidos entre a data do despedimento e a data do trânsito em julgado da presente sentença” determina ainda que da mesma se dê conhecimento ao Instituto de Segurança Social para os fins tidos por convenientes.
7. Estabelece o n.º 1 do artigo 98.º-N do CPT que: “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no art.º 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social”.
8. Prevendo o n.º 3 do art.º 98.º-N do CPT que “A entidade competente da área da segurança social efectua o pagamento ao trabalhador das retribuições referidas no n.º 1 até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento”.
9. A responsabilidade pelo pagamento das retribuições intercalares cabe ao Estado, nos termos destas disposições.
10. Acresce que, não impende sobre a Requerida qualquer ónus de alegar a necessidade de aplicação da norma resultante do disposto no artigo 98.º-N do CPT, não lhe podendo ser imputável a escusa do Tribunal em fazer aplicar e cumprir as normas imperativas vigentes.
11. A lei não prevê a atuação da entidade empregadora sequer como intermediária, não se prevendo qualquer direito de regresso que esta pudesse exercer contra o Estado. Pelo contrário, a previsão legal é claríssima ao estabelecer que a “segurança social efetua o pagamento ao trabalhador”.

12. A responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador desde o despedimento ou desde a data da apresentação do requerimento formulário (consoante este seja, ou não, entregue nos 30 dias subsequentes ao despedimento), cabe em primeiro lugar ao empregador, passa a recair sobre o Estado “após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância” e ressurge na esfera jurídica do empregador após a notificação da decisão de 1.ª instância” – vide acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo n.º 21/10.5TBHRT.L1-4 – disponível para consulta em www.dgsi.pt.

13. Nos autos principais o Tribunal remeteu expressamente para a presente sede de incidente de liquidação de sentença a fim de apurar o quantum referente aos salários intercalares, não obstante tenha ordenado desde logo a notificação da Segurança Social.
14. Somente em sede de liquidação de sentença, considerando os termos da sentença proferida nos autos principais, caberia equacionar e determinar a aplicação – imperativa! – do desiderato vertido no art.º 98.º-N do CPT.
15. Com a sentença dos autos principais, somente estava liquidada a indemnização em substituição da reintegração devida pela entidade patronal, que sempre recairia sobre esta, e não os montantes dos salários intercalares, cuja determinação e responsabilidade seriam decididas somente em sede de incidente de liquidação.
16. Tratando-se de um processo com um regime especial, não se antevê a razão pela qual não seria automática e necessariamente aplicável o disposto no artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho.
17. Deveria, assim, ter o douto Tribunal a quo procedido ao apuramento do quantum das quantias devidas em face da condenação genérica proferida nos autos principais e, de imediato, ter determinado a notificação da Segurança Social nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 98.º-N do Código de Processo do Trabalho, liquidando as quantias devidas pela Segurança Social e pela Requerida em face de tal norma imperativa.
Remata pedindo seja “revogada a sentença recorrida e substituída por outra que, aplicando o disposto no artigo 98.º-N do CPT, determine a notificação da Segurança Social para pagamento das quantias apuradas nos termos e para os efeitos da aludida norma”.
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O recorrido não respondeu.
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A DM do MP emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão, defendendo que a questão já está resolvida na sentença que proferiu a decisão objecto da liquidação, a qual, por transitada, não pode ser alterada.

Não houve resposta ao parecer.

Estando pendente o recurso nesta Relação apresentou a R. cópia de um requerimento do Instituto da Segurança Social apresentado no processo em 9.5.17, invocando o art.º 425 do CPC, data anterior à subida dos autos de liquidação mas posterior às alegações e ao despacho que o mandou subir, no qual o Instituto se dirige à Mm.ª Juiz pedindo “se digne esclarecer se a notificação realizada a este instituto, nos termos e para os efeitos do n.º 2 d0 art.º 390 do Código do Trabalho dá lugar ao pagamento de retribuições intercalares previstas no art.º 98º N.º do Código de Processo do Trabalho”(refere, por evidente lapso de escrita, “Código do Trabalho”). De onde a R. conclui que nem o próprio Instituto põe em causa a sua obrigação de pagar.
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II–Fundamentação.
De acordo com as conclusões das alegações a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal, constituindo assim o objecto do recurso, consiste em saber se cabe à recorrente pagar todos os salários intercalares, considerando os termos da sentença transitada, ou se é a Segurança Social que responde, nos termos pretendidos pela recorrente.
En passant, a recorrente argui a nulidade da decisão recorrida afirmando que "em sede de oposição, impugnou os factos alegados pelo Requerente e, nomeadamente, questionou a eventual existência de outros rendimentos que houvessem sido auferidos pelo Requerente na pendência dos autos, não se tendo o Tribunal a quo pronunciado quanto a esta questão. Donde, e quanto a este ponto, resulta a nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho".
Contudo, a arguição de nulidades em processo laboral tem regras específicas, devendo ser feita "expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso" (art.º 77, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).
Ora, a R. não procede a esta arguição expressa e separadamente. Com efeito, apenas o fez nas alegações de recurso, sem nada a distinguir do restante objeto da impugnação. E fê-lo também na parte destinada ao Tribunal de recurso apreciar (o que se depreende que acontece a partir do titulo "das alegações de recurso", dado que a R. formalmente dirigiu-se apenas ao Sr. Juiz a quo,apenas a final se dirigindo ao Tribunal ad quem),não reservando requerimento especialmente dirigido ao Juiz a quo, que não tem obrigação de ler e apreciar as alegações de recurso.
Destarte, é extemporâneo, pelo que não cabe conhecer desta parte.
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Factos provados:

