Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17474/16.0T8LSB-C.L1-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: CUSTAS DE PARTE
DEPÓSITO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
CAUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
CUSTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I-A norma prevista no nº 2 do artº 26-A do RCP (introduzida pela Lei nº 27/2019 de 28 de Março), ao exigir o depósito do valor total da nota de custas de parte, como requisito de admissibilidade de reclamação, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva constante dos arts 18 nº2 e 3 e 20 nº1 e 5 da Constituição.
II- As despesas suportadas com a constituição de garantia bancária, prestadas em incidente de caução, não integram o conceito de encargos previstos no artº 26 nº3 b) do RCP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Intentada execução para pagamento de quantia certa por Silcoge-Sociedade Construtora de Obras Gerais S.A. contra a RENRede Eléctrica Nacional S.A, veio esta deduzir oposição à execução por embargos, alegando, entre outros, não constituir a decisão arbitral título executivo, requerendo a suspensão da execução e por apenso a prestação de caução, a qual sendo admitida, foi prestada por garantia bancária no valor de € 5.390.436,49.
Proferida decisão no âmbito dos embargos de executado que declarou extinta a instância executiva por inexistência de título executivo, transitada esta em julgado, veio a executada apresentar nota discriminativa de custas de parte, em 12/06/19, com o seguinte descritivo:

“1) Taxa de justiça pelo incidente de prestação de caução (cf. Doc. 1)                          
(cf. al. b) do n.º 2 do artigo 25.º do R.C.P.) € 51,00 
 
2) Taxa de justiça pela dedução dos embargos de executado (cf. Doc. 2)                         
(cf. al. b) do n.º 2 do artigo 25.º do R.C.P.)  € 612,00 
 
3) Taxa de justiça pela arguição de nulidade da sentença (cf. Doc. 3)
 (cf. al. b) do n.º 2 do artigo 25.º do R.C.P.)  € 51,00
 
4) Pagamento de encargos com a Prestação da Caução (cf. Doc. 4)
(cf. al. b) do n.º 2 do artigo 25.º do R.C.P.)  67.640,26

5) Honorários de Mandatário                                                        
(cf. al. d) do n.º 2 do artigo 25.º e al. c) do n.º 3 do artigo 26.º do R.C.P.)    € 688,50
 
Taxa de justiça pelo incidente de prestação de caução (REN):
€ 51,00
Taxa de justiça pelo incidente de prestação de caução (Silcoge):
€ 51,00
Taxa de Justiça pelos Embargos de Executado (REN):
€ 612,00
Taxa justiça pela resposta aos Embargos de Executado (Silcoge):
€ 612,00
Taxa de Justiça pela arguição de nulidade da sentença (REN):
€ 51,00

Honorários de Mandatário: € 1.377,00 / 2= € 688,50

Total:  € 69.042,76”
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Notificada desta nota veio a exequente Silcoge, reclamar da mesma, em 27/06/19, com os seguintes fundamentos:
“I. Da Nota Discriminativa e Justificativa:
 1. Vem a Executada reclamar, no âmbito das custas de parte, o valor correspondente às despesas que lhe foram cobradas pela constituição de uma garantia bancária a favor dos presentes autos.
2. Sucede que, tal garantia foi prestada, por ato voluntário da Executada, tão só para atribuir efeito suspensivo aos embargos que a mesma apresentou.
3. Não se tratando, como tal, de um encargo obrigatório para o prosseguimento dos autos, nem em concreto de um encargo imprescindível para o prosseguimento dos embargos.
4. Não tendo, portanto, sido requisitado pelo juiz oficiosamente ou a requerimento.
5. Acresce que, os alegados encargos com a prestação da garantia como caução, nos termos do artigo 733.º n.º 1 alínea a), não têm qualquer enquadramento no Regulamento das Custas Processuais.
6. Não só por não constarem da enumeração dos tipos de encargos feita no artigo 16.º RCP, como por não se coadunarem com o sentido que o legislador atribuiu ao conceito de encargos.
7. Aliás, atenta a previsão específica feita na alínea g) do artigo 16.º RCP quanto às “despesas resultantes da utilização de depósitos públicos”, facilmente se concluí que o legislador não contemplou as despesas decorrentes de garantias bancárias porque não quis.
8. Isto é, porque, como bem se compreende, não se enquadram na ratio legis.
9. Assim sendo, salvo o devido respeito, a Exequente não pode ser condenada nos encargos invocados na rubrica identificada pelo número 4) da Nota Justificativa.
10. Em primeiro lugar, porque se tratou meramente de um ato voluntário da Executada.
11. Em segundo porque, conforme ficou demonstrado, tais encargos não se encontram abrangidos no conceito de custas processuais vertido no RCP. (Cfr. artigos 3.º e 16º RCP) .
12. Pelo exposto, dúvidas não restam de que não poderão à Exequente ser imputados tais encargos a título de custas de parte. 
II. Da Dispensa do Depósito do Valor da Nota:
1. Atento o facto de já existir uma decisão de primeira instância quanto à decisão arbitral que serviu de base aos presentes autos, no processo n.º 1585/15.2T8SXL, que condena a aqui Executada ao pagamento de uma indemnização no valor de €645.500,00 (seiscentos e quarenta e cinco mil e quinhentos euros) à Exequente.
2. Decisão essa da qual a Exequente recorreu para a Relação em virtude da prova produzida e dos danos causados apontarem para uma indemnização muito superior.
3. No entanto, tal recurso não tem qualquer efeito suspensivo.
4. Pelo que, desde Setembro de 2018 que a referida indemnização se encontra a pagamento, o qual ainda não foi efetuado pela aqui Executada.
5. Ora, nesse sentido, tendo ficado provado que a aqui Executada provocou danos suscetíveis de indemnização à aqui Exequente e não podendo de forma alguma resultar do futuro acórdão da Relação a redução da mesma, constituiria um grave prejuízo para a Exequente depositar a quantia de €69.042,76 (sessenta e nove mil, quarenta e dois euros e setenta e seis cêntimos), para apresentar reclamação da nota justificativa.
6. Porquanto, não só não é responsável pelo pagamento de encargos com a Prestação da Caução no valor de €67.640,26 (sessenta e sete mil, seiscentos e quarenta euros e vinte e seis cêntimos), conforme o supra exposto, como é credora da Executada no valor de €645.500,00 (seiscentos e quarenta e cinco mil e quinhentos euros).
7. Acresce que, ainda que não se considerasse tal crédito, o valor a depositar sempre implicaria um esforço excessivo e causador de prejuízos para a Exequente.
8. Nestes termos, atento todo o exposto, requer-se a V. Exa. que dispense a Exequente de prestar depósito no valor da nota que ora reclama.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. que se digne apreciar a presente reclamação, ordenando à Executada a retificação da nota de acordo com o ora exposto e dispensando a Exequente do depósito do valor da nota.”
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Notificada da reclamação, veio a executada opor-se à sua apreciação, por a reclamante não ter efectuado o depósito da totalidade do valor da nota, cfr. prevê o artº 26-A do RCP, mais alegando ser inadmissível a solicitada dispensa de depósito deste valor.
