Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
695/16.3T8VFX.L1-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
NATUREZA DO SALÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I–Na vigência do contrato de trabalho não é de admitir que a entidade patronal efective compensação no salário do trabalhador com crédito que tenha sobre o mesmo, nem faça desconto ou dedução no montante daquele, mesmo com o seu acordo, salvo nos casos contemplados no nº 2º do artigo 279º do CT/2009.

II–Tal interpretação do aludido preceito (artigo 279º do CT/2009) não viola o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

III–Efectivamente, quando uma norma é susceptível de mais do que uma interpretação - uma, compatível com a Constituição; outra, incompatível com ela - os Tribunais devem preferir a interpretação que for conforme a Constituição.

IV–Na vigência do contrato de trabalho o direito à retribuição é irrenunciável.

IV–Para a entidade patronal os salários consubstanciam, usualmente, “custos de produção” enquanto para o trabalhador são quase sempre créditos de sobrevivência.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Em processo administrativo de contra-ordenação instaurado pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), a arguida/recorrente AAA, S.A, com sede em (…) foi condenada numa coima de 9 180,00€ por violação ao disposto no artigo 279º nº 1 e 5 do Código do Trabalho/2009[1] [2][3].

A arguida/recorrente não se conformou com a decisão.[4]

Assim, impugnou-a  judicialmente, nos termos do disposto no artigo 32.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro .

Alegou e concluiu que todos os débitos que lhe são imputados foram realizados com o conhecimento e autorização do trabalhador, não decorrendo de qualquer decisão unilateral da recorrente, pelo que não são abrangidos pela proibição constante do art. 279º nº 1 do Código do Trabalho.

Acresce que a autoridade administrativa já havia elaborado um auto de advertência, fundamentado a violação na Lei 102/2000 pelo que não pode agora voltar a sancionar a recorrente pelos mesmos factos.

Concluiu pela sua absolvição.

Recebida a impugnação foi designada data para realização de  julgamento.[5]

No decurso deste [6]foi proferida decisão , que na parte relevante , logrou os seguintes moldes:
“A instância mantém-se valida e regular.

Fundamentação de facto.
Estão provados os seguintes factos:
1.-Em 22-2-2012, foi pela ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho efectuada uma vista inspectiva às instalações da arguida sitas em (…)
2.-Na sequência da referida vista foi a arguida notificada para, ao abrigo do artigo 11º n.º 1 alínea e) do Estatuto da Inspecção Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, proceder à entrega na Unidade Local de Vila Franca de Xira da Autoridade para as Condições do Trabalho, até dia 5-3-2012, de diversos documentos.
3.-(…) foi admitido ao serviço da arguida em 1-6-1991, com a categoria de Motorista de Pesados, auferindo em 2012 a retribuição mensal de 607,00€.
4.-A notificação efectuada para apresentação de documentos a arguida foi notificada para apresentar os recibos de retribuição do trabalhador (…), referentes ao período entre outubro de 2011 e Janeiro de 2012.
5.-Analisados estes recibos verifica-se que a arguida procedeu aos seguintes descontos na retribuição do trabalhador (…): 200,00€ no mês de Novembro de 2011; 250,00€ no mês de Dezembro de 2011 e 250,00€ no mês de Janeiro de 2012.
6.-Constando todos eles nos recibos sob o item “descontos/diversos”.
7.-Tendo esses montantes sido efectivamente descontados no valor global do recibo e na transferência efectuada para o trabalhador para pagamento da sua retribuição.
8.-Os recibos de retribuição em causa apresentam a remuneração decomposta em diversas parcelas aí creditadas, com distintos valores cada uma, a saber “Vencimento Base, Diuturnidades Ajud. Custo (TIR), Subsídio de refeição, Ajud. Custo (Estrang), Cláusula 74 (50%) Clausula 74 (75%)”.
9.-Com vista à regularização da situação, foi a arguida notificada no dia 20-4-2012, nos termos do nº 4 do artigo 70 e da alínea e) e I) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, para proceder ao apuramento da quantia em dívida ao trabalhador (…) e ao respectivo pagamento ao mesmo.
10.-A arguida nada pagou ao trabalhador com referência aos descontos efectuados nos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.
11.-Os quais foram imputados pela arguida a utilização indevida de cartão de combustível que havia sido entregue ao trabalhador (…).
12.-Quando o cartão foi entregue ao trabalhador o mesmo subscreveu uma declaração na qual consta “tomei conhecimento aquando a entrega do(s) Cartão (cartões) de Abastecimento e ou portagens abaixo identificados, que serei responsável pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio, designadamente os abastecimentos abusivos e ou passagens em portagens de modo também abusivo. Assim sendo, autorizo que me sejam descontados no meu vencimento os valores desses prejuízos acrescidos de: 15 €, que corresponde ao custo de cada cartão, quer de pagamento de portagens quer de pagamento de combustível, fico também informado e obrigado a não deixar os códigos secretos dos cartões abaixo declarados junto dos mesmos ou ao alcance de terceiros, tornando-me responsável pelas transacções efectuadas por terceiros com utilização de código secreto, mesmo após ter declarado a perda ou o roubo dos referidos cartões”.
13.-A arguida consignou no relatório social único a que alude a Portaria 55/2010 um número médio de trabalhadores ao longo do ano de 2011 de 374 e um volume de negócios de 31 009 013,00€.

