Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
270/13.4PAAMD.L1-5
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
TAXA DE ALCOOLÉMIA
NORMA IMPERATIVA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: 1. A questão da fixação da taxa de álcool no sangue insere-se no âmbito da produção, interpretação e valoração da prova.
2. Com a entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2014 das alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.° 72/2013, de 3 de Setembro, passa a dever constar do auto de notícia por contra-ordenação, entre outros elementos, “o valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares” (art. 170º, alínea b).
3. Tal norma aplica-se a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.
4. E embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações, não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na referida alínea b) do artº 170º aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.
5. Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.
6. O novo preceito traduz-se numa verdadeira norma interpretativa, pela qual o legislador veio, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de lei anterior, pelo que deve ser aplicado aos casos ocorridos antes da sua entrada em vigor.
7. Ao não proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, o tribunal recorrido incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova, o qual, mesmo que o arguido/recorrente não requeira, deve ser conhecido oficiosamente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório

1. No processo sumário n.°270/13.4PAAMD, o arguido IA, melhor identificado nos autos, foi julgado pela imputada prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.°, n.°1 e 69.°, n.°1, alínea a), do Código Penal, tendo sido condenado, pela autoria material do referido crime, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir por dias livres, em 36 (trinta e seis) períodos correspondentes a fins de semana, cada um deles com a duração mínima de 36 horas, entre as 09 horas de sábado e as 21 horas de domingo, e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):


1. O recorrente IA... não se conforma com a Douta Sentença Condenatória.
2. Ao arguido deveria ter sido aplicada uma pena inferior àquela em que foi condenado.
3. Tal pena é excessiva e desadequada, principalmente na sua forma de aplicação, dividida por 36 períodos de fim-de-semana.
4. Resultou provado que

- O valor de álcool aspirado no sangue era de somente 1,24 gr/l.
- Se tratou da terceira condenação em ilícito criminal idêntico, mas que já se passaram mais de 7 anos desde a primeira condenação.
- O arguido se encontra laboral, profissional e socialmente inserido.
5. O arguido colaborou sempre com os agentes que o interceptaram.
6. O Arguido confessou todos os factos de que era acusado, assumindo a responsabilidade pela prática dos mesmos.
7. Não foram tomadas em consideração tais circunstâncias.
8. Essas circunstâncias apontam para a aplicação de uma pena compatível com a inserção social do recorrente e não com a excessiva pena de prisão que lhe foi aplicada.
9. A pena imposta, não deve ser elevada que inviabilize ou dificulte a sempre almejada reinserção social do arguido, o que se revelará como impossível de conseguir ao impedir durante 36 fins-de-semana que o arguido contacte com a sua família.
10. Todas as referidas circunstâncias ainda que sopesadas com as consequências dos factos cometidos, justificam que a pena a aplicar ao arguido seja inferior à que foi condenado.
11. A Douta Sentença proferida pelo Tribunal A quo, e ora recorrido, violou o disposto nos art°s 40, 71°, n°s 1 e 2, 72°, n° 2, alínea b), 73° e 77° todos do Código Penal.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que reduza a pena de prisão manifestamente excessiva aplicada ao recorrente, ou que substitua a sua forma de aplicação, dividida em períodos idênticos de 36 fins ­de semana, por uma pena suspensa na sua aplicação.

3. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta, em que concluiu (transcrição):
1. O arguido, ora recorrente, foi condenado, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, para além do mais, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir por dias livres, em 36 (trinta e seis) períodos, correspondentes a fins-de-semana, cada um deles com a duração de 36 horas, entre as 09horas de sábado e as 21 horas de domingo.
2. Não se conformando com esta decisão interpôs o presente recurso, pedindo que a pena de prisão seja fixada em medida inferior e ainda seja suspensa na sua execução.
3. Na determinação da medida concreta da pena ponderou o Tribunal a quo as elevadas exigências de prevenção, quer especial, sendo que o arguido regista duas condenações pela prática do crime de condução em estado de embriaguez, tendo a última sentença transitado em julgado recentemente (03.10.2012).
4. Sopesou ainda o Tribunal o dolo directo com que o arguido actuou, bem como o grau de ilicitude e de culpa do arguido, tendo ainda sido levado em conta o grau baixo de álcool apresentado pelo arguido.
5. A favor deste militou a sua inserção social, familiar e profissional, sendo que a sua confissão dos factos não assume especial relevância, uma vez que foi detido em flagrante detido.
6. Em face deste quadro, ponderando na devida conta todos os elementos supra indicados, não nos oferece qualquer reparo a decisão da Mma. Juiz a quo que gradou em 6 (seis) meses a pena de prisão aplicada ao arguido.
7. Atendendo às elevadas necessidades de prevenção especial constatadas, não poderia deixar de se concluir que o arguido revela falta de condições para manter uma conduta lícita, desprezando de forma ostensiva as prescrições legais.
8. Neste circunstancialismo, afigura-se-nos que a factualidade apurada não é de molde a justificar como razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não sendo, assim, de aplicar o instituto da suspensão da execução da pena.
9. Nada nos merece reparo na douta sentença em crise, sendo que consideramos que a mesma não viola qualquer normativo legal.

5. Admitido o recurso (cfr. despacho de fls. ) e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.° do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de C.P.P.), pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.

            6. Cumprido o disposto no artigo 417.°, n.°2, do C.P.P., sem que tenha sido deduzida qualquer resposta, foi efectuado exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.°, n.°3, do mesmo diploma.

II - Fundamentação

1. Dispõe o artigo 412.°, n.° 1, do C.P.P., que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.a ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.a ed., 2007, p. 103; entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, verifica-se que o arguido questiona, tão-somente, a pena aplicada.

2. Da decisão recorrida

2.1. Na sentença proferida pela 1.a instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 20.07.2013, pelas 03 horas, o arguido tripulava o veículo motorizado de matrícula … na Rua da Ladeira, na Buraca, área desta comarca da GLN —Amadora;
2. Abordado por elementos da PSP em serviço de fiscalização, pelas 00 horas e 19 minutos, foi o arguido regularmente submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, realizado no aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, n.° ARTL 0066, credenciado e autorizado para o efeito, tendo apresentado uma taxa de 1,24 gr/1;
3. Notificado de que poderia requerer contraprova o arguido declarou não pretender efectuá-la;
4. O arguido sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas e quis conduzir depois daquela ingestão, representando como possível que se encontrava a realizar esta actividade com uma taxa de alcoolémia no sangue não permitida por lei, conformando-se com aquela realização.

Mais se provou que:
5. O arguido confessou a factualidade objecto dos presentes autos;
6. O arguido aufere a quantia mensal de € 600 habitando em casa emprestada;
7. Tem dois filhos menores de idade pagando a título de prestação de alimentos devidos aos menores a quantia mensal de € 150;
8. Despenderá por mais quatro meses a quantia mensal de € 25 relativa à aquisição a prestações de um electrodoméstico;
9. Como habilitações literárias refere ter o 6° ano de escolaridade;
10. O arguido possui os antecedentes criminais constantes de fls. 14 a 19, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos, dois deles relativos à prática de ilícito criminal de idêntica natureza.

2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado na sentença recorrida (transcrição):

Da discussão da causa não resultaram quaisquer factos como não provados.

2.3. O tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:

O Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, designadamente:

- As declarações do arguido o qual confessou, na íntegra, a factualidade que lhe é imputada nestes autos.

No que concerne à situação económica, pessoal e laboral do mesmo o Tribunal fez fé nas suas declarações.

Documentalmente o Tribunal louvou-se no teor de fls. 03 e seguinte - Auto de notícia por detenção; 11 - Notificação; 12 - talão do aparelho Drager e 14 e seguintes - CRC, todos examinados em sede de audiência de julgamento.

Cotejada a prova produzida em sede de audiência de julgamento forçoso é que se conclua que o arguido incorreu na prática do crime pelo qual se mostra acusado, pelo que, cumpre efectuar o enquadramento jurídico da mesma.

3. Apreciando

3.1. Quanto à modificabilidade da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, preceitua o artigo 431.° que tal decisão pode ser modificada, sem prejuízo do disposto no artigo 410.°: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.°3 do artigo 4l2.°; ou c) se tiver havido renovação da prova.

No caso, o arguido/recorrente não questiona a decisão sobre a matéria da facto, mas esta, a nosso ver, enferma de um vício de que importa conhecer oficiosamente.

Tem sido objecto de discussão a questão que consiste em saber se para efeitos do preenchimento do tipo penal de condução de veículo em estado de embriaguez previsto no artigo 292.°, do Código Penal, a taxa de álcool no sangue a considerar coincide com o valor indicado no talão do aparelho legalmente aprovado para pesquisa e quantificação de álcool no ar expirado (alcoolímetro quantitativo), ou se corresponde, antes, àquele valor deduzido do valor dos erros máximos admissíveis (EMA).

Trata-se de questão largamente debatida e que tem contado com uma resposta majoritária da jurisprudência das Relações no sentido de que não há lugar ao desconto do erro máximo admissível.

Assim, no sentido de que não deve ser efectuado o desconto do valor do "erro máximo admissível" na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição, pronunciaram-se, entre outros: os Acs. da R. de Coimbra de 30/01/08, Proc. n.° 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/08, Proc. n.° 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/08, Proc. n.° 17/07.4PANZR; Acs. da R. de Lisboa, de 03/10/07, Proc. n.° 4223/07-3, de 20/02/08, Proc. n.° 183/2008-3; Acs. da R. do Porto de 2/07/2008, Proc. n.° 0813031; de 14/01/09, Proc. n.° 0815205 e de 26-10-11, Proc. n° 192/11.3CGVRL.P1, todos em www.dgsi.pt. e Ac. RL, de 27-10-2009, Proc. n.° 54/07.9PTALM.L1 (Des. Nuno Gomes da Silva, com voto de vencido, anotado por Solange Jesus, em RPCC, ano 22, n° 1, 2012, pg. 131 e ss.).

O entendimento oposto sustenta que há lugar à dedução do valor do "erro máximo admissível" à taxa registada no alcoolímetro, tendo-se pronunciado nesse sentido, entre outros: os Acs. da R. do Porto, de 02/04/08, Proc. n.° 0810479, de 07/05/08, Proc. n.° 0810922, de 26/11/08, Proc. n.° 0812537 e Proc. n° 291/09.1PAVNF.P1; Acs. da R. de Coimbra de 09/01/08, Proc. n.° 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. n.° 426/04.6TSTR.C1; Ac. da R. Guimarães de 26/02/07, Proc. n.° 2602/06.2; Ac. da R. de Lisboa, de 07/05/08, Proc. n.° 2199/08-3, e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. da R. Évora de 01/07/08, Proc. n° 2699/07-1 (todos em www.dgsi.pt.).

De harmonia com o disposto no artigo 81.° do Código da Estrada (diploma que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 114/94, de 3 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis n.° 214/96, de 20 de Novembro, 2/98, de 3 de Janeiro, que o republicou, 162/2001, de 22 de Maio, 265-A/2001, de 28 de Setembro, que o republicou; pela Lei n.° 20/2002, de 21 de Agosto; pelos Decretos-Leis n.° 44/2005, de 23 de Fevereiro, que o republicou, 113/2008, de 1 de Julho, e 113/2009, de 18 de Maio; pelas Leis n.° 78/2009, de 13 de Agosto, 46/2010, de 7 de Setembro; pelos Decretos-Leis n.° 82/2011, de 20 de Junho, e 138/2012, de 5 de Julho; e finalmente, pela Lei n.° 72/2013, de 3 de Setembro), é proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, considerando-se sob influência de álcool o condutor «que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico» (n.°1 e 2 do referido preceito legal). Nos termos do mencionado artigo, a conversão dos valores do teor de álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue.

A condução com uma taxa igual ou superior a 0,5g/l e inferior a 0,8 g/l constitui contra-ordenação sancionada com coima de €250,00 a € 1250,00, sendo a condução com uma taxa igual ou superior a 0,8 g/1 e inferior a 1,2 g/1 sancionada com coima de € 500,00 a € 2500,00.

Por sua vez, no artigo 292°, n° 1, do Código Penal, dispõe-se:

«Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.»

O preenchimento do tipo objectivo de crime impõe a determinação da concreta taxa de álcool no sangue de que o condutor é portador, já que só a condução com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/1 integra a referida previsão legal.

Os artigos 152.° e seguintes do Código da Estrada regem sobre o procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, determinando o respectivo artigo 158.°, n.°1, que são fixados em regulamento, além do mais: o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas; os métodos a utilizar para a determinação do doseamento de álcool ou de substâncias psicotrópicas no sangue.

A matéria da fiscalização da condução sob o efeito do álcool foi objecto de regulamentação pelo Decreto Regulamentar n.° 24/98, de 30 de Outubro, diploma que distinguia entre aparelhos analisadores de medição "qualitativos" e os aparelhos "quantitativos" - os primeiros com meras funções de despistagem/triagem, após o que os condutores seriam submetidos aos analisadores "quantitativos" ou a exame hematológico - cfr. art. 1.°, n.° 1, do mencionado diploma.

O referido Decreto Regulamentar n.° 24/98, de 30 de Outubro, foi revogado pela Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o Novo Regulamento da Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool, não tendo procedido, todavia a alterações relevantes para os efeitos que ora interessam.

No artigo 1.° do Regulamento de Fiscalização enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue. No artigo 14.° prescreve-se que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, exigindo-se, previamente a esta aprovação, a existência de homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

No caso dos autos está em causa a utilização de um aparelho de medição "quantitativo" - aparelho Drager Alcotest mod.7110MKIII P, certificado pelo Instituto Português da Qualidade e aprovado pela A.N.S.R.. conforme despacho n.°19684/2009, de 27 de Agosto.

Como aparelho de medição quantitativo, tal instrumento está sujeito a operações de controlo metrológico.

A Portaria n.° 748/94, de 3 de Outubro, aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, o qual, nos termos do seu artigo 3.°, definia "os erros máximos admissíveis para a Primeira Verificação (PV) e Verificação Periódica (VP) em teor de álcool expirado (TAE) e convertido em teor de álcool no sangue (TAS)" em conformidade com a tabela anexa.

A Portaria n.° 748/94 foi revogada pela Portaria n.° 1556/2007, de 10 de Dezembro (art. 2.°), que procedeu à aprovação do novo regulamento a que deve obedecer o controlo metrológico dos alcoolímetros, estabelecendo o respectivo n.°1 que o regulamento aplica-se «a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos.»

Por outro lado, o artigo 5.° do mesmo Regulamento (quer o primitivo quer o novo) estabelece: «O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação do modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária».

O artigo 8.° do referido Regulamento, sob a epígrafe "Erros Máximos Admissíveis", estabelece: «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE) são os constantes do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante.»

O artigo 9.°, n.° 2, prescreve, por seu turno: «Os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica.»

Finalmente, na Portaria n.° 902-B/2007, de 13 de Agosto, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas, a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem «cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros» e «usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no n° 3 do artigo 81°, do Código da Estrada».

Para quem tem perfilhado o entendimento, largamente majoritário, de que é inadmissível a subtracção da margem de EMA ao valor indicado no aparelho quando utilizado numa medição concreta, a previsão da referida margem reporta-se, tão-somente, à Aprovação e às Verificações periódicas subsequentes realizadas pelo IPQ como condição da homologação e aprovação dos aparelhos de medição.

Por seu turno, quem tem sustentado que a margem de EMA deve ser considerada nas medições concretamente efectuadas, entende-se que ainda que tal margem de erro seja tida em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o mesmo está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquela margem de erro. Por outras palavras, se o aparelho se encontra aprovado, se foi sujeito à verificação periódica e está a funcionar regularmente, o tribunal tem todas as razões para ter por seguro, para além de qualquer dúvida razoável, que o examinado tinha a taxa de álcool que resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado pelo aparelho.

Na vizinha Espanha, o artigo 379.° do Código Penal previa a condução sob o efeito de drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou de bebidas alcoólicas, sem, no entanto, fixar qualquer taxa de alcoolemia para o preenchimento do tipo de crime.

A prática normalmente adoptada passava pela utilização de um etilómetro evidencial, aprovado pelo Centro Español de Metrologia que, conjugadamente com outros elementos de prova, permitisse determinar o efeito das bebidas alcoólicas e similares nas faculdades necessárias para conduzir. Desde Maio de 1999 que uma taxa de álcool superior a 0,25 mg. no ar expirado ou 0,5 g/l no sangue fazia incorrer o condutor numa infracção de natureza administrativa, entendendo-se, porém, que a mera circunstância de se exceder a referida taxa de álcool não determinava a subsunção da conduta ao tipo criminal (sobre esta matéria ver Francisco Munoz Conde, Derecho Penal --Parte Especial, tirant le blanch, 12.ª ed., pp. 653 e segs.).

Através da Ley Organica 15/2007, de 30 de noviembre, procedeu-se à alteração do Código Penal, passando o artigo 379.° a contar com dois números, sendo o n.°2 relativo à condução de veículo com motor ou ciclomotor sob a influência de drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou de bebidas alcoólicas, estabelecendo-se que será condenado com as penas previstas no número anterior quem conduzir com uma taxa de álcool no ar expirado superior a 0,60 mg/l ou com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.

Na sequência desta alteração legislativa ganhou renovada importância a questão da determinação da taxa de álcool para marcar a fronteira entre o ilícito penal e o ilícito de natureza administrativa (tendo em vista o que sobre este determinava o Real Decreto 1428/2003, de 21 de noviembre).

Exigindo-se o indispensável controlo metrológico que é exercido pelo Centro Español de Metrologia, a legislação aplicável, mais concretamente o Real Decreto 889/2006 de 21 de julio e a ORDEN ITC/3707/2006, de 22 de noviembre (esta em BOE n.° 292, de 7.12.2006, ambos disponíveis no sítio do referido Centro ou do Boletín Oficial del Estado), fixam as margens de erro dos aparelhos de medição do álcool, etilómetros, nos artigos 9.° e 15.° da referida Orden, por referência ao anexo segundo do diploma.

Entretanto, em Espanha, foi publicada a Circular 10/2011 da Fiscalia General del Estado «sobre critérios para la unidad de actuación especializada del Ministerio Fiscal en matéria de seguridade vial», contendo indicações muito precisas quanto à consideração das "márgenes de error normativo» dos cinemómetros destinados a medir a velocidade e dos etilómetros destinados a medir a concentração de álcool.

E a jurisprudência mais recente continua a considerar a margem de erro dos etilómetros (note-se que relativamente a aparelhos idênticos aos utilizados no nosso país e sujeitos a critérios metrológicos também similares), ainda que a questão tenha, em termos práticos, menor importância do que entre nós, já que mesmo a condução com uma taxa de álcool no ar expirado não superior a 0,60 mg/l (ou com uma taxa de álcool no sangue não superior a 1,2 g/1) pode configurar o crime do artigo 379.°, 2, inciso 1, desde que, ainda que sendo portador de taxa inferior, se prove que agente conduzia sob a influência de bebidas alcoólicas.

Exemplificando a jurisprudência recente do país vizinho, que continua a contemplar a margem de erro, temos: Sentencia n.° 880/12, de 10.12.2012, da Audiencia Provincial de Valencia; Sentencia n.° 1056/2012, de 31.01.2013, da Audiencia Provincial de Tarragona; Sentencia n.° 31/2013, de 24.01.2013, da Audiencia Provincial

de Burgos; Sentencia n.° 21/2013, de 5.02.2013, da Audiencia Provincial de Zaragoza; Sentencia n.° 87/2013, de 22.02.2013, da Audiencia Provincial de Madrid (disponível em www.poderjudicial.es).

Entre nós, porém, como já se realçou, o entendimento que tem prevalecido na jurisprudência das Relações (e no S.T.J., como se alcança do acórdão de 27 de Outubro de 2010, publicado na C.J, Acs. do STJ, Ano XVIII, Tomo III, p. 243 e seguintes, relativo a uma intervenção do S.T.J. como 2ª instância), é o oposto: ao resultado de cada exame efectuado não deve ser deduzido o valor do erro máximo admissível.

Acontece que, no dia 1 de Janeiro de 2014, entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.° 72/2013, de 3 de Setembro.

Uma dessas alterações diz respeito às menções que devem constar do auto de notícia por contra-ordenação, dispondo agora o artigo 170.° nos seguintes termos:

«1 - Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a) Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.

2 -      

3 -      

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5 –           

Ao aludir a "infração (...) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares", afigura-se-nos indiscutível que o preceito se refere, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.

Por outro lado, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo

na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.

Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.

A nosso ver, o novo preceito traduz-se numa verdadeira norma interpretativa, pela qual o legislador veio, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de lei anterior.

Segundo Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 245 e ss.), para se poder falar em lei interpretativa é necessária a verificação simultânea de dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e "que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei".

A questão da fixação da taxa de álcool no sangue insere-se no âmbito da produção, interpretação e valoração da prova.

Embora se trate de um caso de prova (pesquisa no ar expirado) a fazer necessariamente através de utilização de aparelho próprio para o efeito, tem-se debatido se o analisador quantitativo visa obter prova documental, uma vez que o resultado consubstancia uma «notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal» - artigo 164.°, n.° 1, do C.P.P., e artigos 255.°, alínea b), e 258.°, do Código Penal, — e não prova pericial porque, para este efeito, não tem lugar uma percepção ou apreciação de factos que exijam «especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» -artigo 151.° do C.P.P. (é o entendimento perfilhado no Ac. da Relação de Lisboa, de 7 de Maio de 2008, no proc. n.° 2199/2008-3; também no sentido de que não se trata de prova pericial, Paula Melo, Condução sob influência do álcool — Apreciação dos meios de prova, Maia Jurídica, Revista de Direito, Ano II, n.°2, Julho-Dezembro de 2004).

Diversamente, há quem sustente que os «métodos alcoolímetros consistem em actos de prova preconstituída, de carácter pericial» (Benjamim Rodrigues, Da prova penal, Tomo I, Coimbra 2008, p. 117).

Em Espanha, relativamente à prova da taxa de álcool por alcoolímetro/etilómetro, a questão tem sido de há muito debatida, ora sendo entendida como prova secundária em relação à prova testemunhal que era prestada pelos agentes autuantes (sobretudo quando o tipo legal de crime não estipulava uma taxa concreta, como já acima se assinalou), ora definida como prova pericial preconstituída "lato sensu".

Entendendo-se que o analisador quantitativo constitui um meio de obtenção de prova e que o meio de prova é o talão emitido pelo aparelho, no qual é registada, além do mais, a taxa de álcool acusada pelo condutor fiscalizado, certo é que a interpretação do resultado revelado pelo aparelho depende da interpretação das normas relativas aos instrumentos de medição, pois terá de ser sempre no respeito dos próprios limites dos equipamentos em causa — limites legalmente previstos — que a prova deve ser apreciada.

O legislador não ignorava a controvérsia que se gerou a propósito da função dos erros máximos admissíveis, entre os que consideravam tratar-se de uma variável a considerar, apenas, nos momentos técnicos de aprovação e/ou verificação do(s) modelo(s) de alcoolímetro(s), e quem sustentava a sua consideração nos exames concretamente efectuados.

A nosso ver, foi esta última a solução que o legislador quis consagrar no artigo 170.°, n.°1, alínea b), do Código da Estrada, ao determinar que o valor apurado após dedução do erro máximo admissível prevalece sobre o valor registado.

Tratando-se, a nosso ver, de norma interpretativa, a mesma deve ser aplicada aos casos ocorridos antes da sua entrada em vigor, visto que a lei interpretativa não constitui uma nova e distinta manifestação da vontade do legislador, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada (cfr. artigo 13.° do Código Civil).

Assim, conclui-se que ao não proceder ao desconto do valor correspondente ao erro máximo admissível para o grau de alcoolemia indicado no alcoolímetro, o tribunal recorrido incorreu no vício do erro notório na apreciação da prova.

Este vício determina o reenvio do processo para novo julgamento da matéria de facto, se não for possível decidir da causa - artigo 426.°, n.° 1 do C.P.P.

Ora, constam dos autos todos os elementos que o permitem sanar, bastando deduzir ao valor indicado no talão do alcoolímetro o do erro máximo admissível, no caso 8%.

Deste modo, cumpre apenas alterar a factualidade provada constante do ponto de facto n.°2, nos seguintes termos:

«Abordado por elementos da PSP em serviço de fiscalização, pelas 00 horas e 19 minutos, foi o arguido regularmente submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, realizado no aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, n.° ARTL 0066, credenciado e autorizado para o efeito, tendo apresentado uma taxa registada de 1,24 gr/1, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,14 g/1.»

3.1.2. Tendo em vista a alteração da factualidade provada, não está verificado o elemento objectivo (condução de veículo na via pública com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/1) do tipo legal de crime por que o arguido/recorrente foi condenado em primeira instância, pelo que se impõe a sua absolvição.

Porém, a conduta do arguido/recorrente, concretizada na condução de veículo automóvel na via pública com uma TAS de 1,14 g/1, consubstancia a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 81.° n.° 1, 2 e 5, al. b), 146.°, al. j), 138.°, n.° 1, e l47.°, n.° 1 e 2, do Código da Estrada.

Considerando o disposto no artigo 77.° do RGCC, a apreciação da responsabilidade contra-ordenacional incumbirá à 1ª instância, devendo ser proporcionada ao arguido, previamente, a possibilidade de pagamento voluntário da coima.

III - Dispositivo

Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção Criminal desta Relação em:

           A- Julgar verificado o vício do erro notório na apreciação da prova, mas sendo possível evitar o reenvio para julgamento da matéria de facto, alterar a factualidade contida no ponto 2 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor:

“Abordado por elementos da PSP em serviço de fiscalização, pelas 00 horas e 19 minutos, foi o arguido regularmente submetido ao exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método de ar expirado, realizado no aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, n.° ARTL 0066, credenciado e autorizado para o efeito, tendo apresentado uma taxa registada de 1,24 gr/1, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de 1,14 g/1.»

           B- Em consequência, revogar a sentença condenatória e absolver o arguido/recorrente IA... da acusação de autoria material de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez previsto e punível pelo artigo 292.°, n.°1, do Código Penal, subsistindo, porém, a responsabilidade contra-ordenacional;

           C- Determinar que a 1ª instância aprecie da responsabilidade contra­ordenacional do arguido.

Sem tributação.

Lisboa, 21 de Janeiro de 2014

(o presente acórdão, integrado por dezasseis páginas com os versos em branco, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário — artigo 94º,2 do CPP)
Jorge Gonçalves
Carlos Espírito Santo