Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1005/13.7PASNT.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: ARMA
ARMA PROIBIDA
REINCIDÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - A navalha, constituindo um objecto cortante, é considerada, de acordo com a definição constante do art. 4.º do DL n.º 48/95 de 15/3, que não foi revogado, uma arma para efeitos do disposto no Código Penal, designadamente para preenchimento da qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º.

II - A reincidência não é um efeito automático das condenações anteriores, tendo de assentar em factos concretos, dos quais se possa concluir que o agente do crime não sentiu a advertência contida na anterior condenação, não bastando, conforme jurisprudência corrente do STJ, a menção, como facto provado, de que “a condenação ou condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime” ou outra fórmula semelhante, por se tratar de uma afirmação meramente conclusiva, reproduzindo o texto legal.

III - Sendo certo que tais factos concretos devem constar da acusação, para que o tribunal de julgamento os possa relevar. Não constando eles da acusação não pode o arguido ser considerado reincidente.

IV - A insuficiência de factos torna a acusação, quanto à questão da reincidência, manifestamente infundada, nos termos da al. d) do n.º 3 do art. 311.º do CPP, com a consequente revogação do acórdão recorrido por a ter julgado procedente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

1. No âmbito do Proc. n.º 1005/13.7PASNT, a correr termos pelo Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra – 1.ª secção – Juiz 3, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido FD..., solteiro, nascido em 30/3/93, na freguesia da Brandoa, Amadora, filho de (…), residente na Rua (…), Amadora, actualmente preso preventivamente à ordem destes autos, acusado da prática, como autor material, de um crime de roubo qualificado,  p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. f), do CP.

O Ministério Público requereu, ainda, a condenação do arguido como reincidente e fundamentou pretensão no sentido de se proceder à recolha da amostra de ADN ao arguido, nos termos do disposto no art. 8º, nº 3 da Lei 5/2008 de 12 de Fevereiro, no caso de o mesmo ser condenado com pena concreta de prisão igual ou superior a 3 anos.

2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida decisão condenando o arguido pela prática do crime pelo qual estava acusado, como reincidente, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão.

3. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido.

4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 385 dos autos.

5. O Magistrado do Ministério Público na 1.ª instância apresentou resposta, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento e, em consequência, mantida a decisão recorrida.

6. Nesta Relação, o Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP, suscitando como questão prévia que fosse dirigido convite ao recorrente para aperfeiçoar as conclusões por as mesmas não conterem um resumo das razões do pedido, sob pena de rejeição do recurso, sem prejuízo de, a final, em total adesão à posição do MP na 1.ª instância, dever ser julgado improcedente o recurso.

7. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, nada tendo sido dito.

8. Por despacho proferido, em 7/8/2014, pelo Exm.º Desembargador de turno, foi o recorrente convidado a apresentar uma motivação aperfeiçoada, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.

9. Em face do convite que lhe foi dirigido veio o arguido/recorrente apresentar a motivação aperfeiçoada, que consta de fls. 480 a 538, da qual extrai as seguintes (transcritas) conclusões:

“A. 0 Acórdão recorrido VIOLOU o Principio do In dubio pro Reo e padece do vicio previsto na alínea c) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P.

B. 0 Acórdão recorrido padece do vicio constante na alínea c) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P. porquanto considerou como provados os factos constantes nos pontos 2) , 3), 4), 5), 6) e 7) sem que exista um meio de prova colhido em Audiência de Julgamento , seja testemunhal, seja documental, que sustente e demonstre tais factos.

C. 0 que configura o vicio de erro notório na apreciação da prova, porquanto o Julgador apenas possui versões contraditórias sobre o que efectivamente aconteceu no dia 20.11.2013, dadas por quem tem interesse na decisão da causa - Arguido e Ofendido - o que não lhe permite, em sede de apreciação da prova, firmar a convicção, sem qualquer margem de dúvida, atento o Principio do in dúbio pro reo, que a versão do Ofendido corresponde á verdade dos factos em detrimento da dada pelo Arguido.

D. Em sede de Julgamento o Arguido requereu ao abrigo do 304° do C.P.P. que fosse ouvida como testemunha: R… ( cfr. Fls. 199 a 200) , a qual estava referenciada como tendo estado presente aquando do encontro ocorrido entre o T… e o FD….

E. 0 Tribunal diligenciou na localização da testemunha através da autoridade policial, mas esta diligência não é suficiente, a PSP limitou-se a deslocar-se à Rua  (…)o (cfr. fls 107 dos Autos ) onde soube pela mãe da testemunhas que este já não residia naquela morada , mas que tinha residência na área do Cacém em morada que a mesma não soube fornecer.

F. Não investigou pela redondezas e perante as pessoas referenciadas quer pelo Arguido quer pelo ofendido se alguma conhecia o paradeiro do R…, não investigou junto dos cafés da zona o seu paradeiro ou inclusive no café referenciado nos Autos, não procurou se o mesmo não estaria detido em algum estabelecimento prisional.

G. Muitas outras diligências se impunham, tanto mais que veja-se o caso da testemunha N… de alcunha "x…" que a fls. 207 dos Autos apurou-se que este estava detido no Estabelecimento Prisional de Caxias, isto, à data da realização do Julgamento.

H. A audição destas testemunhas assume relevância para a descoberta da verdade material, porquanto apesar de não ter tido intervenção nos factos, a mesma estava no local e a sua audição permitiria verificar qual das versões dadas ao Tribunal sobre os factos ocorridos em 20.09.2013 correspondia à verdadeira.

I. Consequentemente, os factos constantes dos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7), insertos na matéria de facto provada do Acórdão recorrido, devem ser dados por não provados pois a única prova que existe são as versões contraditórias dos factos dadas por Ofendido e Arguido, não tendo sido ouvida em Julgamento nenhuma testemunha.

J. Nesse sentido afira-se as Declarações prestadas pelo Ofendido T…, cujo depoimento foi gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal e registado na Acta de fls.... referente à sessão de Julgamento de 08.04.2014, em CD com início às 14:48:14 até às 15:01:19, em concreto o depoimento registado nesse CD da rotação 00.04.05 à rotação 00.04.10 e da rotação 00.04.58 à rotação 00.6.16.

K. De onde se conclui que o Ofendido não sabe descrever que objecto lhe foi apontado pois refere umas vezes ter sido uma faca e outras vezes uma navalha.

L. De igual modo "faca" e "navalha" são termos conclusivos não tendo o ofendido descrito o objecto em causa que nos permita qualificar como sendo uma navalho ou uma faca, o que gera a dúvida e gerando a duvida atento o principio do in dubio pro reo não pode ser dado como provado que ao ofendido o Arguido apontou uma navalha.

M. E era possível descrever o objecto uma vez que o Ofendido no depoimento gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal e registado na Acta de fls.... referente à sessão de Julgamento de 08.04.2014, em CD com início às 14:48:14 até às 15:01:19, em concreto o depoimento registado nesse CD da rotação 00.05.40 à rotação 00.05.52, o T... diz que a dita "navalha" lhe foi apontada de frente.

N. Na senda dos mais elementares princípios Constitucionais e Legais de Defesa do Arguido , para que fosse aplicada a presente condenação pela prática do tipo legal de crime p.p. no artigo 210° do Código , impunha-se que o Tribunal a quo tivesse recolhido elementos de prova suficientes que corroborassem a versão dada pelo Ofendido.

0. 0 Tribunal a quo a condenou o Jovem FD... única e exclusivamente nas declarações do ofendido Tiago, que não foram confirmadas por nenhum outro elemento de prova.

P. Existindo nos Autos versões contraditórias sobre os factos, sendo essas versões de pessoas interessadas no desfecho do processo, ou seja Arguido e ofendido, mandam os princípios basilares garantidos pela Constituição e pela Lei que se aplique a doutrina do In dubio pro Reo.

Q. Pois o Julgador não tem como demonstrar, factualmente, por que uma das versões é mais credível que a outra.

R. 0 Tribunal a quo negou ao Arguido a aplicação de um Direito fundamental consagrado na Constituição da Republica Portuguesa e na Lei, a aplicação do principio do In dubio pro reo.

S. 0 princípio do in dúbio pro reo é um corolário do princípio da presunção de inocência do arguido plasmado no art.32° n° 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo valor fundamental de um verdadeiro processo equitativo.