Não se provou:
1.-Que a ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho tenha levantado um auto/processo de advertência à arguida pelos factos referentes aos descontos na retribuição de (…) em Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.
2.-Que o trabalhador tenha solicitado a realização dos descontos.
3.-Que a arguida tenha sido condenada pela prática de contra-ordenações graves com dolo ou muito graves por decisões definitiva ou por sentença transitada em julgado.
4.-Qualquer outro facto em oposição com os dados como provados. ***

Os factos acima enunciados foram como tal considerados atenta a prova testemunhal que teve lugar em audiência de julgamento e a prova documental constante dos autos.

Assim e quanto às interpelações efectuadas pela ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho à arguida o tribunal relevou os documentos de fls 5 (notificação para apresentação de documentos) datada de 22-2-2012 e de fls 13 e 14 (notificação para apresentação de documentos e apuramento de quantias em dívida ao trabalhador (…) conjugadas com o depoimento prestado pela testemunha (…) que, enquanto inspector da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho e no exercício dessas funções, efectuou a visita inspectiva e as referidas notificações.

Foram considerados os documentos de fls 7 a 10 (recibos de retribuição) e fls 6 (ficha de funcionário) seja quanto aos descontos efectuados, forma de apresentação dos mesmos e quanto à qualidade, categoria profissional e antiguidade do funcionário.

A realidade de facto vertida em tais documentos foi confirmada pela testemunha ...Barrosinha o qual esclareceu que a sua retribuição foi efectivamente diminuída no montante correspondente aos descontos constantes dos recibos e da qual se encontra, na actualidade, privado.

O documento de fls 12 (termo de entrega de cartões) foi considerado quanto à declaração subscrita pelo trabalhador quando da entrega dos cartões de combustível, tendo a testemunha (…) reconhecido a sua assinatura nele aposta e situado a subscrição quando os cartões lhe foram entregues.

A testemunha (…), funcionária de empresa que assegura a gestão de recursos humanos da arguida e de outras empresas do grupo empresarial que a mesma integra, esclareceu que só a arguida pode proceder ao cancelamento dos cartões e que os descontos se reportam a consumos efectuados até ao cancelamento e decorrentes do facto do trabalhador ter perdido os cartões com os códigos.

Esta situação é confirmada pelo trabalhador no seu depoimento sendo que o mesmo referiu que foi assaltado e lhe levaram quer os cartões, quer o telemóvel no qual tinha guardado os códigos de cada um deles.

O relatório social de fls 4 foi considerado quanto a número de trabalhadores da arguida em 2011 e quanto ao volume de negócios aí consignado.

Nenhuma prova foi feita do levantamento de qualquer auto ou processo de advertência. Dos autos nenhum consta e a ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho esclareceu a fls 70 e ss de forma clara e inequívoca que a tal não procedeu.

O que resulta dos documentos de fls 5 e 13/14 é que a arguida foi notificada para apresentar documentos e perante os factos verificados lhe foi possibilitada a regularização da situação considerada irregular pelo inspector da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho antes de ser levantada o auto de notícia.

Afigura-se que qualquer uma das referidas notificações, designadamente a segunda, não configura um auto tal como o art. 10º nº 1 al d) da Lei 107/2009 o consagra, sendo face à qualificação da infracção como muito grave (cfr. art. 279º nº 5 do Código do Trabalho) se afigura que o mesmo sempre seria inadmissível.

Entende o tribunal que não foi feita qualquer prova da solicitação dos descontos pelo trabalhador porquanto o mesmo, ouvido como testemunha, referiu a surpresa que estes constituíram relatando mesmo que após a intervenção da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho, que requereu, continuaram a efectuar descontos, mas deixaram de expressar os mesmos nos recibos.

Nenhuma prova foi feita da reincidência da arguida.

Com efeito a autoridade administrativa refere na sua decisão que “ Consultada a aplicação informática desta Autoridade para as Condições do Trabalho (SINAI), a informação recolhida indica inexistência de reincidência”.

A suposta informação não foi junta previamente à decisão administrativa, designadamente para fundamentar a conclusão de reincidência sendo o mesmo junto apenas na fase judicial e por determinação do tribunal – documento de fls 73.

