Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
16074/09.6YYLSB-D.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
CÔNJUGE DO EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–O desrespeito pelas normas de procedimento e de conteúdo da citação pode ser causa de nulidade da citação, nos termos gerais do art 191º/1, mas não dá lugar à falta de citação, a qual só se verifica nas situações taxativamente referidas no art 188º CPC.
II–A citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus.
III–Esses direitos podem decorrer de uma de três situações.
IV–A primeira, a que se reporta a primeira parte da al a) do art 786º, conjugada com o nº 1 do art 787º, ambos do CPC, resulta de, estando em causa dívida própria do executado ter sido objecto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que aquele não pode alienar livremente, o que, sendo o regime de bens o da separação, só poderá ocorrer relativamente à casa de morada de família, nos termos do art 1682º-A/2 CC.
V–A segunda ocorre quando, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns, sendo que nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
VI–A terceira situação que justifica a citação do cônjuge do executado, resulta das hipóteses previstas nos arts 741º e 742º CPC, a que se reporta o nº 5 do art 786º, pressupondo-se nessas hipóteses, em ambos os casos, que o cônjuge do executado pretenda contestar a comunicabilidade da dívida - no caso do art 741º, alegada pelo exequente, no caso do art 742º, alegada pelo cônjuge contra quem a execução foi promovida.
VII–Na situação dos autos, em que o regime de bens é o da separação, não se verificava nenhuma das três situações para o cônjuge do executado se ter oposto à penhora, pelo que se impunha o indeferimento liminar dessa oposição.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


I–Na execução comum que o Banco ..... SA, move a, entre outros, Maria ....., para haver a quantia de € 209.377,42, veio Jorge ....., em 29/3/2016, deduzir oposição à penhora, invocando o disposto nos arts 784º/1 als a) a c), 786º/1, al a), e 787º CPC, com os seguintes fundamentos:
Invoca a nulidade da sua citação, nos termos dos artigos 187º/al a) e 191º/1 ambos do CPC, referindo que a citação que lhe foi entregue não vinha acompanhada de qualquer documento ou articulado processual, e que, tendo sido, segundo depreende, citado segundo o regime de citação com hora certa, verifica que no local para tanto utilizado e tido como sua residência ou local de trabalho - Rua ………, nº  - , 2775-347 Parede - nunca residiu, pernoitou ou trabalhou, visto que desde Dezembro de 2014 que reside na Rua …………., nº ……, 2645-527 Alcabideche, conforme documentos que junta. Mais refere que devendo ter-lhe sido enviada, no prazo de dois dias, nos termos do art 233º, carta registada, tal prazo já se mostrava ultrapassado aquando da declaração constante da informação prestada pela Agente de Execução em 29/02/2016. Em consequência da apontada nulidade/falta de citação, refere desconhecer  a que título deverá opor-se à penhora mas, não obstante, referiu, em síntese, estar casado com a executada Maria ……, desde 9/2/2005, em regime de separação de bens, nunca ter contraído com ela qualquer dívida, nem a título pessoal nem conjuntamente com a mesma e, tanto quanto julga saber, também a mesma, na pendência do matrimónio não contraiu qualquer dívida, pelo que, a existir dívida, a mesma sempre será anterior ao início da relação matrimonial, sendo que, de todo o modo, não consentiu que ela contraísse qualquer dívida em favor do casal, não tendo havido qualquer benefício seu ou do casal. Mais refere que sempre teve actividade profissional separada da dela, que há mais de um ano que vive em casa distinta da dela, concluindo pela sua ilegitimidade, invocando o disposto nos arts 53º, 577º/1 e), 278º/1 d), 786º/1 a) e 797º, todos do CPC. Termina por requerer que seja determinada a imediata suspensão da instância executiva quanto aos bens que tenham sido penhorados que sejam de sua propriedade.
Juntou documentos, entre eles, a convenção antenupcial.

Liminarmente, foi proferido o seguinte despacho:
«O(a)(s) executado(a)(s), representado(a)(s) por advogado, deduziu(ram) oposição à penhora. 
Apreciando.
Nos termos do art. 784.º do CPC, apenas podem ser fundamentos de oposição à penhora os elencados nas alíneas do n.º 1 desse preceito, sendo que, compulsada a petição inicial, nada do que aí se alega configura um dos fundamentos previstos na lei para a oposição à penhora, o que será decerto do conhecimento do(a)(s) opoente(s), porquanto está(ão) representado(a)(s) por advogado.
Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 732.º, n.º 1, do CPC, indefiro liminarmente a petição inicial..
Custas pelo(a)(s) opoente(s).
Registe e notifique.

II–É desse despacho que o oponente apela, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:
1º-O presente recurso vem interposto da douta Sentença de fls.___, que indeferiu liminarmente a petição de oposição à penhora de fls.___, e não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso de Apelação, nos termos dos artigos 627º, 629º nº 1, 631º nº 1, 637º, 638º, nº 1, 639º, nºs 1 e 2, 644º nº 2 alínea i), 645º nº 2, e 647º nº 1, 853º, nºs 1, 3 e 4, todos do C.P.C., versando o presente recurso sobre a parte decisória constante dessa sentença.
2º-Com relevância factual para a decisão do caso em apreço, devem ser considerados os pontos 1 a 9 supra reproduzidos.

3º-Nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e d), do C.P.C.:
“1-É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…) d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

4º-O artigo 154º do C.P.C. impõe ao juiz que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido, sendo nulas as sentenças que não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
5º-Na citada alínea b) prevê-se o desrespeito ao disposto no artigo 607º, nº 2, do C.P.C., que ordena que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, conforme imposição constitucional do artigo 205º, nº 1, da C.R.P., cujo cumprimento é uma condição de legitimação da decisão.
6º-Da motivação da sentença deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial que existe como necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.
7º-A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais.
8º-A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.
9º-Em face deste conteúdo da decisão impugnada nestes autos, é evidente que não pode dizer-se que aquele acto decisório tenha elucidado as partes a respeito dos motivos da decisão, por falta absoluta da matéria provada que gera a falta de um dos pressupostos necessários ao julgamento, pelo que ignora-se e não é possível conhecer se foi bem ou mal aplicado o direito correspondente. Poderia e deveria o tribunal “a quo”, ainda que de forma sintética mas perceptível, fixar quais os factos – face ao alegado pelo Opoente - que se encontravam demonstrados, nem que fosse perante os documentos juntos com a respectiva petição.
10º-Nessa medida, temos de reconduzir tal falta absoluta do cumprimento do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 607º do C.P.C. à referida nulidade de sentença prevista na alínea b) do número 1 do artigo 615º do C.P.C., nulidade essa que aqui se invoca e se pretende que seja reconhecida e declarada.
11º-Assim, o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), 1ª parte, do C.P.C.).
12º-Face a quanto se enunciou, importa dizer que a questão em causa que vinha colocada à consideração do tribunal “a quo” era, entre outras questões colocadas, a da excepção de nulidade da citação, questão essa até de conhecimento oficioso, cuja alegação suscitada não mereceu qualquer análise e resposta do Tribunal.
13º-Daí que, ao não decidir, pelo menos sobre a questão controvertida e invocada de excepção de nulidade, o tribunal “a quo” não cumpriu com o disposto nos artigos 608º e 615º, nº 1, alínea d), o que gera a nulidade da sentença recorrida que se invoca com as legais consequências.
14º-O Opoente foi citado - através da Sra. Dra. Agente de Execução designada nos autos -, para deduzir oposição à penhora, e em cumprimento da mesma invocou, na petição de oposição, os seguintes fundamentos: a)-nulidade da citação; b)-ilegitimidade;
c)-inadmissibilidade de penhora dos seus bens; d)-não reconhecimento da comunicabilidade da dívida; e e)-pedido de separação de bens.
15º-“Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.” (artigo 784º, nº 1, do C.P.C.).
16º-A legitimidade do cônjuge do Executado, para deduzir o incidente de oposição à penhora, advém do estatuído no artigo 787º, nº 1, do C.P.C., podendo ainda o Executado invocar a separação de bens do casal, opor-se à comunicabilidade da dívida e até suscitar qualquer nulidade processual.
17º-No modesto entendimento do Opoente, a situação subsume-se ao disposto no artigo 784º, nº 1, alíneas a) e c), supra citadas, tratando-se de uma situação de impenhorabilidade.
18º-Acresce que, no caso concreto existe e foi devidamente invocado pelo Opoente que a omissão do acto (citação) tem manifesto prejuízo para o Opoente, que pode ver, indevidamente, penhorado o seu património, não sendo despiciendo considerar que, no normal curso da execução, não sendo decretada a nulidade e o inerente levantamento das penhoras, o processo atingirá a fase da venda, com o perigo iminente dos bens do cônjuge aqui Opoente, serem o meio de pagamento de dívida que o não responsabiliza, tudo quando foi cometida uma ilegalidade que constitui fundamento para a oposição e em prol da economia processual.
19º-Pelas dívidas comuns respondem os bens comuns (artigo 1695º, nº 1, do Código Civil), mas apenas na possibilidade de ter sido invocado e demonstrado, pela Exequente, que o cônjuge aqui Opoente beneficiou com tais dívidas (artigo 1691º, nº 1, do Código Civil), motivo pelos quais pode este requerer – como requereu no caso em apreço - a rejeição da comunicabilidade da dívida (quer de facto quer atento o regime de bens do casamento) e a separação de património.
20º-No caso da existência de patrimónios separados, em que um deles seja chamado a responder por uma dívida apenas na falta ou insuficiência do outro, “pode o exequente promover logo a penhora dos bens que respondem subsidiariamente pela dívida, desde que demonstre a insuficiência manifesta dos que por ela deviam responder prioritariamente” (artigo 745º, nº 5, do C.P.C.). Os bens subsidiariamente responsáveis só devem, pois, ser penhorados se os que respondem prioritariamente forem manifestamente insuficientes, o que deve ser demonstrado. De contrário, o executado titular dos bens pode deduzir fundadamente oposição à penhora (assim se decidiu no se decidiu no douto acórdão do T.R.L., datado de 11-12-2001, processo nº 00113371, consultável em www.dgsi.pt).
21º-Para além de que, o incidente em questão é sempre o meio próprio para a invocação, como se verificou, de nulidades processuais, pois foram violadas as disposições dos artigos 227º, 232º e 233º, que gera a nulidade constante dos artigos 187º, alínea a), e 191º, nº 1, todos do C.P.C., as quais deviam ser conhecidas oficiosamente.
22º-Ao não ter actuado da forma descrita quanto às apontadas nulidades e quanto ao indeferimento liminar do incidente de oposição à penhora, a decisão posta em crise fez um errado julgamento do caso dos autos tendo violado os artigos 615º, nº 1, alíneas b) e d), 784º, 154º, 607º, nº 2, 608º, nº 2, 740º, 786º, nº 1, alínea a), 787º, nº 1, 797º, 227º, 232º e 233º, que gera a nulidade constante dos artigos 187º, alínea a), e 191º, nº 1, todos do C.P.C., artigos 1691º, nº 1, 1695º, nº 1, e 1735º, do Código Civil, e artigo 205º da C.R.P..

Não há contra alegações.

III–No despacho de que se apela não se enuncia qualquer matéria de facto enquanto fundamento do que se decidiu.

IV–Em face das conclusões da apelação e concatenando-as com o despacho recorrido, importa decidir:
1-Se o despacho apelado é nulo, nos termos do art 615º/b), (por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão), e nos termos da 1ª parte da al c) dessa mesma norma, (por omissão de pronúncia relativamente à questão invocada da nulidade da citação); 
2-Se, ocorrendo essas nulidades, e no suprimento das mesmas, se deverá entender que há falta ou nulidade da citação;
2-Se a situação fáctica em apreço nos autos se pode subsumir ao disposto no art 784º/1 als a) e c), (como é referido na conclusão 17ª), estando em causa uma situação de  impenhorabilidade, e se será caso para o oponente requerer a rejeição da comunicabilidade da dívida  e a separação de património.

1–É evidente a falta de fundamentação do despacho em apreço.
A imposição de fundamentação – seja dos fundamentos de facto, seja dos de direito - é uma exigência constitucional, decorrente do art 205º/1 da CRP [1] que só exclui dessa exigência os despachos de mero expediente, o que não é, seguramente, o caso do despacho impugnado.
Por isso, o despacho em causa, é nulo.

Mas é também nulo porque, igualmente de forma manifesta, não conheceu da questão da nulidade da citação que havia sido colocada pelo oponente para apreciação.
Cumpre, pois, a este tribunal, nos termos do art 665º/1 CPC, suprir as referidas nulidades e, seguidamente, conhecer do demais objecto da apelação.

2–Do processado nos autos de execução, com cujos elementos os presentes foram instruídos, resulta relevante o seguinte circunstancialismo fáctico processual:
1–Na execução comum apensa o exequente pretende o pagamento da quantia de quantia € 209.377,42, além de outros, de Maria A... C...G...S...P....
2–No requerimento executivo invocou ser dono de uma livrança subscrita por uma sociedade declarada insolvente e que fora avalizada pelos três executados, tendo a mesma sido emitida em 27/10/1999 e tido vencimento em 16/7/2009, sendo que, tendo sido apresentada a pagamento, não foi paga.
3–A exequente indicou à penhora, entre o mais, e como bem pertencente à executada Maria A..., o ...º andar-A com parqueamento nº ...7, e uma arrecadação com o mesmo número, sita na R. P..., nº 1..., Parede.
4–Da certidão de registo predial junta à execução resulta que o 1º andar acima referido está inscrito em nome da referida executada desde 20/4/2007.
5–O imóvel em causa foi penhorado no âmbito da acima referida execução, mostrando se tal penhora registada desde 29/1/2014.
6–O oponente Jorge F... é casado com a executada Maria A... desde  12/2/2005 em regime de separação de bens.
7–Tendo sido ordenada na execução a citação do aqui opoente Jorge D... para, na qualidade de cônjuge da executada Maria A..., nos termos do nº 1 al a) do art 786º e do art 787º, ambos do CPC, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à penhora e exercer nas fases de execução posteriores à sua citação todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução, Alcídio R..., empregado forense do Agente de Execução nº 849, nos termos do art 232º CPC, por não ter conseguido encontrar no dia 22/2/2016 pelas 12h e 55 m quem abrisse a porta da fracção ...º-A da Rua P..., 1..., Parede, deixou nota de que a diligência teria lugar, no mesmo local, no dia 25/2/2016, entre as 12h e as 12,30, do que lavrou certidão, mais certificando que, por declarações prestadas pelo carteiro da zona, o citando recebe correspondência em seu nome na fracção, tendo afixado na morada supra referida, nota da citação, com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial, tendo testemunhado esse acto Carlos E...C... V... e Maria A...R...P....
8–Em 29/2/2016 a AE enviou carta registada para o referido Jorge F..., para a morada acima referida, referindo como objecto e fundamento da notificação que, “nos termos do art 233º CPC fica V. Excia notificado de que se considera citado pessoalmente por afixação nos termos do nº 4 do art 232 do CPC. A a citação considera-se feita em 25/2/2016, tendo o prazo de 20 dias para deduzir oposição à penhora  e exercer nas fases de execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição. Àquele prazo acresce uma dilação de 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa de V.Exa; 5 dias por a citação ter sido efectuada em comarca diferente daquela onde correm os autos. Informa-se V. Excia que o duplicado do requerimento executivo e a cópia dos respectivos documento anexos encontram-se à disposição do citando na Secretaria do Tribunal ou escritório do agente de execução (…)».     
9–A fls 12 dos presentes autos está junto documento intitulado ”Contrato de Abastecimento de Água e Drenagem de Águas Residuais por intermédio de contador”,  datado de 22/12/2014, referente ao cliente Jorge ……, referindo-se como morada de abastecimento a Rua ………., Parcela Bicesse e facturas referente a consumos de água nessa morada de 28/2/2015  e 30/1/2016, enviadas para aquela morada.