1) Por sentença proferida nos autos principais, transitada em julgado em 29.09.2015, foi a requerida condenada a:
“(…) 4) Mais, condeno a entidade empregadora no pagamento ao trabalhador, da quantia que se apurar em liquidação de sentença, relativa a retribuições, subsídio de férias e de Natal vencidos entre a data do despedimento e data do trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas das quantias pelo trabalhador auferidas a título de subsídio de desemprego, acrescido de juros de mora desde a data de constituição de cada uma das parcelas até integral pagamento, à taxa legal que se mostra fixada em 4% ano.
(…)
Dê conhecimento ao ISSS para os fins tidos por convenientes, nomeadamente o artigo 390.º, n.º 2, al. c) do Código do Trabalho”.
2) No período compreendido entre 24.07.2012 a 23.01.2013, foi concedido subsídio de desemprego, no valor diário de € 34,94 (trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos), no total de € 6.289,20 (seis mil, duzentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos), e no período de 24.01.2013 a 08.02.2015, no valor diário de € 31,45 (trinta e um euros e quarenta e cinco cêntimos), no total de € 23.115,75 (vinte e três mil cento e quinze euros e setenta e cinco cêntimos), não se encontrando a receber prestações de desemprego em 25.08.2015.
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De Direito
Para a melhor circunscrição dos termos da questão é conveniente transcrever, no essencial, os termos que o Tribunal a quo invocou no saneador sentença, para decidir, a saber:

“Vem a requerida invocar que, nos termos do disposto no art.º 98.º-N, n.º 1 do CPT, a responsabilidade pelo pagamento das retribuições intercalares cabe à Segurança Social, não sendo a Requerida responsável no tocante ao pedido de liquidação dos salários intercalares, com a consequente absolvição desta do pedido contra si formulado a este título.
Vejamos. Dispõe o artigo 98.º-N, n.º 1 do C.P.T:
“1- Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social”.
Propugna Susana Cristina Mendes Santos Martins da Silveira, in “A Nova Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento”,Revista Julgar,n.º 15,2011,págs. 7 e 8:
“Inova o diploma adjectivo laboral ao prever, no art.º 98.º-N, n.º 1, e sem prejuízo das deduções previstas no art. 390.º, n.º 2, do CT, que na decisão em 1.ª instância que julgue ilícito o despedimento, o tribunal determine que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do requerimento formulário até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social. É ao tribunal que compete determinar aquele pagamento, sendo certo que, em ordem à contagem daquele período de 12 meses, se lhe imporá o apuramento dos períodos que se excluem daquela contagem (art.º 98.º-O). O pagamento, ao trabalhador, das retribuições mencionadas naquele n.º 1, do art.º 98.º- N, tem lugar até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento (art.º 98.º-N, n.º 3), o que tem a virtualidade de poupar o trabalhador à propositura de processo executivo tendente à cobrança dos créditos que seja titular — em caso de incumprimento da sentença pelo empregador —, compreendidos, claro está, no período legalmente previsto.”
Ora, atenta a interpretação literal da expressamente previsto no art.º 98.º-N, n.º 1 do CPT, terá de ser o tribunal a determinar, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social, competindo ao tribunal determinar esse pagamento e apurar os períodos que se excluem daquela contagem.
Não tendo o tribunal na sentença determinado tal pagamento das retribuições intercalares devidas ao trabalhador pela segurança social, e tendo tal sentença transitado em julgado, não poderá agora, nesta sede, a requerida vir invocar a aplicação de tal norma, por não ser a sede própria, sendo que o deveria ter feito e invocado em sede de recurso da sentença proferida nos autos principais.
Ora, não o tendo feito, e transitada em julgado a sentença que determinou e condenou a requerida nesse pagamento, nada mais há determinar nesse sentido, motivo pelo qual improcede a defesa trazida pela requerida, sendo esta responsável pelo pagamento ao requerente das retribuições intercalares”.
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Está em causa o pagamento dos salários de tramitação ou intercalares, previstos no art.º 390 do CT, cujo n.º 1 determina que “sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”.