T. Conclui-se assim, que o Acórdão recorrido ao dar como provados os factos constantes nos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) , insertos na matéria de facto provada do Acórdão recorrido, violou o Principio do In dubio pro Reo , uma vez que não existe a certeza para além da duvida que credibilize a versão do Ofendido em detrimento da dado pelo Arguido, não possuindo o Tribunal a quo quaisquer factos que lhe permitam firmar uma "certeza" jurídico-penal de que o Ofendido falou a verdade.

U. Conclui-se de igual modo, no entendimento do Arguido que ocorreu o vicio previsto na alínea c) do n° 2 do artigo 410º do C.P.P., quando o Acórdão recorrido deu como provados os factos vertidos nos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) porquanto existe um vício de raciocínio na apreciação das provas, o qual se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.

V. Ora, da análise dos factos existentes nos Autos e dos factos produzidos em sede de Julgamento é evidente para o homem médio que com relação aos factos vertidos nos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) se deu como provado o que não se sabe se verdadeiramente aconteceu, uma vez que ninguém afirma que estes ocorreram desta forma.

W. Em suma se conclui que os factos vertidos nos pontos 2),3),4),5) 6) e 7) tem de ser dados como não provados em face das conclusões supra elencadas.

X. Entende o Arguido que foi ainda violado pelo Tribunal a quo o Principio da Investigação e da Descoberta da Verdade Material por não ter promovido a audição das testemunhas Ruben André e Nuno Sousa na sessão de Julgamento, como se impunha, violando com esta conduta, as mais elementares garantias Constitucionais e legais de Defesa do Arguido consagradas no artigo 20° e 32° ambos da C.R.P.

Y. 0 Acórdão recorrido padece do vicio contante da alínea a) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P. - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -, porquanto o Tribunal a quo decidiu dar como demonstrado nos pontos 2) ,3) e 6) da matéria de facto, dada como assente do Acorda recorrido, existência de uma arma, em concreto concluiu pela existência de uma navalha, sem que conste da matéria de facto provada, elementos descritivos do objecto em causa para que o Julqador possa concluir que está perante um canivete, uma navalha, uma faca ou seja perante uma arma em termos jurídico-penal.

Z. Não existindo factos descritivos do objecto em causa na matéria de facto dada como provada o Tribunal não consegue emitir uma decisão no sentido de concluir pela existência de uma arma, arma essa que seria uma navalha e que foi este o concreto objecto usado para "coagir" ou "amedrontar" o ofendido e desta feita proferir a decisão final no sentido de considerar preenchidos os elementos do tipo do crime de roubo.

AA. O Tribunal a quo, atento o disposto no artigo 412°, n° 2 do C.P.P., violou a Lei 5/2000 de 23 de Fevereiro, quando qualificou o objecto mencionado pelo ofendido como "arma" ao abrigo do artigo 4° do D.L. 48/95 de 15/03, porquanto à data dos factos era a Lei 5/2000 que se aplicava e não o D.L. n° 48/95 de 15/03, o qual não se encontrava em vigor.

BB. Violou o Acórdão recorrido, atento o disposto na alínea c) do n° 2 do artigo 412° do C.P.P., o disposto no artigo 1° da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, porquanto de acordo com o constante nessa norma é a Lei 5/2000 de 23 de Fevereiro que estabelece o regime jurídico relativo ao uso e porte de armas para efeitos jurídico-penais e não o D.L: 48/95 de 15/03.

CC. Consequentemente é dentro do enquadramento jurídico da lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, em concreto dentro do enquadramento do artigo 2° deste diploma legal que o Tribunal a quo tem de aferir se o objecto em causa nos Autos é ou não uma "arma" e não, como o fez no Acórdão recorrido, socorrendo-se do artigo 4° do D.L. 48/95 de 15/03 .

DD. Violou, desta feita, o Acórdão recorrido, atento o disposto na alínea c) do n° 2 do artigo 412° do C.P.P., o artigo 2° da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, porquanto é dentro desta norma jurídica e perante a descrição concreta do objecto usado nos Autos que o Tribunal a quo tem de encontrar a qualificação jurídica da "arma" usada.

EE. Porém, como o Tribunal a quo não logrou dar como provados os factos descritivos do objecto que alegadamente foi usado, é impossível apurar se o mesmo é uma arma branca para efeitos da alínea m) do n° 1 do artigo 2° da Lei 52/2006 de 23 de Fevereiro, se é uma faca para efeitos das alíneas au), av), ax) da mesma norma, ou mesmo se estamos perante uma "arma"

FF. Inexistindo na matéria de facto provada tais elementos de facto o Tribunal a quo não pode dar como Provado que o Arguido empunhou um canivete e muito menos pode concluir que está perante uma arma para efeitos jurídico-penais.

GG. Não tendo esta matéria de facto resultado provada não pode o Tribunal concluir que o objecto empunhado pelo Arguido teria «potencial de superioridade de ataque que uma arma «propicia e a consequente diminuição da defesa da vitima tem de enfrentar conduz, por força de técnica remissiva a um agravamento da responsabilidade criminal do agente»

HH. Consequentemente, não pode constar da matéria de facto provada, no caso concreto alude-­se aos pontos 2) ,3) e 6) da matéria de facto dada como assente no Acórdão recorrido, que o Arguido estava munido de uma "navalha".

II. Atento o disposto nos artigos 1° e 2° da Lei 52/2006 de 23 de Fevereiro não é possível dar como provados os factos constantes nos pontos 2), 3) e 6) da matéria de facto inserta no Acórdão recorrido, porquanto o dito objecto não pode ser qualificado como arma em termos jurídico-penais e desta forma considerado apto a causar receio pela vida e integridade física ao ofendido.

JJ. Apenas se apurou que foi usado um objecto cujas características e descrição são desconhecidas.

KK. No entendimento do Recorrente o Acórdão recorrido, para efeitos da aplicação do regime da reincidência, decorrente dos artigos 75º e 76° do C.P., padece do vicio constante na alínea a) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P., porquanto não consta da matéria de facto provada uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva pelo arguido se explica por ele não ter interiorizado a admonição contra o crime ínsita na anterior, e apesar disso o Acórdão recorrido concluí, na decisão, que a condenação anterior não serviu de advertência suficiente contra o crime

LL. Afirmar, pura e simplesmente, no Acórdão recorrido, que condenação anterior não serviu de advertência suficiente contra o crime é utilizar uma expressão conclusiva que se atinqe sem que para tal existam factos que infirmem essa conclusão.

MM. Atento o disposto no artigo 412°, n° 2 alínea a) e b) do C.P.P. o Acórdão recorrido, de igual modo, violou as normas decorrentes dos artigos 75° e 76° do Código Penal, relativas à aplicação do Instituto da reincidência, porquanto aplicou ao Arguido o regime da reincidência assente num juízo baseado única e exclusivamente no que consta do seu certificado de registo criminal.

NN. Entende o Recorrente que é essencial para a aplicação do regime decorrente dos artigos 75° e 76° do C.P., normas jurídicas que conduzem á aplicação do regime da reincidência, existência de averiguação de matéria de facto, com respeito ao principio do contraditório, demonstrativa de que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para que o Arguido não continue a delinquir, não se podendo alcançar a interpretação destas normas com um juízo baseado única e exclusivamente no que consta no certificado do registo criminal do Arguido, que foi o que o Tribunal " a quo " fez.

OO. Este é o fundamento pelo qual o Recorrente para efeitos do disposto no n° 2 do artigo 412° do C.P.P. entende que o Acórdão recorrido violou as normas jurídicas do artigo 75° e 76° do C.P., uma vez que não as interpretou devidamente ao aplicar no presente caso o regime da reincidência socorrendo-se exclusivamente dos factos plasmados no registo criminal do Arguido.

PP. Para efeitos do disposto no artigo 412°, n° 2 do C.P.P., entende o Arguido/Recorrente que o Acórdão sub judicie violou o Decreto- Lei n° 401/82 de 23 de Setembro e violou o comando do artigo 9º do C.P., porquanto tendo o FD... 20 anos à data da prática dos factos, o mesmo é abrangido por esta norma legal e consequentemente deve-lhe ser aplicado o regime especial para jovens.

QQ. Ou seja, é-lhe aplicado o D.L. 401/82 de 23 de Setembro, sendo esta a correcta interpretação do artigo 9° do C.P.

RR. Dentro deste Decreto-Lei, deve ser aplicado o disposto no artigo 4° do D.L. 40/82 de 23 de Setembro, em virtude de existirem factos dados como provados, nomeadamente os factos vertidos nos pontos 2. a 18 da matéria de facto provada inserta no Acórdão sub judicie, que justificam a vantagem de aplicação de uma pena atenuada nos moldes preconizados pelo Relatório Social , de onde resultam evidentes vantagens para a reinserção social do Arguido.

SS. O que contraria a posição assumida pelo Tribunal a quo que pugna pela não suspensão da pena na sua execução e pela não aplicabilidade do regime contido no artigo 4° do D.L. 401/82 de 23 de Setembro, fundando a sua convicção nos factos plasmados no registo criminal do Arguido e não porque tenha apurado factos concretos que demonstrem a simples ameaça da pena de prisão já não será suficiente para alcançar as finalidades de punição e de ressocialização em liberdade do Arguido.

TT. Não se pode deixar de considerar manifestamente exagerada e violadora dos princípios orientadores das medidas da Pena previstos nos artigos 71 ° e ss. do Código Penal, a pena de prisão de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva a um Arguido que é um jovem e para o qual de deve promover a sua adequada reabilitação e inserção social.

UU. Na aplicação da concreta pena fixada no Acórdão recorrido, o Tribunal " a quo" deu_ maior relevo à prevenção geral, olvidando por completo prevenção especial e desta forma pouco parece importar o que sucede ao Arguido, à pessoa em concreto, que é tratado, no fundo, enquanto exemplo para os demais.

VV. 0 artigo 71 ° do C.P. traz em si subjacente a temática dos fins das penas que hoje só faz sentido numa lógica de prevenção, coexistindo a prevenção qeral e a prevenção especial.

WW. Assim, defende o Arguido/Recorrente que a boa aplicação do artigo 71° do C.P. , de molde a acautelar os fins de prevenção geral e os de prevenção especial satisfaz-se com a aplicação ao Arguido do regime de prisão domiciliária sujeito ao reqime de tratamento e acompanhamento fixado no Relatório social, em detrimento do regime de prisão efectiva em estabelecimento prisional.

XX. Violou o Acórdão recorrido do preceituado no artigo 40° do Código Penal uma vez que a pena que lhe foi aplicada ultrapassa a culpa do agente.

YY. Tendo sido dado como provados os factos contidos nos pontos 2) a 18) da matéria assente do Acórdão Recorrido, estes factos, na interpretação que o Arguido faz da aplicação da doutrina plasmada no artigo 40° do C.P., diminuem a culpa do Arguido.

ZZ. Esta factualidade relevante não foi devidamente tida em conta para efeitos de diminuição da culpa e consequentemente para a fixação da pena, resultando desta feita na aplicação de uma pena superior à culpa do Arguido, razão pela qual, entende o Recorrente, que o Acórdão recorrido violou o n° 2 do artigo 40° do C.P.

AAA. A norma que se crê ainda violada pelo Tribunal a quo na sua decisão é o artigo 18°, número 2 da CRP que encerra outro princípio fundamental do Direito Penal Português: o princípio da necessidade da pena.

BBB. Isto porque no entendimento do Arguido o Tribunal a quo não fez acompanhar a sua decisão de critérios de proporcionalidade.

CCC. A pena de 4 anos e 3 meses em estabelecimento prisional é desnecessária porquanto a pena aplicada em regime de prisão domiciliária é igualmente efectiva e, não obstante, menos restritiva do direito de liberdade.

DDD. No respeitante à prevenção especial, 4 anos e 3 meses em prisão domiciliaria sujeito ao regime de acompanhamento psicoterapêutico seriam o suficiente para o Arguido não reincidir, por ser uma pessoa sensível e com potencialidades para que a terapêutica tenha resultados positivos.

EEE. Por outro lado, esta pena aumentaria as hipóteses do Arguido ainda poder viver em liberdade, gozando do seu direito, o que significaria, igualmente, a sua ressocialização.

FFF. Pelo exposto, o Acórdão recorrido viola o princípio da necessidade da pena.

               
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação do douto Acórdão recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro considerando procedentes os vícios e as violações das normas jurídicas invocadas e consequentemente determine a ABSOLVIÇÃO do Recorrente pela prática dos crime p. e p. no artiqo 210° do C.P. , atento o não preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do crimes previstos nas normas referidas Ou em alternativa, apenas perante a improcedência das violações das normas jurídicas aqui suscitadas , seja proferida decisão que determine a aplicação ao Arguido da pena de prisão em regime domiciliário sujeito ao acompanhamento psicoterapêutico nos moldes preconizados no Relatório Social.

                                                  Só assim se fará Justiça!”

10. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 5 do art. 417.º do CPP.

11. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP).

Assim sendo, as questões a apreciar por este Tribunal ad quem são:

- O vício constante da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP e a violação do princípio in dubio pro reo;

- O vício constante da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP e a não aplicação do regime legal constante da Lei n.º 5/2006 de 23/2;

- a violação por parte do acórdão recorrido dos arts. 75.° e 76.° do CP;

- a violação do disposto no regime dos jovens delinquentes;

- a medida da pena de prisão, a qual no entender do recorrente é exagerada e violadora do disposto nos arts. 40.º e 71.º e ss. do CP e art. 18.º, n.º 2, da CRP;

- a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão;

- a aplicação ao arguido do regime de prisão domiciliária sujeito a  acompanhamento psicoterapêutico.

2. A decisão recorrida

No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1.  No dia 20 de Setembro de 2013, pelas 21h15m, o arguido, que se encontrava acompanhado de dois indivíduos de identidade não concretamente apurada, visualizou o ofendido T… que se encontrava junto ao Café "y…" sito (…) em Queluz, com a sua bicicleta de marca BTWIN, modelo BMX, com o n.º de quadro 9J1 081 02, com o valor de €150,00, tendo logo formulado o propósito de o abordar a fim de lhe retirar a bicicleta.
2.  Nessa sequência, o arguido, que se encontrava munido de uma navalha de características não apuradas, dirigiu-se a T... e pediu para dar uma volta na bicicleta, o que aquele recusou.
3.  Perante tal recusa, o arguido empunhou a referida navalha e encostou-a à região abdominal de T... ao mesmo tempo que lhe dizia "vais-me deixar andar ou não vais?".
4.  T..., temendo pela sua vida e integridade física, entregou a bicicleta ao arguido.
5.  Na posse da bicicleta o arguido fugiu do local.
6.  O arguido agiu com o propósito consumado de subtrair e fazer sua a bicicleta que T... tinha na sua posse, bem sabendo que agia contra a vontade daquele e não se coibindo de, para o efeito, agir de modo súbito e mediante a exibição de uma navalha, objeto que sabia ser apto a causar receio pela vida e integridade física ao ofendido, como causou efetivamente.
7.  O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era reprovável e punida por lei.

Mais se provou que:
1.  O arguido negou a prática dos factos que lhe são imputados.
2.  Um de seis filhos de um casal de modesta condição socioeconómica, o processo de desenvolvimento do arguido FD... decorreu num contexto intrafamiliar caracterizado pela conflitualidade decorrente da problemática de alcoolismo da figura paterna, por fraca imposição de regras, inserido num mero sociocomunitário socialmente desfavorecido e referenciado por diversos problemas sociais.
3.  O quotidiano da mãe era centrado em assegurar as necessidades básicas do lar familiar, quadro que se agravou em meados de 2011 com a separação dos pais, apesar do progenitor continuar a contribuir monetariamente para o sustento dos filhos.
4.  O percurso escolar do arguido foi de fraco rendimento devido ao absentismo registado, originado pela desmotivação sentida pelas atividades curriculares, tendo apenas concluído o 6° ano de escolaridade, aos quinze anos.
5.  Posteriormente, frequentou dois cursos de formação profissional que não chegou a concluir optando por ocupar o tempo no convívio com o grupo de pares.
6.  O arguido FD... refere algumas experiências indiferenciadas no ramo da construção civil.
7.  Trabalhou como ajudante de canalizador e como ajudante de pedreiro durante alguns meses, sem vínculo contratual.
8.  O meio comunitário é referenciado por problemas de delinquência juvenil, fator que terá tido um forte contributo para as condutas desajustadas que o arguido passou a registar assim como o início precoce do consumo de haxixe, aos dezasseis anos.
9.  Em Janeiro de 2012 o arguido residiu temporariamente com uma tia na zona de Queluz devido a desavenças com a figura materna que culminaram com a sua expulsão do lar familiar ao qual regressaria posteriormente.
10. Antes da reclusão, FD...  integrava agregado constituído pela figura materna e três irmãos menores em habitação social no Bairro do Zambujal em Alfragide, conotado com problemas sociais e de criminalidade.
11. A dinâmica intrafamiliar é descrita como positiva e caracterizada por fortes laços afetivos e entreajuda entre os diferentes elementos, especialmente entre o arguido e a figura materna, sendo evidente a preocupação existente entre ambos.
12. Após a separação dos pais, a mãe do arguido encetou um relacionamento afetivo com um outro indivíduo, situação que num período inicial não terá sido bem aceite por FD...  dada a ligação estreita à figura materna.
13. A situação económica da família regista alguma precariedade, atendendo à situação de desemprego formal da progenitora que apenas faz trabalhos pontuais no sector das limpezas, verbalizando dificuldades em fazer face às despesas.
14. O arguido apresenta-se como um jovem de fácil trato, que evidencia alguma imaturidade, insegurança e instabilidade, com défices ao nível das competências pessoais e sociais e da interiorização do interdito com acentuada ansiedade e registo de episódios de pânico.
15. FD...  tem vivenciado a presente situação com evidente sofrimento e preocupação, demonstrando apreensão pelo desfecho do processo e intimidação pela reclusão.
16. Atribui um impacto muito negativo à presente reclusão, nomeadamente numa maior desestabilização psico-emocional com agravamento da sintomatologia ansiosa e no campo familiar, sentindo-se culpabilizado pelo sofrimento causado pelos seus atos na sua família.
17. No seio institucional apresenta um comportamento ajustado, sem qualquer ocupação estruturada, pese embora tenha verbalizado intencionalidade em dar continuidade aos estudos e em ser acompanhado em Consulta de Psicologia, beneficiando de apoio por parte da família, que o visita com relativa regularidade.
18. O arguido revela imaturidade, desestabilização individual, sintomatologia ansiosa e défices ao nível da interiorização do interdito, características que associadas a um núcleo familiar com dificuldades na capacidade em adotar uma intervenção pedagógica eficaz ter-se-ão constituído fatores que facilitaram a ocorrência de comportamentos desajustados, nomeadamente no seio do grupo de pares, onde o arguido terá procurado alguma valoração pessoal.
19. Apesar de ter procurado promover alguns hábitos de trabalho, as características pessoais que apresenta, o meio comunitário no qual está inserido, a baixa escolaridade, a proximidade a pares desviantes e a fragilidade da estrutura familiar constituem-se fatores de risco que exigem uma intervenção adequada que possibilite a efetiva reintegração social.
20. Ao arguido são conhecidos os seguintes antecedentes criminais:
a. Por factos praticados em 19.01.2010, foi condenado no processo 34/10.7PHAMD, do Juízo de Média Instância Criminal de Sintra, 2ª Secção, Juiz 4, por sentença proferida em 21.06.2011, transitada em julgado em 14.07.2011, por um crime de roubo, na pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova;
b. Por factos praticados em 21.03.2012, foi condenado no processo 295/12.7PCAMD, do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, 1ª Secção, Juiz 3, por acórdão proferido em 17.09.2012, transitado em julgado em 18.10.2012, por um crime de roubo, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva, já declarada extinta pelo cumprimento.
21. O arguido esteve preso à ordem do processo 295/12.7PCAMD, do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, 1ª Secção, Juiz 3, desde o dia 22 de Março de 2012, data em que ficou sujeito a medida de prisão preventiva depois de detido em 21 de Março de 2012, e permaneceu preso até ao dia 21 de Junho de 2013, data em que terminou o cumprimento de pena e foi restituído à liberdade.”

Quanto aos factos não provados, ficou consignado no acórdão:
“Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
1. O arguido e os demais indivíduos combinaram que seria o arguido a abordar T... e que os demais aguardariam nas imediações a fim de lhe dar apoio e evitar qualquer reação de defesa por parte do ofendido.
2. Quando fugiu o arguido levou consigo um dos acompanhantes, ao passo que o outro fugiu apeado, tendo-se dirigido ao Bairro da Lage na Amadora.”

Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso:

“A formação da convicção do Tribunal acerca dos factos dados como provados baseou-se na ponderação crítica e global do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, perspetivada esta, no essencial, à luz das regras experiência e da livre apreciação, tal como a mesma emerge do art. 127º, do Código de Processo Penal.
Concretizando:
Sendo certo que o arguido FD...  negou a prática dos factos, afirmando que se limitou a pedir emprestada a bicicleta ao ofendido e que este acedeu ao seu pedido, assentou a convicção deste tribunal, sem qualquer tipo de constrangimentos, não nas declarações do arguido, mas sim no depoimento do ofendido T..., o qual, de forma credível e circunstanciada, descreveu as condições em que foi abordado pelo arguido que lhe pediu para dar uma volta na sua bicicleta; as palavras que o arguido lhe dirigiu quando, num primeiro momento, negou entregar-lhe a bicicleta; e a natureza do objeto que, sequencialmente, aquele lhe encostou no lado direito da zona abdominal, forçando-o dessa forma a entregar-lhe a referida bicicleta, cujo tipo e valor também precisou, por temer pela sua vida e integridade física.
Refira-se que a versão do arguido sequer é coerente com aquilo que são as regras da experiência, pois se efetivamente só tivesse pedido emprestada a bicicleta, então não se entende o motivo pelo qual não só não a devolveu depois de a usar, como até, segundo admitiu o próprio arguido, a cedeu a um outro individuo, acabando por se perder o rumo à bicicleta que, até hoje, não foi devolvida.
Acresce que entre o ofendido e o arguido (que apenas se conhecem de vista, facto admitido por ambos) não existe uma qualquer relação que permita duvidar da isenção do depoimento daquele, que foi, de resto, prestado com segurança e, de forma positiva, permitiu a sustentação da acusação contra o arguido, naturalmente em detrimento da tese de defesa deste, no sentido da sua total desresponsabilização.

Conjugadamente, foram valorados: o auto de denúncia de fls. 2, o auto de reconhecimento fotográfico de fls. 7-8 e o auto de reconhecimento pessoal de fls. 19-20.

A partir factualidade objetivamente apurada, aqui se incluindo os antecedentes criminais do arguido, o Tribunal ficou plenamente convencido, atendendo às regras da experiência comum, num processo lógico e racional, de que o arguido agiu nos exatos termos tidos por demonstrados, consciente da reprovabilidade da sua conduta, que representou e quis praticar.

Por último, o Tribunal considerou também a certidão de fls. 80-92, extraída do processo 295/12.7PCAMD, do Juízo de Grande Instância Criminal de Sintra, 1ª Secção, Juiz 3, o certificado de registo criminal do arguido junto a fls. 176-179 e, ainda, o relatório social da DGRS constante de fls. 192-196, onde se abordam as respetivas condições sociais e pessoais, bem como o impacto da situação jurídico-penal.
Quanto aos factos não provados, cumpre referir que não se produziu em audiência qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram, designadamente os que se enunciaram, porquanto, pese embora o ofendido T... Matos tivesse referido que o arguido estava acompanhado de dois indivíduos, o próprio disse também que estes “não se meteram na situação” e, no decurso do seu depoimento, em momento algum corroborou a factualidade tida por não demonstrada.”

3. Analisando

3.1. O alegado vício constante da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP e a violação do princípio in dubio pro reo

Alega o arguido/recorrente que “O Acórdão recorrido padece do vicio constante na alínea c) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P. porquanto considerou como provados os factos constantes nos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) sem que exista um meio de prova colhido em Audiência de Julgamento, seja testemunhal, seja documental, que sustente e demonstre tais factos.

 0 que configura o vicio de erro notório na apreciação da prova, porquanto o Julgador apenas possui versões contraditórias sobre o que efectivamente aconteceu no dia 20.11.2013, dadas por quem tem interesse na decisão da causa - Arguido e Ofendido - o que não lhe permite, em sede de apreciação da prova, firmar a convicção, sem qualquer margem de dúvida, atento o Principio do in dúbio pro reo, que a versão do Ofendido corresponde á verdade dos factos em detrimento da dada pelo Arguido.”