Por último, alega que as despesas tidas com a prestação de caução são a suportar pela exequente e inserem-se no disposto no artº 16 nº1 d) do RCP e 533.º, n.º 2, al. b) do C.P.C.
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Após, foi proferido despacho com o seguinte teor:
Veio a executada REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, S.A., no seguimento da extinção da execução por força da procedência dos embargos de executado, apresentar nota discriminativa e justificativa das custas de parte.
Notificada da referida nota, veio a exequente apresentar reclamação, no que toca ao valor correspondente às despesas pela constituição de uma garantia bancária a favor dos presentes autos.
Alega a exequente que tal garantia foi prestada, por acto voluntário da Executada, tão só para atribuir efeito suspensivo aos embargos que a mesma apresentou, não se tratando, como tal, de um encargo obrigatório para o prosseguimento dos autos, nem em concreto de um encargo imprescindível para o prosseguimento dos embargos, não tendo sido requisitado pelo juiz oficiosamente ou a requerimento.
Acresce que os encargos com a prestação da garantia como caução, nos termos do artigo 733.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil, não têm qualquer enquadramento no Regulamento das Custas Processuais, não só por não constarem da enumeração dos tipos de encargos feita no artigo 16.º do dito regulamento, para além de não se coadunarem com o sentido que o legislador atribuiu ao conceito de encargos.
Assim sendo a Exequente não pode ser condenada nos encargos invocados pela constituição da garantia.
Notificada da reclamação, veio a exequente alegar que a prestação de caução, requerida pela Executada/Embargante e deferida pelo Tribunal, era o único meio legalmente admissível para suspender uma execução (de valor superior a cinco milhões de euros) que se veio a comprovar ser inadmissível, por inexistência de título executivo e dessa forma evitar prejuízos irreparáveis para a Executada, conforme esta teve a oportunidade de demonstrar no requerimento de pedido de prestação de caução.
Não existisse a instauração de um processo executivo inadmissível por parte da Exequente e a Executada não seria forçada a prestar caução para o suspender.
Acresce ainda que, ao contrário do que sustenta a Exequente/Embargante, o pedido de reembolso agora formulado tem enquadramento legal, encontrando-se abrangido no tipo de encargos plasmado no artigo 16.º, n.º 1, al. d) do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, carece de fundamentação a reclamação apresentada pela Exequente, a qual deverá ser julgada improcedente.
Cumpre apreciar
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 Conforme decorre do preceituado no art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil “A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveio”.
O n.º 2 prescreve que “Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Por seu turno, o n.º 1 do art. 529.º do mesmo Código preceitua que “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.”
O n.º 4 vem esclarecer que “As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”
O n.º 1 do art. 533.º estabelece que “Sem prejuízo do disposto no n.º 4, as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.”
O n.º 2 da citada disposição legal clarifica que “Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas:
a. As taxas de justiça pagas;
b. Os encargos efectivamente suportados pela parte;
c. As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas.”
Por último, o n.º 3 prescreve que “As quantias referidas no número anterior são objecto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes.”
A regulamentação quanto à elaboração da nota discriminativa e justificativa das custas de parte consta do art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais, constando do art. 26.º o respectivo regime.
Assim, nos termos do art. 25.º, n.os 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais e artigo 31.º, n.º 1, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, a parte vencedora, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da decisão no processo declarativo ou da extinção da execução por causa diferente do pagamento, ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora em processo executivo, remete à parte vencida e ao Tribunal, uma nota discriminativa e justificativa.
Da nota discriminativa e justificativa devem constar os seguintes elementos: 
• Indicação da parte; 
• Indicação do processo; 
• Indicação do mandatário; 
• Indicação do agente de execução se for o caso;
• Indicação das taxas pagas a título de taxa de justiça;
• Indicação dos encargos efectivamente pagos e das despesas suportadas pelo agente de execução; 
• Indicação das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução; 
• Indicação do valor a receber. 
Por outro lado, nos termos do n.º 1 do art. 26.º do Regulamento das Custas Processuais, “As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.”
O n.º 2 acrescenta que “As custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.”
O n.º 3 dispõe que “A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: 
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.”
Por outro lado, o n.º 4 esclarece que “No somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com excepção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória, e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º.”
O n.º 5 explicita que “O valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução.”
Finalmente, o n.º 6 diz que “Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.”.
Ora, as custas de parte visam essencialmente reembolsar a parte vencedora do que gastou com o impulso do processo em juízo. Contudo, tais despesas terão de resultar de actos praticados pela parte como consequência única e necessária das vicissitudes processuais e não de uma opção entre diversas alternativas legalmente disponíveis.
 Ou seja, podendo um determinado fim, visando a salvaguarda de legítimos interesses da parte, ser alcançado mediante diferentes estratégias e actos processuais, não se afigura coerente que, em caso de escolha da mais dispendiosa, venha a parte contrária a ser sobrecarregada com custos sobre os quais nem sequer teve a possibilidade de se pronunciar.
É sabido que o incidente de prestação de caução visa a suspensão da execução, e assim assegura ao executado/embargante a disponibilidade do património, impedindo a penhora ou a venda (art. 733.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
 O recurso à prestação de caução previsto no citado preceito era o meio necessário e único de a executada suspender a execução e pareceria abusivo, ainda para mais vindo da exequente que é vencida nos embargos de executado, que quem indevidamente deu causa à execução pretenda eximir-se dos custos que a outra parte teve para obter a respectiva suspensão, enquanto deduzia a respectiva oposição, que acabou por prevalecer.
Já diferente é o saber se a parte é responsável pelas despesas com tal prestação de caução quando, disponíveis diversas modalidades, se opte por uma que acarreta expressivos encargos. É que a exequente não se pode opor à modalidade de caução escolhida pela executada/embargante, salvo se esta se mostrar inidónea, o que não está em causa nos autos.
Contudo, no caso dos autos, não é possível afirmar-se que o recurso à garantia bancária haja sido um meio consideravelmente mais oneroso do que a prestação da caução por outro meio, atento o elevadíssimo valor da quantia exequenda: 5.133,749,04€.
Ou seja, não está demonstrado que a opção da executada pela garantia bancária constitua uma alternativa desnecessariamente dispendiosa em relação a outras, tratando-se, de resto, de um meio comum e habitual, de prestação de caução.
Se as despesas que a executada teve de suportar com tal garantia bancária são elevadas isso fica a dever-se ao elevado valor da execução, indevidamente intentada pela exequente contra a executada. A executada é que não pode ser responsabilizada pelas despesas a que foi obrigada, face à execução contra si movida.
Assim sendo, indefere-se a reclamação.
Notifique.”
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Não conformada com esta decisão, veio a exequente/reclamante Silcoge interpor o presente recurso, do qual constam as seguintes conclusões:
“1. O despacho de indeferimento da reclamação da nota justificativa proferido pelo Tribunal a quo do qual se recorre, não tem, salvo o devido respeito, qualquer fundamento legal.
