Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
244/14.8TVLSB.L1-6
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM
PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Acordado que “as partes aceitam apresentar qualquer queixa à jurisdição da federação ou da FIFA - o recurso a tribunais comuns é proibido, salvo clara disposição contrária na regulamentação da FIFA”, a instauração de acção nos Tribunais estaduais para resolução de litígio emergente do referido contrato constitui uma violação da convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


A instaurou a presente acção, sob a forma de processo comum, contra B, C e D, alegando em síntese:

O A. exerce a actividade de “ agente de jogadores”;
 O 1º R. é jogador de futebol e o 2º e o 3º RR. são seus pais;
No dia 16 de Outubro de 2010, A. e RR. outorgaram um “contrato de representação”, no âmbito do qual o 2º e 3ºRR intervieram na qualidade de encarregados de educação;
Foi estabelecido no referido contrato que o agente de jogadores receberia uma comissão correspondente a 10% do salário bruto anual devido ao cliente;
Em 08.06.2011, o 1º R. veio a outorgar um contrato com o “Manchester City”;
Nos termos do contrato subscrito entre as partes, ao A. é devida uma quantia equivalente a 10% do salário bruto a pagar ao 1º R, o que perfaz um total de 26 600 libras;
Por ocasião das negociações tendentes à assinatura do contrato com o “Manchester City”, os 1º e 2º RR. deram conta ao A. que necessitavam de verbas que lhe permitissem residir no Reino Unido;
O 1º R. não estava disposto a viajar sozinho para aquele país e pretendia que os seus pais o acompanhassem;
O A. acedeu ao pedido dos RR. e efectuou diversas transferências de numerário para uma conta bancária titulada pelo 2ºR;
O A. efectuou várias entregas de dinheiro ao 2º R que totalizaram a quantia total de €51 706,02;
Algumas transferências foram efectuadas pela sociedade “Wistfulness Unipessoal, lda”, da qual o A. é sócio único, sendo certo que as transferências efectuadas correspondiam a outros tantos créditos que o A. detinha sobre a referida sociedade;   
O A. efectuou tais entregas de dinheiro aos RR., porquanto estes prometeram devolvê-lo logo que o 1º R. começasse a receber os salários pagos pelo “Manchester City”;
O que jamais sucedeu;
O A. tentou já que os RR. devolvessem também estas verbas, o que os RR., porém, não fizeram;
Inexiste qualquer fundamento para que os RR. se locupletem a expensas do A., enriquecendo injustamente;
Deverão, pois, os RR. ser condenados a devolver ao A. os montantes que lhe foram entregues.

Terminou, requerendo que os RR. sejam condenados a pagar ao A.:
a)- A quantia de 26 600 libras, correspondente à quantia de €31 961.14 ( referente à remuneração a que o A. tem direito mercê do contrato outorgado);
b)- A quantia de €51 706,02 ( correspondente aos montantes com que os RR. injustamente se locupletaram a expensas do A.);
c)- Os juros moratórios incidentes sobre ambas as quantias em dívida, contados desde a data da citação até integral pagamento.

Os RR. contestaram, por impugnação e por excepção.

Em sede de excepção, invocaram a incompetência absoluta por preterição do Tribunal Arbitral voluntário e violação de convenção de arbitragem e a ilegitimidade passiva dos 2º e 3º RR..
Pelos RR. foi ainda formulado pedido reconvencional pelos prejuízos sofridos no seu bom nome e dignidade, pedindo a condenação do A. no pagamento ao 1º R da quantia de €5000 e no pagamento a cada um dos 2º e 3º RR da quantia de €2500.

O A. replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e das excepções dilatórias deduzidas pelos RR..

Pelo Tribunal a quo foi proferida decisão que declarou o Tribunal incompetente e absolveu os  RR. da instância, por violação de convenção de arbitragem.

O A. recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
1.ª A declaração de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral voluntário ora em crise funda-se no teor da cláusula 5ª do contrato de representação ;
2.ª Cláusula essa que, todavia, e s.m.o., é nula, ex vi do preceituado no art. 280º do CC, por ofender normas legais imperativas.
3.ª Com efeito, a cláusula 5ª do contrato de representação veda às partes, de facto, o recurso aos tribunais, já que as jurisdições voluntárias aí expressamente indicadas declinam o conhecimento de qualquer litígio no âmbito do aludido contrato;
4.ª Ora, salvo o devido respeito, está ferida de nulidade, ex vi do assinalado preceito do CC, uma disposição contratual que impeça as partes de recorrerem a juízo em sede de litígio, em manifesta violação do preceituado no art. 2º, n.º 1, do CPC e art. 20º, n.º 1, da CRP.
  Pelo que se terá de reputar de nula e inaplicável semelhante disposição contratual.
O mesmo é dizer-se que terão de reputar-se como competentes os tribunais comuns para efeitos de apreciação de questão que decorra da execução do mencionado contrato de representação.
7.ª Acresce que o Recorrente formulou contra os Recorridos dois pedidos distintos e cumulativos, fundados ambos, também, em causas de pedir distintas.
8.ª Com efeito, o Recorrente formulou contra os Recorridos um pedido de pagamento que se funda na outorga de um contrato de mútuo entre as Partes e no respectivo incumprimento por parte deste últimos.
9.ª Tal relação contratual não tem qualquer conexão – senão de contemporaneidade cronológica –com o contrato de representação dos autos,
10.ª Constituindo, pois, um pedido autónomo e cumulativo para os efeitos previstos no art. 555º do CPC.
11.ª Tal relação contratual e respectivo incumprimento nenhuma relação têm com o contrato de representação e respectiva execução ou integração e, nessa medida, como parece evidente, nenhuma disposição de tal contrato lhe poderia ser aplicável, nomeadamente a respectiva cláusula compromissória.
12.ª Assim, e mesmo que se entendesse ser válida e legal a cláusula 5ª do contrato de representação – o que somente se concebe por cautela de patrocínio – forçoso é concluir-se que a absolvição dos Recorridos da instância somente poderia verificar-se no que ao primeiro dos pedidos formulados concerne, e não também quanto ao segundo e cumulativo pedido contra eles deduzido.
13.ª Ao entender diferentemente, e salvo o devido respeito, violou o despacho recorrido as normas contidas nos arts. 278º, n.º 1, al. e), 555º, 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º do Código de Processo Civil, art. 280º do CC, e art. 20º, n.º 1, da CRP.
Pelo que deverá julgar-se o recurso procedente, por provado, revogando-se a douta decisão prolatada pelo Tribunal a quo e concluindo-se como na petição inicial.

Os RR. contra-alegaram e formularam as seguintes conclusões:
1 O despacho em apreço não é merecedor de qualquer reparo.
2 Bem andou o Tribunal a quo ao considerar que ambos os pedidos emergem da mesma causa de pedir.
3 A causa de pedir prende-se sempre com o contrato celebrado entre o 1º réu e o Manchester City, o qual, alega o recorrente foi celebrado com a sua intervenção.
4 Foi por ter sido celebrado este contrato que o 1º Réu foi para Inglaterra, e foi por ter ido para Inglaterra, que as quantias foram pagas (e não emprestadas) aos primeiros Réus,
5 como é patente nos artigos 23 e 24, transcritos pelo recorrente nas suas alegações.
6 A razão de ser dos “alegados” mútuos prendem-se necessariamente com a mudança do 1º Réu para Inglaterra, ao abrigo do contrato que celebrou com o Manchester City, o qual, e também alegadamente, foi celebrado com a intervenção do Recorrente.
7 Ora, se o 1º réu não tivesse celebrado tal contrato, não teria necessitado de qualquer quantia para “sobreviver” em Inglaterra, não sendo por isso necessário “recorrer à boa vontade” do Apelante, como este pretende fazer crer.
8 Como é notório e do seu perfeito conhecimento, ambos têm a mesma causa de pedir,
9 emergindo tal causa de pedir, no limite, do contrato de representação em apreço, aquele que, contém a cláusula compromissória em crise,
10 a qual, foi decisiva, para fundamentar a manifestamente inatacável decisão recorrida.
11 Alega também o Recorrente que andou mal o Tribunal recorrido ao julgar procedente a excepção de incompetência absoluta.
12 Isto é, tal como as partes expressamente determinaram no aludido Contrato de Representação, todos os litígios que surgissem entre ambas estavam excluídos dos tribunais comuns e seriam dirimidos no seio da jurisdição desportiva de acordo com os estatutos e regulamentos das instituições desportivas.
13 Invoca Recorrente, o regulamento de Agentes de Jogadores FIFA, designadamente, no art. 30°, n° 1 (vide doc. junto pelos Réus no seu requerimento de fls. datado de 14 de Julho 2015).
14 concluindo de que existirá uma declinação de competência.
15 Certo é que, sempre decorrerá dessa mesma disposição, a obrigatoriedade das partes submeterem qualquer litígio a um tribunal arbitral independente, devidamente constituído e imparcial, tendo em conta os estatutos da FIFA e a legislação aplicável no território da associação (cfr. o aludido art. 30°, n°1, do referido Regulamento).
16 Refere o Recorrente que a FPF também se nega atento o facto do jogador não estar inscrito na FPF, por se encontrar inscrito na Federação Francesa de Futebol.
17 Acresce dizer que o n° 2 do art. 30° supra referido, refere expressamente “no caso de reclamações internacionais relacionadas com a actividade de agentes de jogadores de futebol, deverá ser apresentado pedido de arbitragem junto da Comissão do Estatuto do Jogador da FIFA.”


18 Se o Recorrente entende que não pode recorrer aos órgãos da FIFA por se tratarem de partes com a mesma nacionalidade (o que não se aceita), sempre poderia recorrer aos órgãos da FIFA pelas razões invocadas para sustentar a declinação da competência da FPF, dado que se trataria sempre de uma reclamação internacional pelo facto de o jogador não se encontrar inscrito na FPF, caindo portanto no âmbito do n° 2 do mesmo artigo 30°.
19 Ao contrário do sustentado pelo Recorrente, o 1° Réu, jogador profissional de futebol, encontra-se perfeitamente registado na Federação Portuguesa de Futebol (como tem de estar por exigência legal), não obstante, não se encontrar, actualmente, a jogar em Portugal.
20 Como também se encontra registado na Federação Inglesa de Futebol por lá ter jogado.
21 Encontra-se também registado na Federação Francesa de Futebol onde se encontra actualmente a jogar.
22 Portanto, ainda que a FIFA se negasse a dirimir o presente litígio, sempre poderia o Recorrente submetê-lo à FPF.
23 Nada impede as partes de resolverem os seus litígios junto das instâncias desportivas, recorrendo a arbitragem voluntária, partilhando assim dos objectivos das associações internacionais e nacionais de futebol.
24 É neste sentido que apontam os regulamentos da FIFA e foi o que A e RR quiseram fazer e acordaram no contrato de representação: cumprir estatutos, regulamentos, directivas e decisões dos órgãos da FIFA e das Federações (Cfr. cláusula 5ª do contrato de representação junto sob doc. 1 com a p.i.)
25 Mais: acordaram ainda reciprocamente a proibição de recurso aos tribunais comuns e aceitaram o recurso à jurisdição da Federação ou da FIFA (vide mesma cláusula).
26 Portanto: A e RR, por via de convenção de arbitragem, sob a forma de cláusula compromissória, afastaram a intervenção dos tribunais comuns, assumindo a obrigação de sujeitar qualquer litígio potencial, no âmbito do contrato de representação, a um tribunal arbitral, nomeadamente da FPF, constituindo manifestamente um interesse mútuo de se servirem da jurisdição da Federação ou da FIFA.
27 Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.05.2012, in www.dgsi.pt.
28 Bem andou o Tribunal recorrido ao sustentar a sua decisão no preceituado na Lei de Arbitragem Voluntária, designadamente, nos seus artigos 5°, n° 1 e 21°, n° 1, porquanto,
29 Impõe-se a prioridade do Tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais comuns a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral.
30 A cláusula compromissória é manifestamente válida, não se vislumbrando qualquer causa de nulidade da mesma,
31 não padecendo de qualquer invalidade, respeitando na íntegra todos os pressupostos legalmente exigíveis para o efeito.
32 Curioso se torna que venha agora, em sede de recurso, o recorrente invocar a nulidade da aludida cláusula quando, em tempo útil e sede própria, o deveria ter feito, designadamente e, desde logo, na petição inicial,
33 ou, posteriormente, na réplica que apresentou.
34 Reiterando: a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pugnando-se pela sua manutenção, absolvendo-se assim os Réus da instância.
Pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
                                  
II Importa apreciar no âmbito do presente recurso se ocorre incompetência absoluta do Tribunal por preterição do Tribunal arbitral ( art. 96º, b) do CPC).
                                  
III Apreciação
Resulta do documento de fls. 13 a 16 que em 16 de Outubro de 2010 foi celebrado entre as partes um acordo denominado “contrato de representação”, com início em 16 de Outubro de 2010 e termo em 15 de Outubro de 2012.
O referido acordo foi assinado pelo A. na qualidade de “agente de jogadores” e pelo 1º R na qualidade de “cliente”.
Os 2º e 3º RR. assinaram o acordo na qualidade de “encarregados de educação”.
No acordo acima indicado foi estipulado :« o agente de jogadores receberá uma comissão correspondente a 10% do salário bruto anual devido ao cliente em resultado de contratos de trabalho negociados ou renegociados pelo agente de jogadores…»
Foi ainda estipulado entre as partes : « As partes comprometem-se a cumprir os estatutos, regulamentos, directivas e decisões dos órgãos competentes da FIFA, das confederações e das federações em questão, bem como as disposições de direito laboral e outras disposições legais aplicáveis no território da federação e ainda as leis internacionais e os tratados aplicáveis.
As partes aceitam apresentar qualquer queixa à jurisdição da federação ou da FIFA.
O recurso a tribunais comuns é proibido, salvo clara disposição contrária na regulamentação da FIFA.»
Consta do referido acordo que o agente de jogadores e o cliente estão inscritos na Federação Portuguesa de Futebol. 

Vejamos.

Nos termos do art. 30º, nº1 do Regulamento de Agentes de Jogadores da FIFA para lidar com conflitos internos relacionados com a actividade de agentes de jogadores, as associações deverão, como último recurso, submeter qualquer conflito que surja de ou que esteja relacionado com os regulamentos dos agentes de jogadores a um tribunal de arbitragem independente, devidamente constituído e imparcial, tendo em conta os Estatutos da FIFA e as leis aplicáveis no território da associação.
Ora, no caso concreto, não estamos, na nossa perspectiva, perante uma situação de preterição do Tribunal arbitral necessário, mas sim perante a violação de uma convenção de arbitragem, na modalidade de cláusula compromissória, no que concerne ao primeiro pedido.
Sobre questão similar já se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 17.05.2012- www.dgsi.pt.
Refere o citado Acórdão: «(…) o  objecto do litígio está longe de configurar uma discussão puramente desportiva e não está submetido a apreciação por Tribunal Arbitral necessário. Debate-se o cumprimento de um contrato de natureza puramente privada e civil, fora do interesse público. E, embora relacionado com a actividade desportiva, o seu debate não afecta os acontecimentos desportivos.
As partes estabeleceram também a recíproca proibição de recurso aos tribunais comuns - salvo clara disposição contrária na regulamentação da FIFA, e aceitaram o recurso à jurisdição da Federação ou da FIFA (cláusula 5ª do contrato).
Quer isto significar que A. e R., por via de convenção de arbitragem, sob a forma de cláusula compromissória, afastaram a intervenção dos tribunais comuns, assumindo a obrigação de sujeitar qualquer litígio potencial, no âmbito do “contrato de representação” a um tribunal arbitral, nomeadamente da FPF, o que sempre seria viável dada a natureza patrimonial e disponível do direito de crédito ou obrigacional em causa.»
À data do acordo entre as partes vigorava a lei nº 31/86, de 29/08 (com as alterações do DL nº 38/2003, de 08/03).

Estabelecia o art. 2º deste diploma:
«1 A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito.
2 Considera-se reduzida a escrito a convenção de arbitragem constante ou de documento assinado pelas partes, ou de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, quer esses instrumentos contenham directamente a convenção, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que uma convenção esteja contida.
3 O compromisso arbitral deve determinar com precisão o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.
4 A convenção de arbitragem pode ser revogada, até à pronúncia da decisão arbitral, por escrito assinado pelas partes.».
Conforme refere o Acórdão do STJ de 20.1.2011- www.dgsi.pt : « vigora, entre nós, o princípio lógico e jurídico da competência dos tribunais arbitrais para decidirem sobre a sua própria competência, designado em idioma germânico por Kompetenz-kompetenz e que, na sua acepção negativa, impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral.
Com efeito, o artº 21º nº 1 da Lei de Arbitragem Voluntária consagra expressis verbis que «o tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela insira, ou a aplicabilidade da referida convenção».
É de todo o interesse anotar, aqui e agora, as judiciosas considerações de Lopes dos Reis no seu estudo de referência «A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral», que, referindo-se ao princípio Kompetenz-kompetenz, assim escreve:
«Aquele princípio acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido a oportunidade de o fazer.»

Resulta ainda do referido Acórdão : «Apenas nos casos em for manifesta a nulidade, a ineficácia ou a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção» (vide art. 12º, nº4 da  lei nº 31/86 ).
De acordo com o art. 5º, nº1 da actual Lei da Arbitragem Voluntária nº 63/2011, de 14/12 « O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.»
E de acordo com o art. 18º, nº1 do mesmo diploma legal. « O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.»

Refere o recorrente que a convenção de arbitragem é nula, por violação de disposição imperativa ( art. 280º, nº1 do Código Civil). Defende ainda o recorrente que ocorreu violação do disposto no art. 2º, nº1 do CPC e do art. 20º, nº1 da CRP.

A convenção de arbitragem não é manifestamente nula, pelo que cabe, em primeira linha, à jurisdição desportiva apreciar a sua validade.

Tal posição não implica uma restrição à garantia de acesso à tutela jurisdicional efectiva ( art. 2º do CPC e art. 20º, nº1 da CRP), uma vez que tal convenção resultou dos acordo das partes e lei prevê a arbitragem voluntária como forma de resolução dos litígios.

Já quanto ao segundo pedido, entendemos que estamos perante uma “contrato de mútuo”, cujos termos não emergem do “contrato de representação”.

Estamos perante dois contratos distintos e autónomos,  pelo que caberá aos Tribunais estaduais apreciar, nesta parte, o pedido formulado pelo autor.

Procede, assim, parcialmente a apelação.

Mantêm-se a decisão recorrida na parte em que absolveu os RR. da instância quanto ao pedido de pagamento de 26 600 libras e respectivos juros. 
                                  
IV Decisão.
Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e revoga-se a decisão recorrida na parte em que absolveu, por preterição do Tribunal Arbitral, os RR. da instância quanto ao pedido de pagamento de € 51 706,02 (cinquenta e um mil setecentos e seis euros e dois cêntimos) e respectivos juros, devendo a acção prosseguir, caso a tal nada obste, quanto a este pedido.
Mantêm-se no mais a decisão recorrida.
Custas na proporção do decaimento pelo recorrente e recorridos.


   
Lisboa, 16 de Novembro de 2017



Francisca Mendes
Eduardo Petersen Silva
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: