Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO BRIGHTON | ||
Descritores: | CUMULAÇÃO COLIGAÇÃO PEDIDOS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/26/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I- Nos termos do artº 555º do Código de Processo Civil, “pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”. II- A coligação exige, como pressuposto em caso algum inultrapassável, que o Tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (artº 37º nº 1 do Código de Processo Civil). III- A cumulação exige também, mas agora apenas como regra geral, que a forma de processo seja idêntica para todos os pedidos cumulados (1ª parte do artº 37º nº 1 do Código de Processo Civil). IV- A apontada regra sofre, no entanto, uma excepção, dependente do critério do Juiz: Se a diversidade da forma do processo resultar dos próprios pedidos cumulados, o artº 37º nº 2 do Código de Processo Civil faculta ao Juiz autorizar a cumulação desde que, por um lado, as formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, “não sigam uma tramitação absolutamente incompatível”, e, por outro lado, haja interesse relevante na apreciação conjunta das acções cumuladas ou quando esta apreciação conjunta se configure como indispensável para a realização do verdadeiro fim de todo o processo, isto é o de operar a justa composição do litígio. V- Todavia, pode o Tribunal, “oficiosamente ou a requerimento de algum dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos da coligação”, é preferível que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas em processos separados (artº 37º nº 4 do Código de Processo Civil). VI- Nesse caso, deve o Tribunal determinar a notificação do autor para indicar, no prazo fixado, qual o pedido que deve continuar a ser apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, ser o réu absolvido da instância. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA : I – Relatório 1- MJ… intentou a presente acção, com a forma de processo especial de divisão de coisa comum, contra PA…, pedindo que seja proferida decisão que ponha termo à indivisão das fracções “F” e “G” do prédio urbano sito na Rua …, nº …, em Lisboa. 2- Em face da cumulação de pedidos, foi proferido despacho a ordenar a notificação da A., nos termos do artº 37º nº 4 do Código de Processo Civil, para, no prazo de dez dias, indicar qual o pedido que continua a ser apreciado no processo, com a cominação de, não o fazendo, ser o R. absolvido da instância quanto a ambos os pedidos. 3- A A. apresentou requerimento onde deduziu o incidente de intervenção principal provocada da “Caixa GD…”, na qualidade de credora hipotecária das referidas fracções “F” e “G”. No mais, mantém as pretensões referentes às duas fracções. 4- Em face de tal, foi proferido o seguinte despacho : “Da cumulação de pedidos: Veio MJ… intentar a presente acção especial para divisão de coisa comum das fracções “F” e “G” do prédio urbano sito na Rua …, nº …, em Lisboa. Ora, no âmbito da presente acção especial de divisão de coisa comum a cada caso de compropriedade corresponde um pedido. Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação. Dispõe o artigo 37º, nº 4 do Código de Processo Civil : “Se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento de algum dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos da coligação, há inconveniente grave em que as causa sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente, determina, em despacho fundamentado, a notificação do autor para indicar, no prazo fixado, qual o pedido ou os pedidos que continuam a ser apreciados no processo, sob cominação de, não o fazendo, ser o réu absolvido da instância quanto a todos eles”. Conforme consta do despacho de fls. 42, existem vários inconvenientes em que sejam apreciados em conjunto a divisibilidade das duas fracções, inconvenientes que continuam a constar do requerimento de fls. 45 a 51. No entanto, em resposta, a Autora não indicou qual o pedido que pretende que continue a ser apreciado no processo. Tendo sido notificada da cominação, caso não indicasse, não resta senão absolver o Réu da instância quanto a todos os pedidos formulados, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 37º, nº 4 do Código de Processo Civil. Custas pela Autora, nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique”. 5- Desta decisão interpôs a A. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões : “A. Vem o presente recurso interposto do sentença proferido, que decidiu, pelo absolvição do Réu do instância, quanto o todos os pedidos formulados; B. Na sentença proferida, concluiu a Mma Juiz “a quo” que nos presentes autos existiam vários inconvenientes em que fossem apreciados em conjunto a divisibilidade das duas frações e a sua adjudicação ou eventual venda, já que sobre ambas as fracções incidiam vários ónus; C. E assim tendo considerado, o Tribunal “a quo” mandou notificar a ora Recorrente para, no prazo de 10 dias, indicar qual o pedido que continuava a ser apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, ser o Réu absolvido da instância quanto a todos eles; D. A Recorrente, no referido prazo, em requerimento, veio deduzir o Incidente de Intervenção Principal Provocada da Caixa GD…, como associada do Recorrido, na qualidade de credora hipotecária das fracções “F” e “G”; E. Até porque, face ao teor do Despacho do Tribunal “a quo”, a Recorrente reconheceu que perante a existência de cinco hipotecas que impendiam sobre aquelas fracções, constituídas o favor da Caixa GD…, seria necessária a intervenção nos autos daquela instituição bancária; F. Sanando assim o preterição de litisconsórcio passivo necessário, eliminando todos os inconvenientes em que fosse apreciado em conjunto a divisibilidade das duas fracções; G. Efectivamente, atento o teor do nº 2 do artigo 689º do Código Civil, a divisão da coisa ou direito comum, feita com o consentimento do credor, limita a hipoteca à parte que for atribuída ao devedor, devendo por isso a respectiva acção ser proposta também contra os titulares do direito de garantia registado antes da data da propositura da acção; H. Sobre o pedido de Intervenção Principal Provocado do Caixa GD…, o Recorrente liquidou a respectiva taxa de justiça; I. Ademais, naquele requerimento, a Recorrente alegou igualmente factualidade com vista à obtenção de prova suficiente e clara, demonstrativa de que tanto a fração autónoma designada pela letra “F”, como a fracção autónoma designada pela letra “G”, são indivisíveis; J. Foi assim entendimento da Recorrente que após o teor do seu requerimento a fls. 45 a 51, deixaram de existir circunstâncias que impedissem a coligação cumulativa de pedidos no que respeito à indivisibilidade da fracção “F” e “G”, sua adjudicação ou eventual venda; K. Efectivamente e como resulta da descrição de ambas as fracções, as mesmas, são pelas suas características e natureza insusceptíveis de serem divididas em substância; L. Recorrente e Recorrido não convencionaram entre si que ambas as coisas comuns (fracções autónomas designadas pela letra “F” e “G”) se conservassem indivisas; M. Na presente acção, a causa de pedir é a compropriedade, sendo os pedidos da Autora cumulativos e compatíveis entre si, já que o que se pretende e requer, é fazer cessar a indivisão do imóvel denominado fracção “F” mediante a adjudicação do mesmo ao Recorrido, após a avaliação e ponderação dos ónus e encargos que sobre o mesmo impendem; N. Bem como, fazer cessar o indivisão da fracção “G”, mediante a adjudicação da mesma à Recorrente, após a avaliação e ponderação dos ónus e encargos que sobre a mesma impendem; O. Resulta assim que ambos os pedidos têm a mesma natureza, não sendo de todo incompatíveis; P. Já que os comproprietários da fracção “F” e “G”, são somente Recorrente e Recorrido e o credor hipotecário de todos os ónus e encargos que impendem sobre a fracção “F” e “G” é a Caixa GD…; Q. O crédito do credor hipotecário encontra-se garantido pelo direito real de garantia, que são as hipotecas, registadas anteriormente à data da propositura da presente acção; R. Pelas aludidas hipotecas, a Caixa GD… adquiriu o direito de ser paga com preferência a qualquer outro credor que não goze de privilégio especial ou de prioridade de registo; S. Recorrente e Recorrido são solidariamente devedores de todas as hipotecas que impendem sobre as fracções “F” e “G”; T. Desta forma, nada obstava a que ambos os pedidos fossem deduzidos nos mesmos autos, o que até se impunha, atento o princípio da economia processual; U. No presente caso, por injustificável incumprimento da palavra dada pelo Recorrido, a divisão terá que ser feita nos termos da lei do processo, observando-se assim os termos previstos nos artigos 925º a 929º do CPC; V. A Recorrente intentou a presente acção de divisão de coisa comum após o Recorrido se ter recusado à divisão amigável de duas fracções autónomas, das quais ambos são comproprietários sitas na Rua …, nº …, em Lisboa; W. Recorrente e Recorrido são proprietários em comum e partes iguais da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar direito, para habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº… em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº …; X. Recorrente e Recorrido são igualmente proprietários, em comum e partes iguais, da fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente ao segundo andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº … em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 340 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …; Y. Estabelece o artigo 1412º do Código Civil que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa, o que não ocorre no presente caso; Z. Para tanto, prevê-se na lei processual que o processo próprio para o efeito é o processo especial de divisão de coisa comum, previsto nos artigos 925º a 929º do CPC; AA. Face à recusa do Recorrido em proceder à divisão amigável de ambas as fracções e não se vislumbrando outra forma de proceder à sua divisão, a Recorrente viu-se forçada a intentar a presente acção de coisa comum; BB. Com a absolvição do Réu da instância em relação a todos os pedidos o Tribunal “a quo” violou os Artigos 36º, 37º, 925º e 926º nº 4 do Código Processo Civil, e 689º e 1412º do Código Civil; CC. Nada existe, quer na lei substantiva, quer na lei processual, que impeça que sejam apreciados em conjunto, a divisibilidade de duas fracções e a sua adjudicação ou eventual venda; DD. Pelo contrário, atento o princípio da economia processual, a cumulação destes dois pedidos num só processo até se impõe; EE. Não colhe o argumento do Tribunal “a quo” de que os alegados inconvenientes se relacionam com o facto de sobre ambos as fracções incidirem vários ónus; FF. Já que aqueles inconvenientes, a serem válidos e efectivos, tanto ocorreriam no caso de se tratar de um só pedido/fracção ou de dois pedidos/fracções; GG. Ademais, aquela sentença é nula por não especificar quais os fundamentos de facto e de direito que sustentem aquela decisão; HH. A Mma Juiz do Tribunal “a quo”, tanto no Despacho a fls. 42, bem como na Sentença ora recorrida, limita-se a invocar que existem vários inconvenientes em que sejam apreciados em conjunto a divisibilidade das duas fracções, sem nunca referir quais seriam em concreto esses inconvenientes; II. Dispõe o artigo 37º nº 4 do CPC que “Se o Tribunal, oficiosamente, ou a requerimento de algum dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos de coligação há inconveniente grave em que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente, determina, em despacho fundamentado a notificação do autor para indicar, no prazo fixado, qual o pedido ou os pedidos que continuam a ser apreciados no processo, sob cominação de, não o fazendo, sero réu absolvido da instância quanto a todos eles (...)”; JJ. O Tribunal “a quo” no despacho a fls. 42 apenas refere que os inconvenientes para que fossem apreciados em conjunto a divisibilidade das duas fracções se devem ao facto de sob as fracções incidirem vários ónus, pressupondo que ambos sejam indivisíveis, o que também refere ser necessário apurar; KK. Assim sendo, a sentença ora recorrido não especifica quais os fundamentos de facto e de direito em que se fundamenta, bem como quais os inconvenientes que o Tribunal “a quo” considera existirem para que fossem apreciados em conjunto a indivisibilidade das duas fracções, ignorando, no seu todo, o teor do requerimento da Recorrente a fls. 45 a 51; LL. Motivo pelo qual aquela sentença é nula por falta de fundamentação; MM. A Recorrente, no seu requerimento a fls. 45 a 51, requereu o incidente de Intervenção Principal Provocada da Caixa GD…, como associada do Recorrido, na qualidade de credor hipotecário das fracções “F” e “G”, para assim eliminar o invocado inconveniente da existência de ónus sobre as fracções; NN. Resulta do teor da Sentença ora recorrida, que o Tribunal “a quo” não se pronuncia nem tão pouco se refere àquele Incidente de Intervenção Principal Provocada; OO. Como igualmente nada diz, refere ou decide sobre a matéria alegada pela Recorrente no requerimento a fls. 45 a 51 sobre a divisibilidade de ambas as fracções. PP. O Tribunal “a quo” deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, deve por isso examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes e fundamentar a sua decisão; QQ. Não o tendo feito, é nula a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia e quando não se especifique os fundamentos de facto e de Direito que justifiquem a decisão; RR. Motivo pelo qual estamos perante uma causa de nulidade de sentença, nos termos do estipulado no artigo 615º alíneas b) e d) do CPC; SS. Não tendo o Tribunal “a quo” se pronunciado sobre os pedidos formulados pela Recorrente e não tendo especificado os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão de que existem inconvenientes para que fossem apreciados em conjunto a divisibilidade das duas fracções, ocorreu a nulidade da sentença; TT. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogar-se a Sentença, em virtude de a mesma não ter feito uma interpretação adequada do disposto nos artigos 36º, 37º, 925º e 926º nº 4 do Código Processo Civil, e 689º e 1412º do Código Civil, assim os violando, sendo igualmente nula por falta de fundamentação e de pronúncia, devendo ser substituída por outra, que determine que os autos prossigam os seus ulteriores termos, até final. Assim se fazendo Justiça”. 6- Não foram apresentadas contra-alegações. * * * II – Fundamentação a) A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório supra e para a qual se remete. b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito. Ora, perante as conclusões das alegações da recorrente as questões em recurso consistem em determinar : -Se a decisão sob recurso é nula. -Se existem razões para alterar a decisão recorrida. c) Vejamos, em primeiro lugar, se a decisão proferida nos autos é nula. As causas de nulidade da Sentença (e dos restantes despachos – artº 613º nº 3 do Código de Processo Civil) vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença (ou despacho) : -Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)). -Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)). -Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)). -Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)). -Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)). O Prof. Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297), na análise dos vícios da Sentença enumera cinco tipos : -vícios de essência ; -vícios de formação ; -vícios de conteúdo ; -vícios de forma ; -vícios de limites. Refere o mesmo Professor (in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308), que uma Sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”. Por seu turno, o Prof. Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, pg. 686), no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 668 e 669) considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”. A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”. d) A primeira nulidade invocada pela apelante (falta de fundamentação) encontra-se referida no artº 615º nº 1, al. b) do Código de Processo Civil. Ora, há que referir que só a falta absoluta de fundamentação gera nulidade. A insuficiência, a mediocridade ou o erro da motivação afectarão o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de revogação ou de alteração, mas não contendem com a sua regularidade formal (cf. Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, volume V, pg. 140). A imposição da fundamentação das decisões está consagrada no artº 205º da Constituição da República Portuguesa e no artº 154º do Código de Processo Civil. Assim, o artº 205º nº 1 da Constituição da República refere que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Por sua vez, o artº 154º do Código de Processo Civil estabelece no seu nº 1 que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, acrescentando o nº 2 do preceito que “a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”. É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes conhecerem a sua base fáctico-jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação. Temos, pois, de concluir que o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito (cf. Pessoa Vaz, in “Direito Processual Civil – Do antigo ao novo Código”, 1998, pg. 211). Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2013 (consultado na “internet” em www.dgsi.pt), citando Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. III, 1982, pg. 97 : “Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça”. e) No caso em apreço defende a recorrente que a decisão é omissa quanto aos fundamentos de facto que justificam a decisão. Ora, lida a Sentença em causa, e tendo em atenção os pressupostos acima enunciados para a verificação da invocada nulidade da decisão, é fácil verificar que a mesma não enferma do vício que a apelante lhe atribui. Com efeito, a verdade é que a decisão apelada remete para uma decisão anterior, que consta de fls. 42, e salienta que existem vários inconvenientes em que sejam apreciadas em conjunto a divisibilidade das duas fracções em causa e que o requerimento de fls. 45 a 51, apresentado pela recorrida não cumpriu aquilo que havia sido solicitado no supra mencionado despacho. E, em termos de fundamentação de Direito, o Tribunal “a quo” aponta o disposto no artº 37º nº 4 do Código de Processo Civil, fazendo uma muito breve análise do mesmo e apontando o raciocínio que levou o Tribunal a concluir pela decisão. Assim, afigura-se-nos, que a questão invocada pela apelante nesta sede não se enquadra na apontada causa de nulidade de Sentença, antes se prendendo com uma divergência com a decisão proferida pelo Tribunal, com a qual não se conforma. Há, assim, que indeferir a invocada nulidade da decisão recorrida com fundamento na falta de fundamentação de facto, improcedendo o recurso nesta parte. f) A segunda nulidade invocada é a da omissão de pronúncia, estando a mesma referida no artº 615º nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, segundo o qual ocorre nulidade da sentença quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. O