Como resulta da letra da lei qualquer dos vícios a que alude o n.º 2 do art. 410.º do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

O vício do erro notório na apreciação da prova configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

O erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.

Analisada a decisão recorrida verifica-se que a mesma não padece de um tal vício.
Depreende-se, contudo, do teor da motivação de recurso e das respectivas conclusões, que aquilo que o recorrente efectivamente pretende é que o tribunal de recurso sindique a forma como o tribunal de 1.ª instância apreciou a prova produzida em audiência.

Ou seja, aquilo que na verdade o recorrente pretende é impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, mais concretamente os pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) da matéria de facto dada como provada, os quais em seu entender foram mal julgados, pois não deveriam ter sido dados como provados. Realidade esta que o recorrente confunde e mistura com o vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude a al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, mas que nada tem a ver com ele.

Vejamos, então, se tais pontos de facto foram ou não bem julgados.

Alega o arguido/recorrente que “Em sede de Julgamento o Arguido requereu ao abrigo do 304° do C.P.P. que fosse ouvida como testemunha: R…. ( cfr. Fls. 199 a 200) , a qual estava referenciada como tendo estado presente aquando do encontro ocorrido entre o T... e o FD....

 0 Tribunal diligenciou na localização da testemunha através da autoridade policial, mas esta diligência não é suficiente, a PSP limitou-se a deslocar-se à (…) (cfr. fls 107 dos Autos ) onde soube pela mãe da testemunhas que este já não residia naquela morada, mas que tinha residência na área do Cacém em morada que a mesma não soube fornecer.

 Não investigou pela redondezas e perante as pessoas referenciadas quer pelo Arguido quer pelo ofendido se alguma conhecia o paradeiro do R…, não investigou junto dos cafés da zona o seu paradeiro ou inclusive no café referenciado nos Autos, não procurou se o mesmo não estaria detido em algum estabelecimento prisional.

Muitas outras diligências se impunham, tanto mais que veja-se o caso da testemunha N… de alcunha "x…" que a fls. 207 dos Autos apurou-se que este estava detido no Estabelecimento Prisional de Caxias, isto, à data da realização do Julgamento.

A audição destas testemunhas assume relevância para a descoberta da verdade material, porquanto apesar de não ter tido intervenção nos factos, a mesma estava no local e a sua audição permitiria verificar qual das versões dadas ao Tribunal sobre os factos ocorridos em 20.09.2013 correspondia à verdadeira.

Consequentemente, os factos constantes dos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7), insertos na matéria de facto provada do Acórdão recorrido, devem ser dados por não provados pois a única prova que existe são as versões contraditórias dos factos dadas por Ofendido e Arguido, não tendo sido ouvida em Julgamento nenhuma testemunha.”

Analisados os autos verifica-se que o arguido/recorrente não apresentou rol de testemunhas no prazo que para tanto lhe foi facultado.

Apenas no decurso da audiência solicitou que fosse ouvido R..., ao abrigo do disposto no art. 340.º do CPP, o que foi deferido pelo tribunal recorrido, tendo-se interrompido a audiência de julgamento com a finalidade de o mesmo ser localizado e ouvido.

Acontece que a PSP de Queluz não conseguiu notificar o referido R..., por o mesmo não ter sido localizado e ser desconhecido o seu paradeiro – cfr. fls. 221 – facto este que foi dado a conhecer na audiência de julgamento à defensora do recorrente, que referiu nada ter a requerer, tendo prosseguido a audiência com as alegações orais.

Também no que respeita à não audição da testemunha Nuno Miguel Pereira de Sousa, testemunha arrolada na acusação pelo Ministério Público e por este prescindida em audiência de julgamento, dada a palavra à defensora do recorrente, nada requereu, conforme consta da acta de fls. 199 a 200 dos autos.

Muito se estranha, pois, que venha agora o recorrente suscitar a questão da não audição, em audiência de julgamento, de R... e da testemunha Nuno Sousa, quando na altura em que o devia ter feito nada disse.

Não foi, pois, violado por parte do tribunal a quo o princípio da investigação e da descoberta da verdade material por não ter procedido à audição de Ruben André e da testemunha Nuno Sousa na audiência de julgamento, nem foram violadas as mais elementares garantias constitucionais e legais de defesa do arguido consagradas no artigo 20.° e 32.°, ambos da CRP, conforme o mesmo alega.

Acresce que, qualquer nulidade ou irregularidade que pudesse ter ocorrido com a falta de audição de tais pessoas – que não se vislumbra, diga-se de passagem – sempre estaria sanada por não ter sido arguida dentro dos prazos legais – cfr. arts. 118.º a 123.º do CPP.

Na perspectiva, errada, do recorrente o tribunal a quo não poderia ter dado como provados os factos constantes dos pontos 2), 3), 4), 5), 6) e 7) apenas com base nas declarações do arguido e do ofendido, por as mesmas serem contraditórias, tendo com isso violado o princípio in dubio pro reo.

Este princípio – corolário do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido consagrado no art. 32.º da CRP – tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.

Ora, da leitura da decisão recorrida não resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto que deu como provado, designadamente os pontos impugnados, e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Nem resulta dessa leitura que não tendo o tribunal a quo reconhecido a dúvida a mesma surja evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro na apreciação, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Na verdade, o tribunal a quo fundamentou devidamente os motivos que o levaram a dar credibilidade ao depoimento do ofendido em detrimento das declarações prestadas pelo arguido.

Diz-se na motivação da decisão de facto:
Sendo certo que o arguido FD...  negou a prática dos factos, afirmando que se limitou a pedir emprestada a bicicleta ao ofendido e que este acedeu ao seu pedido, assentou a convicção deste tribunal, sem qualquer tipo de constrangimentos, não nas declarações do arguido, mas sim no depoimento do ofendido T..., o qual, de forma credível e circunstanciada, descreveu as condições em que foi abordado pelo arguido que lhe pediu para dar uma volta na sua bicicleta; as palavras que o arguido lhe dirigiu quando, num primeiro momento, negou entregar-lhe a bicicleta; e a natureza do objeto que, sequencialmente, aquele lhe encostou no lado direito da zona abdominal, forçando-o dessa forma a entregar-lhe a referida bicicleta, cujo tipo e valor também precisou, por temer pela sua vida e integridade física.
Refira-se que a versão do arguido sequer é coerente com aquilo que são as regras da experiência, pois se efetivamente só tivesse pedido emprestada a bicicleta, então não se entende o motivo pelo qual não só não a devolveu depois de a usar, como até, segundo admitiu o próprio arguido, a cedeu a um outro individuo, acabando por se perder o rumo à bicicleta que, até hoje, não foi devolvida.
Acresce que entre o ofendido e o arguido (que apenas se conhecem de vista, facto admitido por ambos) não existe uma qualquer relação que permita duvidar da isenção do depoimento daquele, que foi, de resto, prestado com segurança e, de forma positiva, permitiu a sustentação da acusação contra o arguido, naturalmente em detrimento da tese de defesa deste, no sentido da sua total desresponsabilização.”

De acordo com a tese defendida pelo recorrente na motivação do recurso os arguidos teriam de ser sempre absolvidos, com base no princípio do in dubio pro reo, quando em audiência apenas existissem, para valorar, o depoimento do ofendido e declarações de arguido, desde que contraditórias.

O que constituiria um absurdo se pensarmos em certos tipos de crimes, como por exemplo os crimes sexuais, em que na grande maioria das vezes não há testemunhas que os tenham presenciado e que, como tal, os possam confirmar em audiência de julgamento.

Alega, ainda, o arguido/recorrente que o tribunal a quo deu como provado que o objecto que o arguido encostou ao corpo do ofendido era uma navalha, com base no depoimento deste prestado em audiência, quando o mesmo, em inquérito, referiu que se tratava de uma faca.

Mais alega, que o ofendido em audiência disse que a dita navalha lhe foi apontada de frente, razão pela qual não percebe porque o mesmo não a descreveu e o tribunal a quo dá como provado que o arguido “se encontrava munido de uma navalha de características não apuradas”.

Vejamos.