Ainda que a autoridade administrativa não tenha retirado a consequência prevista no art. 561º do Código do Trabalho na determinação da coima abstracta sempre se dirá que o registo em causa é um mero print informático do qual constam menções telegráficas de imputação de factos, de data de factos e de valores de coimas sem qualquer materialidade fáctica que sustente a censura própria de uma situação de reincidência.

Acresce que tal registo ou print suscita as maiores reservas quanto à sua fiabilidade como se verifica pelo facto de não ser nele introduzida qualquer menção ao caracter definitivo da decisão condenatória ou ao seu trânsito em julgado.
***

Fundamentação de direito.
À arguida é imputada a prática de uma contra-ordenação prevista e punida no art. 279º do Código do Trabalho segundo o qual:
“1-Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.

2-O disposto no número anterior não se aplica:
a)-A desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade, ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do auto;
b)-A indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação;
c)-À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º;
d)-A amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo concedido pelo empregador ao trabalhador;
e)-A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste;
f)-A abono ou adiantamento por conta da retribuição.
3-Os descontos a que se refere o número anterior, com excepção do mencionado na alínea a), não podem exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição.
4-Os preços de refeições ou outros bens fornecidos ao trabalhador por cooperativa de consumo, mediante acordo entre esta e o trabalhador, não estão sujeitos ao limite mencionado no número anterior.
5-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1.”.
Em causa nos autos a realização de descontos no montante de 200,00€, 250,00€ e 250,00€ na retribuição do trabalhador da arguida nos meses de, respectivamente, Novembro, Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.

Nada nos autos permite enquadrar os referidos descontos em qualquer uma das situações prevista no nº 2 do preceito.

Trata-se de descontos que incidem sobre o valor global dos recibos, sendo a remuneração decomposta em diversas parcelas não se afigura possível afirmar que os descontos incidem apenas sobre uma qualquer concreta parcela.

Pretende a arguida que se limitou a compensar um crédito que detinha sobre o trabalhador e que o fez com o consentimento deste.

A proibição de compensação expressa no nº 1 do art. 279º citado confere uma especial tutela à retribuição e encontra a sua justificação na Constituição da República Portuguesa cujo art. 59º incumbe o Estado de assegurar a retribuição a que os trabalhadores têm direito e no seu nº 3 estatuiu que os mesmos gozam de garantias especiais.

Através da compensação – instituto jurídico previsto nos arts 847º e 848º do Código Civil como forma de extinção da obrigação – “ o compensante, ao emitir a declaração de compensação actua como que através de acção directa, inutilizando o crédito da ou sacrificando o crédito retributivo do trabalhador.

Ora, o que se afigura lícito deduzir do disposto no presente artigo é que esta norma visa impedir que o empregador -- e apenas ele -- recorra a esta espécie de acção directa, frustrando ou sacrificando o crédito retributivo do trabalhador.

O artigo em análise já não constitui qualquer espécie de obstáculo à utilização do crédito salarial pelo trabalhador, com o objectivo de saldar dívidas suas para com o empregador. Vale dizer, o art. 279.º não permite que a entidade patronal actue como compensante, mas não proíbe que o trabalhador actue como tal -- ou, por outras palavras, o crédito retributivo não poderá funcionar, à luz desta norma, como «crédito principal», mas nada impede que ele funcione como «contra-crédito». Fora da previsão deste artigo ficam também, naturalmente, as hipóteses de compensação voluntária, bilateral, em que as duas partes estejam de acordo em compensar os recíprocos créditos e débitos. Significa isto, em suma, que a proibição contida no art. 279.° se restringe às hipóteses de compensação legal (unilateral) e, dentro destas, às hipóteses de compensação unilateral por parte do empregador. Diferente será o caso na eventualidade de a declaração de compensação ser feita pelo trabalhador, bem como na hipótese de compensação convencional ou voluntária. Estas são situações que exorbitam da respectiva previsão normativa, pelo que a operatividade da compensação não encontra qualquer entrave neste preceito.” – Leal Amado in Contrato de Trabalho, pág. 318 e ss da 4ª ed.

A arguida sustenta os descontos foram autorizados e solicitados pelo trabalhador estando assim afastada a ocorrência de qualquer compensação uniliteral da empregadora.

Não foi feita qualquer prova que o trabalhador tenha solicitado a realização dos descontos em causa.

Sustenta a arguida que o trabalhador autorizou a sua realização através do documento que subscreveu quando lhe forma entregues os cartões.

Em causa uma declaração em que o trabalhador assume a responsabilidade pelos prejuízos decorrentes do uso indevido dos cartões e autoriza o desconto dos prejuízos no seu vencimento.