A citação do cônjuge do executado deve ser feita nos termos gerais [2], consequentemente, nos termos dos arts 227º e ss do CPC.
Assim, a citação do mesmo há-de ser promovida pelo agente de execução por via postal - art 228º- e, no caso de esta se frustrar será efectuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o executado, se necessário, com hora certa, nos termos dos arts 231 e 232º.
O art 231º regula a citação por contacto pessoal com o citando, resultando do seu nº 1 o carácter residual deste modo de citação, visto que o mesmo só ocorrerá quando se frustre a via postal.
Por sua vez, o art 232º pressupõe que o contacto pessoal com o citando, a que alude o art 231º, não teve lugar e estipula que, «se o agente de execução (…) apurar que o cintando reside ou trabalha efectivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respectivo aviso no local mais indicado», sendo que, «no dia e hora designados» – nº 2 dessa norma – se o agente de execução não encontrar o citando, e tão pouco lhe for possível «obter a colaboração de terceiros», refere o nº 4 da mesma norma que «a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no art 227º-  declarando-se que «o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial», deixando o nº 6 desta mesma norma claro que, «considera-se pessoal a citação efectuada nos termos do nº 2 e 4». Por sua vez, do disposto no art 233º decorre que quando «a citação se mostre efectuada em pessoa diversa do citando ( …) ou haja consistido na afixação de nota de citação nos termos do nº 4 do artigo anterior, é ainda enviada pelo agente de execução (…) no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe, a data e o modo por que o acto se considera realizado, al a), o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta,  al b), o destino dado ao duplicado, al c) (…)».

Se se atentar no ponto 7 e 8 da matéria de facto acima especificada, não pode deixar de se verificar a conformidade da actuação do empregado do agente de execução – cfr o disposto no nº 6 do art 231 º - com o disposto nestas normas dos arts 232º e 233º CPC no que respeita à citação do aqui oponente.

À luz dos acima referidos e concretos trâmites da citação do oponente, natural é que a citação que lhe foi entregue não viesse acompanhada de qualquer documento ou articulado processual, pois que «o duplicado e os documentos anexos» ficaram à disposição do mesmo na secretaria judicial, como resulta da nota de citação e da carta registada, que, após, lhe foi enviada; esta foi-lhe atempadamente enviada, uma vez que, na atrás referida norma, se referem não, dois dias, mas, «dois dias úteis» (dia 25/2 foi uma 5ª feira). Por outro lado, a circunstância de se dispor de contratos de abastecimento de água e luz numa outra morada que não aquela em que se efectuou a citação, não colide com a informação em que se baseou o empregado do agente de execução para prosseguir com a citação nos termos atrás referidos – a certificada informação de que,  por declarações prestadas pelo carteiro da zona, o citando recebe correspondência em seu nome na fracção.

