Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2020/12.3TVLSB-A.L1-1
Relator: ROSÁRIO GONÇALVES
Descritores: REVISÃO
FUNDAMENTOS
SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 O recurso extraordinário de revisão, apenas poderá ter por objecto, os taxativos fundamentos plasmadas no art. 696º do CPC.
2 Uma sentença judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificada como um documento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


1Relatório:


O recorrente, Jorge..., deduziu recurso de revisão do despacho saneador proferido nos autos apensos, o qual absolveu os réus da instância, atenta a procedência da excepção da sua ilegitimidade passiva. 

Deste despacho foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde foi proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e a manter o despacho proferido.

Tal acórdão transitou em julgado.

Tendo sido o TRL. a proferir o acórdão transitado será este Tribunal o competente para apreciar o presente recurso de revisão.

O recorrente apresentou as suas alegações, concluindo nas mesmas:
i. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls., proferida pelo Tribunal a quo, porquanto não ter ponderado com razoabilidade ao decidir manter a decisão recorrida, improcedendo a petição apresentada pelo recorrente, e, por conseguinte, violou a norma prevista no artigo 30º do CPC.
ii. Com efeito, entendeu o tribunal a quo que, "os RRs. não têm legitimidade processual para serem demandados nestes autos, nos termos e para os efeitos do artigo 26º do CPC. A ilegitimidade passiva constitui uma excepção dilatória, nos termos do artigo 576º, nsº 1 e 2 e 577º, al. e) do CPC, que conduz à absolvição da instância dos demandados. Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos supra expostos, julgo procedente, por provada, a excepção de ilegitimidade passiva suscitada e, em consequência, absolvo os Réus da presente instância".
iii. O douto Tribunal a quo não ponderou com razoabilidade, improcedendo a petição apresentada pelo ora recorrente.
iv. Face a toda a factualidade carreada para os autos, é impossível que o douto Tribunal a quo procedesse à apreciação do mérito da causa, quando o Recorrente apresentou testemunhas que, tendo sido permitido serem ouvidas, iriam possibilitar aferir das questões levantadas pelo Autor e, bem assim, pelos Réus, mormente, da sua legitimidade para figurarem nos presentes autos.
v. As partes só devem considerar-se ilegítimas quando, tomada a relação jurídica material controvertida, tal como a configura o autor na petição inicial, elas não sejam os sujeitos.
vi. No ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como o apresenta o autor" (A Legitimidade Singular em Processo Declarativo", in BMJ nº 292, pág. 105).
vii. A legitimidade, enquanto pressuposto processual, respeita às condições impostas ao exercício de uma situação subjectiva em juízo e as condições da acção referem-se aos aspectos dos quais depende a obtenção da tutela jurisdicional requerida (cfr. Ac. do STJ de 4-2-97, BMJ 464-545).
viii. No ensinamento de Antunes Varela, "uma coisa é saber se as partes são sujeitos da pretensão formulada, admitindo que a pretensão exista. Outra coisa, essencialmente distinta, é apurar se a pretensão na verdade existe, por se verificarem os requisitos de facto e de direito que condicionam o seu nascimento, o seu objecto e a sua perduração.
ix. Em conclusão, à legitimidade, tal como hoje a lei adjectiva a concebe, interessa saber quem são os sujeitos da relação material controvertida, tal como o A. a configura, pertencendo ao mérito da causa saber se essa relação existe ou não existe.
x. No caso sub judice, a ação visava a condenação dos Réus no pagamento de indemnização em virtude da violação do direito de propriedade do A. sobre os bens por si descritos na PI, os quais foram esbulhados pelos RR., que os entregaram a terceiros, sem autorização.
xi. A entrega do imóvel ao senhorio, pelos ora RR.:, foi a título pessoal e não institucional, não tendo sido apresentada qualquer prova da deliberação da pessoa coletiva que os mandatou, sendo que os RR. se escudaram na alegação da sua intervenção "enquanto legítimos representantes da Universidade Sénior de Queluz", para tentar justificar a entrega dos bens pertença do Autor indevidamente a terceiros, enquanto o direito de propriedade inerente ao imóvel estava a ser discutido em sede judicial.
xii. Não se entende que o douto Tribunal a quo, tenha considerado estar na presença de todos os elementos necessários em ordem a decidir relativamente ao mérito da causa, aferindo da ilegitimidade da parte RR., sem necessidade de produção de prova testemunhal para aferir quem são os sujeitos da relação material controvertida, tal como o A. a configura, sendo que pertence ao mérito da causa saber se essa relação existe ou não existe.
xiii. As testemunhas, eram fundamentais para explicar a "novela" da entrega do imóvel e a qualidade em que efetivamente intervêm os seus autores.