Independentemente do contexto em que tal declaração foi subscrita – considerando que o foi para receber os cartões de abastecimento e portagens, sendo o trabalhador motorista, terá sido no contexto da execução da prestação laboral, por via desta e determinação da arguida – dada a protecção do salário constitucionalmente consagrada não se afigura que uma tal declaração seja bastante para configurar uma autorização de desconto.

Se bem se entende a ratio da proibição do art. 279º nº 1 do Código do Trabalho para que se considerasse existir autorização a declaração não podia ter o carácter genérico e ilimitado que consta na subscrita pelo trabalhador.

Da mesma não resulta qualquer delimitação quantitativa dos valores que o trabalhador autoriza ou da forma (modo e tempo) como autoriza que seja efectuado o desconto.

Não resulta da prova produzida que o trabalhador tenha sido informado previamente à realização dos descontos que estes iam ocorrer ou de qual o seu valor.

Considerar uma tal declaração, vaga e sem limites (temporais ou quantitativos) como sendo uma autorização para a arguida proceder ao desconto na retribuição de qualquer prejuízo que impute ao trabalhador é derrogar o art. 279º nº 1 do Código do Trabalho admitindo que a arguida podia proceder à compensação de valores, quando, no montante e durante o tempo que bem entendesse, ou seja, por decisão unilateral da arguida.

Concluindo, a declaração em causa não tem a validade que a arguida lhe atribui não sendo justificação para o seu comportamento ao proceder aos descontos na retribuição do seu trabalhador e durante a pendência da relação laboral.

Verificados elementos objectivos do tipo legal de contra-ordenação que à arguida é imputada o sancionamento da mesma exige que esta lhe seja igualmente imputável no plano subjectivo.

Com efeito, como decorre do art. 548º do Código do Trabalho, “Constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral que seja punível com coima”.

No plano subjectivo nada permite afirmar que a arguida quis de forma deliberada violar a proibição de compensação consagrada no art. 279º nº 1 do Código do Trabalho.

Porém, salvo melhor opinião, a arguida não podia desconhecer a proibição e sobretudo não podia deixar, num plano de normal diligência, averiguar da regularidade da sua conduta sustentada na declaração subscrita pelo trabalhador quando da entrega dos cartões.

Uma empresa com a dimensão da arguida – mais de trezentos trabalhadores – implica um nível de organização com estruturas de planeamento, prevenção e assessoria que não pode deixar de lhe facultar os meios para, no mínimo, considerar de altamente discutível a validade da declaração.

Num tal contexto ao proceder aos descontos da forma em que o fez – sem acautelar devida e validamente a autorização do trabalhador – a sua conduta não pode deixar de ser considerada negligente preenchendo o elemento subjectivo do tipo legal em conformidade com o disposto nos arts 548º e 550º do Código do Trabalho, 8º do DL 433/82 e 15º do Código Penal.

Com efeito considera-se que “existe negligência sempre que o agente viola o dever objectivo de cuidado adequado a evitar a ofensa do bem jurídico protegido pela norma; isto é, quando não toma a precauções necessárias adequadas a evitar o resultado, ou seja, a negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia.

O seu traço fundamental situa-se na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência – não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias para evitar o evento” – Ac RP de 12-1-2011 in www.dgsi.pt/jtrp com o nº de processo 874/19.7TTVCT.P1.

Verificada a prática do ilícito e a sua imputação à arguida importa proceder à determinação da medida da coima.

A contra-ordenação é, nos termos do art. 279º nº 5 do Código do Trabalho, qualificada de muito grave.

Considerado o volume de negócios constante dos autos e a imputação sob a forma de negligência, decorre do art. 554º nº 4 al e) do Código do Trabalho que a medida abstracta da coima é de 90 UC a 300UC.

Na determinação da medida concreta da coima importa atender à gravidade da contra-ordenação, à culpa da arguida, à sua situação económica e ao benefício que retirou da prática da contra-ordenação – art. 18º nº 1 do DL 433/82 ex vi do art. 559º nº 1 do Código do Trabalho.

Para além da gravidade decorrente da qualificação da contra-ordenação como muito grave, da persistente negligência da arguida – incorreu na prática da contra-ordenação ao longo de três meses (o período em apreciação nos autos) --, sendo desconhecida a sua situação económica não se pode deixar de atender ao facto de ter logrado obter um benefício de 700,00€ que, podendo ser irrelevante para a arguida é superior ao valor da retribuição base do trabalhador visado.

A ponderação destes elementos levará a que a medida concreta da coima não se possa situar no seu patamar mínimo impondo-se que embora não atingindo o patamar médio para este se oriente.

Contudo, verificado que a autoridade administrativa aplicou à arguida a sanção mínima (90 UC) atento do disposto no art. 72ª do DL 433/82, ex vi do art. 60º da Lei 107/2009, será esta a coima aplicada à arguida. Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide julgar a presente impugnação improcedente por não provada mantendo a decisão da autoridade administrativa.

Custas pela arguida fixando-se a taxa de justiça devida em 3 (três) UC – arts 92º nº 1 e 94º nº 3 do DL 433/82, 513º e 514º do Código de Processo Penal, todos ex vi do art. 60º da Lei 107/2009, art. 59º deste último diploma e art. 8º nº 7 a 10 do Regulamento das Custas Processuais” – fim de transcrição e negrito nosso.

Ainda inconformada , a  arguida recorreu.[7]
Concluiu que:
“1.-Operando-se o instituto da compensação apenas pela declaração de uma das partes, em conformidade com o artigo 847.º do Código Civil, unilateralmente, o trabalhador[8] está proibido de compensar créditos com a retribuição devida ao trabalhador, porém os débitos dos montantes foram feitos com a autorização do trabalhador e a seu pedido.
2.-Aquando da entrega do cartão de combustível, o trabalhador assinou uma declaração, na qual tomava conhecimento das regras de utilização, assumindo ainda a responsabilidade pelas transações efetuadas através do mesmo cartão, facto que se deu como provado no ponto 12. da sentença.
3.-É inadmissível, por violação do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, a conclusão de que a compensação, com o acordo do trabalhador não pode ser prevista pelo artigo 279.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
4.-Não resulta dos factos dados como provados que tenha havido qualquer atuação unilateral do empregador e o desconto que a lei proíbe de ser efetuado diz respeito à retribuição.
5.-Dos recibos que foram junto aos autos resulta que o desconto efetuado ao trabalhador não atingiu a rubrica das componentes que constituem a retribuição, não cabendo na tipificação do artigo 279.º do Código do Trabalho” – fim de transcrição.
Assim, entende que deve ser concedido  provimento ao recurso e, em consequência, ser anulada e substituída a Sentença recorrida por outra que determine a absolvição da recorrente.

O recurso foi recebido.[9]
Nesta Relação:
- a  Exmª  PGA sustentou a improcedência do recurso.[10]
-o recurso foi recebido.
O arguido respondeu.
Sustentou a bondade do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos legais.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.
***

Eís a matéria de facto apurada em  1ª instância:
1.-Em 22-2-2012 foi pela ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho efectuada uma vista inspectiva às instalações da arguida sitas em (…)
2.-Na sequência da referida vista foi a arguida notificada para, ao abrigo do artigo 11º n.º 1 alínea e) do Estatuto da Inspecção Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, proceder à entrega na Unidade Local de Vila Franca de Xira da Autoridade para as Condições do Trabalho, até dia 5-3-2012, de diversos documentos.
3.-(…) foi admitido ao serviço da arguida em 1-6-1991, com a categoria de Motorista de Pesados, auferindo em 2012 a retribuição mensal de 607,00€.
4.-Na notificação efectuada para apresentação de documentos a arguida foi notificada para apresentar os recibos de retribuição do trabalhador (…), referentes ao período entre outubro de 2011 e Janeiro de 2012.
5.-Analisados estes recibos verifica-se que a arguida procedeu aos seguintes descontos na retribuição do trabalhador (…): 200,00€ no mês de Novembro de 2011; 250,00€ no mês de Dezembro de 2011 e 250,00€ no mês de Janeiro de 2012.
6.-Constando todos eles nos recibos sob o item “descontos/diversos”.
7.-Tendo esses montantes sido efectivamente descontados no valor global do recibo e na transferência efectuada para o trabalhador para pagamento da sua retribuição.
8.-Os recibos de retribuição em causa apresentam a remuneração decomposta em diversas parcelas aí creditadas, com distintos valores cada uma, a saber “Vencimento Base, Diuturnidades Ajud. Custo (TIR), Subsídio de refeição, Ajud. Custo (Estrang), Cláusula 74 (50%) Clausula 74 (75%)”.
9.-Com vista à regularização da situação, foi a arguida notificada no dia 20-4-2012, nos termos do nº 4 do artigo 70 e da alínea e) e I) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, para proceder ao apuramento da quantia em dívida ao trabalhador (…) e ao respectivo pagamento ao mesmo.
10.-A arguida nada pagou ao trabalhador com referência aos descontos efectuados nos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.
11.-Os quais foram imputados pela arguida a utilização indevida de cartão de combustível que havia sido entregue ao trabalhador (…).
12.-Quando o cartão foi entregue ao trabalhador o mesmo subscreveu uma declaração na qual consta “tomei conhecimento aquando a entrega do(s) Cartão (cartões) de Abastecimento e ou portagens abaixo identificados, que serei responsável pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio, designadamente os abastecimentos abusivos e ou passagens em portagens de modo também abusivo. Assim sendo, autorizo que me sejam descontados no meu vencimento os valores desses prejuízos acrescidos de: 15 €, que corresponde ao custo de cada cartão, quer de pagamento de portagens quer de pagamento de combustível, fico também informado e obrigado a não deixar os códigos secretos dos cartões abaixo declarados junto dos mesmos ou ao alcance de terceiros, tornando-me responsável pelas transacções efectuadas por terceiros com utilização de código secreto, mesmo após ter declarado a perda ou o roubo dos referidos cartões”.
13.-A arguida consignou no relatório social único a que alude a Portaria 55/2010 um número médio de trabalhadores ao longo do ano de 2011 de 374 e um volume de negócios de 31 009 013,00€.
***

O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (vide artigos 403º nº 1º e 412º nº1 do CPP ex vi  do art 41º nº 1º  do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, que se passa a denominar de RGO).

In casu, em nosso entender, nas suas conclusões de recurso a recorrente suscita-se uma única questão que consiste em sabe se é inadmissível, nomeadamente por violação do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, a conclusão de que a compensação, com o acordo do trabalhador não pode ser prevista pelo artigo 279.º, n.º 1 do Código do Trabalho.[11]

Será assim?

E, desde já, diremos que se concorda integralmente com a conclusão a que aportou a decisão recorrida.

Tal como referimos em acórdão de  25-11-2010, proferido  no âmbito do processo nº 835/07.3TTSNT.L1-4  [12](embora à luz do disposto no artigo 270º do CT/2003 o qual estatuía ( sob a epigrafe de compensações e descontos) que:
1–Na pendência do contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante da referida retribuição.
 2–O disposto no número anterior não se aplica:
a)-Aos descontos a favor do Estado, da segurança social ou de outras entidades, ordenados por lei, por decisão judicial transitada em julgado ou por auto de conciliação, quando da decisão ou do auto tenha sido notificado o empregador;
b)-Às indemnizações devidas pelo trabalhador ao empregador, quando se acharem liquidadas por decisão judicial transitada em julgado ou por auto de conciliação;
c)-À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do artigo 366º;
d)-Às amortizações de capital e pagamento de juros de empréstimos concedidos pelo empregador ao trabalhador;
e)-Aos preços de refeições no local de trabalho, de utilização de telefones, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou de materiais, quando solicitados pelo trabalhador, bem como a outras despesas efectuadas pelo empregador por conta do trabalhador, e consentidas por este;
f)-Aos abonos ou adiantamentos por conta da retribuição.
3–Com excepção da alínea a) os descontos referidos no número anterior não podem exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição.

4–Os preços de refeições ou de outros fornecimentos ao trabalhador, quando relativos à utilização de cooperativas de consumo, podem, obtido o acordo destas e dos trabalhadores, ser descontados na retribuição em percentagem superior à mencionada no nº 3”[13] ) [14]:
“É sabido que as regras sobre a admissibilidade de compensação (forma de extinção de obrigações) constantes do CC sofrem uma derrogação[15]] no decurso da existência do contrato de trabalho que se deve , como é evidente, à posição de maior fragilidade do trabalhador por forma a evitar abusos.” – fim de transcrição.

Assim, decorre da norma aqui aplicável que a regra é a da proibição de compensação.

Porém,  como salienta Manuel Vieira Gomes a mesma não se aplica às importâncias referidas no nº 2º da aludida norma .[16]
In casu, com respeito por opinião distinta , decorre da matéria apurada relevante para o efeito que (5.Analisados estes recibos verifica-se que a arguida procedeu aos seguintes descontos na retribuição do trabalhador (…): 200,00€ no mês de Novembro de 2011; 250,00€ no mês de Dezembro de 2011 e 250,00€ no mês de Janeiro de 2012.

6.-Constando todos eles nos recibos sob o item “descontos/diversos”.
7.-Tendo esses montantes sido efectivamente descontados no valor global do recibo e na transferência efectuada para o trabalhador para pagamento da sua retribuição.
8.-Os recibos de retribuição em causa apresentam a remuneração decomposta em diversas parcelas aí creditadas, com distintos valores cada uma, a saber “Vencimento Base, Diuturnidades Ajud. Custo (TIR), Subsídio de refeição, Ajud. Custo (Estrang), Cláusula 74 (50%) Clausula 74 (75%)”.
9.-Com vista à regularização da situação, foi a arguida notificada no dia 20-4-2012, nos termos do nº 4 do artigo 70 e da alínea e) e I) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto da Inspecção-Geral do Trabalho, aprovado pelo DL 102/2000, para proceder ao apuramento da quantia em dívida ao trabalhador (…) Barrosinha e ao respectivo pagamento ao mesmo.
10.-A arguida nada pagou ao trabalhador com referência aos descontos efectuados nos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012.
11.-Os quais foram imputados pela arguida a utilização indevida de cartão de combustível que havia sido entregue ao trabalhador ...Barrosinha.
12.-Quando o cartão foi entregue ao trabalhador o mesmo subscreveu uma declaração na qual consta “tomei conhecimento aquando a entrega do(s) Cartão (cartões) de Abastecimento e ou portagens abaixo identificados, que serei responsável pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio, designadamente os abastecimentos abusivos e ou passagens em portagens de modo também abusivo. Assim sendo, autorizo que me sejam descontados no meu vencimento os valores desses prejuízos acrescidos de: 15 €, que corresponde ao custo de cada cartão, quer de pagamento de portagens quer de pagamento de combustível, fico também informado e obrigado a não deixar os códigos secretos dos cartões abaixo declarados junto dos mesmos ou ao alcance de terceiros, tornando-me responsável pelas transacções efectuadas por terceiros com utilização de código secreto, mesmo após ter declarado a perda ou o roubo dos referidos cartões”.)  a situação , em análise , não logra enquadramento em nenhuma das alíneas do nº 2º do artigo 279º do CT/2009 ( recorde-se que segundo esta norma:

Compensações e descontos
1-Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.
2-O disposto no número anterior não se aplica:
a)-A desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade, ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do auto;
b)-A indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação;
c)-À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º;
d)-A amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo concedido pelo empregador ao trabalhador;
e)-A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste;
f)-A abono ou adiantamento por conta da retribuição.
3-Os descontos a que se refere o número anterior, com excepção do mencionado na alínea a), não podem exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição.
4-Os preços de refeições ou outros bens fornecidos ao trabalhador por cooperativa de consumo, mediante acordo entre esta e o trabalhador, não estão sujeitos ao limite mencionado no número anterior.
5-…) .

Efectivamente , no caso concreto, em rigor, não se está perante qualquer  indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação.
Na realidade , no caso concreto a recorrente é parte e simultaneamente “juiz” em causa própria…
E também não se está perante  preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste.
Desde logo, não está provado que o trabalhador  tenha solicitado fosse o que fosse a tal título, nomeadamente em termos de pagamento de combustível….
E nem se esgrima com os pontos de facto nºs 11 e 12 (ou seja:
11.-Os quais foram imputados pela arguida a utilização indevida de cartão de combustível que havia sido entregue ao trabalhador ...Barrosinha.
12.-Quando o cartão foi entregue ao trabalhador o mesmo subscreveu uma declaração na qual consta “tomei conhecimento aquando a entrega do(s) Cartão (cartões) de Abastecimento e ou portagens abaixo identificados, que serei responsável pelos prejuízos decorrentes da sua utilização indevida ou do seu extravio, designadamente os abastecimentos abusivos e ou passagens em portagens de modo também abusivo.
Assim sendo, autorizo que me sejam descontados no meu vencimento os valores desses prejuízos acrescidos de: 15 €, que corresponde ao custo de cada cartão, quer de pagamento de portagens quer de pagamento de combustível, fico também informado e obrigado a não deixar os códigos secretos dos cartões abaixo declarados junto dos mesmos ou ao alcance de terceiros, tornando-me responsável pelas transacções efectuadas por terceiros com utilização de código secreto, mesmo após ter declarado a perda ou o roubo dos referidos cartões”).
Na realidade , tal acordo, a nosso ver, é nulo , o que até é de conhecimento oficioso, por “ contra legem”.  [17] [18]
A não ser assim, estava encontrada “a pedra filosofal” , “a quadratura do círculo “ , para se deixar entrar pela janela aquilo que o legislador expressamente vedou que pudesse entrar pela porta; sendo que até cuidou , nos casos que reputou justificados , de tipificar as excepções à regra.
 
E bem se compreendem os seus motivos.

É que na relação laboral  normal , vulgar , enquanto para a entidade patronal os salários acabam por  consubstanciar “custos de produção” para o trabalhador são quase sempre créditos de sobrevivência.[19]

Assim, mesmo com o acordo do trabalhador – a parte mais fraca da relação queira-se ou não – tal compensação é de rejeitar.

A não ser assim – o que nem quer dizer que fosse o caso da recorrente – diz a experiência que os abusos multiplicar-se-iam.

E nem se argumente que tal entendimento (interpretação da norma[20]) é inadmissível, por violação do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.[21]

Em nosso entender , desproporcional em face das forças em presença , seria o contrário, isto para já não se relembrar  ao disposto no nº 3º artigo 59º da nossa Lei Fundamental.[22]

Aliás , meramente “à latere” , sempre se recordará  o disposto nos artigos e 9 da Convenção (Relativa à Protecção do salário) nº 95 da OIT.[23]

Improcede, assim, o recurso; devendo salientar-se que a arguida não questionou de forma alguma o valor da coima que lhe foi imposta.
***

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.
Custas a cargo da arguida fixando-se a taxa de justiça no mínimo.
Notifique.
DN ( registe e após trânsito  comunique à ACT).