2. Em primeiro lugar, porque, ao contrário do que conclui o douto Tribunal a quo, a prestação de caução levada a cabo pela aqui Recorrida não era o meio único e necessário para suspender a execução.
3. Pois, na verdade tratou-se de um ato voluntário da Recorrida.
4. Aliás, tratou-se de “uma opção entre diversas alternativas legalmente disponíveis”.
5. Visto que, o artigo 733.º n.º 1 alínea c) CPC estabelece que, havendo impugnação, em sede de oposição, da exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda e, o juiz considerar, ouvido o embargado, que a suspensão se justifica, pode decretá-la sem prestação de caução. 
6. Com efeito, a ora Recorrida vem reconhecer no artigo 36.º dos embargos que a caução foi prestada título de mera cautela de patrocínio, ao afirmar que “Em qualquer caso, acautelando a eventualidade de entendimento diverso e em vista a minorar danos decorrentes da concretização de penhoras sobre o património da executada – que, recorde-se, é concessionária de serviço público - , a Oponente desde já presta caução, o que faz em incidente apenso ao processo de execução (…)”.
7. Pelo que, não restam dúvidas de que, em abstrato e no momento da dedução dos embargos, a prestação de caução não era o único meio ao dispor da Recorrida para obter a suspensão da execução.
8. Pois, não devia a Executada, aqui Recorrida, ter prestado caução sem antes o Tribunal se pronunciar sobre a suspensão nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º do CPC.
9. Sobretudo, porque não se podiam concretizar penhoras sem a pronúncia do Tribunal ao requerimento de suspensão da execução. 
10. Assim, tendo a Recorrida prestado de imediato a caução, não só demonstra a desnecessidade da prestação da mesma, como demonstra que a mesma não causou qualquer transtorno no vasto património da concessionária do Estado.
11. Fosse a Recorrida um simples cidadão com um património reduzido e faria tudo para justificar a suspensão da execução à luz do referido preceito legal sem a prestação de qualquer caução.
12. Pelo que, não andou bem, o Tribunal a quo ao decidir a reclamação apresentada pela Recorrente sem atender à conduta anterior da Recorrida.
13. Tendo, pelo contrário, o Tribunal a quo desconsiderado totalmente os fundamentos da Reclamação da Nota Justificativa, apenas em virtude de a oposição ter procedido.
14. Tentando, de forma gritante, fazer crer que a Exequente deu indevidamente causa à execução, quando na verdade apenas se antecipou ao executar uma decisão arbitral que lhe havia sido totalmente favorável.
15. Conforme, aliás, se retira do seguinte trecho do despacho: “O recurso à prestação de caução previsto no citado preceito era o meio necessário e único de a executada suspender a execução e pareceria abusivo, ainda para mais vindo da exequente que é parte vencida nos embargos de executado, que quem indevidamente deu causa à execução pretenda eximir-se dos custos que a outra parte teve para obter a respetiva suspensão, enquanto deduzia a respetiva oposição que acabou por prevalecer”.
16. Acresce que, o Tribunal a quo, mais uma vez de forma parcial, entende a suspensão da execução como um direito conferido à Recorrida e não um ónus, conforme se demonstrou supra.
17. Pois, a regra geral determinada pelo legislador é de que o recebimento dos embargos por si só não suspende a execução.
18. Sendo que, somente haverá lugar a suspensão da execução quando o embargante coloque em causa a exequibilidade extrínseca ou intrínseca do titulo executivo.
19. Fora destas situações apenas poderá haver lugar a suspensão da execução mediante prestação de caução, constituindo esta um mero ónus legal.
20. Em segundo lugar, a prestação de caução sob a forma de garantia bancária constitui o meio mais dispendioso de todos.
21. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter decidido de forma coerente com a sua própria afirmação: “Ou seja, podendo um determinado fim, visando a salvaguarda de legítimos interesses de parte, ser alcançado mediante diferentes estratégias e actos processuais, não se afigura coerente que, em caso de escolha da mais dispendiosa, venha a parte contrária a ser sobrecarregada com custos sobre os quais nem sequer teve a possibilidade de se pronunciar”.  22. Sobretudo, porque a Recorrente não teve sequer hipótese de se opor à modalidade de caução prestada.
23. Em terceiro lugar, os alegados encargos com a prestação da garantia como caução, nos termos do artigo 733.º CPC, não têm qualquer enquadramento no Regulamento das Custas Processuais.
24. Não só por não constarem da enumeração dos tipos de encargos feita no artigo 16.º RCP, como por não se coadunarem com o sentido que o legislador atribuiu ao conceito de encargos.  25. Aliás, atenta a previsão específica feita na alínea g) do artigo 16.º RCP quanto às “despesas resultantes da utilização de depósitos públicos”, facilmente se concluí que o legislador não contemplou as despesas decorrentes de garantias bancárias porque não quis.  26. Assim sendo, salvo o devido respeito, a Exequente não pode ser condenada nos encargos invocados na rubrica identificada pelo número 4) da Nota Justificativa.
27. Não porque se pretenda eximir, mas tão só por não ter qualquer cabimento legal.
28. Devendo, por todos os motivos explanados, a mencionada decisão de que ora se recorre ser alterada e substituída por outra que defira a Reclamação da Nota Justificativa apresentada.
Assim, Roga-se a costumada Justiça!
Nestes termos e nos melhores de Direito cujo douto Suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, se invoca, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo a Reclamação da Nota Justificativa deduzida pela Recorrente ser deferida pelo Tribunal a quo.”
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Pela REN, foram interpostas contra alegações e requerida a ampliação do objecto de recurso, nos seguintes termos:
“1.ª O valor do presente recurso – nomeadamente para efeitos de custas processuais e taxas de justiça a pagar pelas partes – deve ser fixado no montante de € 67.640,26 - sessenta e sete mil, seiscentos e quarenta Euros e vinte e seis cêntimos - por ser essa a quantia certa em dinheiro que a Recorrida reclama, cujo direito ao recebimento lhe foi reconhecido pelo Tribunal e cujo montante a Recorrente entende não ter de suportar, sendo na realidade essa a utilidade económica imediata do pedido que é formulado pela Recorrente nos presentes autos recursivos  (cf. artigos 307.º, n.º 2, 296.º e 297.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil). 
 2.ª O presente recurso carece de qualquer fundamento, não merecendo o despacho recorrido qualquer censura já que o Tribunal a quo perfilhou a única decisão legalmente admissível, à semelhança do que vem sendo decidido pela doutrina e pela jurisprudência (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25-10-2007, proferido no âmbito do Processo n.º 6108/2007-8, relatado pelo Exmo. Senhor Desembargador António Valente, disponível para consulta em www.dgsi.pt).  
3.ª Não obstante a Exequente/Embargada/Recorrente sustentar que a garantia bancária foi prestada de forma voluntária pela Executada/Embargante/Recorrida, a verdade é que a prestação de caução – requerida pela Executada/Embargante/Recorrida, deferida pelo Tribunal – veio a confirmar-se ser o único meio legalmente admissível para suspender uma execução (de valor superior a cinco milhões de euros!) que se veio a comprovar ser inadmissível, por inexistência de título executivo e dessa forma evitar prejuízos irreparáveis para a Executada/Recorrida, conforme esta teve a oportunidade de demonstrar no requerimento de pedido de prestação de caução (cf. artigo 733.º, n.º 1, al. a) do CPC).
 4.ª A suspensão da execução sem prestação de caução não se encontra na disponibilidade da Executada/Embargante/Recorrente, encontrando-se antes dependente da apreciação que o Tribunal realizar, ouvido o Embargado (cf. artigo 733.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil), apreciação essa que o Tribunal a quo - ao deferir a prestação de caução pela Executada/Embargante/Recorrida – apreciou, conforme aliás resulta também do despacho recorrido: “O recurso à prestação de caução previsto no citado preceito era o meio necessário e único de a executada suspender a execução e pareceria abusivo, (…)” (cf. despacho recorrido).
5.ª Resulta demonstrado cristalino nos autos, nomeadamente dos Embargos à Execução, que a Exequente/Embargada/Recorrente se opôs ao pedido de suspensão da execução sem prestação de execução, pelo que não pode deixar de ser um abuso de direito e de chocar o mais elementar sentimento de Justiça que venha agora chamar à colação tal fundamento como forma de evitar suportar os encargos a que a mesma deu origem (cf. requerimento datado de 06 de outubro de 2016, com a Ref.ª 23741955, apresentado no Apenso A).  
6.ª A prestação de caução através de garantia bancária é uma das modalidades previstas na lei para o efeito (cf. artigo 623.º do Código Civil), sendo – conforme reconhecido pelo próprio Tribunal a quo – “um meio comum e habitual de prestação de caução” (cf. despacho recorrido). 
7.ª Choca, uma vez mais, atento o comportamento processual da Exequente/Embargada/Recorrente, que a mesma venha agora sustentar que a forma como foi prestada caução é dispendiosa, quando se opôs à sua redução no primeiro momento possível, tendo pugnado pelo indeferimento da pretensão da Executada de redução do montante caucionado do montante de € 5.390.436,49 para o valor de € 645.500,00, e consequentemente, do levantamento da garantia bancária prestada contra a apresentação de nova, no montante de € 645.500,00 (cf. requerimento datado de 13 de dezembro de 2018, com a Ref.ª 30989173, apresentado no Apenso B).
 8.ª Comparando-se o valor da execução instaurada pela Exequente /Recorrente e o valor que foi necessário caucionar nos autos (€ 5.390.436,49, sendo que destes € 256.687,45 – duzentos e cinquenta e seis mil, seiscentos e oitenta e sete euros e quarenta e cinco cêntimos - correspondiam a despesas prováveis com a Execução que também estavam caucionadas), com o valor das despesas cujo reembolso agora se peticiona e são colocadas em crise - € 67.640,26 - não se vislumbra como se pode sustentar que a parte contrária está “a ser sobrecarregada com custos” (cf. conclusões de recurso).  
9.ª O pedido de reembolso agora formulado (no que concerne ao reembolso das despesas suportadas com a prestação de caução) tem enquadramento legal, encontrando-se abrangido: a) no tipo de encargos plasmado no artigo 16.º, n.º 1, al. d) do Regulamento das Custas Processuais: “1. As custas compreendem os seguintes tipos de encargos: d) Os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou actos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, (…)”; b) nas custas de parte, nos termos estabelecidos no artigo 533.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil: “Compreendem-se nas custas de parte, designadamente, as seguintes despesas: b) Os encargos efetivamente suportados pela parte” e nos termos estabelecidos no artigo 25.º, n.º 2, al. c) do Regulamento das Custas Processuais: “2. Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos: c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução” (cf. SALVADOR DA COSTA, in As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017, 6.ª Edição, Almedina, pág. 31, com negritos nossos).
 10.ª Tendo a Recorrida sustentado na resposta à reclamação da nota de custas de parte que esta deveria ser liminarmente rejeitada e não apreciada pelo Tribunal por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 26.º-A, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais (depósito do valor total da nota de custas de parte), requer-se o alargamento do âmbito do recurso ao conhecimento de tal fundamento, nos termos do artigo 636.º do CPC.
11.ª Resultando do processo que a Exequente/Embargada/Recorrente não procedeu – voluntária e injustificadamente – ao depósito do valor da nota de custas de parte, a reclamação apresentada torna-se inadmissível, o que justifica a sua rejeição liminar e a sua não apreciação por parte dos Tribunais (Cf. art. 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, aditado pela  Lei n.º 27/2019, de 28 de março, em vigor à data da apresentação da reclamação). 
12.ª Os argumentos aduzidos pela Exequente/Recorrente para a não realização do depósito da quantia da nota são manifestamente irrelevantes e não justificam – de todo – qualquer dispensa do cumprimento da obrigação que a lei prevê, considerando que os mesmos configuram meras conclusões, não demonstrando a Exequente/Recorrente que efetivamente se encontrava – e encontra (neste momento, já após ter rececionado o valor que lhe era devido ao abrigo do referido Processo n.º 1585/15.2T8SXL) - impossibilitada de proceder ao depósito que a lei prevê.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, com as legais consequências.
SÓ ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ JUSTIÇA E SERÁ CUMPRIDO O
DIREITO!”
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Recebido o recurso, por este tribunal foi proferido despacho no qual, considerando necessário a apreciação oficiosa de eventual não aplicação de norma que constitui condição prévia de conhecimento do recurso - a saber a constante do artº 26-A nº2 do RCP – por violação do disposto nos artºs 20 nº1 e 4 e 18 nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, convidou as partes a pronunciarem-se sobre esta matéria, porque não invocada em sede de alegações de recurso.
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Em resposta veio a recorrida sustentar que “O aditamento de tal artigo ao Regulamento das Custas Processuais visou ultrapassar as questões de inconstitucionalidade orgânica que a norma, originalmente prevista no artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, suscitava” e que, não existe qualquer inconstitucionalidade no novo preceito, invocando em defesa da sua posição dois acórdãos do Tribunal Constitucional já proferidos sobre tal matéria no âmbito do anterior artº 33 da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, a saber os Acórdãos nºs 347/2009, publicado em 17 de Agosto e 678/2014, publicado em 18 de Novembro.
Conclui no sentido de que “não existem fundamentos constitucionais que justifiquem a não aplicação da norma constante do artigo 26.º-A, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, pelo que, devendo aplicar-se a mesma e não tendo sido dado prévio cumprimento à condição nela prevista (ou seja, não tendo sido feito o depósito da totalidade do valor da nota de custas de parte), deverá ser rejeitado o conhecimento do recurso.”
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Por sua vez a recorrente veio pugnar pela inconstitucionalidade material desta norma, por violação dos princípios constitucionais constantes no artigo 18.º da CRP- necessidade, idoneidade e proporcionalidade strictu sensu, mais defendendo que “do ponto de vista material, a solução anteriormente consagrada n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril que apenas condicionava a discussão da nota de custas ao depósito de 50% do valor da mesma, manifestava uma preocupação social com o acesso ao direito procurando equilibrar dois interesses conflituantes: por um lado o de permitir um generalizado acesso à possibilidade de discussão da nota de custas e garantir a subsistência financeira do sistema judicial de forma a impedir a sua degradação.”, mais acrescentando que o valor de custas de parte peticionado “torna o direito de acesso à tutela jurisdicional totalmente inalcançável e impossível de exercer por qualquer litigante com uma situação financeira normal.”, concluindo que “não deve o Tribunal aplicar o artigo 26.º-A n.º2 do Regulamento das Custas Processuais por materialmente inconstitucional à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da proporcionalidade, na ponderação dos vários
interesses conflituantes do Estado na formulação da atual redação do aludido artigo do Regulamento das Custas Processuais, atentos os valores em causa no caso concreto, e, consequentemente, deve dispensar a Recorrente do depósito dessa quantia.”
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QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, a recorrida veio requerer a ampliação do recurso à questão da necessidade de depósito da totalidade do valor da nota de custas de parte, como condição de apreciação da reclamação, nos termos previstos no artº 636 nº2 do C.P.C.
Ora, versando o recurso interposto nestes autos a decisão proferida relativamente à reclamação da nota de custas de parte, a questão colocada por via de ampliação do objecto do recurso, assume natureza prévia à decisão do mesmo.
Trata-se aliás de questão de conhecimento oficioso, sendo que a esta matéria, notificado das contra-alegações, a recorrente nada veio dizer (artº 638 nº8 do C.P.C.)
Este tribunal determinou, entretanto a notificação das partes afim de se pronunciarem sobre a constitucionalidade do artº 26-A do RCP.
 Assim sendo, as questões a decidir incidem sobre:
a) Se deve ser admitida a reclamação da nota discriminativa de custas de parte, não tendo a parte procedido ao depósito do valor da nota - da constitucionalidade material do disposto no artº 26-A do RCP, por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva;
b) Em caso de admissão da reclamação, se as despesas com a constituição de garantia bancária no âmbito de incidente de caução, com vista à suspensão da execução, integram o disposto no artº 26 nº3 b) do R.C.P. e 533 nº2 b) do C.P.C
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MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto a considerar para decisão é a descrita em relatório já elaborado. 
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DO DIREITO           
Efectuada a reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, veio a recorrida invocar que a reclamação não podia ser conhecida por não ter sido depositado a totalidade do valor da nota, conforme o exige o artº 26-A do RCP.
Sobre tal questão e sobre a requerida dispensa do valor da nota, não existiu qualquer pronúncia do tribunal de primeira instância, o que constituiria nulidade por omissão de pronúncia cfr. dispõe o artº 615 nº 1 d) do C.P.C., por reporte ao disposto no artº 608º, nº2, do C.P.C. Nos termos deste preceito “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Sendo certo que se trata de questão – da necessidade de depósito do valor total da nota - suscitada em sede de ampliação de recurso e sendo certo que sobre a questão da sua compatibilidade com as normas previstas no artº 18 nº2 e 3 e 20 nº1 e 5 da Constituição, as partes já se pronunciaram, este tribunal irá apreciar esta questão, prévia ao conhecimento do mérito da reclamação.  
Decidindo
a) Se deve ser admitida a reclamação da nota discriminativa de custas de parte, não tendo a parte procedido ao depósito do valor da nota - da constitucionalidade material do disposto no artº 26-A do RCP, por violação do princípio da proporcionalidade e da tutela jurisdicional efectiva;
O modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, mostrava-se regulado pela Portaria nº 419-A/2009 de 17 de Abril, integrado no âmbito de um sistema de custas que visava, de acordo com o seu preâmbulo, promover “os objectivos de simplicidade e celeridade no processamento das contas judiciais” e adequá-los às novas funcionalidades, nomeadamente permitindo “uma maior utilização das ferramentas informáticas disponíveis na elaboração das contas judiciais” e concretizando “ a implementação das medidas de descongestionamento para a litigância de massa, através da aplicação de uma taxa de justiça especial para utilizadores frequentes e de uma taxa sancionatória excepcional para actos dilatórios. Permitindo desta forma, uma maior responsabilização da parte vencida à parte vencedora face às despesas que esta última teve com honorários dos seus advogados.”
Nesta medida, previa este diploma, no seu artº 33 nº2, que a reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte estava sujeita ao depósito de 50% do valor da nota, em consonância aliás com o disposto no artº 31 nº3 do Decreto-Lei nº 34/2008, o qual previa que Quando seja apresentada pelo responsável pelo pagamento, a reclamação da conta de custas está sempre sujeita ao depósito imediato de 50 % do seu valor, descontadas as custas de parte.” e com o aditamento dos artigos 447-C e 447-D ao C.P.C., visando regular o conceito de encargos a suportar pela parte vencida e as custas de parte.
O disposto no artº 33 nº2 da Portaria nº 419-A72009, veio a ser alterado pela Portaria nº 82/2012 de 29/03 que no seu preâmbulo justificou a necessidade de alterar “a portaria que regulamenta o Regulamento das Custas Processuais, de modo a compatibilizá-la com as inovações introduzidas pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro” afirmando ainda que “A maioria das alterações agora introduzidas decorre de duas situações: o facto de a conta deixar de ser feita de modo contínuo durante todo o processo, sendo efetuada apenas no final do processo, e o facto de, como já referido, ter sido revogado o mecanismo de conversão da taxa de justiça em pagamento de encargos previsto no artigo 22.º do Regime das Custas Processuais. (…) Para além destas alterações, a presente portaria prevê ainda o meio de pagamento da taxa de justiça nas injunções europeias (situação que implica uma solução especial uma vez que são pagamentos que muitas vezes devem ser feitos à partir do estrangeiro) bem como um conjunto de alterações que ou se destinam a assegurar a sustentabilidade do sistema de justiça ou se trata de ajustamentos que corrigem remissões ou revogam artigos cuja matéria foi entretanto inserida no próprio Regulamento das Custas Processuais.”
Por via da alteração introduzida por esta Portaria, passou a consignar-se que a reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, estava sujeita ao depósito da totalidade do valor desta nota.
Denote-se que do seu preâmbulo não se retira qualquer justificação para a exigência do depósito do valor total da nota de custas de parte, sendo certo que, por via da Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, foi alterado o disposto no artº 31 do RCP, aplicável à reclamação da conta de custas, passando agora a prever-se a necessidade de depósito do valor das custas, mas apenas nos casos de segunda reclamação dos interessados (nº5), de onde se retira que aquando da primeira reclamação da conta, não existe qualquer obrigatoriedade de proceder a este depósito.
Foi esta Lei precedida da Proposta de Lei nº 29/XII, de cuja exposição de motivos se retira que “o Estado Português assumiu, entre outras, um conjunto de obrigações relacionadas com o regime das custas judiciais, das quais se destaca: a imposição de custas e sanções adicionais aos devedores não cooperantes nos processos executivos; a introdução de uma estrutura de custas judiciais extraordinárias para litígios prolongados desencadeados pelas partes litigantes sem justificação manifesta; a padronização das custas judiciais; e a introdução de custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objectivo de aumentar as receitas e desincentivar a litigância de má-fé.”, fundamento pois, para a alteração ao Regulamento das Custas Processuais.
Assim sendo, após estas alterações, reclamando qualquer parte da conta de custas elaborada num processo, está dispensada do depósito do valor da nota, excepto se pretender reclamar pela segunda vez.
Querendo reclamar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte que lhe é remetida pela parte contrária, teria sempre de proceder ao depósito do valor total da nota.
Invocada por diversos momentos a inconstitucionalidade desta norma, quer material, quer orgânica por violação da reserva de competência da Assembleia da República, veio o Tribunal constitucional num primeiro momento pronunciar-se, conforme refere a recorrida, pela não inconstitucionalidade deste normativo (quer no âmbito da Portaria nº 419-A/2009, quer na da Portaria nº 82/2012), nos Acórdãos mencionados pelo recorrente, incluindo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 678/2014 publicado em Diário da República nº 223/2014, Série II de 2014-11-18.
No entanto, por Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280/17 (publicado no Diário da República n.º 126/2017, Série I de 2017-07-03), foi declarada “inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma que determina que a «reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota», constante do n.º 2, do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de março, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o n.º 1 do artigo 20.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.”
Declarada inconstitucional esta norma, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, na sua redacção originária, foi igualmente declarada inconstitucional por Acórdão nº 56/2018 do Tribunal Constitucional o qual decidiu «...b) Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2, do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, na redação originária, que determina que a «reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito de 50/prct. do valor da nota», por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o n.º 1 do artigo 20.º, ambos da Constituição da República Portuguesa;
Na sequência das declarações de inconstitucionalidade destas duas normas (a primeira com força obrigatória geral), não existindo preceito expresso que regulasse a matéria de reclamação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, entendia-se ser de admitir esta reclamação sem necessidade de prévio depósito desta quantia, por não estar previsto em qualquer normativo esta exigência[1], quer por aplicação por analogia do disposto no artº 31 do RCP, que apenas previa a necessidade de depósito das custas em dívida, aquando da segunda reclamação da conta.
Após a declaração de inconstitucionalidade do nº2 do artº 33 da Portaria nº 419-A/2009 e na redacção introduzida pela Portaria nº 82/2012, o legislador veio aditar um novo preceito com o nº 26-A, ao Regulamento das Custas Processuais, pela Lei 27/2019 de 28 de Março.
O artº 26-A do RCP, passou a regular expressamente o procedimento de reclamação da nota justificativa e discriminativa das custas de parte, nele se dispondo, no nº2, que a reclamação da nota está dependente do depósito da totalidade do seu valor, em consonância com o que constava do anterior preceito do artº 33 da Portaria 419-A/2009 (e na redacção da Portaria nº 82/12), cuja inconstitucionalidade tinha sido declarada.
A referida Lei contém no seu artigo 9 uma norma transitória referente à execução por custas prevista no artº 35 nº2 do RCP e ao regime de custas no Tribunal Constitucional, previsto no D.L. 303/98 de 7 de outubro.
No seu artº 11 faz-se consignar que “entra em vigor no prazo de 30 dias após a sua publicação, aplicando-se apenas às execuções que se iniciem a partir dessa data”, o que significa que entrou esta lei em vigor em 27 de Abril de 2019.
Do princípio geral constante do artº 12 nº1 do C.C. decorre que a lei só dispõe para o futuro e que ainda que lhe seja atribuída eficácia rectroactiva (por via do seu regime transitório), presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
Por sua vez, dispõe o nº 2 deste preceito legal, na sua parte final, que quando a lei nova dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entende-se que abrange as relações constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
No que se reporta ao regime de custas dispõe o artº 8 nº 1 da lei 7/2012 de 13/02, respeitante à sua aplicação no tempo que “O Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, é aplicável a todos os processos iniciados após a sua entrada em vigor e, sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos processos pendentes nessa data.”, prosseguindo o seu nº12 por estabelecer especificamente que “São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei”.
Decorre, quer deste diploma legal quer do artº 9 e 11 da lei 27/2019, que o legislador instituiu como regra a imediata aplicabilidade do regulamento das custas processuais aos processos pendentes, mormente no que respeita às custas de parte, salvo se a respectiva nota tiver sido remetida em data anterior à entrada em vigor da lei.
A Lei 27/2019, ressalvou apenas os processos de execução (tendo em conta as alterações introduzidas aos artigos 87 e 88 do C.P.C.), o que significa que apresentada a referida nota em Junho de 2019, é-lhe aplicável a nova Lei.[2]
Assim sendo, resulta do disposto no artº 26-A do RCP, que a reclamação à nota discriminativa e justificativa das custas de parte, depende do depósito do valor da totalidade da nota, sem a qual, nos termos previstos no aludido preceito, não pode ser apreciada esta reclamação quer na primeira instância, quer em sede de recurso.
Trata-se aliás de exigência que não depende de arguição da parte quanto ao não pagamento e era questão que deveria ter sido apreciada e verificada no tribunal recorrido, assim como a requerida dispensa de depósito da nota.
Esta omissão de pronúncia constitui nulidade nos termos previstos no artº 195 do C.P.C. que, no entanto, pode e deve ser suprida por este tribunal de recurso, tendo em conta que foi já debatida nos autos e expressamente arguida pela recorrida.
Tendo em conta o acima referido, a parte reclamante não depositou efectivamente o valor da totalidade da nota de custas de parte. Requereu, no entanto, a dispensa desse depósito, alegando em síntese, nos pontos 5 a 8 do seu requerimento que “constituiria um grave prejuízo para a Exequente depositar a quantia de €69.042,76 (…), para apresentar reclamação da nota justificativa” atento ainda o facto de ser credora da executada pelo valor de €645.500,00 (valor fixado a título de indemnização na sentença proferida no proc. nº 1585/15.2T8SXL do Juízo Local Cível do Seixal-J2, mais invocando que “ainda que não se considerasse tal crédito, o valor a depositar sempre implicaria um esforço excessivo e causador de prejuízos para a Exequente.”
Que dizer?
Em primeiro lugar, que não se mostra previsto nem neste, nem em nenhum preceito legal, a possibilidade do juiz dispensar, adequar ou reduzir o valor deste depósito, como ocorre com outros preceitos referentes a custas de elevado montante, ou que condicionem a tutela jurisdicional efectiva (artº 6 nº7 e 11 (tendo em conta a interpretação do Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 421/2013 de 16/10), 12 nº1 a) e 6 nº 1 de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 272/12 de 22 de Junho).
Aliás a remissão, constante deste artº 26-A nº3 para o regime previsto no artº 31 do mesmo diploma tem de ser entendido como ressalvando as devidas adaptações. Ou seja, só se a reclamação for tempestiva e se estiver depositado o valor da totalidade da nota, é que na sua apreciação, o julgador atenderá ao disposto no artº 31.
No caso em apreço, não existindo norma que preveja a dispensa do depósito da totalidade da nota, não poderia em princípio, a reclamação em causa, ser objecto de pronúncia pelo tribunal de primeira instância, por falta do depósito previsto no artº 26-A nº2 do RCP.[3]
E não poderia este Tribunal conhecer do mérito do recurso, precisamente por falta de depósito do valor da nota. No entanto, apesar da jurisprudência constitucional citada pela recorrida (no que se reporta à inconstitucionalidade material) e acompanhada por doutos acórdãos de tribunais superiores[4], a solução assim obtida colide a nosso ver, com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artº 20 nº1 e 5 da Constituição.
Refira-se que a protecção dos direitos fundamentais é actualmente assegurada por uma série de fontes-entre as quais as constituições dos Estados-membros, a CEDH e a CDFUE - e encontra tutela efectiva, mediante o direito de acção junto dos tribunais nacionais, nos casos abrangidos pelo direito da união, pelo TJUE (que engloba o TG, anterior TPI e o TJ) e o próprio TEDH.
Sendo este um direito fundamental, não é um direito novo. O direito a um processo equitativo remonta à Magna Carta (artº 39 e 40) e constitui o princípio base e comum de um estado de direito, consignado no artº 6º e 13 da CEDH, no artº 14.º do Pacto Internacional Relativo a Direitos Civis e Políticos e no artigo 10.º da DUDH.
Acresce que, este direito de acesso à justiça não é apenas um direito em si mesmo, mas constitui igualmente o meio de exercício e tutela de outros direitos fundamentais de que são titulares os cidadãos e que, na sua efectivação, engloba a prossecução de medidas que o possibilitem, instituindo-se tribunais independentes e imparciais e eliminando as causas que possam constituir impedimento a esta tutela jurisdicional, nomeadamente adoptando medidas:
-de concessão de apoio judiciário, na vertente económica e jurídica;
-de acesso e concessão do direito a uma representação condigna;
-que possibilitem o acesso à informação relevante (a todos os actos e documentos com excepção apenas daqueles que não sendo públicos, não se afiguram essenciais à tomada de decisão ou à organização da defesa);
-de efectiva garantia de observância do contraditório;
-de estipulação de um direito de recurso efectivo.
Aos Estados incumbe garantir este direito geral à protecção jurídica do cidadão, adoptando mecanismos que lhe confiram efectividade prática e que eliminem os obstáculos à sua prossecução, mediante a garantia de que “ninguém pode ser privado de aceder à justiça seja qual for a sua condição económica [5], conforme decorre do disposto no artº 9 e 2 da Constituição.
O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é assim, em si mesmo, um direito fundamental e a garantia imprescindível da protecção de outros direitos fundamentais. Cmo referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira[6] em anotação ao artigo 20 da Constituição, “O direito de acesso ao direito (…) é também elemento integrante do princípio material da igualdade (…) e do próprio princípio democrático (…). O direito de acesso aos tribunais (nº1) inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, (….) com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada.”
Mais referem os mesmos autores in ob.cit. (pág. 164/165) que “O reconhecimento do direito de recorrer aos tribunais seria meramente teórico se não se reconhecesse que o direito á via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos. (…) Incumbe à lei assegurar a actuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais (…). A Constituição, não determina a gratuitidade dos serviços de justiça (…). Mas o direito de acesso à justiça proíbe seguramente que eles sejam tão onerosos que dificultem consideravelmente o acesso aos tribunais (…)”     
Posto isto, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 189/2016 (publicado em Diário da República n.º 85/2016, Série II de 2016-05-03), a propósito da constitucionalidade orgânica e formal deste preceito, consignou-se que: «importa sublinhar que a específica imposição de condições à possibilidade de reclamação de questões atinentes a custas judiciais, como é o caso das custas de parte, afeta, sem dúvida, o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, tendo sido configurada como uma restrição por este Tribunal nos acima referidos Acórdãos n.º 347/2009 e n.º 678/2014.
(…)
7 - Possuindo, como vimos, a matéria respeitante à reclamação da nota justificativa das custas de parte uma natureza restritiva de um direito fundamental - o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva - importa notar que tanto a doutrina (cf., por todos, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, vol. I, 2.ª ed., Wolters Kluwer, Coimbra Editora, 2010, p. 304) bem como a jurisprudência deste Tribunal têm considerado este direito como análogo a um direito, liberdade e garantia (cf. Acórdão n.º 237/90 de 3 de julho de 1990, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos) e que é igualmente pacífico que o regime jurídico material e orgânico dos direitos, liberdades e garantias se deve aplicar ao direito de acesso à justiça (ainda que este mesmo consenso não se verifique em relação a todos os direitos análogos: cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, op. cit., p. 308).”
É certo que, volvendo ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 347/2009 (Diário da República n.º 158/2009, Série II de 2009-08-17) citado pelo recorrido e, em fundamentação reproduzida em Ac. do Tribunal Constitucional nº 678/2014 (Diário da República n.º 223/2014, Série II de 2014-11-18) “a norma contida no artigo 20.º da Constituição (mormente, a resultante do disposto no seu.º 1) não contém nenhum imperativo de gratuitidade da justiça. Sendo o direito, que aí se consagra, de acesso ao tribunal, um direito pluridimensional - pois que na sua estrutura se incluirá, não apenas uma posição subjectiva de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, mas ainda uma posição subjectiva de índole prestacional, com o correlativo dever do Estado de pôr à disposição das pessoas instituições e procedimentos que garantam a efectividade da tutela jurisdicional -, ampla será, também, a liberdade de conformação do legislador ordinário quanto à disciplina das custas que o exercício de tal direito, inevitavelmente, acarretará.” Acrescentam, no entanto os juízes constitucionais, no mesmo acórdão que “essa liberdade terá limites, sempre que se demonstrar que os custos da utilização da máquina judiciária, fixados pelo legislador como correlativo da criação e afectação, por parte do Estado, de importantes meios ao fim de "realização da justiça", são, pela sua dimensão, de tal modo excessivos ou onerosos que acabam por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e ao tribunal. Quanto a este ponto, tem também sempre dito o Tribunal que o teste da proporcionalidade se deve fazer tendo em conta a exigência de um "equilíbrio interno ao sistema" que todo o regime de custas, pela sua razão de ser, terá que perfazer.” concluindo após que  “Exigir que a admissão da reclamação quanto ao montante de custas de parte dependa do prévio depósito desse mesmo montante, tal com ele vem fixado na respectiva nota justificativa e discriminativa, afigura-se em termos abstractos como um meio idóneo ou apto para garantir que a referida reclamação não seja indevidamente usada com um instrumento processual dilatório. Contudo, e como bem se sabe, o juízo de proporcionalidade não se esgota na avaliação abstracta da existência, ou inexistência, de relações lógicas de adequação entre o meio utilizado pelo legislador e o fim por ele prosseguido. Numa análise mais fina, que exige a consideração do sistema em que se insere a medida sob escrutínio, a ideia de proporcionalidade impõe ainda que se determine o grau de esforço ou de onerosidade que a decisão legislativa traz ao particular. Como já se disse - e como sempre o tem reafirmado o Tribunal - um regime de custas que, pela sua dimensão, se mostre de tal ordem excessivo ou oneroso que acabe por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e à protecção jurídica, é um regime contrário ao "equilíbrio interno ao sistema" que o disposto no n.º 1 do artigo 20.º indiscutivelmente reclama.