A quem cabe efectuar tal pagamento?
Até 2009 a resposta era unívoca e elementar: ao empregador condenado pelo despedimento ilícito.
Contudo, em 2009 o Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que alterou o código de processo do trabalho, aditou-lhe designadamente o art.º 98-N.º do CPT, sob a epígrafe “Pagamento de retribuições intercalares pelo Estado”, que dispõe:

1- Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efectuado pela entidade competente da área da segurança social.
2- A entidade competente da área da segurança social é sempre notificada da decisão referida no número anterior, da interposição de recurso da decisão que declare a ilicitude do despedimento, bem como da decisão proferida em sede de recurso.
3- A entidade competente da área da segurança social efectua o pagamento ao trabalhador das retribuições referidas no n.º 1 até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
4- A dotação orçamental para suportar os encargos financeiros da entidade competente da área da segurança social decorrentes do n.º 1 é inscrita anualmente no Orçamento do Estado, em rubrica própria.

Atualmente a responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador até ao decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C do CPT é também clara: é ao mesmo empregador condenado. A questão põe-se decorridos esses 12 meses e até à notificação da decisão de 1.ª instância. É o empregador? É a segurança social?

Mas ainda há um terceiro segmento em que a questão pode ser posta: a quem cabe a responsabilidade pelo pagamento dos salários intercalares após a sentença da 1ª instância? É que, recorrendo a R., a sentença condenatória em 1ª instância não transita senão quando o Tribunal superior decide em definitivo. E, naturalmente, a ser outrossim condenatória a decisão deste último, os salários de tramitação são devidos até ao trânsito da decisão final. Pois bem. Não prevendo a lei outro responsável, necessariamente responde pelo seu pagamento o empregador condenado (neste sentido cfr. ac. da RP de 23.11.2011, disponível in www.dgsi.pt, como todos os infra citados sem menção da fonte: “A responsabilidade pelo pagamento das retribuições devidas ao trabalhador desde o despedimento ou desde a data da apresentação do requerimento formulário (consoante este seja, ou não, entregue nos 30 dias subsequentes ao despedimento), cabe em primeiro lugar ao empregador, passa a recair sobre o Estado “após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º -C até à notificação da decisão de 1.ª instância” e ressurge na esfera jurídica do empregador após a notificação da decisão de 1.ª instância.)”. 

Daqui já resulta com meridiana clareza que o responsável primário pelo pagamento dos salários de tramitação é e sempre foi o empregador, o que é, aliás, justo, porquanto é uma sua conduta contrária ao dever ser jurídico-laboral – o despedimento ilícito – que dá origem à indevida cessação do pagamento das retribuições (não tomamos agora posição, por indiferente ao caso, sobre se o pagamento das retribuições é uma consequência da ilicitude/invalidade do despedimento ou um corolário do dever de indemnizar por lucros cessantes, restituindo o trabalhador à situação em que estaria não fora o mesmo); quando, mais adiante, se apura que estas são devidas o empregador não está a fazer mais do que a repor aquilo que deve. A alteração de 2009, através da qual a lei se propôs instituir a partilha de alguns custos, fundada na ideia de que certas delongas da tramitação do processo não serão imputáveis ao empregador (atente-se que a Comissão do Livro Branco das Relações Laborais [CLBRL], criada pela resolução do conselho de ministros n.º 160/2006, DR, 1ª Série, de 30.11.2006, propôs esta alteração, defendeu que “pelo menos nos casos em que o despedimento tenha sido fundado num comportamento ilícito do trabalhador, comprovado em tribunal, mas que este não considerou suficientemente grave para justificar a cessação do contrato (…) o Estado assuma, no todo ou em parte, os custos que possam ser associados à excessiva demora na conclusão da acção judicial” – apud. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 4ª ed., 2017, pag. 497), não é a regra mas a especialidade nesta área.