xiv. No caso concreto, o Recorrente foi impedido de ver o processo julgado e discutido em sede judicial.
xv. Ora, se existe valor profundamente afectado na esfera jurídica de um cidadão num Estado de Direito Democrático, é o direito à justiça e ao direito, violando o disposto no artigo 20º da CRP.
xvi. E, de facto, o Recorrente, viu este direito profundamente afetado, ao perder a hipótese de defesa, por falta não imputável a ele, de prova testemunhal, tanto mais grave quanto se atentarmos estar-lhe vedado, no caso concreto, a demanda de outrem que sabe não ser parte da relação contravertida, e que ademais, sequer dispõe de personalidade e/ou capacidade jurídica
xvii. Não o fez assim a sentença recorrida, a qual descurou que a legitimidade é a processual, e que face a esta e à luz do supra exposto, os R.R. são partes legítimas, o que de per si, dita e impõe a sua nulidade
xviii. Mal andou o tribunal de 1ª instância quando considerou procedente a exceção de ilegitimidade e absolveu por isso da instância os RR:
xix. Sendo a sua decisão nula e devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por despacho que reconheça a legitimidade dos RR:
xx. Em 12 de Outubro de 2017, veio o Recorrente a tomar conhecimento do teor do douto Despacho Saneador proferido no processo judicial autuado sob o nº 1694/11.7T2SNT, que correu termos pelo tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra, Juízo Grande Instância Cível, 1ª Secção, Juiz 3.
xxi. No qual, consta: "Atenta esta definição e tendo em conta a denominação da citada Ré, propendemos a considerar que a "Universidade Sénior de Queluz" não é um estabelecimento de ensino superior mas antes uma entidade que dinamiza actividades sociais, culturais, educacionais e de convívio para cidadãos com mais de 50 anos".
xxii. "Daí que devamos concluir que, à semelhança do que sucede com os estabelecimentos de ensino superior pertencentes a cooperativas e entidades privadas (nºs 1 e 3 do artigo 9º da Lei nº 62/2007 de 10 de Setembro), as entidades que venham a ser criadas por essas associações não dispõem de personalidade jurídica própria".
xxiii. Concluindo que "Assim, há que considerar que a referida ré não dispõe de personalidade jurídica. Não sendo aquele ente dotado de personalidade jurídica, resta considerar que não dispõe, igualmente, de personalidade judiciária, tanto mais que não se enquadra em nenhuma das alíneas do artigo 6º do Código de Processo Civil.
xxiv. É justo entender que, após conhecer do teor e fundamentos da decisão proferida no douto Despacho Saneador proferido no processo judicial autuado sob o nº 1694/11.7T2SNT, que correu termos pelo tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra, Juízo Grande Instância Cível, 1ª Secção, Juiz 3, não poderá manter-se a sentença proferida nos presentes autos.
xxv.Isto porque resulta claramente provado, que a "Universidade Sénior de Queluz" não possui personalidade jurídica, nem possuí, sequer, capacidade judiciária.
xxvi. Só na presente data, o ora Recorrente conseguiu retomar o contacto (mudou de escritório e de contactos) com a Ilustre patrona que o defendeu e tomou conhecimento do teor do douto Despacho Saneador proferido no processo judicial autuado sob o nº 1694/11.7T2SNT, que correu termos pelo tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, Sintra, Juízo Grande Instância Cível, 1ª Secção, Juiz 3.
xxvii. Até à data, apenas tinha conhecimento do teor da sentença e não do Despacho Saneador e, principalmente, da parte falta de personalidade judiciária da Ré "Universidade Sénior de Queluz".
xxviii. A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artº 3º, nº 3, do Cód. de Proc. Civil, visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, evitar "decisões surpresas", ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa.
xxix. O presente recurso extraordinário de revisão de sentença é fundado na situação prevista na al. c) do artº 696º do Cód. de Proc. Civil.
xxx. O presente recurso respeita o requisito previsto no artigo 697º, nº 2 do Cód de Proc. Civil, e portanto, está em tempo, pois que ainda não decorreram os 5 anos sobre o trânsito em julgado da sentença judicial e o requisito previsto no artigo 697º, nº 2, al. c) do Cód. de Proc. Civil, e portanto, está em tempo, pois ainda não decorreram os 60 dias sobre a data que o ora Recorrente obteve o documento.
xxxi. A violação da garantia do exercício desse direito consubstancia uma nulidade de natureza processual.
xxxii. Pelo exposto, mal andou o tribunal de 1ª instância quando considerou procedente a exceção de ilegitimidade e absolveu por isso da instância os RR., sendo a sua DECISÃO NULA e devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por despacho que reconheça a legitimidade dos RR.
xxxiii. O Recorrente beneficia da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e nomeação oficiosa de patrono já apresentadas nos autos principais aos quias o presente recurso deverá ser apensado.

Foram notificados os recorridos, nos termos e para os efeitos do disposto no nº. 2 do art. 699º do CPC., nada dizendo.

Foram colhidos os vistos.

2Cumpre apreciar e decidir:

As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º, todos do CPC.    

A questão a dirimir consiste em aquilatar, sobre o fundamento da presente revisão, ao abrigo do disposto na alínea c) do art. 696º do CPC.  

A factualidade pertinente para a decisão é a constante do presente relatório para o qual se remete.

Vejamos:

Veio o recorrente interpor o presente recurso de revisão, invocando para o efeito, que em Outubro de 2017 veio a tomar conhecimento do teor do despacho saneador proferido no Processo Judicial nº. 1694/11.7T2SNT, que correu termos pelo Tribunal da Comarca da Grande Lisboa, Sintra, onde se conclui que a Universidade Sénior de Queluz, não possui personalidade jurídica, nem capacidade judiciária.

Ora, como alude Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., Almedina, pág. 305 «O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que permite a quem tenha ficado vencido ou prejudicado num processo anteriormente terminado, a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas taxativamente indicadas na lei».

Os fundamentos do recurso de revisão são os taxativamente previstos no art. 696º do CPC., ou seja, a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando:
(…)
c)-Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

Com efeito, o fundamento do recorrente reporta-se à existência e do seu conhecimento, de um documento superveniente ao trânsito da decisão proferida nos autos.

Ora, como se alude no Ac. do STJ. de 11-9-2007, in http://www.dgsi.pt «O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

Para servir de fundamento à revisão é necessário que o documento, além do carácter da superveniência, faça prova de um facto inconciliável com a decisão a rever, isto é, que só por ele se verifique ter esta assentado numa errada averiguação de facto relevante para o julgamento de direito».

E para que o documento possa fundamentar a revisão, como se esclarece no Ac. do STJ. de 19-10-2017, in http://www.dgsi.pt «Tem que revestir dois requisitos cumulativos: a novidade (que significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde dele socorrer-se) e a suficiência (que implica que o documento constitua um meio de prova susceptível de, por si só, demonstrar ou infirmar facto ou factos relevantes por forma a conduzir a decisão mais favorável ao recorrente)».

No caso vertente, o recorrente baseia-se no que apelida de documento, o qual consiste numa decisão judicial.

Ora, uma sentença judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificada como um documento, dado não se enquadrar na noção técnica vertida no art. 362º do Código Civil (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, pág. 573).

Nos termos plasmados no art. 362º do C. Civil, prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

O documento em que o recorrente se estriba, não possui as virtualidades desencadeadoras do mecanismo da revisão.

O despacho saneador em causa, em nada colide e em nada afecta a questão da legitimidade das partes decidida no âmbito dos presentes autos.

Efectivamente, os réus nos presentes autos são Carlos…, Ilídio... e Manuela ...

O conhecimento aqui da sua ilegitimidade, não carecia de qualquer prova, ou documento, uma vez que apenas se tratava de uma questão meramente processual.

Tal como o autor configurou a acção, os réus demandados não figuravam na lide como verdadeiros sujeitos passivos.

Por seu turno, o saneador sentença ora apresentado, como documento com virtualidades de modificação daquela decisão, é completamente inócuo.

Com efeito, não só o mesmo, tratando-se de uma sentença, não funciona como documento, no sentido conferido na al. c) do art. 696º do CPC., como, ainda que assim sucedesse, de igual modo, não seria de lhe conferir qualquer virtualidade.

Compulsado o saneador sentença agora invocado, constatamos que os réus daquela acção são diferentes dos réus da presente, bem como, ali se decidiu que a Universidade Sénior de Queluz, não tem personalidade judiciária.

Ora, não existe qualquer correlação entre ambas as decisões, quer a nível dos sujeitos processuais passivos, quer a nível das decisões tomadas, pois, ilegitimidade e personalidade judiciárias são realidades completamente diferentes.

Destarte, o despacho saneador cujo conhecimento foi agora suscitado pelo recorrente, não possui quaisquer virtualidades, ou seja, não é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, decaindo a pretendida revisão.

Em síntese:
- O recurso extraordinário de revisão, apenas poderá ter por objecto, os taxativos fundamentos plasmadas no art. 696º do CPC.
- Uma sentença judicial não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificada como um documento.


3Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o invocado fundamento para a revisão.

Custas a cargo do recorrente, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.


Lisboa, 10.04.18


Rosário Gonçalves
José Ramos
Manuel Marques