Lisboa, 08.03.2017



Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro



[1]Diploma aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[2]Norma que regula:
Compensações e descontos
1-Na pendência de contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com crédito que tenha sobre o trabalhador, nem fazer desconto ou dedução no montante daquela.
2-O disposto no número anterior não se aplica:
a)A desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade, ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do auto;
b)A indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão
judicial transitada em julgado ou auto de conciliação;
c)À sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º;
d)A amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo concedido pelo
empregador ao trabalhador;
e)A preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou  outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste;
f)A abono ou adiantamento por conta da retribuição.
3-Os descontos a que se refere o número anterior, com excepção do mencionado na alínea a), não podem exceder, no seu conjunto, um sexto da retribuição.
4-Os preços de refeições ou outros bens fornecidos ao trabalhador por cooperativa de consumo, mediante acordo entre esta e o trabalhador, não estão sujeitos ao limite mencionado no número anterior.
5-Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1.
[3]Vide fls. 27 a 32.
[4]Vide fls. 38 a 41.
[5]Vide fls. 66.
[6]Vide fls. 88,89 e 90 a 101.
[7]Vide fls. 105 a 110.
[8]Certamente quis-se referir a entidade patronal.
[9]Vide fls. 121.
[10]Vide fls. 131 e 132.
[11]Isto é ; a recorrente aborda-a por dois prismas distintos.
[12]O qual logrou o seguinte sumário:
I-Nos termos do disposto no nº 1º do artigo 270º do CT/2003 , na pendência do contrato de trabalho, o empregador não pode compensar a retribuição em dívida com créditos que tenha sobre o trabalhador, nem fazer quaisquer descontos ou deduções no montante da referida retribuição.
II-Porém, tal como decorre da al e) do nº 2º da referida norma, afigura-se lícito ao empregador compensar na quantia devida a título de subsídio de refeição o preço de custo das refeições que fornece no seu local de trabalho e o trabalhador ali efectivamente toma, desde que não exceda um sexto da respectiva retribuição.
[13]O CT/2009 contem norma idêntica no seu artigo 279º.
[14]Acessível em www.dgsi.pt )
[15]Neste sentido vide Comentário às Leis do Trabalho, Mário Pinto, Pedro Martins, António Carvalho, Lex, Vol I, pág 274.
[16]Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pág 792.
[17]Vide sobre o assunto artigos 280º e 286º ambos do CC.
Estes preceitos estatuem:

Artigo280.º
(Requisitos do objecto negocial)

1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
2. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.

Artigo286.º
(Nulidade)

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

[18]Recorde-se também  que o direito à retribuição é irrenunciável – vide vg: neste sentido João Leal Amado, A protecção do salário , Coimbra 1993, pág . 199 e, nota nº 39 na qual cita diversos autores que assim entendem.
[19]Há até quem lhes confira natureza alimentar  e de subsistência - vide João Leal Amado, obra supra mencionada  , págs. 77-78 , onde refere na nota nº 39 Lyon – Caen.
[20]De salientar que quando uma norma legal seja susceptivel de mais do que uma interpretação - uma, compativel com a Constituição; outra, incompativel com ela -, os tribunais devem preferir a interpretação que for conforme a Constituição.
Efectivamente, a questão de inconstitucionaldiade pode respeitar não apenas a norma, ou a uma sua dimensão parcelar, considerada "em si", mas também, e mais restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida, nem sempre se recortando nitidamente a fronteira entre norma e decisão.
[21]Que comanda :
Artigo18.º
Força jurídica

1.Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2.A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
[22]Segundo o qual:
Artigo59º
(Direitos dos trabalhadores)

1.Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a)À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b)A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;

c)A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d)Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e)À assistência material, quando involuntariamente se encontrem

em situação de desemprego;
f)A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.

2.Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a)O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b)A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c)A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d)O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A protecção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f)A protecção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.

3.Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.
[23]De acordo com os quais:
ARTIGO 8
1-Não serão autorizados descontos sobre os salários, a não ser em condições e
limites prescritos para legislação nacional ou fixados por uma convenção colectiva
ou uma sentença arbitral.
2-Os trabalhadores deverão ser informados, do modo que a autoridade
competente considerar como mais apropriado, sobre as condições e limites em que
tais descontos poderão ser efectuados.
ARTIGO 9
É proibido todo e qualquer desconto sobre os salários cujo fim seja assegurar um pagamento directo ou indirecto a uma entidade patronal, ao seu representante ou a qualquer outro intermediário (como um agente encarregado de recrutar a mão-de-obra) a fim de
obter ou conservar um emprego.