Outro ponto interessante no mesmo sentido é este: a intervenção da Segurança Social está prevista no âmbito da ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a qual supõe a comunicação por escrito do despedimento ao trabalhador (art.º 98-C, n.º 1, CPT). Mas acontece não raras vezes empregadores resolverem verbalmente o contrato, e até sem nada dizer ao trabalhador. Nestes casos o responsável pelos salários de tramitação é sempre e só o empregador.
Mas também se excluem despedimento colectivos ilícitos, mesmo que com decisão final comunicada por escrito, que não está prevista no art.º 98-C, CPT (convergindo, por todos, Furtado Martins, op. cit. 498).
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O art.º 390, n.º 2, do Código do Trabalho, prevê que em certas situações descontar-se-ão determinadas verbas ao trabalhador:

2- Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a)-As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b)-A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c)-O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social”.

A R. invoca exatamente no recurso que quis discutir a existência de quantias a deduzir (vide conclusão n.º 3), e insurge-se porque, em sede de liquidação, tal não lhe foi permitido fazer.

Naturalmente que alguém terá de alegar e provar, vg. que o trabalhador recebeu importâncias com a cessação do contrato que não receberia se não fosse o despedimento, só assim se podendo operar a compensatio lucri cum dano. E esse alguém, nos termos do disposto no art.º 342, n.º 2, do Código Civil, é necessariamente o R., a quem aproveita uma tal decisão.

E onde é que lhe cabe alegar e provar tal: em liquidação de sentença? No processo principal?
É claro que as mais das vezes não há liquidação de sentença, e, portanto, é óbvio que a questão terá de ser suscitada no processo antes da prolação da sentença e decidida nesta.

Não sendo suscitada, não cabe ao Tribunal decidi-la ex oficio ou remeter a decisão para diante.

A própria história do regime na parte da dedução destas quantias já milita nesse sentido. Com efeito, inicialmente a lei (DL 375-A/75, de 16 de julho) não previa, pura e simplesmente tais deduções, apenas mudando o regime com o DL 64 - A/89, de 27 de fevereiro, que dispunha no art.º 13.º, que da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, se deduzem: “os montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data de propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento”;o montante das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.” (n.º 2, alíneas a) e b)). E tal manteve-se no Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003, de 22 de Dezembro, cujo art.º 437.º dispunha em termos similares ao actual art.º 390.

Ou seja: cabe ao empregador alegar e provar tais recebimentos.
E onde? Necessariamente na acção declarativa onde se discute a licitude do despedimento. De resto, como vimos, pode não haver liquidação adiante, ou qualquer outro incidente razoável na economia processual, e portanto nenhum sentido teria pretender que é mais a jusante que tal será discutido (convergindo, veja-se por todos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/11/2015: “para poder beneficiar das deduções a que se refere o art.º 437º CT/2003 e que digam respeito aos rendimentos auferidos desde o despedimento até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento da acção declarativa, a entidade empregadora tem de alegar e provar tal matéria nessa mesma acção declarativa”.

Isto releva porque se trata de casos paralelos (sendo certo que, como vimos, a R. até trouxe à colação que quis discutir em sede de liquidação possíveis deduções) com o que em especial se debate, a saber, se é possível discutir agora, no âmbito da liquidação de sentença, a responsabilidade da segurança social.

Face ao exposto temos de concluir que não. Não interessa saber se o Tribunal deveria ex ofício determinar tal pagamento pelo segurança social na sentença; o que interessa é que não o fez e a R. conformou-se, tendo a mesma transitado. Repare-se ainda que o n.º 1 do art.º 98-N.º do CPT afirma expressamente que “o tribunal determina, na decisão em 1ª instancia que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses … até à notificação da decisão em 1ª instância seja efectuada pela entidade competente na área da segurança social” (sublinhado nosso).

Nem se diga que o Instituto não contestou a responsabilidade no pagamento. O Instituto limitou-se a pedir uma informação (“se digne esclarecer se a notificação realizada a este instituto … dá lugar ao pagamento de retribuições intercalares previstas no art.º 98º N.º do Código de Processo do Trabalho), relativa à sua eventual responsabilidade, não vindo assumir responsabilidade nenhuma (e de resto, “fiat jus pereat mundus”, o que importa é o que resulta do Direito e não de meras posturas ou posições, que, no caso, como se viu, nem existem).

E a sentença limitou-se a comunicar à segurança social para efeitos do art.º 390/2/c do Código do Trabalho, o que se prende com o pagamento de subsidio de desemprego.

Em suma: é extemporâneo o levantamento da questão da responsabilidade da segurança social pelo pagamento de salários intercalares em sede de incidente de liquidação.
Pelo que improcede o recurso.
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III. Decisão.
Termos em que o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida 
Custas do recurso pela recorrente.


Lisboa, 22 de novembro de 2017


Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega