Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2074/16.3T9LSB-A.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: RECLAMAÇÃO PENAL
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESPACHO DE NÃO CONCORDÂNCIA DO JUÍZ
IRRECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: A declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo, proferida ao abrigo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPP, é irrecorrível.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:


Rui …….., arguido nos autos, reclama, nos termos do disposto no art. 405.º do CPP, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 5/2/2019, o qual não admitiu o recurso por si interposto do despacho judicial de não concordância com a suspensão provisória do processo, com fundamento em que tal despacho não é um acto decisório, pedindo que o recurso seja mandado admitir, nos termos constantes de fls. 2 a 18 destes autos, cujo teor aqui se dá como reproduzido.

Conhecendo.

A questão fulcral da presente reclamação consiste em saber se o despacho judicial de não concordância do juiz de instrução, a que alude o n.º 1, do art. 281.º, do CPP, é ou não susceptível de recurso.

A tal propósito, pronunciando-se pela sua irrecorribilidade, consignou-se no Ac. da RC de 16/6/2015, proferido no âmbito do Proc. 1/15.4GCSRT.C1, disponível in www.dgsi.pt, com o qual se concorda:
“Tendo em vista solucionar de forma mais célere e consensual a pequena e média criminalidade, fora das instâncias formais de controlo, surgiram no ordenamento jurídico português, a partir do Decreto-Lei nº 78/87 de 17 de Fevereiro, os institutos de arquivamento em caso de dispensa de pena e da suspensão provisória do processo.

Dispõem actualmente, os arts 280.º e 281.º do C.P.Penal o seguinte:

Artigo 280.º- Arquivamento em caso de dispensa da pena
1 Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se verificarem os pressupostos daquela dispensa.

2 Se a acusação tiver sido já deduzida, pode o juiz de instrução, enquanto esta decorrer, arquivar o processo com a concordância do Ministério Público e do arguido, se se verificarem os pressupostos da dispensa da pena.

3 A decisão de arquivamento, em conformidade com o disposto nos números anteriores, não é susceptível de impugnação.

Artigo 281.º - Suspensão provisória do processo               
1 Se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:
a)- Concordância do arguido e do assistente;
b)- Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;
c)- Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;
d)- Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e)- Ausência de um grau de culpa elevado; e
f)- Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.
(…)

6 A decisão de suspensão, em conformidade com o n.º 1, não é susceptível de impugnação.

7 Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c)don.º 1.

8 Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.

9 No caso do artigo 203.º do Código Penal, é dispensada a concordância do assistente prevista na alínea a) do n.º 1 do presente artigo quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtração de coisas móveis de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas.

No que ora interessa em ambas as situações, é pressuposto da aplicação do instituto a concordância do juiz.

Questão muito debatida e controversa da nossa doutrina e jurisprudência foi então a de saber da recorribilidade do despacho de não concordância do Juiz.

Assim José António Barreiros e de Anabela Rodrigues in Celeridade e Eficácia – Uma opção político-criminal, AA. VV. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra, Coimbra Editora (2003), pag 53 e Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo, 2000, pág. 123, defendiam a sua irrecorribilidade por entenderam não ser tal despacho um acto decisório, enquanto que, João Conde Questões práticas relativas ao arquivamento e à acusação e à sua impugnação, Porto, Publicações Universidade Católica (2007). p. 99 e Rui do Carmo, A suspensão provisória do processo no Código de Processo Penal revisto, alterações e clarificações, in revista do CEJ 1º Semestre 2008, nº 9 (especial) Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, Lisboa, 2008, pag 323 entendiam dever o mesmo ser recorrível.

Na jurisprudência, o acórdão da Relação de Lisboa 26/4 de 2006, processo 0545570 defendia a sua recorribilidade e, nos acórdão da Relação de Lisboa de 15/7 de 2003 no processo 5650/2003 e o acórdão da Relação de Lisboa de 22/5 de 2007 no processo 1293/2007-5 27, entendiam o contrário.
(Ac. todos disponíveis em www.dgsi.pt)

Resolvendo a questão no que concerne à situação de suspensão provisória do processo –questão  ali em conflito - o acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 16 de 2009 de 24 de Dezembro, concluiu que o despacho de não concordância, não admite recurso, por se tratar de um acto de adesão à proposta feita pelo Ministério Público, não sendo acto decisório.

Ora é precisamente este o entendimento que esteve subjacente à decisão sumária por nós proferida já que, sob pena de incoerência do sistema, a natureza do despacho de concordância do juiz nas situações previstas no arts 280.º e 281.º tem que ser a mesma.

Nenhuma razão sistemática, literal, teleológica ou jurídica justifica interpretações diferentes.

Assim, afirma-se naquele arresto - que como dissemos atendemos - que:
“V Na verdade, a lei processual penal salienta a necessidade de “concordância” do Juiz, mas não oferece qualquer critério interpretativo sobre o significado jurídico a atribuir a tal intervenção, antes a parificando, numa perspectiva literal, com a intervenção dos restantes sujeitos processuais, nomeadamente arguido e assistente. Aliás, uma análise mais fina da lei adjectiva inculca a ideia, já referida, de que estamos perante uma figura exógena aos princípios que informam aquela lei, e uma excrescência em termos dogmáticos, só explicável pela necessidade imperativa, sentida pelo legislador, de fazer face ao juízo de constitucionalidade sufragado pelo citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/87. Efectivamente, do contexto do instituto da suspensão provisória do processo penal apenas se pode afirmar que a “concordância” do Juiz de Instrução constitui, em paralelo com a concordância do arguido e do assistente, o pressuposto material de determinação do Ministério Público na suspensão provisória. É certo que sempre se poderá afirmar que a intervenção do Juiz de Instrução e, nomeadamente, a sua “concordância” se situa a um nível qualitativamente diferente e onde avulta o objectivo de vigiar o cumprimento dos mandamentos processuais e das regras constitucionais. Porém, tal constatação não constitui um elemento definitivo para uma conclusão sobre a questão proposta.

VI Eixo essencial da questão da recorribilidade da denominada “concordância” judicial é a definição da sua natureza jurídica. Na verdade, dispõe o artigo 359.º do Código de Processo Penal que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Existe uma relação linear e convergente entre este normativo e o complexo de actos que consubstanciam a actuação processual do juiz no processo penal, os quais o artigo 97.º do mesmo diploma, cataloga e alberga sobre a designação de acto decisório. Falamos, assim, dos actos do juiz que conhecem afinal do objecto do processo, e tomam a forma de sentença; que conhecem uma qualquer questão interlocutória; ou que põem termo ao processo e que tomam a forma de despacho. A questão que então se coloca é de saber se a denominada “concordância” do juiz integra qualquer uma das hipóteses citada e assume, assim, a natureza de acto decisório e, como tal, é recorrível. Na verdade, nem todos os actos praticados pelo juiz no processo assumem a natureza de acto decisório e certamente que um daqueles que suscita mais perplexidade pela sua morfologia equívoca é a denominada “concordância” do juiz. Efectivamente, como refere Roxin (4), os actos do juiz podem-se agrupar segundo a forma (sentenças ou despachos) e segundo o seu conteúdo, distinguindo-se entre aqueles que põem fim ao processo e aqueles que possibilitam a sua continuação. Os actos do juiz reconduzem-se, assim, a uma de duas tipologias diferentes: - por um lado os actos que visam a ordenação, e impulso processual, e, por outro, os actos que visam a finalização do processo. Os primeiros visam a ordem do processo, adequando a tramitação do procedimento à lei adjectiva, e os segundos visam a resolução da questão substantiva, ou seja, o terminus da relação processual. Assumam uma, ou outra natureza, os actos judiciais, para revestirem a natureza de um acto decisório, devem ter por finalidade ou o conhecimento, a final, do objecto processo, ou a sua finalização, ainda que sem tomar conhecimento do respectivo objecto. No caso da denominada “concordância” do Juiz de instrução, e excluída a possibilidade de assumir a integração categorial de despacho interlocutório, poderá afirmar-se que a mesma se define como acto decisório?
Por alguma forma a caracterização do mesmo tipo de actos se prende com a própria estrutura e princípios do direito processual penal. Na verdade, na perspectiva jurídica assumida pela lei adjectiva aquele ramo do direito surge como uma regulamentação disciplinadora de investigação, e esclarecimento de um crime concreto, que permite a aplicação de um consequência jurídica a quem, com a sua conduta, tenha realizado um tipo de crime. Nesta medida ele constitui, de um ponto de vista formal, um «procedimento» público que se desenrola desde a primeira actuação oficial tendente àquela investigação e esclarecimento até à obtenção de uma sentença com força de caso julgado ou até que se execute a reacção criminal a que o arguido foi condenado. Procedimento este que põe em causa não apenas o arguido, na sua relação com o detentor do poder punitivo representado pelos órgãos que no processo intervêm, mas uma série de «terceiros» -as testemunhas, os declarantes, os peritos, os intérpretes que estabelecem entre si e com os sujeitos processuais as relações jurídicas mais diversas e assumem no processo diferentes posições jurídicas. Foi justamente para se abranger juridicamente toda esta diversidade, apreendendo o processo como um unitário, que se procurou caracterizá-lo como relação jurídica processual. Tal relação, como bem aponta o Professor Figueiredo Dias, deverá ter subjacente uma compreensão como relação da vida social controlada pelo direito. O conceito de relação jurídica processual penal terá então, ao menos, o efeito útil de dar a entender, com nitidez, que, com o inicio do processo penal, se estabelecem necessariamente relações jurídicas entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais -se bem que a posição jurídica destes seja a mais diversa e diferenciada e que dali nascem para estes direitos e deveres processuais. Nesta perspectiva nos parece de assumir o entendimento de que a decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento, ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise trata-se da decisão que põe termo àquela relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o “terminus” da relação entre o Estado e o Cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal. Então, repete-se, a questão a equacionar no caso vertente é somente a de saber se a denominada “concordância” do Juiz de Instrução é uma decisão que põe fim à relação processual penal, podendo subsumir-se no conceito de acto decisório, nos termos e para os efeitos do citado artigo 98 do CPP. A resposta é, quanto a nós, manifestamente negativa, pois que o instituto da “concordância” judicial surge como um mero pressuposto da determinação do Ministério Público, essa sim sinalizando o fim daquela relação processual penal. Em última análise, a forma enviesada como o legislador inscreveu a intervenção do Juiz de Instrução na suspensão provisória, submetendo-a, através da figura da “concordância”, a um regime desadequado em face dos princípios constitucionais e do processo (o juiz não concorda, o juiz decide) necessariamente que teria de conduzir a consequências não ponderadas. Como refere Anabela Rodrigues a verdadeira decisão de suspensão compete ao Ministério Público. Mais adianta a mesma autora que a concordância do juiz é, assim uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público) prevista pelo legislador em nome da ideia que fundamenta o instituto. Não se trata assim de uma decisão de que se possa recorrer. É certo que, em termos formais-categoriais, a não concordância do juiz assume a forma de um “despacho” mas, em termos materiais, não é um acto decisório que assuma aquela força. Tratando-se, como se trata, de um controle da legalidade, nenhuma razão há para intervir - não faria sentido - uma 2ª instância quanto a essa fiscalização. Entendemos, assim, que o despacho judicial que consubstancia a denominada “concordância” do juiz na suspensão provisória do processo é um acto processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Público de suspensão do processo nos termos do nº1 do artigo 281 do Código de Processo Penal. ”

Aliás, se atentarmos, as recentes decisões proferidas pela nossa jurisprudência a propósito de questões suscitadas sobre a suspensão provisória do processo ou sobre o arquivamento previsto no art.º 280.º do C.P.Penal, partem do entendimento de que o despacho de concordância do Juiz não é um acto decisório.

V.G. decisão sumária, proferida neste Tribunal da Relação, nos autos 148/13.1GCVIS.C1 e disponível em www.dgsi.pt, datada de 22-01-2014 “1.- O despacho judicial de concordância com o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, é um ato não decisório do juiz de instrução que constitui uma mera formalidade essencial de controlo da legalidade da futura decisão de arquivamento do Ministério Público, a proferir nos termos do artº. 280º, nº 1 do C. Processo Penal;
(...)

Assim, só os actos decisórios do juiz são recorríveis. E só são actos judiciais decisórios os que tiverem por finalidade ou o conhecimento, a final, do objecto do processo, ou a sua finalização, ainda que sem tomar conhecimento do respectivo objecto (Acórdão nº 16/2009, DR, I, nº 248, de 24 de Dezembro de 2009)”
(...).

V.G. ainda, despacho do Exmº Presidente da Relação de Lisboa, proferido no P.0036953, pesquisado em www.dgsi), no sentido de que” é irrecorrível o despacho de concordância do juiz, já que não implica uma decisão judicial em sentido próprio”.

Fazendo nossa a argumentação supra expendida, em conformidade com o Ac. de fixação de jurisprudência n.º 16/2009, de 24/12, somos de entendimento de que é irrecorrível a declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo, proferida ao abrigo do disposto no art. 281.º, n.º 1, do CPP.

Alega o reclamante que a orientação – acolhida no despacho reclamado – que recusa a recorribilidade do despacho do JIC que inviabiliza a suspensão provisória do processo, além de legalmente infundada, redunda numa solução normativa inconstitucional por violação do princípio da legalidade em matéria processual, que se extrai da conjugação dos artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição e, por outro lado, viola o direito ao recurso, consagrado no art. 32.º, n.º 1, em conjugação com o direito de acesso aos tribunais, previsto no art. 20.º, n.º 1, ambos da Constituição.

Não cremos, porém, salvo o devido respeito, que assim seja.

O princípio geral da recorribilidade das decisões em processo penal, previsto no art. 399.º, do CPP, tem como pressuposto, desde logo, que estejamos perante um acto decisório, o que não acontece com o despacho de “concordância” ou “não concordância” do JIC na suspensão provisória do processo, cuja decisão cabe ao MP e não ao JIC, conforme supra referido.

No que respeita à violação do direito ao recurso o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar em várias decisões, em sentido negativo, conforme resulta dos Acórdãos n.º 101/2016 e 132/2017, referindo-se no primeiro que:
“A Constituição garante a todos os cidadãos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos» (artigo 20.º, n.º 1) afirmando ainda que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo, o recurso» (artigo 32.º, n.º 1).

É muito vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal, o qual constitui uma das mais relevantes garantias de defesa expressamente consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.

Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra da garantia do recurso quanto a todas as decisões proferidas em processo penal, mas apenas no que respeita às decisões penais condenatórias e às decisões penais de privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais.

Como tem sido jurisprudência constante do Tribunal, mesmo antes da revisão constitucional de 1997 – na sequência da qual o artigo 32.º, n.º 1, passou a identificar expressamente o direito ao recurso entre as garantias de defesa – o núcleo essencial desta garantia constitucional coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido (cfr. entre outros, Acórdãos n.os 8/87 [n.º 8], 31/87 [n.º 7], 178/88 [n.º 6], 259/88 [n.º 2.2], 401/91 [n.º II, 2], 132/92 [n.º 3 e 4], 322/93 [n.º 5 e 6], 265/94 [n.º 7], 610/96 [n.º 11], 30/2001 [n.º 7], 189/2001 [n.º 6]).

Em suma, o “direito de recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, deve entender-se no quadro das “garantias de defesa” – só e quando estas garantias o exijam (Acórdão n.º 235/2010 [n.º 9]).

11. Nesta conformidade, constituindo, a faculdade de recorrer em processo penal uma expressão das garantias constitucionais de defesa que impõe o recurso de sentenças condenatórias ou de atos judiciais que durante o processo tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais, logo se verifica que a norma em apreciação não pode violar aquela garantia, na medida em que ela não envolve nenhuma condenação nem nenhum ato judicial de provação ou restrição de qualquer direito fundamental.

Se a prossecução do processo para julgamento pode ser prejudicial aos interesses do arguido, a decisão de não concordância com a suspensão do processo não pode ser qualificada como uma violação de um direito fundamental constitucionalmente garantido, cuja proteção exija a necessária recorribilidade das decisões que o afetem negativamente.

O despacho de que se pretende recorrer apenas se limitou à não concordância com a decisão do Ministério Público, não podendo essa não concordância ser, ela própria, considerada diretamente ofensiva de qualquer direito fundamental do arguido.

Mesmo admitindo que, verificados os respetivos pressupostos legais, o Ministério Público está hoje vinculado à aplicação da suspensão provisória do processo (tese que, de acordo com João Conde Correia e Rui do Carmo, “Recorribilidade do despacho de não concordância com a suspensão provisória do processo”, in Revista do Ministério Público, 142, abril-junho 2015, p. 29, encontra apoio na substituição, no texto da norma do artigo 281.º do CPP, da expressão «pode decidir-se» por «determina a suspensão provisória» - operada pela revisão do CPP introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto), o correspondente direito subjetivo do arguido à referida suspensão provisória do processo não convoca a proteção que a Constituição reserva aos direitos fundamentais.”

Não se mostram, pois, violadas quaisquer normas ou princípios constitucionais, designadamente, os invocados pelo reclamante.

Pelas razões apontadas, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante.
Notifique-se.



Lisboa, 18 de Março de 2019



(Guilhermina Freitas – Vice-presidente)