Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26069/20.3T8LSB.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
TERMO INCERTO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: Tendo a trabalhadora celebrado um contrato de trabalho temporário a termo incerto que é válido, a indemnização devida por despedimento ilícito é calculada nos termos do artigo 393.º n.º 2 al. a) do Código do Trabalho.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


Relatório:


AAA, assessora de administração, residente na Rua (…), com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou a presente acção sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra BBB, com sede no (…), Lisboa, pedindo que, julgada procedente a acção, seja declarado ilícito o despedimento da Autora e, em consequência, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de €7 908, 74, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que: a Ré é uma sociedade anónima que tem por objecto a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores; em 14 de Novembro de 2019, mediante a celebração de um contrato de trabalho temporário a termo incerto, a Autora foi admitida para trabalhar sob a autoridade da Ré, com a categoria profissional de administrativa e para exercer funções na empresa (…) Sucursal em Portugal, mediante a quantia mensal de €1.100,00 acrescida de €9.03 de subsídio de alimentação; a 14 de Janeiro de 2020, a Autora recebeu da Ré uma carta na qual constava que no dia 17 de Janeiro de 2020 fazia cessar o contrato por caducidade, pelo que a Autora, nesta data, deixou de trabalhar para a Ré apesar de o projecto para o qual fora contratada ainda não estar findo, o que se previa suceder em Junho de 2020; para que a caducidade do contrato se verificasse necessário se tornava que esses motivos já tivessem cessado e que constassem da carta de denúncia do contrato por motivo de caducidade, o que não sucedeu; a comunicação da Ré à Autora de que o seu contrato de trabalho temporário cessou a 17 de Janeiro de 2020 consubstancia um despedimento ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar, o que lhe confere o direito ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, nos termos do artigo 182.º n.º7 e 393.º n.º 2, al a), do CT, ou seja, o direito a todas as retribuições devidas entre 17 de Janeiro de 2020 e 14 de Junho desse ano no valor global de €7.908,74 [€ 5 500, 00, das retribuições de Janeiro a Junho de 2020 (€ 1 100, 00 x 5); 993, 30, subsídio de alimentação desse período (€ 9, 03 x 22x 5); € 499, 44, de férias; € 916, 00, de subsidio férias e subsídio de natal (€ 458, 33 x 2)], a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde o respectivo vencimento e até integral pagamento.

Realizou-se a audiência de partes não se obtendo a sua conciliação.

A Ré contestou invocando, em suma, que a Autora foi contratada para responder à necessidade temporária descrita no motivo justificativo do contrato de trabalho, tendo a utilizadora (…) informado que o projecto teria a duração aproximada de 4 meses, que, em Janeiro de 2020, as necessidades de contratação da Autora ficaram supridas, tendo a caducidade do contrato de trabalho temporário da Autora ocorrido a 17.01.2020, não existindo, assim, o alegado despedimento ilícito, pelo que nada é devido à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e que, ao contrário do alegado pela Autora, as tarefas praticadas quer por esta, quer pela trabalhadora Ana Rocha eram substancialmente diferentes. Acrescentou que, caso assim não seja entendido, então, o motivo justificativo pelo qual a Ré contratou a Autora terminou, no máximo, em Março de 2020; caso se considere que a trabalhadora AR... veio exercer as mesmas funções e tarefas que a Autora, então, o contrato de trabalho cessou, por caducidade, no dia 18 de Março de 2020, altura em que a necessidade para a qual foi contratada deixou de subsistir; e caso venha a ser considerado que à Autora é devida uma indemnização nos termos do artigo 393.º n.º 2 al.a) do CT essa indemnização não poderá, nunca, ser superior a dois meses de retribuição, num total de € 2.200,00, referentes às retribuições de 17 de Janeiro de 2020 a 18 de Março de 2020.

Conclui pela improcedência da acção e absolvição do pedido.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, abstendo-se o Tribunal a quo de enunciar os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto o Tribunal julga a presente ação procedente e em consequência condena a R. a pagar à A. a quantia de €7.908,74 acrescida de juros de mora desde Junho de 2020 até integral pagamento.
Custas a cargo da R.
Registe e Notifique.”

Inconformada com a sentença, a Ré recorreu e formulou as seguintes conclusões:
(…)
O recurso foi admitido e o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença concluindo que não se verifica.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação daquelas que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC).

Assim, no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
1.ª -Se a sentença é nula.
2.ª-Se, no apuramento das retribuições devidas à Autora na sequência do despedimento ilícito, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito que, no caso, é o artigo 393.º n.º 2 al.a) do CT.

Fundamentação de facto

A sentença considerou provados os seguintes factos:

1.A R. BBB, é uma sociedade anónima, a qual tem por objecto a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores;
2.A A. CCC, foi admitida ao serviço da Ré no dia 14 de novembro de 2019, para o que assinaram um contrato de trabalho temporário a termo incerto, o qual consta de fls. 17 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3.Do mesmo consta que o fundamento da contratação foi “Com fundamento em acréscimo pontual e excecional da empresa utilizadora devido a dois projectos de volume considerável no departamento de RH que são:1) a criação e implementação de um banco direito português, e 2) a identificação e implementação de um prestador externo de serviços de (…) e gestão, administrativa de RH. Devido ao volume de trabalho a tempo que estes projecto implicam, é necessária uma pessoa que dê apoio na execução do trabalho do dia a dia, em particular no que respeita à gestão administrativa de RH. A duração estimada destes projectos é de 4 meses, prevendo-se estar concluído no final de junho, cfr ponto 7 .2 do contrato em causa”;
4.A Autora e a Ré acordaram na prática de um horário de trabalho de segunda a sexta feira, das 09.00 ás 18.00, com 1 hora para almoço, em regra, das 13.00 às 14.00;
5.Mais acordaram que a Ré pagaria à Autora a quantia base mensal de € 1.100 acrescida de € 9, 03, dia efectivo de trabalho, de subsídio de alimentação;
6. Na sequência desse contrato, no dia 14 de novembro de 2019, a Autora começou a trabalhar na utilizadora, (…), nos moldes e condições supra referenciadas e nas instalações supramencionadas;
7.A R. enviou à A. a carta de fls. 21 cujo teor se dá por integralmente reproduzido, datada de 7 de Janeiro de 2020, informando que o contrato de trabalho cessará por caducidade no dia 17/1/2020;
8.E a partir de dia 17/1/2020 a A. deixou de trabalhar para a R.;
9.Dois dias antes de cessar o contrato de trabalho da A. foi contratada uma trabalhadora que tal como a A. fazia processamento salarial, porém esta tinha mais funções além do processamento salarial;
10.A implementação do banco (…) Portugal ocorreu em fevereiro de 2020;
11.A empresa utilizadora recorreu ao outsourcing para o processamento salarial, deixando de o fazer em Fevereiro de 2020;
12.Durante a sua contratação a A. procedia ao processamento salarial e a tarefas administrativas ligadas à implantação do banco (…) em Portugal.

***

A sentença ainda considerou que os demais factos não se lograram provar e nomeadamente que:
1.A A. teve uma colega que a foi substituir no desempenho das funções que fazia;
2.A implementação do banco (…)ocorreu em Junho de 2020;

Fundamentação de direito

Apreciemos, então, a primeira questão suscitada no recurso e que consiste em saber se a sentença é nula.

A este propósito sustenta a Recorrente, em suma, que a sentença é nula nos termos do artigo 615.º n.º 1 als.b) e c) do CPC dado que:
-dela não se retiram os fundamentos de direito que justificam a decisão de condenar a Recorrente no pagamento da quantia de €7.908,64;
- a decisão de condenar a Recorrente em 30 dias de indemnização por cada ano de antiguidade não se mostra fundamentada; e
- não compreende se a indemnização foi calculada com base no artigo 396.º do Código do Trabalho, ou se, pelo contrário, respeita às retribuições que a Recorrente teria direito até ao final do contrato, sendo que a quantia de € 7.908,64, é muito superior a qualquer quantia que fosse apurada em qualquer uma das hipóteses acima.

Vejamos:

Como é sabido, o artigo 615.º do CPC, aplicável ao caso ex vi do artigo 1.º n.º 2 al.a) do CPT, enuncia taxativamente as causas de nulidade da sentença.

Nos termos da al.b) do mencionado artigo, a sentença é nula quando “ Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Esta causa de nulidade prende-se directamente com a norma do artigo 154.º do CPC que consagra o dever de fundamentar a decisão e com o disposto no n.º 3 do artigo 607.º do CPC, segundo o qual, na elaboração da sentença, devem ser enunciados os fundamentos da decisão, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Ou seja, a lei impõe ao juiz que fundamente de facto e de direito as suas decisões.

Assim, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, 3.ª Edição, Almedina, pags. 735 e 736, “ Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art.607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…).”