vício em causa está relacionado com a norma que disciplina a “ordem de julgamento” (cf. artº 608º nº 2 do Código de Processo Civil). Com efeito, resulta do regime previsto neste preceito que o Juiz na Sentença (e nos despachos) “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Ora, como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pg. 143) : “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido : por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida ; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (artº 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas”. Resulta desta interpretação que a Sentença ou despacho não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito. g) No caso em apreço refere a apelante que o Tribunal “a quo” não apreciou o incidente de Intervenção Principal Provocada por si deduzido no requerimento de fls. 45 a 51. Ora, se é certo que o Tribunal nada disse sobre tal incidente, a verdade é que, atenta a posição jurídica defendida na decisão recorrida, não teria que o fazer, pois a apreciação daquele mostra-se prejudicada. Assim, inexiste qualquer omissão de pronúncia, por se mostrar justificada a razão pela qual o Tribunal não se pronunciou sobre o incidente de Intervenção Principal Provocada. Há, assim, que indeferir a invocada nulidade da decisão recorrida. h) Vejamos, por fim, se existem motivos para alterar a decisão posta em crise. Nos termos do artº 555º do Código de Processo Civil, “pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”. A coligação exige, como pressuposto em caso algum inultrapassável, que o Tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados (artº 37º nº 1 do Código de Processo Civil). A cumulação exige também, mas agora apenas como regra geral, que a forma de processo seja idêntica para todos os pedidos cumulados (1ª parte do artº 37º nº 1 do Código de Processo Civil), o que torna, em princípio, inadmissível a coligação quando a um ou a alguns dos pedidos corresponder processo comum e a outro ou outros desses pedidos processo especial ou se aos pedidos cumulados corresponderem diferentes processos especiais. A apontada regra sofre, no entanto, uma excepção, dependente do critério do Juiz: Se a diversidade da forma do processo resultar dos próprios pedidos cumulados, o artº 37º nº 2 do Código de Processo Civil faculta ao Juiz autorizar a cumulação desde que, por um lado, as formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, “não sigam uma tramitação absolutamente incompatível”, e, por outro lado, haja interesse relevante na apreciação conjunta das acções cumuladas ou quando esta apreciação conjunta se configure como indispensável para a realização do verdadeiro fim de todo o processo, isto é o de operar a justa composição do litígio. i) No caso dos autos não se verifica qualquer dos mencionados obstáculos já que a forma de processo é a mesma e o Tribunal onde a acção foi intentada é o competente. j) Todavia, pode o Tribunal, “oficiosamente ou a requerimento de algum dos réus, entender que, não obstante a verificação dos requisitos da coligação”, é preferível que as causas sejam instruídas, discutidas e julgadas em processos separados (artº 37º nº 4 do Código de Processo Civil). k) Reportando-nos novamente ao caso “sub judice”, afigura-se-nos inexistir grave inconveniente na instrução, discussão e julgamento conjunto dos dois pedidos. Com efeito, verifica-se que sobre a fracção “F” incidem três hipotecas, sendo o valor do capital mutuado de, respectivamente, 7.000.000$00, 16.000.000$00 e 50.000 €. Sobre a fracção “G” apenas incide uma hipoteca, sendo de 220.000 € o capital mutuado. O credor desses mútuos é o mesmo (“Caixa GD…, S.A.”). Recorrente e recorrido são solidariamente devedores dos valores mutuados. Ambas as fracções fazem parte de um imóvel constituído em propriedade horizontal. Não se vêm, assim, qualquer inconveniente grave em que os pedidos incidentes sobre as duas fracções sejam instruídos, discutidos e julgados conjuntamente, antes se vislumbrando, atentas as circunstâncias supra expostas, utilidade nessa opção. Não se vê, pois, que assista razão ao Tribunal “a quo”, quando considera que há graves inconvenientes na tramitação conjunta dos dois pedidos. l) Assim sendo, conclui-se que a apelação merece provimento, sendo de revogar a Sentença recorrida e determinar o prosseguimento dos autos. * * * III – Decisão Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação procedente e, nessa medida, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos para conhecimento das pretensões deduzidas. Custas: Pela recorrente (artº 527º do Código do Processo Civil). Processado em computador e revisto pelo relator Lisboa, 26 de Novembro de 2018 Pedro Brighton Teresa Sousa Henriques Isabel Fonseca |