As declarações prestadas em inquérito pelo ofendido perante o órgão de policia criminal não podiam ser valoradas pelo tribunal a quo – art. 355.º do CPP – a não ser que as mesmas tivessem sido lidas em audiência, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 356.º do CPP, o que não sucedeu.

Tendo o ofendido referido em audiência que o objecto que o arguido lhe encostou ao corpo era uma navalha, em conformidade com o constante do auto de denúncia de fls. 2 dos autos, bem andou o tribunal a quo ao ter dado como provado que o arguido se encontrava munido de uma navalha.

Sempre se dirá, no entanto, que quando o ofendido foi ouvido a fls. 6 dos autos também referiu que o objecto utilizado pelo arguido tinha sido uma navalha.

E também não se vê em que medida para o preenchimento da qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP faça qualquer diferença a utilização de uma faca ou de uma navalha.  

Bem andou igualmente o tribunal a quo ao ter dado como provado que o arguido “se encontrava munido de uma navalha de características não apuradas”, na medida em que o objecto não foi apreendido, não tendo sido, em consequência, sujeito a exame pericial, circunstância essa que levou a que o Ministério Público não tenha deduzido acusação contra o arguido pela prática do crime de detenção de arma proibida, conforme consta do despacho de arquivamento parcial de fls. 137 a 140.

Mostram-se, pois, bem julgados os pontos de facto impugnados pelo recorrente, não padecendo a decisão recorrida do vício de erro notório na apreciação da prova, nem foi violado o princípio do in dubio pro reo.

3.2. O vício constante da al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP e a não aplicação do regime legal constante da Lei n.º 5/2006 de 23/2

Alega o arguido/recorrente que “0 Acórdão recorrido padece do vicio contante da alínea a) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P. - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada -, porquanto o Tribunal a quo decidiu dar como demonstrado nos pontos 2) ,3) e 6) da matéria de facto, dada como assente do Acorda recorrido, existência de uma arma, em concreto concluiu pela existência de uma navalha, sem que conste da matéria de facto provada, elementos descritivos do objecto em causa para que o Julqador possa concluir que está perante um canivete, uma navalha, uma faca ou seja perante uma arma em termos jurídico-penal.”

Alega, ainda, o arguido/recorrente que “Violou o Acórdão recorrido, atento o disposto na alínea c) do n° 2 do artigo 412° do C.P.P., o disposto no artigo 1° da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, porquanto de acordo com o constante nessa norma é a Lei 5/2000 de 23 de Fevereiro que estabelece o regime jurídico relativo ao uso e porte de armas para efeitos jurídico-penais e não o D.L: 48/95 de 15/03.”

Mais alega, que “Atento o disposto nos artigos 1° e 2° da Lei 52/2006 de 23 de Fevereiro não é possível dar como provados os factos constantes nos pontos 2), 3) e 6) da matéria de facto inserta no Acórdão recorrido, porquanto o dito objecto não pode ser qualificado como arma em termos jurídico-penais e desta forma considerado apto a causar receio pela vida e integridade física ao ofendido.”

Vejamos.

A insuficiência a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP é a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.

Só existe o aludido vício quando os factos provados são insuficientes para justificar uma decisão de direito, ou quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso submetido à apreciação.

Ou seja, há insuficiência para a decisão sobre a matéria de facto provada quando os factos dados como provados não permitem a conclusão de que o arguido praticou ou não um crime, ou não contém, nomeadamente, os elementos necessários ou à graduação da pena ou à elucidação de causa exclusiva da ilicitude ou da culpa ou da imputabilidade do arguido.

Situação que não aconteceu no presente caso.

Os factos dados como provados são suficientes para a conclusão de direito a que chegou o tribunal a quo, o recorrente é que com ela não concorda, pretendendo, no fundo, que o tribunal a quo tivesse feito uma valoração diferente da prova produzida em julgamento, esquecendo-se, contudo, que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade que julga – art. 127.º do CPP – e não de acordo com a apreciação que dela faz o recorrente.

Livre apreciação essa que não significa livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável.

Conforme se refere no Ac. desta Relação de 24/5/2011, proferido no âmbito do Proc. 309/09.8PEOER.L1-5, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda, “Deverá ainda ter-se presente que em matéria de apreciação da prova intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação.”

Diz-se, ainda, um pouco mais à frente “Ao realizar o julgamento, o juiz de 1.ª instância tem, em virtude da oralidade e da imediação, «uma percepção própria do material probatório que nós indiscutivelmente não temos. O juiz do julgamento tem contacto vivo e imediato com o arguido, com o ofendido, com as testemunhas, assiste e não raro intervém nos seus interrogatórios pelos diversos sujeitos processuais, recolhe um sem número de impressões … que não ficam registadas na acta, apenas na sua mente …Essa fase ao vivo, do directo, é irrepetível»[7].
Na fase de recurso, praticamente dominada pela escrita em vez da oralidade (apesar de os depoimentos estarem gravados e, por isso, poderem ser ouvidos), é quase impossível avaliar, com correcção, da credibilidade de cada depoimento, dizer se um é mais credível do que o outro prestado em sentido diverso é tarefa difícil. Perante dois conjuntos de depoimentos, cada um deles testemunhando em sentido contrário ao outro, por qual deles optar? Acompanhando, mais uma vez, o acórdão atrás citado, «essa é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento. Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais». Como a propósito refere Damião da Cunha
[8], os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da primeira instância. Em recurso, pouco mais haverá a fazer do que controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha[9].

«Aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar é a violação de todo um conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o “arbítrio” na sua apreciação), exactamente: as regras de experiência comum, o princípio in dubio pro reo, o princípio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta de qualquer referência a características pessoais do arguido».

No presente caso, o tribunal a quo deu como provado que o objecto que o arguido encostou ao corpo do ofendido era uma navalha de características não apuradas.

A dita navalha, constituindo um objecto cortante, é considerada, de acordo com a definição constante do art. 4.º do DL n.º 48/95 de 15/3, que não foi revogado, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, uma arma para efeitos do disposto no Código Penal, designadamente para preenchimento da qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º.

As definições dos tipos de armas constantes do art. 2.º da Lei n.º 5/2006 de 23/2 apenas assumem relevância para efeitos do disposto nessa mesma lei e sua regulamentação, conforme se refere nesse mesmo preceito.

Ou seja, só assumiriam relevância no presente caso se o arguido tivesse sido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. p. nos termos dessa mesma Lei, o que não sucedeu, não tendo o MP sequer acusado o arguido pela prática de um tal crime, conforme tivemos oportunidade de supra referir.

Não padece, pois, a decisão recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nem violou o disposto nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 5/2006 de 23/2.

3.3. A violação por parte do acórdão recorrido dos arts. 75.° e 76.° do CP

Alega o arguido/recorrente que “(…) o Acórdão recorrido, para efeitos da aplicação do regime da reincidência, decorrente dos artigos 75º e 76° do C.P., padece do vicio constante na alínea a) do n° 2 do artigo 410° do C.P.P., porquanto não consta da matéria de facto provada uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva pelo arguido se explica por ele não ter interiorizado a admonição contra o crime ínsita na anterior, e apesar disso o Acórdão recorrido concluí, na decisão, que a condenação anterior não serviu de advertência suficiente contra o crime.

 Afirmar, pura e simplesmente, no Acórdão recorrido, que condenação anterior não serviu de advertência suficiente contra o crime é utilizar uma expressão conclusiva que se atinqe sem que para tal existam factos que infirmem essa conclusão.”

Alega, ainda, o arguido/recorrente que “(…) é essencial para a aplicação do regime decorrente dos artigos 75° e 76° do C.P., normas jurídicas que conduzem á aplicação do regime da reincidência, existência de averiguação de matéria de facto, com respeito ao principio do contraditório, demonstrativa de que as condenações anteriores não constituíram suficiente prevenção para que o Arguido não continue a delinquir, não se podendo alcançar a interpretação destas normas com um juízo baseado única e exclusivamente no que consta no certificado do registo criminal do Arguido, que foi o que o Tribunal " a quo " fez.

Este é o fundamento pelo qual o Recorrente para efeitos do disposto no n° 2 do artigo 412° do C.P.P. entende que o Acórdão recorrido violou as normas jurídicas do artigo 75° e 76° do C.P., uma vez que não as interpretou devidamente ao aplicar no presente caso o regime da reincidência socorrendo-se exclusivamente dos factos plasmados no registo criminal do Arguido.

Cremos que quanto a esta questão assiste razão ao recorrente.

Dispõe o art. 75.º do CP, sob a epígrafe “Pressupostos” (da Reincidência) que:
1- É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2- O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”

Assim, conforme decorre do preceito em análise, constituem pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”:

- que o crime agora cometido seja doloso;

- que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;

- que o arguido tenha sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos (este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança).

Como pressuposto material da reincidência é necessário que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Daqui resulta que a reincidência não é um efeito automático das condenações anteriores, tendo de assentar em factos concretos, dos quais se possa concluir que o agente do crime não sentiu a advertência contida na anterior condenação, não bastando, conforme jurisprudência corrente do STJ, a menção, como facto provado, de que “a condenação ou condenações anteriores não lhe serviram de suficiente advertência contra o crime” ou outra fórmula semelhante, por se tratar de uma afirmação meramente conclusiva, reproduzindo o texto legal.

Sendo certo que tais factos concretos devem constar da acusação, para que o tribunal de julgamento os possa relevar.

Não constando eles da acusação não pode o arguido ser considerado reincidente.

Neste sentido vejam-se, entre outros, os Acórdãos do STJ de 1/4/2004, de 22/6/2006, de 24/1/2007, de 5/2/2009, de 18/6/2009 e de 20/1/2010, proferidos, respectivamente, no âmbito dos Processos 04B483, 06P1714, 06P4455, 08P3629, 159/08.9PQLSB.S1 e 587/08.0PAVFR.P1.S1 e, ainda, da RC de 30/5/2012 e da RG de 17/12/2013, estes proferidos, respectivamente, no âmbito dos Processos 68/10.1GAVGS.C1 e 1310/12.0TABRG.G1.      

Ora, analisada a acusação de fls. 140 a 142 dos autos, verifica-se que na mesma depois de terem sido referidas as duas condenações anteriores sofridas pelo arguido apenas se alega que “Não obstante, a condenação supra-referida, sofrida pelo arguido FD... pena de prisão efectiva superior a 6 meses, verifica-se que tal condenação não lhe serviu de suficiente advertência contra o crime.

Deve pois o arguido FD... ser considerado reincidente.”

Tais afirmações meramente conclusivas não foram transpostas – nem deviam ter sido por não constituírem “factos” propriamente ditos – para a matéria de facto dada como provada.

No entanto, pese embora a ausência na decisão recorrida de factos provados relativos ao pressuposto material da reincidência foi o arguido/recorrente condenado como reincidente.

Ora, conforme foi considerado no Ac. do STJ de 18/6/2009, supra referido, a insuficiência de factos torna a acusação, quanto à questão da reincidência, manifestamente infundada, nos termos da al. d) do n.º 3 do art. 311.º do CPP, com a consequente revogação do acórdão recorrido por a ter julgado procedente.

3.4. A violação do disposto no regime dos jovens delinquentes

Alega o arguido/recorrente que “(…) o Acórdão sub judicie violou o Decreto- Lei n° 401/82 de 23 de Setembro e violou o comando do artigo 9º do C.P., porquanto tendo o FD... 20 anos à data da prática dos factos, o mesmo é abrangido por esta norma legal e consequentemente deve-lhe ser aplicado o regime especial para jovens.

(…) Dentro deste Decreto-Lei, deve ser aplicado o disposto no artigo 4° do D.L. 40/82 de 23 de Setembro, em virtude de existirem factos dados como provados, nomeadamente os factos vertidos nos pontos 2. a 18 da matéria de facto provada inserta no Acórdão sub judicie, que justificam a vantagem de aplicação de uma pena atenuada nos moldes preconizados pelo Relatório Social , de onde resultam evidentes vantagens para a reinserção social do Arguido.

Vejamos.

Para além do pressuposto formal da idade – ter o jovem completado 16 anos à data da prática do crime e não ter atingido ainda os 21 anos – é necessário, para que o juiz proceda à atenuação especial da pena, ou penas (procedimento este que deve ser entendido como um poder/dever), que hajam “sérias razões” para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado – arts. 1.º e 4.º do DL n.º 401/82 de 23/9.

Tais “sérias razões”, como se refere no Ac. do STJ de 18/2/2009 (proferido no âmbito do Proc. 09P0100, disponível in www.dgsi.pt) não ocorrem de forma automática, devendo resultar de factos que tornem viável tal conclusão, que fundamentem a existência de um juízo de prognose favorável à reinserção social do condenado.

Acresce que, como se diz no citado acórdão do STJ, “O Decreto-Lei nº 401/82 de 23 de Setembro, ao instituir um direito mais reeducador do que sancionador, não esqueceu, porém, que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e, por isso, não excluiu a aplicação de pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade (v. nºs 4 e 7º do preâmbulo do diploma).
Não é caso de aplicação do regime especial constante do Dec-Lei 401/82 referido, quando a personalidade manifestada, o modo de execução e motivos determinantes do crime, a natureza deste e a conduta posterior ao crime, demonstram inexistirem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.”

Na decisão recorrida considerou-se que não era de atenuar especialmente a pena a impôr ao arguido/recorrente com base no regime especial previsto para os jovens delinquentes porquanto “(…) o arguido tem antecedentes criminais contando já com duas condenações relativamente recentes pela prática de crimes de roubo.

Acresce que, em sede de julgamento, o arguido negou a prática dos factos, denotou baixo sentido de responsabilidade e de juízo crítico em relação à gravidade da sua conduta.

Em face do ora exposto, estamos em crer que aplicar ao arguido a atenuação especial prevista no Regime Especial para Jovens não faria qualquer sentido até porque tal atenuação seria entendida como uma desculpabilização da sua conduta delituosa senão mesmo um encorajamento à repetição de idênticos atos suscetíveis de causar repulsa ao normal cidadão mas divertimento a alguma juventude intelectualmente mal preparada em relação à qual o sistema educativo falhou redondamente.”

Concluiu, assim, o tribunal a quo, e bem quanto a nós, que o circunstancialismo apurado, aliado à gravidade objectiva dos factos praticados pelo arguido, valorados globalmente, e a total ausência de demonstração de interiorização da respectiva conduta, não possibilitam a formulação de um juízo de prognose favorável que permita concluir pela vantagem da atenuação especial prevista no diploma em apreço para o processo de reinserção social do arguido/recorrente. 
A idade do arguido, à data da prática dos factos, deverá funcionar como atenuante de carácter geral, mas nunca, só por si, como fundamento de atenuação especial da pena, ao abrigo do regime penal especial para jovens delinquentes.

Improcede, assim, o recurso quanto a esta suscitada questão.

3.5. A medida da pena de prisão

Alega o arguido/recorrente que “Não se pode deixar de considerar manifestamente exagerada e violadora dos princípios orientadores das medidas da Pena previstos nos artigos 71º e ss. do Código Penal, a pena de prisão de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva a um Arguido que é um jovem e para o qual de deve promover a sua adequada reabilitação e inserção social.

E, ainda, que “Na aplicação da concreta pena fixada no Acórdão recorrido, o Tribunal " a quo" deu_ maior relevo à prevenção geral, olvidando por completo prevenção especial e desta forma pouco parece importar o que sucede ao Arguido, à pessoa em concreto, que é tratado, no fundo, enquanto exemplo para os demais.”
Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena (quer ela seja pena principal ou acessória) – art. 71.º n.º 1 do CP - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art. 40.º n.º 1 do mesmo diploma legal.
A este propósito, refere o Prof. Figueiredo Dias in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993”, pág. 186 e 187 que, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente «comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente».

Há, ainda, que considerar as circunstâncias referidas no n.º 2 do art. 71.º do CP para a fixação concreta da medida da pena.

A tal propósito refere-se, com acerto, na decisão recorrida:

No caso em apreço, há que ponderar o seguinte:
Ÿ A culpa do arguido que é elevada e justifica uma especial reprovação ético-jurídica, já que o arguido podia e devia ter agido de outro modo, nada se tendo apurado que seja suscetível de condicionar o juízo de censura que ao mesmo deve ser dirigido.

Ÿ No que respeita às exigências de prevenção geral, na sua vertente positiva de integração e de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência das normas violadas, importa salientar que as mesmas são muito elevadas neste tipo de ilícitos atendendo ao impacto negativo que assumem na sociedade, aos sentimentos de insegurança e intranquilidade que lhe estão associados, e ao interesse público relativo à inviolabilidade dos bens jurídicos violados.