De todo o modo, o desrespeito pelas normas de procedimento e de conteúdo da citação pode ser causa de nulidade da citação, nos termos gerais do art 191º/1, mas não dá lugar à falta de citação, a qual só se verifica nas situações taxativamente referidas no art 188º CPC, não tendo ocorrido qualquer delas, sequer a mencionada na al e) do nº 1, visto que a simples apresentação atempada da oposição objecto dos autos demonstra que o destinatário da citação chegou a ter conhecimento do acto. 
  
Ora, e como resulta do nº 4 do art 191º, que rege a respeito da nulidade da citação, «a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citando».

De seguida, ver-se-á que o articulado de oposição à penhora que, tendo sido indeferido liminarmente, deu lugar ao presente recurso, constituiu uma completa inutilidade, o que só significa que não contém materialmente qualquer “defesa” do citado oponente.

Por isso, ainda que, numa visão muito escrupulosa das formalidades da citação a que se reporta o citado art 232º, alguma tivesse sido inobservada – o que, repete-se, não sucedeu  – seguramente que a mesma não teria prejudicado a defesa do citado.

3–Cumpre, assim, justificar esta asserção, o que se fará conhecendo-se do restante objecto do recurso.

Dispõe o art 786º/1 al a) CPC que «concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução o cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no nº 1 do art 740º».
Por sua vez, o nº 5 dessa mesma disposição, refere que «tem ainda lugar a citação do cônjuge do executado nos termos especialmente previstos nos arts 741º e 742º».
Estabelecendo  o “estatuto processual do cônjuge do executado”, refere o nº 1 do art 787º que «o cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da al a) do nº 1 do art anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora  e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução», contrapondo o nº 2 que, «nos casos especialmente regulados nos arts 740º a 742º, é o cônjuge do executado admitido a exercer as faculdades aí previstas».

Como é evidente, a citação do cônjuge do executado pressupõe que o mesmo não é executado e que é admitido a intervir na execução para defesa de direitos seus.
Não sendo executado, tal significa, à partida – salvo ilegitimidade passiva na execução –, que a dívida que é objecto desta não é comum, ou, pelo menos, que a respectiva comunicabilidade não é inteiramente líquida.
Com efeito, resultando do título executivo que a dívida é comum, deverão ambos os cônjuges ser executados em litisconsórcio necessário.
Parte-se, portanto, do pressuposto, na previsão do art 786º/1 al a), que a dívida objecto de execução é própria do executado.
Neste pressuposto, de dívida própria do executado, e tendo sido objecto de penhora na execução um imóvel, ou um estabelecimento comercial, que o executado não pode alienar livremente, decorre da primeira parte dessa norma, conjugada com a do nº 1 do art 787º, que o cônjuge do executado deve ser citado, sendo admitido a deduzir, no prazo de 20 dias oposição à penhora dos bens respectivos e podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução. Pode, por outro lado, exercer nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado.
A circunstância de a lei lhe permitir que deduza fundamentos contra a execução, e, em última análise, poder, em função dos mesmos, fazer extinguir a execução, implica que se lhe atribua o estatuto de parte principal («parte principal é a que pode dispor da instância e do objecto do recurso»[3]).
Na situação dos autos o aqui oponente foi citado precisamente em função da penhora do imóvel sito na R. ……….. nº ……-  andar A.
O imóvel em causa está registado desde 29/1/2014 em nome da executada Maria …….., que é casada com o oponente desde 12/2/2005, em regime de separação de  bens.
No regime de separação de bens não há bens comuns.
O imóvel penhorado é, por isso, bem próprio da executada e ela pode aliena-lo livremente, salvo se o mesmo constituísse casa de morada de família, art 1682-A/2 CC, o que o aqui oponente excluiu na oposição (na data desta há mais de um ano que não residia naquele imóvel).

A segunda situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, ocorre, consoante segunda parte da al a) do nº 1 do art 786º CPC, «quando se verifique o caso previsto no nº 1 do arrt 740º», consequentemente, quando na execução movida contra um dos cônjuges se hajam penhorados bens comuns.
Nessa situação o cônjuge do executado é citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns.
Ora, nada disto faz qualquer sentido na situação dos autos - na execução não se penhorou bem comum, porque eles não existem no regime de separação de bens, e nada há a separar, porque nada há em comum.

A terceira situação que justificaria a citação do cônjuge do executado, seriam as hipóteses previstas nos arts 741 e 742º CPC, a que se reporta o mencionado nº 5 do art  786º.
A primeira, a pressupor que o exequente tivesse alegado que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, e o cônjuge não executado quisesse impugnar tal comunicabilidade, devendo, então, ser citado para, também no prazo de 20 dias, declarar se aceita a comunicabilidade da dívida baseada no fundamento alegado, com a cominação de que, se nada disser, a dívida é considerada comum, sem prejuízo da oposição que contra ela deduza – nº 2 do art 741º- sendo que se, assim, a dívida for considerada comum, a execução prossegue também contra o cônjuge não executado, cujos bens próprios podem ser nela subsidiariamente penhorados – cfr nº 5 do art 741º. 
Na situação dos autos o exequente não suscitou o incidente de comunicabilidade, pelo que nenhum sentido faria que o cônjuge do executado se defendesse dessa não invocada comunicabilidade.
A segunda hipótese acima mencionada, pressuporia que cônjuge que é executado, e unicamente contra quem foi movida a execução, tendo visto penhorados bens próprios, tivesse, em oposição à penhora, alegado fundamentadamente que a dívida, constante de título diverso da sentença, é comum, logo indicando  quais os bens comuns que poderiam ser penhorados.      
Na situação dos autos não se tem notícia de que a executada Maria …….. tivesse suscitado o incidente da comunicabilidade.

E, na verdade, o oponente, cônjuge da referida executada, apenas foi citado nos termos do art 787º, que está, como acima se viu, umbilicalmente referenciado às situações mencionadas na 1ª parte da al a) do art 786º.

Do que se vem de dizer resulta que o aqui oponente, cônjuge da executada Maria …………, nenhum motivo tinha para, em concreto, se opor à penhora do imóvel que foi dele objecto na execução – não podia requerer a separação de bens, pois que era já casado em separação de bens; não tinha que ser ouvido a respeito da comunicação da divida, que não foi invocada nem pelo exequente, nem pela executada; e não estava  em causa na execução qualquer direito seu sobre esse imóvel, visto que o mesmo nem sequer constituía casa de morada de família, única das situações  - e discutívelmente [4]– em que lhe seria legítima a tutela do direito sobre esse imóvel .

Consequentemente, a situação fáctica em apreço nos autos não se pode subsumir ao disposto no art 784º/1 als a) e c) – uma vez que, o que nesse preceito se refere, destina-se ao executado e não ao cônjuge deste …ao contrário do que parece ter sido perspectivado pelo próprio  despacho recorrido -,  não se configura  uma situação de  impenhorabilidade e não é caso do opoente requerer a rejeição da comunicabilidade da dívida e tão pouco a separação de património.
Pelo que – e como o deixava adivinhar a circunstância de na sua longa oposição o oponente não a ter minimamente factualizado – é a mesma absolutamente infundada.

Pelo que há que confirmar o despacho recorrido, ainda que não em função do disposto no art 784º CPC, como nele parece ter sido pressuposto.

V–Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando o indeferimento liminar da oposição à penhora por parte do cônjuge da executada, aqui apelante.

Custas pelo apelante.

           

Lisboa, 28 de Setembro de 2017



Maria Teresa Albuquerque                                              
Jorge Vilaça                                              
Vaz Gomes



[1]-Cujo texto é o seguinte: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei»
[2]-Assim o refere Rui Pinto, «Manual da Execução e Despejo», Coimbra Editora, Ag de 2013, p 828 e ss
[3]-Rui Pinto, obra e lugar citados
[4]-Cfr Rui Pinto, obra citada, p 838