Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CRISTINA LOURENÇO | ||
| Descritores: | COMPRA E VENDA DE VEÍCULO CONSUMIDOR DESCONFORMIDADE ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 06/05/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário: (elaborado pela relatora - art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil): Nos termos do disposto no art. 13º, nº 3, do Decreto-Lei nº 84/2021, de 18/10, o consumidor goza da presunção legal de que as faltas de conformidade de veículo usado por si adquirido, manifestadas no prazo de um ano a partir da entrega, já existiam nessa data, pelo que tem apenas o ónus de alegar e provar a falta de conformidade do bem (base factual da presunção), o que exige a descrição de situações concretas suscetíveis de evidenciar vício ou avaria do veículo, sendo manifestamente insuficiente para o funcionamento da dita presunção, a alusão a possíveis avarias de qualquer dos seus componentes ou uma descrição vaga de sinais, como “ser audível um barulho na caixa de velocidades”, a qual não permite sustentar a existência de qualquer anomalia/avaria, nem a conclusão de o veículo não estar apto para satisfazer o fim a que se destina. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório P…., residente em Rua ….., veio propor a presente ação declarativa de condenação sob a forma única de processo comum, contra: 1. “Grana Garagens Reunidas e Comercio Geral de Automóveis, Lda.”, com sede na Rua Jerónimos, 20, em Lisboa; 2. “Willis Towers Watson NSA Portugal, SA”, com sede na Rua Fernão Teles de Menezes, 30, 1º, e 2º, em Santarém; pedindo que, julgando-se procedente por provada a ação, sejam atendidos os pedidos formulados, e as Rés condenadas nos seguintes termos: a) Seja decretada a anulação do contrato de compra e venda da viatura de marca Mercedes, modelo ML 320 CDI, com a matrícula …., celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré; b) Seja a 1.ª Ré condenada a pagar/devolver ao Autor a quantia de € 16.900,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento: c) Sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe uma indemnização por privação de uso de veículo no montante de € 5.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data citação: d) Sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe, o montante de € 5.695,53 a título de despesas nos termos descritos no art. 44º da petição inicial; e) Sejam as Réus condenadas a pagarem-lhe, por danos morais, uma indemnização nunca inferior a €1.500.00; Subsidiariamente; f)) Sejam as Rés condenadas a reconhecerem a existência e a eliminarem os defeitos de funcionamento da viatura …., no prazo máximo de 15 dias após a citação; g) Sejam as Rés condenadas a pagarem ao Autor uma indemnização por privação de uso de veículo no montante de € 5.000.00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. h) Sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe o montante de € 4.276.63 (cálculo resultante das despesas pedidas em 44ª da PI € 5697.73 – 1.418.90€ - valor referente aos juros do crédito pessoal) a título de despesas. i) Sejam as Rés condenadas a pagarem-lhe, por danos morais, uma indemnização nunca inferior a € 1.500.00; j) Sejam as Rés condenadas a facultarem-lhe uma viatura de substituição enquanto não procederem à reparação do veículo. * As Rés foram citadas e contestaram a ação, tendo pugnado pela sua improcedência e pela respetiva absolvição dos pedidos. * O Autor foi convidado a pronunciar-se sobre a matéria de cariz excecional, relacionada com a alegada adulteração de peças do veículo, enquanto causa de exclusão da garantia/abuso do direito. Em resposta, declinou a veracidade dos factos e concluiu pela improcedência da exceção. * Foi dispensada a realização da audiência prévia com a anuência das partes. Procedeu-se ao saneamento do processo, à fixação do seu objeto e dos temas da prova, assim elencados: (i) Do objeto do contrato celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré e negociação tendente à aquisição do veículo; (ii) Dos defeitos do veículo e suas causas; (iii) Dos danos sofridos pelo Autor. * Realizado o julgamento, foi a ação julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição das Rés dos pedidos e o Autor responsabilizado pelo pagamento das custas. * O Autor não se conformou com a decisão e dela veio recorrer. Pede a sua revogação e rematou as alegações recursivas com as seguintes conclusões: “A. DA VERIFICAÇÃO DA FALTA DE CONFORMIDADE DO BEM: 1. A sentença proferida violou o direito do Apelante ao não decidir nos termos do art.º 15 da DL nº 84/2021 de 18 de Outubro. 2. Com efeito verificou-se pela matéria de facto provada que o veículo padecia desde início de vários defeitos e avarias que foram identificadas e que se mantém. 3. Pois resulta da matéria de facto provada que o veículo mantém a emissão de fumo branco quando ao ralenti, e mantém a avaria na caixa de velocidades. 4. Assim como, mantém o filtro de partículas danificado, pois resulta provado que essa reparação não foi realizada. 5. Ainda que o tribunal a quo tenha indicado na sua fundamentação que o Apelante se focou mais nos sintomas do que na causa dos problemas do veículo, e que de algum modo ter feito uma descrição que não satisfez no seu todo este Tribunal, o que é facto é que o veículo apresentou desde início várias avarias todas elas diagnosticadas, comunicadas ás rés e não reparadas, devidamente elencadas na factualidade assente. 6. Ora, São conformes os bens que cumprem o fim a que destinam e estão de acordo com a descrição, tipo, quantidade e detêm a funcionalidade, a compatibilidade com as características no contrato de compra e venda celebrado. 7. Ora, o veículo adquirido pelo Apelante com vista a servir-se dele para as suas deslocações, cf. fato 20, e que desde início apresenta defeitos que o Apelante, que passou 5 vezes por diversas oficinas no prazo de um ano, sendo certo que só e março de 2023, um ano depois da data de aquisição, vou um dos seus problemas inicias resolvidos, em concreto a perda de potencia de motor, seguramente não constitui um bem conforme. 8. Estes factos são corroborados pela prova testemunhal enunciada supra e pelas declarações do Apelante que o tribunal a quo mal valorou. B. DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DA VIATURA 1. A sentença proferida pelo Tribunal a quo violou o Direito do Apelante de resolver o contrato de compra e venda da viatura que adquiriu à apelada Granacar nos termos do número nº 1 al. c) do art.º 15.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Out. 2. Com efeito, estamos perante uma compra e venda de bens de consumo, sendo aplicável a que determinam que o Apelante tem direito a que a viatura que adquiriu esteja de acordo com o contrato celebrado e apresente as qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo, presumindo-se que todos os defeitos que surjam no prazo de 18 meses existiam à data da compra e venda do art.º 13 , nº 1 do mesmo diploma. 3. Os vários defeitos foram denunciados dentro dos prazos legais e a Apelante estava no Direito de resolver o contrato dado que, ao longo de um ano, tentou por 5 vezes que a Apelada reparasse os defeitos, sem sucesso, cf. resulta da matéria assente em factos 9., 11., 13., 17., 18. 4. Acresce que, não permitir que o Apelante resolva o contrato de compra e venda transfere para esta, ilegitimamente, todos os prejuízos inerentes ao incumprimento da Apelada Ganacar, nomeadamente quanto à reparação das avarias ainda existentes no veículo a esta data por solucionar. 5. Caso se entenda que seria desproporcional o exercício do direito à resolução do contrato de compra e venda da viatura, o que não concedendo, se refere por mera cautela de patrocínio, então deverá ser concedido o pedido subsidiário do Apelante: serem as Apeladas condenadas a procederem à reparação de todos os defeitos apresentados e entregar o veículo automóvel em perfeitas condições de funcionamento, apto a circular em segurança, sem qualquer avaria, sem prejuízo do pagamento dos danos reclamados. C. DA PRIVAÇÃO DO USO 1. O Tribunal a quo absteve-se de decidir sobre esta matéria, apesar de alegada pelo Apelante. 2. Deu o tribunal a quo como não provado o facto de que a viatura nunca esteve apta a circular. 3. Facto erradamente apreciado e incorretamente julgado conforme resulta da factualidade dada como provada e que contraria necessariamente esta versão. 4. Bem como a prova testemunhal e declarações do Apelante erradamente valoradas como acima exposto em V- Errada Apreciação da prova, A) Dos factos incorretamente julgados, “Quanto ao facto não provado em f)”. 5. O apelante manteve um uso mínimo da viatura, circunscrito à idas às oficinas, resulta da prova testemunhal que o Apelante nunca andou com o veículo recorrendo a veículos de amigos ou da mulher/companheira para circular, pois o veiculo deitava tanto fumo que enchia o largo, e que de 26.03.2023 o veiculo parou e até ao presente a viatura não mais circulou pois não reunia as condições de segurança necessárias, tendo sido mesmo transportado de reboque, cf, prova documental DOC 27 da PI, pelo que estamos perante um dano patrimonial que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no art.º 1305.º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. “A mera privação do uso do veículo configura um dano patrimonial específico e autónomo que atinge o direito de propriedade, por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela quando e como melhor lhe aprouver.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.07.2018, Proc. n.º 3664/15.T8VFX.L1-6, Relator: Manuel Rodrigues) 6. Acresce que o direito que um proprietário tem de usufruir da sua propriedade tem dignidade e proteção constitucional nos termos do número 1 do art.º 62.º da Constituição da República Portuguesa. “A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.12.2017, Proc. n.º 1817/16.0T8LSB.L1-2, Relator: Ondina Carmo Alves.). 7. Assim, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por uma que declare que o Tribunal a quo deverá estabelecer um montante diário de indemnização, desde pelo menos o dia 26 de março de 2023 até à data em que se efective a resolução do contrato de compra e venda (com a devolução do preço à Apelante e devolução da viatura à Apelada Granacar), arbitrando um valor com recurso à equidade, remetendo para incidente de liquidação para efeitos de apuramento do valor de aluguer de uma viatura com características semelhantes. D. DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS 1. O Apelante peticionou uma indemnização de valor não inferior a €1.500,00 a título de danos não patrimoniais, tendo o Tribunal a quo dado não provado os factos sobre os quais assentava este pedido. 2.. Erradamente foi julgado como não provados os factos descritos em h) referentes aos sentimentos de vergonha humilhação e noite sem dormir. 3. Com efeito, resulta do depoimento da testemunha V…, mal valorado pelo tribunal a quo a tristeza e desalento do Apelante conforme já acima exposto em V- Errada Apreciação da prova, A) Dos factos incorretamente julgados, “Quanto ao facto não provado em h)”. 4. Estes danos não patrimoniais, dada a sua gravidade, merecem a tutela do direito nos termos do número 1 do art.º 496.º do CC, sendo que jurisprudência tem cada vez mais lançado mão deste preceito para aplicar uma punição civil nos casos em que exista uma atitude merecedora de censura: “A indemnização por danos patrimoniais, assume natureza mista visando compensar o lesado, e punir, civilisticamente, o lesante” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.06.2019, Proc. n.º 1675/18.0T8CTB.C1, Relator: Carlos Moreira.) E. DOS DANOS PATRIMONIAIS 1.O Apelante peticionou a condenação das Apeladas em ressarcimento pelas faturas de reparação que pagou, quando na verdade o veículo estava em prazo de garantia e as avarias foram comunicadas atempadamente. 2. O Tribunal a quo mal valorou a prova testemunhal e documental quando deu como não provado o facto g) 3. O Apelante prestou declarações em que disse que tinha sido ele a suportar as faturas das oficinas, depoimento que não foi contestado por nenhuma outra testemunha pelo contrario ambas as Apeladas têm conhecimento desse facto, simplesmente a Apelada Granacar exclui-se da sua responsabilidade pois transfere para a WTW, esta uma prestadora de serviços, garantia adicional e não legal que igualmente se exclui através do contrato celebrado. 4. Porém tal contrato de prestação de serviços com função de garantia é um plus que o Stand de Vendas oferece ao comprador e não exclui a sua garantia legal. 5. Ora, o consumidor tem direito a ser indemnizado pelos danos patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos, nos termos do previsto no mesmo diploma legal, pelo que, sendo certo que todos os custos com a reparação dos defeitos correm por conta do vendedor pois encontram-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil. A recusa ilícita e culposa das Apeladas em realizar certas reparações (descritas nos documentos Doc 20 e Doc 13 a 19 da PI) invocando exclusões de garantia, deu origem a que o Apelante tivesse de as realizar a suas expensas (culpa que se presume por estarmos no âmbito de um contrato) deu origem à necessidade (nexo causal) de o Apelante o efetuar a suas expensas, cf. resulta do facto provado 15 conjugado com a prova documental já referida. 6. Neste sentido deve a sentença quo ser revogada e as Apeladas condenadas a ressarcir o Apelante das despesas que assumiu no valor das duas faturas por si pagas, num total de 1963,08€- cf. DOC 20 e DOC 13 a 19 da PI- prova documental não impugnada. Deve, assim, o presente Recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, e substituindo-se por outra que condene as Rés aqui Apeladas a reconhecer o defeito de que o bem padece, e assim à resolução contratual do negocio celebrado ou subsidariamente à reparação do bem, em ambos os casos com direito a ressarcimento ao A. de todos valores por este peticionados no âmbito da privação do uso do bem, danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos ou suportados indevidamente.” * A Ré “Granacar-Garagens Reunidas E Comércio Geral De Automóveis, Ld” respondeu ao recurso, pugnou pela sua improcedência e formulou as seguintes conclusões: “a) A Sentença final, ora objeto de recurso, foi proferida na sequência de uma análise atenta, detalhada e crítica, feita pelo Tribunal “a quo”, de todos os meios de prova produzidos nos autos, da qual resultou a convicção acerca dos mesmos. b) Na formação da convicção do Tribunal “a quo” foi, ainda, fundamental os detalhes que resultam da imediação da prova. c) O juízo sobre a valoração da prova forma-se não só pela credibilidade que merecem ao Tribunal os meios de prova, mas também pelas deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios. d) A Meritíssima Juiz apreciou livremente todas as provas produzidas e formou assim a sua convicção acerca de cada facto, sempre no respeito e cumprimento dos princípios legais. e) Em concreto o Digníssimo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção teve em consideração não só as provas documentais carreadas para os autos mas também os depoimentos das Testemunhas. f) A douta Sentença recorrida encontra-se plena e amplamente fundamentada quer em termos factuais, na prova carreada para os autos pelas partes e pela produzida em sede de Audiência de Julgamento, na qual a Meritíssima Juiz “a quo” foi ativa, no processo de descoberta da verdade dos factos, quer, ainda, em termos de aplicação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto. g) Por tudo o supra exposto, é manifesto não ter existido, por parte do douto Tribunal “a quo” nenhuma contradição entre os factos dados por provados, entre si, nem qualquer erro na apreciação da prova nem na aplicação do direito. h) A única questão em causa no presente Recurso é, tão somente, que o Recorrente não concorda com o teor da douta Sentença, por a mesma lhe ser desfavorável, e por esse motivo vem alegar ter existido erro na apreciação da prova e na aplicação do direito, por parte do Tribunal “a quo”. i) A Recorrida, nenhum reparo tem a fazer a todo o conteúdo da douta Sentença por considerar que a mesma está devida e amplamente fundamentada e ter efetuado uma correta análise dos factos, da prova documental junta aos autos e testemunhal produzida na Audiência de Julgamento. j) É manifesto e evidente que bem andou o Tribunal “a quo” ao proferir a douta Sentença nos termos em que o fez; k) A douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” deve ser confirmada e mantida na sua integra pois, só assim se fará a devida e adequada…Justiça”. * Por seu turno, também a Ré “Willis Towers Watson NSA Portugal, SA” apresentou contra-alegações, que culminou com as seguintes conclusões e o pedido de não provimento do recurso: “1. Ora, não há dúvida que a Mui Douta Sentença proferida em 1.ª Instância está devidamente fundamentada, considerou devidamente a matéria de facto carreada para os autos, bem como fez a correta interpretação e aplicação da lei e dos princípios fundamentais, unanimemente, reconhecidos pela doutrina e jurisprudência relativamente à matéria em causa. 2. O Recurso interposto tem de improceder por ser manifesto que a mesma não enferma das falhas que lhe vêm apontadas. 3. O Tribunal a quo decidiu com base numa análise correta, concatenada, critica e objetiva da prova carreada para os autos, documental e testemunhal, não merecendo o seu juízo qualquer reparo. 4. A sentença recorrida mostra-se sobeja e coerentemente fundamentada. 5. Os fundamentos do recurso interposto e a que ora se responde, não são aptos a alterar a decisão de absolvição da Ré WTW atenta a limitação da sua responsabilidade ao contratado entre as partes. 6. Não pode a Recorrida WTW ser condenada na resolução de negócio que não celebrou. 7. E inexistindo responsabilidade da recorrida WTW, por não lhe ser assacável a reparação de qualquer avaria nos termos contratuais, não pode a mesma ser responsabilizada pela alegada privação de uso, danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente decorrentes do defeito da viatura. 8. Assim, as alegações de recurso a que ora se responde carecem de qualquer fundamento que pudesse levar à alteração daquela decisão, uma vez que não são assacáveis à sentença recorrida, os vícios ou erros apontado pela Recorrente. 9. Pelo que, por todo o exposto, devem improceder todas as conclusões das alegações de recurso, sendo-lhe negado provimento, determinando-se a confirmação da sentença recorrida que não padece dos erros de julgamento, de facto e de Direto, que lhe são assacados pelo Recorrente.” * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código). No caso, as questões que importa decidir são as seguintes: - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - Se assiste ao autor o direito de resolver o contrato de compra e venda, e exigir o pagamento de indemnização destinada a ressarcir danos patrimoniais e não patrimoniais, assim como o dano autónomo de privação do uso da viatura. Fundamentação de Facto Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual: Factos Provados 1. A ré Granacar é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de compra e venda de veículos; 2. A ré WTW é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços aos automobilistas, assistência, reparação, manutenção, peritagem e prestação de garantia a automóveis e outros veículos motorizados; 3. Em 24-03-2022, o autor adquiriu à ré Granacar, pelo preço de €16.900.00 (dezasseis mil e novecentos euros), um veículo de marca Mercedes Benz, modelo ML 320 CDI, com a matrícula …; 4. O veículo foi adquirido no estado de usado, com 14 anos e 275.000 km; 5. Na mesma data, pela ré Granacar foi prestada garantia com o prazo de 18 (dezoito) meses, titulada pelo cupão de registo 5973 CT, em que intervém, cumulativamente, a ré WTW; 6. Prevê a referida garantia o seguinte: a. «1. O presente contrato tem por objecto as eventuais reparações (peças e mão de obra) causadas por uma avaria mecânica ou eléctrica de origem fortuita e que se tornem necessárias à reposição de um veículo no estado anterior à avaria, sem prejuízo do desgaste inerente à sua utilização e nos termos, com os limites e com as condições previstas neste contrato»; b. «2. Entende-se por avaria mecânica ou eléctrica a incapacidade de uma peça objecto da garantia funcionar conforme as especificações do construtor, resultante de uma falha mecânica ou eléctrica. Não é considerada avaria a redução gradual do rendimento de uma peça devido à idade, uso e quilometragem do veículo. O presente contrato não cobre quaisquer danos e prejuízos directos ou indirectos, mesmo que sejam causados por uma avaria coberta pela garantia»; c. «5. Estão cobertas pela presente garantia as peças dos seguintes órgãos do veículo: Motor: órgãos internos do bloco: cilindros, camisas, pistons, eixos de pistons, segmentos, bielas, bronzes de bielas e de cambota, anilhas de encosto, cambota, bomba de óleo»; d. «6. Cada reparação/intervenção está sujeita aos seguintes limites: A) Viaturas até 8 anos e menos de 200.000 Kms na data da venda: Até ao limite de 2000 Euros (IVA incluído) por intervenção. B) Viaturas até 12 anos e menos de 300.000 Kms na data da venda: Até ao limite de 1500 Euros (IVA incluído) por intervenção. C) Viaturas até 15 anos e menos de 320.000 Kms na data da venda: Até ao limite de 1250 Euros (IVA incluído) por intervenção»; e. «7. A WTW NSA reserva-se o direito de aplicar sobre as peças garantidas (peças novas ou reconstruídas), os seguintes coeficientes de desvalorização: (…) Veículos com mais de 150.000 Kms: 50% (quilómetros reais à data da avaria)»; f. «9. O proprietário deve comunicar à WTW NSA prontamente e logo que dela tenha conhecimento, qualquer anomalia que a viatura venha a apresentar na vigência do contrato, de modo a que possam iniciar-se os procedimentos necessários ao enquadramento da possível avaria no âmbito do presente contrato (…) O proprietário deverá colocar o veículo, sem demoras, na oficina indicada para o efeito pela WTW NSA»; g. «12. Todas as reparações que não tenham sido previamente autorizadas pela WTW NSA não estão abrangidas pela presente garantia»; h. «14. Encontram-se, formalmente, excluídas da garantia: a) a substituição, reparação de peças ou órgãos, ocasionada pelo desgaste normal, tais como sistema de embraiagem, sistema de escape, amortecedores, sinoblocos, apoios, pastilhas e calços de travão, tubos de borracha, catalisadores e filtros de partículas, assim como controlos, afinações, reprogramações; b) desgaste normal das peças e órgãos que surja em função do seu tempo de uso e o potencial médio de funcionamento que lhe é conferido, assim como a redução normal e progressiva do desempenho operacional do veículo objecto de garantia, em função do decurso do tempo e quilometragem percorrida e tipo de utilização; c) as fugas de óleo (…) a perda gradual de compressão do motor, necessitando da reparação das válvulas e segmentos ou o aumento gradual do consumo de óleo»; i. «15. Encontram-se, ainda, excluídas da garantia: (…) b) Todas as avarias com origem ou ocorridas antes da validação e autenticação do contrato de garantia pela WTW NSA. (…) e) Consequências indirectas de uma avaria, nomeadamente os danos morais ou patrimoniais (danos emergentes ou lucros cessantes). (…) h) Parqueamento do veículo, nomeadamente por imobilização da oficina, bem como quaisquer danos consequentes (…) l) As reparações, intervenções e substituições de peças efectuadas no veículo, em consequência de uma avaria coberta pela presente garantia, porque possuem garantia própria (do reparador ou fornecedor da peça), estão excluídas deste contrato»; j. «16. A assistência em viagem cobre, até aos seguintes limites, as seguintes situações: (…) d) A WTW NSA Assistência providenciará um veículo de substituição, quando tenha autorizado a reparação e desde que a mesma exija, cumulativamente, a imobilização do veículo por um período superior a 24 horas e o tempo útil da reparação seja igual ou superior a 5 horas (segundo dados do construtor). O veículo de substituição é de categoria A ou B e é concedido até ao limite total de 150 Euros»; k. «18. Sem prejuízo das diligências levadas a efeito pela WTW NSA nesse sentido, incumbe ao proprietário fazer prova da avaria e que a mesma foi causada por uma falha mecânica ou eléctrica de origem fortuita»; 7. No dia da aquisição da viatura, durante a sua deslocação de Lisboa para Évora, o motor da viatura começou a falhar, perdendo potência durante a circulação[1]. 8. No dia 26-03-2022, o painel do veículo mostrou o símbolo de «verificar óleo no motor»; 9. O autor contactou a ré e esta indicou-lhe a «Bosh Car Service» em Évora, onde o autor levou o carro para reparação; 10. Em momento posterior, para além da avaria descrita em 7, o veículo deitava fumo branco pelo escape com o motor em ralenti; 11. O veículo foi novamente entregue nas oficinas da «Bosh Car Service» em Évora, por indicação das rés, tendo a segunda ré suportado o valor da reparação; 12. Em agosto de 2022, mantinha-se a situação descrita em 10; 13. O veículo foi levado à oficina «Starsul -Comércio Automóvel, S.A.», onde foi transmitido ao autor que teria o filtro das partículas danificado; 14. O diagnóstico foi comunicado às rés, que informaram que só pagariam uma parte desse arranjo e o resto ficaria a cargo de autor, pois não estaria incluído no âmbito da garantia prestada; 15. O autor realizou parte do arranjo e procedeu ao levantamento da viatura a 07-09-2022; 16. Nessa sequência, o veículo voltou a apresentar os sinais descritos em 10; 17. O veículo foi novamente intervencionado na oficina «Topcar», a expensas das rés; 18. Em fevereiro de 2023, após reparação na oficina «Topcar», o veículo mantinha-se apenas a deitar fumo branco do escape, ouvindo-se um barulho na caixa de velocidades; 19. Em 03-03-2023, o autor enviou uma comunicação à ré Granacar nos termos da qual «requer-se sem mais delongas a resolução do negócio celebrado»; 20. O autor adquiriu a viatura com vista a servir-se dela para as suas deslocações. * Factos Não Provados a) Que o réu tenha celebrado um crédito pessoal, com o Banco Santander com o nº ……; b) [por referência ao facto 18 da factualidade assente] que, após a reparação, o motor se mantivesse sem potência; c) Em 26-03-2023, rebentou um tubo que fez com que o veículo perdesse combustível; d) Em resultado do descrito em c), o veículo imobilizou-se na residência do autor, sem permitir qualquer tipo de circulação; e) Tal facto foi comunicado às rés, sem que até à presente data o autor tenha obtido resposta; f) Desde a data da aquisição, a viatura nunca esteve apta a circular; g) Em virtude da situação descrita, o autor: a. teve despesas de deslocação a Lisboa para entregar o veículo para reparação no valor de €200,00; b. liquidou o IUC do veículo no valor de €852,87; c. despendeu €510,68 em seguro de responsabilidade civil; d. despendeu €202,50 com a reparação do veículo descrita em 9; e. despendeu €1.760.58 com a reparação descrita em 15; h) toda esta situação causou ao autor sentimentos de vergonha, humilhação e noites sem dormir. ** Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Segundo o art. 662º, nº 1, do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto “… deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.” (cf. art. 639º, nº 1, CPC), explicando António Abrantes Geraldes[2] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”. “As conclusões exercem (…) a importante função de delimitação do objeto do recurso (…). Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se, para atingir o resultado declarado, o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.”[3] O nosso sistema processual civil garante um duplo grau de jurisdição na apreciação da decisão de facto e os ónus a cargo do recorrente que a impugne encontram-se enunciados no art. 640º, do CPC. No nº 1 estão especificados os ónus ditos primários, que se traduzem na indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (al. a); na concretização dos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al. b); na designação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c). Já o nº 2 do mesmo preceito legal, nomeadamente, a sua alínea a), e por referência à al. b), do nº 1, enuncia o ónus denominado secundário, e que diz respeito ao modo como o recorrente deve indicar os meios probatórios em que funda a impugnação, impondo, no caso em que os meios invocados como fundamento do erro de julgamento tenham sido gravados, a indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, sem prejuízo de transcrever os excertos que considere relevantes. Relativamente ao recurso que envolva impugnação da decisão da matéria de facto, salienta António Abrantes Geraldes, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”[4]. “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs. 635º,nº 4 e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artº 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…)”.[5] Neste sentido, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 12/2023, de 17.10.2023, que a final, e sobre o ónus de que trata em concreto a al. c), do nº 1, do art. 640º, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. Relativamente ao cumprimento dos ónus previstos no art. 640º, do CPC, cumpre assinalar a tendência da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que o seu não acatamento, na sua completude, não determina, sem mais, a impugnação do recurso da matéria de facto. Neste sentido, veja-se o Acórdão daquele Tribunal, de 25 de janeiro de 2024, que pode ser consultado no sítio www.dgsi.pt onde se decidiu o seguinte: “Ciente de que a imposição de ónus de impugnação representa um condicionamento ao direito de acesso aos tribunais e, em especial, ao direito ao recurso (cfr. artigo 20.º, n.º 1, da CRP), este Supremo Tribunal de Justiça tem-se esforçado por interpretar o disposto na norma com certa cautela, evitando leituras excessivamente formalistas que possam conduzir a restrições injustificadas das garantias associadas ao processo equitativo e convocando sempre, para o efeito da melhor interpretação da norma, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Assim, de acordo com a orientação maioritária (e em crescendo) da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art. 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da Constituição (Neste sentido, v.g., o acórdão de 11.02.2021 (proc. n.º 4279/17.0T8GMR.G1.S1 – Graça Trigo), consultável em www.dgsi.pt). Devendo o tribunal fazer uma análise conjugada quer das conclusões quer das alegações de recurso, no sentido em que haja uma complementaridade entre ambas e que permitam o exercício do contraditório pela parte contrária e a apreensão do seu teor pelo tribunal de recurso, sem grande esforço (Cfr. entre outros, os Ac. do STJ de 06-07-2023, Revista n.º 1416/15.3T8MMN-H.E1.S1; de 19-01-2023, Revista n.º 2387/20.0T8STR.E1.S1; e de 18-01-2022, Revista n.º 701/19.0T8EVR.E1.S1 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.) (…) é entendimento maioritário na jurisprudência do STJ que o incumprimento ou cumprimento deficiente ou parcial da al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC pela parte não implica a imediata rejeição do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, mas antes e tão só a sua rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte (cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 12-04-2023, Revista n.º 13205/19.1T8PRT-A.P1.S1; de 27-01-2022, Revista n.º 225/16.7T8FAR.E2.S1)”. Porém, no que diz respeito aos pontos concretos da matéria de facto que se pretendam impugnar, e em linha com o supra assinalado, os mesmos devem constar obrigatoriamente das conclusões (ainda que imperfeitamente delimitados ou referenciados, desde que não resulte prejudicada a sua apreensão), atenta a função delimitadora do recurso. “(…) as conclusões de um recurso exercem a importante função de delimitação do objeto do seu objeto, através da identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende impugnar na decisão recorrida e sobre o qual se pretende que o tribunal superior faça uma reapreciação. O tribunal superior só aprecia o objeto definido pelas conclusões e, por isso, não tem de conhecer de uma questão, seja ela factual ou de direito, que não consta das conclusões, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso. E essa identificação não pode ser efetuada apenas por uma simples e genérica remissão para o corpo das alegações, uma vez que ela não define, com certeza qual o âmbito do recurso interposto, não cumprindo os objetivos visados com a exigência da existência de conclusões nas alegações de recurso. (…) Quando essa deficiência ocorre nos requisitos da impugnação da matéria de facto a sanção é aquela que está prevista no artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – rejeição imediata do recurso, sem hipóteses de correção. Esta solução não infringe qualquer princípio constitucional, designadamente a exigência de um processo equitativo, uma vez que este modelo processual não impõe que em qualquer situação de omissão de cumprimento de determinados requisitos formais legalmente previstos não possa ser determinada a perda de um direito processual sem que seja concedida à parte uma oportunidade de suprir essa omissão, conforme tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional. Na verdade, na definição da tramitação do processo civil, vigora uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, desde que não sejam surpreendentes, sejam funcionalmente adequadas aos fins do processo e que as preclusões que decorram do seu incumprimento não se revelam totalmente desproporcionadas à gravidade e relevância da falta”[6] – sublinhado nosso. Retomando o caso concreto, salienta-se que o Autor/recorrente optou por não distinguir devidamente os invocados erros de julgamento de facto, dos de direito, confundindo uns e outros ao longo das alegações, apelando, ainda, em simultâneo, a situações suscetíveis de serem subsumidas ao instituto da nulidade da sentença (cf. art. 615º, do CPC), ainda que sem imputar à decisão recorrida qualquer nulidade tipificada naquele preceito legal, tendo a síntese conclusiva ficado aquém daquilo que expendeu no corpo das alegações, mormente, no âmbito da impugnação da decisão de facto. Como se disse anteriormente, devem constar das conclusões os pontos concretos da matéria de facto impugnados, por isso, independentemente do que o recorrente deixou dito nas alegações, este tribunal de recurso só pode considerar como impugnados os pontos factuais que, em concreto, foram assinalados na síntese conclusiva, e que são os seguintes: alíneas f); g), e h) da matéria de facto não provada. Sob a primeira daquelas alíneas, foi dada como não provada a seguinte factualidade: “Desde a data da aquisição, a viatura nunca esteve apta a circular”. Nas alegações o recorrente diz que tal facto é contrariado pela matéria que resultou como demonstrada nos pontos nºs 7, 8, 10, 12, 13, 15, 16, 17, 18; e, bem assim, com a seguinte factualidade: em março de 2023 rebentou um tubo de gasóleo. Ainda com vista à prova do dito facto, apontou o recorrente as declarações que prestou em audiência de julgamento, e que, a seu ver, constituem evidência daquela realidade. Porém, no que diz respeito às suas declarações de parte, não cumpriu, minimamente, o ónus contido no art. 640º, nº 2, al. a), do CPC, e para que o tribunal lograsse identificar as passagens da gravação em que funda o seu recurso, teria de proceder à audição integral do seu depoimento, o que extravasa o âmbito da reapreciação da prova tal como foi concebida pelo legislador. De acordo com o disposto na parte final daquele preceito legal, o recorrente pode proceder à transcrição das passagens das gravações em que funda o recurso de impugnação, sendo que vem sendo entendimento maioritário da jurisprudência que, nessas circunstâncias, poderá ter-se como cumprido o ónus previsto na norma. Sucede, porém, que a transcrição feita pelo recorrente em sede de alegações apresenta deficiências, que comprometem o cumprimento do dito ónus, mormente no que diz respeito à primeira das declarações por si assinaladas, pois não foi indicada em concreto a pergunta que lhe terá dado origem (o Autor/recorrente limita-se a fazer o enquadramento em que terá sido colocada a questão à qual se segue a resposta que deixou escrita nas alegações); no que diz respeito à segunda declaração, pese embora tenha sido escrita também a pergunta que lhe deu origem, certo é que uma e outra não estão contextualizadas, e não permitem de forma alguma evidenciar que o carro está e/ou que esteve sempre inapto para circular, mas antes, e tão só, que num determinado circunstancialismo – não concretamente revelado pelas passagens das declarações em questão - que o Autor parou o carro (porque fazia um barulho…). Por outro lado, e contrariamente ao que sustenta o recorrente, os factos provados sob os pontos supra indicados não estão em contradição com o facto não provado sob a alínea f), pois para além da quebra de potência do motor do veículo – anomalia que foi reparada como evidencia o facto 18 -, os demais evidenciam sinais “transmitidos” por algum/alguns do(s) componente(s) da viatura, não resultando de qualquer um deles, de per si, ou quando conjugados uns com os outros, e à luz das regras da lógica e da experiência, que o veículo não esteja apto a circular. O alegado rebentamento de um tubo, que o recorrente invoca para questionar a convicção adquirida pelo tribunal recorrido, constitui matéria que não resultou provada e que pelas razões acima referenciadas não constitui objeto do presente recurso: o ponto da matéria de facto em questão não foi concretamente impugnado na síntese conclusiva. Deste modo, não resultou infirmada a convicção adquirida em 1ª instância quanto à referida matéria, podendo ler-se na motivação respetiva, o seguinte: “O facto f) é desmentido quer pela versão assente, quer pelas declarações do autor, que assumiu que foi o próprio que imobilizou o veículo.”. Improcede, por conseguinte, a impugnação relativamente ao ponto f) do quadro factual não apurado, e, consequentemente, também quanto aos pontos g), e h), porque estritamente conexos e dependentes daquele, e também dos outros pontos que o antecedem, mas que, em concreto, não constituem objeto do presente recurso. Nas alegações o autor/recorrente diz, ainda, que deveria considerar-se como provado que o filtro de partículas mantém-se danificado. Mas, nem ali, nem nas conclusões, pede com clareza e assertividade o aditamento de tal facto concreto, limitando-se a discorrer, na realidade, e a propósito da matéria julgada provada, sobre o desacerto da decisão final, o que não tem cabimento nesta sede. Improcede, por conseguinte, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. * Tendo presente o decidido, relevam para a reapreciação de mérito os factos constantes do relatório e os que foram fixados em 1ª instância. Fundamentação de Direito Da alegada verificação da falta de conformidade do bem e direito à resolução do contrato de compra e venda. Diz o recorrente, em síntese, o seguinte: - A sentença recorrida violou o direito de o apelante resolver o contrato de compra e venda da viatura que adquiriu à apelada Granacar, nos termos do número nº 1, al. c), do art.º 15.º, do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18/10; - O veículo padecia de várias avarias desde o início da sua aquisição, que foram identificadas e comunicadas às Rés, e que não foram integralmente reparadas, mantendo-se as seguintes: a) emissão de fumo branco quando o veículo está “ao ralenti”; b) avaria na caixa de velocidades; c) filtro de partículas danificado; - Consequentemente, o veículo não cumpre o fim a que se destina. O Autor/recorrente conformou-se com a decisão recorrida no que diz respeito à classificação dos contratos celebrados com a 1ª, e 2ª Rés, respetivamente, e com o regime jurídico convocado para apreciação dos pedidos que em concreto formulou. O contrato celebrado entre o Autor e a 1ª Ré configura, efetivamente, um subtipo do contrato de compra e venda - contrato de compra e venda para consumo -, regulado pelas regras gerais do Código Civil, pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho (estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores), e pelo Decreto-Lei nº D.L. nº 84/2021 de 18/10 (diploma a que nos referiremos doravante sem outra menção expressa) – cfr. factos provados sob os pontos 1, e 3, e o art. 3º, nº 1, al. a). Este último diploma veio regular os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, procedeu à transposição das Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770) e entrou em vigor em 01/01/2022. Lê-se no preâmbulo daquele diploma, o seguinte: “O presente decreto-lei estabelece, desde logo, o princípio da conformidade dos bens com um conjunto de requisitos subjetivos e objetivos. O profissional encontra-se, assim, obrigado a entregar ao consumidor bens que cumpram todos os requisitos referidos, sob pena de os bens não serem considerados conformes. Prevê-se a responsabilidade do profissional pela falta de conformidade do bem que se manifeste num prazo de três anos e que se considera existente à data da entrega do bem se manifestada durante os primeiros dois. São, ainda, estipulados prazos de responsabilidade distintos, consoante estejamos perante bens com elementos digitais incorporados relativamente aos quais se preveja o fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais. Ao contrário do previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual, que não estabelecia qualquer hierarquia de direitos em caso de não conformidade dos bens - reconhecendo ao consumidor um direito de escolha entre a reparação do bem, a substituição do bem, a redução do preço ou a resolução do contrato - o presente decreto-lei incorpora a solução da Diretiva que aqui se transpõe, a qual prevê os mesmos direitos, embora submetendo-os a diferentes patamares de precedência. Trata-se, pois, de matéria sujeita ao princípio da harmonização máxima, que impede o legislador nacional de divergir da norma europeia. Neste enquadramento, em caso de não conformidade do bem, o consumidor tem o direito à «reposição da conformidade», através da reparação ou da substituição do bem, à redução do preço e à resolução do contrato, estabelecendo-se as condições e requisitos aplicáveis para cada um destes meios”. Nos termos do art. 4º, da Lei nº 24/96, de 31/07, “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”. Nesta senda de proteção do consumidor, e de acordo com o art. 5º, o “… profissional deve entregar ao consumidor bens que cumpram os requisitos constantes dos artigos 6.º a 9.º, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º”. Os requisitos subjetivos de conformidade são os que se encontram descritos no artigo 6.º, que dispõe o seguinte: “São conformes com o contrato de compra e venda os bens que: a) Correspondem à descrição, ao tipo, à quantidade e à qualidade e detêm a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no contrato de compra e venda; b) São adequados a qualquer finalidade específica a que o consumidor os destine, de acordo com o previamente acordado entre as partes; c) São entregues juntamente com todos os acessórios e instruções, inclusivamente de instalação, tal como estipulado no contrato de compra e venda; e d) São fornecidos com todas as atualizações, tal como estipulado no contrato de compra e venda”. Dos requisitos objetivos trata o art. 7º, nos seguintes termos: “1 - Para além dos requisitos previstos no artigo anterior, os bens devem: a) Ser adequados ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam; b) Corresponder à descrição e possuir as qualidades da amostra ou modelo que o profissional tenha apresentado ao consumidor antes da celebração do contrato, sempre que aplicável; c) Ser entregues juntamente com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou outras instruções que o consumidor possa razoavelmente esperar receber, sempre que aplicável; e d) Corresponder à quantidade e possuir as qualidades e outras características, inclusive no que respeita à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública feita pelo profissional, ou em nome deste, ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia de negócio, incluindo o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”. Os veículos destinam-se, em regra, à circulação rodoviária (excetuando os casos pontuais de se destinarem, por exemplo, a outros fins, como o de coleção), e, no caso, o Autor destinou o veículo a tal finalidade (cfr. ponto 20 da matéria de facto). Sob a epígrafe “Responsabilidade do profissional em caso de falta de conformidade”, dispõe o art. 12º: “1 - O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem. (…) 3 - Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o prazo de três anos previsto no n.º 1 pode ser reduzido a 18 meses, salvo se o bem for anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção dessa qualidade na respetiva fatura, caso em que é aplicável o prazo previsto nos números anteriores. 4 - O prazo referido no n.º 1 suspende-se desde o momento da comunicação da falta de conformidade até à reposição da conformidade pelo profissional, devendo o consumidor, para o efeito, colocar os bens à disposição do profissional sem demora injustificada. (…)”. Dispõe, por seu turno, o art. 13º: “1 - A falta de conformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem presume-se existente à data da entrega do bem, salvo quando tal for incompatível com a natureza dos bens ou com as características da falta de conformidade. (…) 3 - Nos casos em que as partes tenham reduzido por acordo o prazo de garantia de bens móveis usados nos termos do n.º 3 do artigo anterior, o prazo previsto no n.º 1 é de um ano. 4 - Decorrido o prazo previsto no n.º 1, cabe ao consumidor a prova de que a falta de conformidade existia à data da entrega do bem” – sublinhados nossos. Do regime jurídico enunciado e com interesse para a discussão (a compra e venda teve por objeto um veículo usado (facto nº 4) e a vendedora prestou garantia com o prazo de 18 meses, em conformidade com o nº 3, daquela norma, garantia em que interveio, igualmente, a 2ª Ré, nos termos demonstrados nos pontos nºs 5, e 6), conclui-se o seguinte; a) A 1ª Ré, na qualidade de vendedora, responde pela falta de conformidade do bem móvel aquando da sua entrega ao consumidor (assim como a segunda Ré, nos termos da garantia prestada e comprovada nos autos); b) o Autor/consumidor goza da presunção legal de que as faltas de conformidade manifestadas no prazo de um ano a partir da entrega já existiam nessa data, pelo que tem apenas o ónus de alegar e provar a falta de conformidade do bem (base factual da presunção). O art. 15º, prevê, por seu turno, o seguinte: “1 - Em caso de falta de conformidade do bem, e nas condições estabelecidas no presente artigo, o consumidor tem direito: a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem; b) À redução proporcional do preço; ou c) À resolução do contrato. 2 - O consumidor pode escolher entre a reparação ou a substituição do bem, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com o outro meio, impuser ao profissional custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo: a) O valor que os bens teriam se não se verificasse a falta de conformidade; b) A relevância da falta de conformidade; e c) A possibilidade de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes significativos para o consumidor. 3 - O profissional pode recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a substituição forem impossíveis ou impuserem custos que sejam desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo as que são mencionadas nas alíneas a) e b) do número anterior. 4 - O consumidor pode escolher entre a redução proporcional do preço, nos termos do artigo 19.º, e a resolução do contrato, nos termos do artigo 20.º, caso: a) O profissional: i) Não tenha efetuado a reparação ou a substituição do bem; ii) Não tenha efetuado a reparação ou a substituição do bem nos termos do disposto no artigo 18.º; iii) Tenha recusado repor a conformidade dos bens nos termos do número anterior; ou iv) Tenha declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os bens em conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor; b) A falta de conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa do profissional de repor os bens em conformidade; c) Ocorra uma nova falta de conformidade; ou d) A gravidade da falta de conformidade justifique a imediata redução do preço ou a resolução do contrato de compra e venda. 5 - A redução do preço deve ser proporcional à diminuição do valor dos bens que foram recebidos pelo consumidor, em comparação com o valor que teriam se estivessem em conformidade. 6 - O consumidor não tem direito à resolução do contrato se o profissional provar que a falta de conformidade é mínima. 7 - O consumidor tem o direito de recusar o pagamento de qualquer parte remanescente do preço ao profissional até que este cumpra os deveres previstos no presente decreto-lei. 8 - O disposto no número anterior não confere ao consumidor o direito à recusa de prestações que estejam em mora. 9 - O direito à resolução do contrato ou à redução proporcional do preço pode ser exercido quando a falta de conformidade tenha levado ao perecimento ou deterioração do bem por motivo não imputável ao consumidor. 10 - Os direitos previstos no presente artigo transmitem-se ao terceiro adquirente do bem a título gratuito ou oneroso.” Atentemos, agora, nos factos provados, e desde logo, nos seguintes: a) No próprio dia da aquisição da viatura – 24 de março de 2022 – durante a deslocação de Lisboa para Évora, o motor começou a falhar, perdendo potência durante a circulação; b) Dois dias depois, o painel do veículo mostrou o símbolo de «verificar óleo no motor». A primeira das situações constitui evidência de avaria, com repercussão direta no comportamento do veículo em estrada, suscetível de comprometer o fim a que o autor o destinava. Já a situação referenciada em b) pode não revelar, de per si, uma avaria ou uma falta de conformidade do bem. Não obstante, o facto provado em 9 demonstra que o Autor entrou em contato com a Ré vendedora e que esta indicou-lhe a “Bosch Car Services”, em Évora, onde o primeiro conduziu a viatura para reparação, evidenciando, pois os autos, com segurança, e em face do disposto no sobredito art. 15º, nº 1, al. a), e nº 2, que o Autor e a Ré enveredaram pela via da reparação do veículo, sendo que depois desta intervenção cessaram as queixas relacionados com o símbolo do óleo no painel do veículo. Está também demonstrado, que em momento posterior (não concretamente determinado, mas necessariamente anterior ao final de agosto de 2022, atento o que resultou apurado em 12), e depois duma primeira intervenção reparatória (cf. facto 11), o veículo mantinha perda de potência do motor. Provou-se, ainda, que saía fumo branco pelo escape com o motor em ralenti. O veículo foi novamente entregue nas oficinas da «Bosh Car Service» em Évora, por indicação das Rés, ainda que não resulte com suficiente clareza da matéria de facto apurada se a reparação visou qualquer possível avaria relacionada com a saída de fumo do tubo de escape. Ainda durante o mês de agosto de 2022, também em data não concretamente determinada, mantinha-se a perda de potência do motor e a saída de fumo branco do escape com o veículo em imobilização. E o veículo voltou a ser reparado. Desta vez, na oficina «Starsul -Comércio Automóvel, S.A.». E, mais uma vez, a matéria factual demonstrada não permite concluir que a reparação tenha incidido sobre possível avaria “responsável” pela saída de fumo do tubo de escape. Provou-se, também, que antes de tal intervenção, foi transmitido ao Autor que o veículo teria o filtro das partículas danificado. Como se disse anteriormente, recaía sobre o Autor/consumidor, o ónus de alegar a existência de falta de conformidade/defeito do veículo. Tal ónus não pode ter-se como cumprido com a alegação de uma mera possibilidade da existência de defeito/vício, e a incerteza sobre a existência de vício não pode constituir, por seu turno, base da presunção legal prevista no sobredito art. 13º, nºs 1, e 3. Consequentemente, e independentemente de estar excluída da garantia acordada entre as partes qualquer arranjo relacionado com o filtro de partículas (cf. facto 6.h)), não está demonstrada a ocorrência da sobredita desconformidade, o que inviabiliza, desde logo, e neste tocante, a pretensão do recorrente. Naquele circunstancialismo, o veículo foi mais uma vez reparado naquela oficina (desconhece-se a amplitude da reparação, nomeadamente, se a mesma visou também eventual avaria relacionada com a saída de fumo do tubo de escape, sendo seguro, apenas, que não foi feita qualquer intervenção no filtro de partículas, por as Rés não terem assumido o pagamento de eventual intervenção nesse campo, dada a exclusão prevista no contrato de garantia). O Autor levantou o veículo da oficina em 7 de setembro de 2022. Posteriormente, a viatura voltou a evidenciar perda de potência do motor, e fumo branco a sair do escape, com o motor em funcionamento e o veículo imobilizado. E, de novo, o Autor e a Ré vendedora acordaram na reparação da viatura, a expensas de ambas as Rés, desta vez, na oficina «Topcar» (cf. facto 17). Depois desta última reparação, a perda de potência do motor ficou solucionada. Em fevereiro de 2023 verificava-se o seguinte: - Saía fumo branco do escape com o motor em funcionamento e o veículo imobilizado; - Era audível um barulho na caixa de velocidades. O autor não alegou e consequentemente não demonstrou quaisquer factos suscetíveis de serem reconduzidos a uma desconformidade do bem à luz do disposto nos arts. 6º e 7º, afirmando, aliás, de forma perentória neste recurso que a falta de conformidade do bem resulta de o mesmo não poder cumprir o fim a que se destina. A vaguidade das situações descritas não nos permite firmar a existência de defeito no veículo, e nomeadamente, a sua cobertura pelo contrato de garantia celebrado entre as partes. A saída de fumo branco do tubo de escape, com o motor ligado e o veículo imobilizado pode ter na sua origem várias causas, consoante a densidade e intensidade do fumo, a sua persistência, ou não, com o veículo em movimento... Ao autor cabia indicar o vício concreto subjacente à dita situação, e que poderia ter averiguado aquando das sucessivas idas do veículo à oficina, pois como não pode desconhecer, subscreveu com as Rés garantia que no respetivo ponto 14 consagrava o seguinte: “Encontram-se, formalmente, excluídas da garantia: a) a substituição, reparação de peças ou órgãos, ocasionada pelo desgaste normal, tais como sistema de embraiagem, sistema de escape…”, pelo que o tribunal tinha de estar na posse de elementos concretos que lhe permitissem concluir com o grau de segurança necessário, que existia um defeito, suscetível de ser coberto pela garantia, o que não ocorre. A segunda das situações descritas apresenta um grau de imprecisão de maior intensidade, insuscetível de concretização, sendo que só em sede recursiva o Autor veio afirmar que o carro apresentava avaria na caixa de velocidades. Trata-se de matéria nova, que não foi submetida a discussão em 1ª instância e, que, como tal, não pode ser ponderada e discutida aqui “ex novo”, visto que os recursos destinam-se a reapreciar o decidido em 1ª instância. O “ser audível um barulho na caixa de velocidades” não permite sustentar a existência de qualquer anomalia/avaria, nem a conclusão de o veículo não estar apto para satisfazer o fim a que se destina. Inexiste, por conseguinte, fundamento para a resolução do contrato nos termos pugnados pelo recorrente. Subscrevemos, por conseguinte, o decidido em 1ª instância: “… a noção de desconformidade não se confunde com uma ideia subjectiva sobre a natureza de uma característica do bem; antes tem de ascender a um patamar objectivo de relevância jurídica de acordo com o critério normativamente fixado. Ora, o autor não alegou (e, logicamente, demonstrou) qualquer previsão contratual incompatível com a existência destas características, designadamente à luz do art. 6.º do diploma transcrito; nem foram alegadas (e, logicamente, demonstradas), quaisquer circunstâncias subsumíveis ao enunciado do art. 7.º, n.º 1, als. b) a d) do mesmo diploma. Restando-nos, pois, o requisito da adequação ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam – cf. art. 7.º, n.º 1, al. a). Neste contexto, admite-se que a perda de potência do motor, considerando o uso a que um automóvel se destina (que pressupõe a possibilidade de adequar a velocidade ao contexto da via, permitindo ao utilizador aumentar ou diminuir a potência de acordo com a sua vontade momentânea), configure uma violação desse requisito objectivo de conformidade – presumindo-se ainda existir à data da entrega do bem, cf. art. 13.º. Ora, nesta matéria, resulta da factualidade assente que o autor exerceu o direito previsto no art. 15.º, n.º 1, al. a) e 18.º do regime transcrito (reparação), a qual acabou por ser conseguida – cf. factos 17, 18 e b) da motivação; razão pela qual não subsistia, à data descrita em 19, qualquer fundamento para resolver o negócio ou exercer outro direito previsto no regime em análise. Voltando à noção de desconformidade, o mesmo já não se pode dizer quanto às restantes circunstâncias narradas (aparecer no veículo o símbolo de «verificar óleo no motor» - fuga de óleo? Falta de manutenção? -, emissão de fumo branco pelo escape – qual a sua origem? É natural ou tem uma intensidade extraordinária? Fuga de outro componente? Qual? -; barulho na caixa de velocidades – qual a intensidade? É um fenómeno natural no contexto da utilização do veículo ou não? Qual a sua causa?) por delas não ser possível extrair uma desadequação ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam – cf. 7.º, n.º 1, al. a). Aliás, tais factos apenas são invocados por o autor entender – estado subjectivo - por motivos nunca claramente explicitados, que configuram uma falta de conformidade. Ora, como já referido, o critério da conformidade não se confunde com um estado subjectivo do autor, antes pressupondo uma descrição factual objectiva que seja susceptível de preencher um conceito jurídico de desconformidade. (…). * Poder-se-ia questionar se a pretensão do autor apresentaria sustento no regime geral previsto no art. 913.º do Código Civil («1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria»). Sucede que, para além das reservas já mencionadas quanto à falta de conformidade, extensíveis ao regime em análise, neste não se presume a existência do vício à data da aquisição (conforme art. 13.º), que não foi alegada, nem, logicamente, demonstrada; soçobrando, também nesta sede, a pretensão do autor. * Finalmente, e sem prejuízo do exposto quanto à natureza do facto alegado em 13 (que configura uma declaração sobre um facto respeitante ao filtro de partículas, o que não se confunde com uma asserção de facto sobre o objecto dessa mesma declaração), cumpre mencionar que, ainda que assim não se entendesse, por se tratar de um veículo usado, tal matéria foi expressamente excluída do âmbito da garantia legal (cf. facto 6.h), art. 12.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro e art. 405º do Código Civil) - inexistindo, por acordo entre as partes, fundamento para exigir qualquer direito decorrente do regime previsto no Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro). ** O Autor/ recorrente pugna, ainda, no presente recurso, pelo arbitramento de indemnizações destinadas a ressarcir os seguintes danos: a) privação de uso do veículo, relacionada com a sua inaptidão para funcionar; e, b) indemnização destinada a ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados na petição inicial. Também nesta parte o recurso está vedado ao insucesso, por ter improcedido a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com a consequente inalteração do quadro factual apurado em 1ª instância, o qual não permite sustentar a ocorrência de qualquer dos danos alegados pelo autor e nos quais sustentava as quantias indemnizatórias peticionadas. Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em manter a decisão recorrida. Custas a cargo do apelante (art. 527º, nº 1, CPC). Notifique. Lisboa, 5 de junho de 2025 Cristina Lourenço Rui Manuel Pinheiro de Oliveira Fátima Viegas _______________________________________________________ [1] 1 Conjugando factos 8 e 13 da petição inicial, conclui-se que era este o motivo da «avaria» mencionada no primeiro artigo. [2] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “Código Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 795. [4] Obra citada, págs. 196-197. [5] António Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 199-200. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2023, processo nº 4696/15.0T8BRG.G1.S1; relator. Sr. Conselheiro Cura Mariano). |