Ÿ Do ponto de vista da execução do facto, considerar-se-á, em sentido agravante, a elevada potencialidade lesiva do objeto utilizado, diretamente apontado ao corpo da vítima, convergindo na produção de uma intensa perturbação da tranquilidade da vítima, necessariamente neutralizada pela sensação de pavor com toda a probabilidade nesse momento experimentou.
Ÿ Ainda, no que se reporta à execução do facto, mas na perspetiva das consequências produzidas, importará atender, na apreciação da gravidade da conduta em presença, por um lado, ao valor pouco expressivo do objeto subtraído e, por outro, à não reposição da situação existente no momento anterior à prática da infração, dada a não recuperação do referido bem.

Ÿ O carácter intenso do dolo enquanto elemento subjetivo da ilicitude, que se apresentou na sua modalidade direta;

Ÿ No que diz respeito à conduta do arguido anterior aos factos que se apreciam, importa atender aos seus antecedentes criminais, que fazem elevar as exigências de prevenção especial, constando do respetivo CRC um total de duas condenações, também impostas pela prática de crimes de roubo;

Ÿ Já no que se refere à conduta do arguido posterior aos factos há que considerar que ele negou a prática dos factos e apresentou uma postura de total desresponsabilização e ausência de juízo critico em relação à gravidade da sua conduta.

Sopesando todos os fatores e circunstâncias acima referidas, afigura-se-nos ser adequada a aplicação ao arguido uma pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão.”

Porém, tendo agora em atenção que a acusação quanto à reincidência não pode proceder, nos termos por nós supra referidos em 3.3., há que ajustar a pena concreta a impôr ao arguido, face à pena abstracta prevista para o crime de roubo qualificado em que o mesmo incorre – pena de 3 a 15 anos de prisão – deixando de ter-se em consideração a pena abstracta resultante da agravação pela reincidência, que era no caso de 4 a 15 anos de prisão.

Assim sendo, tendo presente os considerandos feitos a este propósito na decisão recorrida, que nos parecem correctos, face à prova produzida e à consequente matéria de facto dada como provada, entende-se como ajustada a pena a impor ao arguido/recorrente de 3 anos e 6 meses de prisão.

3.6. A possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão

Alega o arguido/recorrente que o tribunal a quo “(…) pugna pela não suspensão da pena na sua execução e pela não aplicabilidade do regime contido no artigo 4° do D.L. 401/82 de 23 de Setembro, fundando a sua convicção nos factos plasmados no registo criminal do Arguido e não porque tenha apurado factos concretos que demonstrem a simples ameaça da pena de prisão já não será suficiente para alcançar as finalidades de punição e de ressocialização em liberdade do Arguido.

Vejamos.

O art. 50.º do CP preceitua que:

“1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Assim, para além do pressuposto de que a pena de prisão aplicada não seja superior a 5 anos, é necessária a formulação de um juízo de prognose favorável, traduzido na conclusão de que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

São acima de tudo razões de prevenção especial e não considerações de culpa, que estão na base do instituto, permitindo-se substituir uma pena detentiva por outra não detentiva.

A justificar a não suspensão da execução da pena de prisão a impor ao arguido/recorrente diz-se, com adequação, na decisão recorrida:
“No caso em concreto, não se encontram preenchidos os pressupostos para uma suspensão de execução de pena, já que se tornou evidente que a simples censura do facto e a ameaça da pena não são suficientes para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
De facto, e por um lado, o arguido negou a prática dos factos, o que demonstra alguma dificuldade em percecionar a gravidade da sua conduta e o impacto deste tipo de comportamentos em potenciais vítimas, denotando baixo sentido de responsabilidade e juízo crítico, bem como alguma desvalorização do bem jurídico em causa.
Por outro lado, as anteriores condenações denotam uma tendência para a prática de ilícitos, não obstante o arguido ter apenas 21 anos de idade.
Com efeito, o arguido já foi condenado pela prática de dois crimes de roubo e até já beneficiou de uma pena de prisão suspensa.

Acresce que os factos a que os presentes autos se reportam foram praticados cerca de três meses depois de o arguido cumprir uma pena de prisão de 1 ano e 3 meses, e somente três dias depois da prolação do acórdão que o condenou nessa mesma pena.

Importa, por fim, ter em consideração a particular ressonância que na comunidade sempre provoca o cometimento de ilícitos desta natureza, sendo certo que os factos praticados pelo arguido foram graves e assumem um forte impacto negativo na sociedade, atentos os sentimentos de medo e insegurança que lhes estão associados.
Em face do exposto, não pode este Tribunal sustentar uma expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para alcançar as finalidades da punição e, consequentemente a ressocialização em liberdade do arguido, bem como para reafirmar, perante a comunidade, a necessidade da existência da norma punitiva.
Somos, pois, a concluir que a execução da pena de prisão é, no caso, exigida pela necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, idênticos aos que agora se apreciam, e é necessária do ponto de vista da reintegração do arguido e indispensável na perspetiva da defesa do ordenamento jurídico, designadamente da manutenção da confiança coletiva da vigência da norma violada e na eficácia das instituições, em face do já referido passado criminal do arguido.

Assim, a pena de prisão imposta ao arguido não será suspensa na sua execução.”

São, pois, em factos concretos e não em meras abstracções, que se baseia a decisão de não suspensão da execução da pena de prisão a impor ao arguido.

Na verdade, o arguido não assumiu a prática dos factos, o que revela que não interiorizou a gravidade da sua conduta delituosa e a necessidade de no futuro adoptar uma postura de respeito e de conformidade com os valores da vivência em sociedade, não tem hábitos regulares de trabalho, sofreu duas condenações anteriores pela prática do mesmo tipo de ilícito, tendo beneficiado em relação à primeira de uma pena de prisão suspensa na sua execução e pratica os factos destes autos decorridos cerca de 3 meses após ter cumprido uma pena de prisão.

Assim sendo, pese embora a juventude do arguido, não é possível formular em relação a ele o tal juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e da ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Bem andou, pois, o tribunal a quo ao ter decidido não suspender a pena de prisão imposta ao arguido/recorrente.

3.7. A aplicação ao arguido do regime de prisão domiciliária sujeito a acompanhamento psicoterapêutico

Alega o arguido/recorrente que “A pena de 4 anos e 3 meses em estabelecimento prisional é desnecessária porquanto a pena aplicada em regime de prisão domiciliária é igualmente efectiva e, não obstante, menos restritiva do direito de liberdade.”

Mais alega, que “No respeitante à prevenção especial, 4 anos e 3 meses em prisão domiciliaria sujeito ao regime de acompanhamento psicoterapêutico seriam o suficiente para o Arguido não reincidir, por ser uma pessoa sensível e com potencialidades para que a terapêutica tenha resultados positivos.”

E, ainda, que “Por outro lado, esta pena aumentaria as hipóteses do Arguido ainda poder viver em liberdade, gozando do seu direito, o que significaria, igualmente, a sua ressocialização.”

Dispõe o art. 44.º do CP, sob a epígrafe “Regime de permanência na habitação” queVer jurisprudência:
1 - Se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição:

a) A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;


2 - O limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:

a) Gravidez;

b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos;

c) Doença ou deficiência graves;

d) Existência de menor a seu cargo;

Da simples análise do preceito desde logo se verifica que não se mostram preenchidos os requisitos formais para que ao arguido/recorrente possa ser aplicada uma tal pena de substituição, conforme requerido, porquanto a pena imposta ao arguido era e continua a ser superior a 2 anos de prisão, bem como o remanescente da pena de prisão que ainda lhe falta cumprir, tendo em atenção que o mesmo foi detido à ordem destes autos em 25/9/2013 – cfr. fls. 46 dos autos.

Improcede, assim, o recurso quanto a esta questão.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido FD..., revogando-se o acórdão recorrido na parte em que o condenou como reincidente e, consequentemente, condenam-no pela prática do crime pelo qual foi julgado em 1.ª instância na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Sem custas.
Lisboa, 30 de Outubro de 2014

(Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).

Guilhermina Freitas

Calheiros da Gama

e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado. Ver jurisprudênciab) O remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação. Ver jurisprudência