Também sobre esta nulidade, reportando-se ao então n.º 2 do artigo 668.º do CPC, ensina o Professor Alberto dos Reis no “Código de Processo Civil anotado “, Volume V,  (Reimpressão), Coimbra Editora, LIM, pag.139 e 140: “(...)Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas, é uma peça sem base.
(…).
Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que se apoia o seu veredicto. A sentença, como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção, e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.
Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação insuficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação, deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º.”

Revertendo ao caso, constata-se que a sentença especificou os fundamentos de facto e os fundamentos de direito, sendo que, relativamente a estes, invocou o disposto nos artigos 172.º, 177.º, 173.º nº 6, 181.º e 396.º do CT. E a propósito do despedimento ilícito referiu além do mais: ”Sendo o contrato a termo incerto este apenas poderia cessar quando se verificasse o termo. E em 17 de Janeiro, data em que cessou o contrato, ainda o motivo que justificou a contratação ainda subsistia.
Ou seja, se era previsível a ocorrência do termo (a implementação do banco e o contrato de outsourcing) então a R. só tinha de comunicar a caducidade com antecedência.
Mas não o fez mas antes fez cessar enquanto ainda existia motivo de contratação.
E ao fazê-lo está a proceder ao despedimento (ilícito porque sem processo disciplinar) da A. pois existindo fundamento a mesma tem o direito de se manter ao serviço da R. na empresa utilizadora. E nessa medida o seu pedido de indemnização procede, cfr. nº 6 do art. 173º CT.
A indemnização é fixada nos termos do art. 396º do CT e fixa-se em um mês por cada ano completo de antiguidade e que se julga adequado fixar em trinta dias, não podendo ser inferior a três meses. No caso dos contratos a termo tem o direito de receber as quantias até ao final do contrato. E isso mesmo a A. peticiona, donde se vê que a sua pretensão procede.”

Consequentemente, não se mostra verificada a nulidade da sentença com fundamento na al.b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Mas a Recorrente ainda invoca que a sentença é nula com fundamento na al.c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Estatui a al.c) do n.º 1 do referido artigo que é nula a sentença quanto “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
Sobre esta causa de nulidade da sentença escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre na obra citada, pags.736 e 737: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.”

Ainda sobre a contradição entre os fundamentos e a decisão, ensina o Professor Alberto dos Reis, na obra citada, pag. 141: “ Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a enferma. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?
(…)
No caso de oposição derivada de erro material não existe realmente vício lógico na construção da sentença; a oposição é meramente aparente e resulta de o juiz ter escrito coisa diversa do que queria escrever. No caso considerado no nº 3 do art.668º, a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”

Parece entender a Recorrente que a sentença padece de alguma ambiguidade quando refere que não é clara a razão da condenação em 30 dias de indemnização e que também não compreende se a indemnização foi calculada com base no artigo 396.º do CT, ou se respeita às retribuições que seriam devidas até ao final do contrato.

Entendemos não existir a alegada falta de clareza, na medida em que a sentença refere que, no caso, era adequada a indemnização de 30 dias por cada ano de antiguidade.

Contudo, não podemos deixar de admitir que, quanto ao valor da indemnização, a fundamentação é escassa. Mas como já vimos, a insuficiência de fundamentação não determina a nulidade da sentença.

Por outro lado, na sentença, refere-se expressamente que a indemnização devida à Autora é fixada nos termos do artigo 396.º do CT e que é fixada em um mês por cada ano completo de antiguidade. Mas, depois, afirma-se que “ No caso dos contratos a termo tem direito de receber as quantias até ao final do contrato. E isso mesmo a Autora peticiona, donde se vê que a sua pretensão procede”. A redacção não é a mais feliz e, à primeira vista, parece ser contraditória.

Contudo, uma melhor análise dos termos da sentença leva-nos a concluir que, o que se considerou afinal, foi que, no caso especial dos contratos a termo, como o dos autos, a indemnização corresponde às retribuições devidas até ao final do contrato, conforme pediu a Autora, sendo que esse pedido fundamentou-se no disposto no artigo 393.º n.º 2 al.a) do CT.

Por conseguinte, também não se mostra verificada esta causa de nulidade da sentença, termos em que se indefere a sua arguição.

Questão diversa, porém, é a de saber se o valor da indemnização apurada corresponde àquele que é devido, tanto mais que, diferentemente do que foi alegado pela Autora, não ficou provado que o termo do contrato ocorreu em Junho de 2020, o que consubstancia eventual erro de julgamento, realidade distinta da nulidade da sentença e a ser apreciado nessa sede.

***
Analisemos, então, se no apuramento das retribuições devidas à Autora na sequência do despedimento ilícito, o Tribunal a quo errou na aplicação do direito que, no caso, é o artigo 393.º n.º 2 al.a) do CT.

Após concluir que entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de trabalho temporário a termo incerto, que o motivo justificativo do termo era verdadeiro e que a declaração endereçada à Autora pela Ré a comunicar-lhe a caducidade do contrato de trabalho consubstancia um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, o que não foi posto em causa pelas partes e, por isso, transitou em julgado, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“A questão que se coloca reside em saber se o fundamento da cessação desse contrato, e inerentemente desse motivo, era, igualmente, lícito.
Postula a A. que assim não foi na medida em que foi contratada uma colega para fazer as suas funções. Porém isso não se prova e as funções e habilitações era distintas.
Prova-se ainda que em Fevereiro de 2020 os dois fundamentos do termo verificam-se e deixa de haver razão para manter o motivo da contratação. Em Fevereiro é implementado o Banco, e em fevereiro deixa de ser feito processamento salarial.
Porém o contrato da A. cessou dia 17 de janeiro, ou seja no mês anterior à verificação do motivo extintivo do termo. Poder-se-ia alegar que era previsível que ia cessar o motivo, que iria ser implementado o banco, que iria deixar de ser feito processamento salarial. Mas não apenas tal não foi alegado, nem provado, como ainda se dirá mais. É que além de se desconhecer a data em que o contrato de outsourcing foi celebrado, sabe-se que os contratos não são outorgados na véspera da sua aplicação, mas antes com alguma antecedência. Ora, o contrato da A. era a termo incerto, pelo que não tinha de ser feito cessar numa data concreta (para impedir a renovação), mas apenas com a antecedência devida. Se o contrato fosse a termo certo compreende-se que fosse declarada a caducidade na data em que foi, por forma a impedir que se renovasse. Mas não.
Sendo o contrato a termo incerto este apenas poderia cessar quando se verificasse o termo. E em 17 de Janeiro, data em que cessou o contrato, ainda o motivo que justificou a contratação ainda subsistia.
Ou seja, se era previsível a ocorrência do termo (a implementação do banco e o contrato de outsourcing) então a R. só tinha de comunicar a caducidade com antecedência.
Mas não o fez mas antes fez cessar enquanto ainda existia motivo de contratação.
E ao fazê-lo está a proceder ao despedimento (ilícito porque sem processo disciplinar) da A. pois existindo fundamento a mesma tem o direito de se manter ao serviço da R. na empresa utilizadora. E nessa medida o seu pedido de indemnização procede, cfr. nº 6 do art. 173º CT.
A indemnização é fixada nos termos do art. 396º do CT e fixa-se em um mês por cada ano completo de antiguidade e que se julga adequado fixar em trinta dias, não podendo ser inferior a três meses. No caso dos contratos a termo tem o direito de receber as quantias até ao final do contrato. E isso mesmo a A. peticiona, donde se vê que a sua pretensão procede.”

Discorda a Recorrente deste entendimento estribando-se, no essencial, nos seguintes fundamentos:
- A sentença interpretou e aplicou erradamente o n.º 6 do artigo 173.º do CT, posto que esta norma não é aplicável ao despedimento ilícito que ficou demonstrado, mas a casos de cedência ilícita de trabalhadores temporários, por exemplo, por inexistência de alvará por parte da empresa de trabalho temporário, o que não está em causa nestes autos, pelo que não há que atender à indemnização a que alude o n.º 6 do artigo 173.º do CT.
- Ao caso não é aplicável o artigo 396.º do CT, mas sim o artigo 393.º n.º 2 al.a) do CT e sendo certo que o contrato cessaria no dia 3 de Fevereiro de 2020 a Autora tem direito apenas às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até ao termo da necessidade temporária, ou seja, às retribuições entre 18 de Janeiro de 2020 e 03 de Fevereiro de 2020, num total de € 725,99, sendo € 623,33, a título de Retribuição Bruta Mensal e € 102,66 a título de proporcional de subsídio de férias e de Natal, respeitantes a esse período e à compensação prevista no n.º 4, do artigo 345.º, do Código do Trabalho, a qual foi logo paga pela Recorrente.

Vejamos:

Tendo o despedimento ocorrido em 17 de Janeiro de 2020, ao caso é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro que entrou em vigor no dia 17 do mesmo mês e ano, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 93/2019, de 04 de Setembro.
Conforme decorre dos autos, entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de trabalho temporário.

Nos termos do artigo 172.º do CT:

Considera-se:
a)Contrato de trabalho temporário o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
(…).”

O contrato de trabalho temporário pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto (cfr. arts. 180º.º n.º 1 e 182.º n.º 5 do CT).

O contrato de trabalho celebrado com a Autora foi a termo incerto.

Adianta-se, desse já, que assiste razão à Recorrente quando afirma que o n.º 6 do artigo 173.º não é aplicável ao caso.

Dispõe o artigo 173.º do CT:

1- É nulo o contrato de utilização, o contrato de trabalho temporário ou o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária celebrado por empresa de trabalho temporário não titular de licença para o exercício da respectiva actividade.
2- É nulo o contrato celebrado entre empresas de trabalho temporário pelo qual uma cede à outra um trabalhador para que este seja posteriormente cedido a terceiro.
3- No caso previsto no n.º 1, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo.
4- No caso previsto no n.º 2, considera-se que o trabalho é prestado à empresa que contrate o trabalhador em regime de contrato de trabalho sem termo.
5- No caso de o trabalhador ser cedido a utilizador por empresa de trabalho temporário licenciada sem que tenha celebrado contrato de trabalho temporário ou contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, considera-se que o trabalho é prestado à empresa utilizadora em regime de contrato de trabalho sem termo.
6- Em substituição do disposto no n.ºs 3, 4 ou 5, o trabalhador pode optar, nos 30 dias seguintes ao início da prestação de actividade, por uma indemnização nos termos do artigo 396.º
7- Constitui contra-ordenação muito grave, imputável à empresa de trabalho temporário e ao utilizador, a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário por parte de empresa não titular de licença.”

Ora, o artigo 173.º do CT respeita a casos de irregularidades que, a verificarem-se, determinam a nulidade dos contratos que identifica.

Com efeito, como escreve a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra “Direito do Trabalho” Parte II-Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição Revista e Actualizada ao Código do Trabalho de 2009., Almedina, pags.306 e 307: “ As irregularidades de constituição das empresas de trabalho temporário podem repercutir-se nos contratos de trabalho temporário e de utilização que tais empresas venham a celebrar, com consequências para o trabalhador envolvido.

Assim, o artigo 173.º n.º 1 do CT comina com a sanção de nulidade o contrato de utilização celebrado entre uma empresa de trabalho temporário que não seja titular da licença respectiva. Dessa nulidade decorre ainda a nulidade do contrato de trabalho temporário associado ao contrato de utilização e a conversão automática daquele contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário (art.173.º n.º 3 do CT).

Já no caso da irregularidade se verificar na operação de cedência do trabalhador, pelo facto de tal cedência não ser titulada por um contrato para esse efeito, celebrado nos termos da lei, considera-se que o trabalhador tem um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a empresa de trabalho temporário (art.173.º n.º 5 do CT). Em alternativa, e tanto para este tipo de irregularidade, como para a irregularidade decorrente de problemas de licenciamento da empresa de trabalho temporário, o trabalhador pode optar, durante os primeiros 30 dias de execução do contrato, pela cessação do mesmo, com direito a uma indemnização compensatória, calculada nos termos do artigo 396.º do CT (art.173.ºn.º 6 do CT).

Ora, no caso dos autos não foi suscitada a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, nem foi declarada a sua nulidade. Pelo contrário, a sentença considerou que o contrato é válido. Por conseguinte, não lhe é aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º do CT, nem a indemnização prevista no artigo 396.º do CT, norma para a qual remete.

Aqui chegados e estando assente que o despedimento da Autora é ilícito, resta apurar que norma rege o cálculo da indemnização que lhe é devida.

Tendo a Autora celebrado um contrato de trabalho temporário a termo incerto, entendemos que ao caso é aplicável o disposto no artigo 393.º n.º2 al.a) do CT, norma que contém regras especiais relativas a contratos de trabalho a termo e que estatui:
 “1- As regras gerais de cessação do contrato aplicam-se a contrato de trabalho a termo, com as alterações constantes do número seguinte.
2- Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a)- No pagamento de indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais, que não deve ser inferior às retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente;
b)- Caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão judicial, na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
3- Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.”

Assim, como se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.03.2015,in www.dgsi.pt e cujo entendimento acompanhamos, “I Face à diferente natureza do vínculo laboral, enquanto as retribuições intercalares para o trabalhador com contrato permanente têm a finalidade de compensação, sendo um acréscimo à indemnização pelo despedimento ilícito, já as retribuições que o trabalhador, com contrato a termo, que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo ocorrer posteriormente, funcionam como um limite mínimo da indemnização a que tem direito, em caso de despedimento ilícito. O trabalhador nunca pode receber menos, como indemnização, do que receberia se estivesse a cumprir o contrato a termo até ao seu fim.
II– Assim, por força da alínea a) do º 2 do artigo 393º do CT, em caso de despedimento ilícito o empregador é condenado a pagar ao trabalhador uma indemnização pelos prejuízos causados, conforme já resultava do artigo 389º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal, «tendo o quantum indemnizatório como limite mínimo o valor dos salários intercalares devidos ao trabalhador desde a data do despedimento até à verificação do termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, consoante o que ocorra primeiro. Os salários intercalares correspondentes ao período que medeia entre estas duas datas (data do despedimento e data da verificação do termo resolutivo ou do trânsito em julgado da decisão) representam, pois, o montante mínimo a pagar pelo empregador ao trabalhador, a título de indemnização compensatória dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo despedimento ilícito.”

No caso, tendo o termo do contrato ocorrido antes do trânsito em julgado da sentença, são devidas à Autora, para além da compensação que a Recorrente diz já ter sido paga e que não vem reclamada, as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato, sendo que nestas estão incluídas, para além dos salários, todas as demais importâncias que teria auferido não fosse o despedimento (cfr. Acórdão do mesmo Tribunal de 07.02.2011, igual pesquisa).

Ora, ficou provado que o despedimento ocorreu no dia 17 de Janeiro de 2020, tendo a Autora, a partir dessa data, deixado de trabalhar para a Ré (factos provados 7 e 8), que a Autora auferia a retribuição base mensal de € 1.100,00 acrescida de € 9, 03, por cada dia efectivo de trabalho, de subsídio de alimentação (facto provado 5). Mais se provou que a implementação do banco (…) ocorreu em Fevereiro de 2020 e que a empresa utilizadora recorreu ao outsourcing para o processamento salarial, deixando de o fazer em Fevereiro de 2020 (factos provados 10 e 11).

Embora a Recorrente tenha invocado que o termo do contrato ocorreria no dia 3 de Fevereiro de 2020, o certo é que não provou que assim tenha sido. Consequentemente, face ao teor do facto provado sob 10 impõe-se concluir que o termo do contrato ocorreu no último dia de Fevereiro de 2020.

Acresce que também não resulta dos factos provados que a Ré pagou à Autora as retribuições relativas ao período de 17 a 31 de Janeiro (15 dias).

Assim, são devidas à Autora:
- 1) Retribuição correspondente a 15 dias de Janeiro de 2020, acrescida do 2) subsídio de alimentação:
1) (€1.100,00 x 15 dias) : 30 dias = €550,00;
2) (€9,03 x 11 dias) = €99,33;
3) Total 1) + 2) = €550,00 + €99,33 = €649,33

- 4) Retribuição de Fevereiro e subsídio de refeição de Fevereiro de 2020:
4) €1.100,00 + €180,60 (€9,03 x 20 dias) = €1.280,60.

- 5) Retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – proporcionais do mês de Janeiro de 2020:
5) [(€1.100,00 x 15 dias) : 365 dias] x 3 = €135,60.

- 6) Retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal – proporcionais do mês de Fevereiro de 2020:
6) [(€1.100,00 x 29 dias) : 365 dias] x 3 = €262,19.
Total 3) + 4) + 5) + 6) = €649,33 + €1.280,60 + €135,60 + €262,19 = €2.327,72.

A esta quantia acrescem juros de mora à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.

Em consequência, o recurso deverá ser julgado parcialmente procedente, alterando-se a sentença em conformidade.

Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas da acção e do recurso são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, tendo-se em conta a isenção de que beneficia a Autora.

Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, julgam a acção parcialmente procedente por provada e condenam a Ré a pagar à Autora a quantia total de €2.327,72 acrescida de juros de mora à taxa legal devidos desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento.
Custas pelas partes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia a Autora.
Registe e notifique.


Lisboa, 13 de Outubro de 2021



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Filomena Maria Moreira Manso