Foram estes Acórdãos proferidos na vigência do regime fixado na Portaria 419-A/2009, regime que, quanto à exigência de depósito prévio da quantia correspondente a custas de parte, se mantém sem alteração de relevo na nova Lei. Alterações existiram no entanto, no paradigma de custas e dos encargos a imputar à parte vencida, pela entrada em vigor do novo C.P.C. e pelas alterações efectuadas ao artº 26 pelos D.L. nºs 52/2011 e 126/2013 e pela Portaria nº 282/2013 e pela própria revogação do disposto no nº2 do artº 30 da Portaria nº 519-A/2009 pelo artº 3 da Portaria nº 82/2012.
Actualmente já não é possível defender que “das três rubricas que devem constar da nota discriminativa e justificativa das custas de parte segundo o artigo 25.º, n.º 2, do RCP — taxa de justiça, encargos e honorários e despesas de mandatário ou agente de execução —, o valor de duas delas é, desde logo, indicado pela secretaria do tribunal (…) nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da Portaria 419 -A/2009, de 17 de abril, com a notificação da decisão que ponha termo ao processo, deve a secretaria remeter às partes uma nota descritiva com os seguintes elementos: a) Indicação das quantias efetivamente pagas a título de taxa de justiça; b) Indicação das quantias efetivamente pagas a título de encargos.” [7], porque a norma que o determinava, constante do nº2 do artº 30 desta Portaria, foi revogada.
Não se insere esta nota nas custas de parte, nem o seu valor é adiantado pelo IGFEJ.
Por outro lado, a reclamação desta nota constitui incidente tributável e, como tal, sujeito a taxa de justiça, nos termos previstos no artº 7 do RCP.
Assim, a exigência de depósito do valor da totalidade desta nota, introduzida no RCP pela Lei 27/2019 (insistindo na solução já constante da portaria nº 419-A/2009), como condição de reclamação (e posterior recurso) desta nota, não se nos afigura nem proporcional aos interesses visados com a norma, nem o único meio de impedir o seu uso com um fim meramente dilatório (como referido nos citados Acórdãos do Tribunal Constitucional).
Para tanto, dispõe o legislador de outros mecanismos, sejam eles por via do recurso ao instituto da litigância de má fé (previsto no artº 542 do C.P.C.), seja por via da aplicação da taxa sancionatória especial (prevista esta no artº 531 do C.P.C.), se se determinar que a reclamação é totalmente desprovida de fundamento e destinou-se a fazer do direito ao dispor do reclamante um uso meramente dilatório.
É menos compreensível ainda, quando não se exige para a apreciação da reclamação da conta de custas - elaborada no processo por um oficial contador e cuja conformação com as normas legais é de apreciação oficiosa pelo juiz do processo ou pelo Ministério Público - o depósito da quantia alegadamente devida, conforme ocorria na redacção originária do D.L. nº 34/2008, no qual se exigia o depósito de 50% do valor das custas.
Existirão razões que determinem a aplicação de dois regimes diferentes e mais gravosos no caso de reclamação da conta de custas e da nota de custas de parte?
Poder-se-á considerar que as custas obedecem ao princípio da legalidade e a sua conformação com os preceitos que as regem é sempre oficiosa, não dependendo de reclamação da parte e que assim, só se justificaria impor o depósito das custas, no caso de segunda reclamação, pressupondo-se que, pela decisão da primeira, a conta estará conforme às regras que a devem reger.
Mas o mesmo se poderá equacionar em relação às custas de parte.
Também estas devem ser elaboradas de acordo com os preceitos contidos nos artºs 25 e 26 do RCP mas, ao contrário do que ocorre em relação à conta de custas, são elaboradas e remetidas à parte vencida sem intervenção da secretaria e sem que, na ausência de reclamação, o juiz (ou o Ministério Público) deva decidir oficiosamente sobre a sua conformidade.
Caso não obedeçam ao disposto nos aludidos normativos e a parte pretenda reclamar para o juiz, impor-lhe o depósito da totalidade da nota, sem qualquer limite e independentemente do valor da referida nota impugnada (que neste caso importa em valor próximo dos € 70.000,00), constitui uma restrição desproporcional deste direito e, nessa medida, uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, tendo em conta que não se prevê sequer que, em caso de ser alegada a impossibilidade económica de depósito deste valor, a parte que pretende reclamar e ver-se desonerada desse montante, possa ser dispensada de parte (mormente a impugnada) ou da totalidade do depósito.
E, nestes casos, estará a parte efectivamente impossibilitada de ver apreciado o valor que considera incorrectamente inserido na nota e beneficiada a parte que fez consignar a título de encargos, valores que não têm essa natureza.
Recorde-se ainda que, conforme refere Salvador da Costa[8] “a obrigação de pagamento de custas de parte, vence-se com o recebimento pelo devedor da referida nota discriminativa e justificativa, enviada pelo credor. Funcionando como interpelação para o cumprimento, nos termos do nº1 do artº 805 do C.C., sem prejuízo do primeiro dela poder reclamar (…)”. Aliás, como refere ainda o aludido autor, em ob. citada (pág. 224), “A nota de custas de parte só pode constituir elemento acessório do núcleo essencial do título executivo (…) se a parte vencedora a notificou à parte vencida naquele quinquídeo e a última a não impugnou no decêndio subsequente ou, tendo-a impugnado, após o trânsito em julgado da decisão da reclamação que manteve o conteúdo integral ou parcial daquela nota”.
Tendo em conta que o título executivo é formado pelo requerimento e, em caso de reclamação, pela decisão sobre ela proferida, impor à parte que pretenda reclamar, o depósito prévio do valor da nota ainda que de montante elevado e sem que esta obedeça ao justificativo legal, constitui uma exigência sem correlação com os interesses a salvaguardar e desproporcional aos mesmos, tendo em conta que o pagamento destes encargos é feito extrajudicialmente (artº 26 nº2 do RCP).
Sobre as exigências de razoabilidade e proporcionalidade das medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias, se tem vindo a pronunciar o Tribunal Constitucional, em sucessivos Acórdãos. Assim, esclarece o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2001, que o princípio da proporcionalidade que deve ser observado aquando da restrição de direito e liberdades fundamentais deve observar “três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”.
Ainda no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 634/93, defende-se que "O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."
E no Acórdão n.º 632/2008, o Tribunal Constitucional veio acrescentar três precisões:   «A primeira diz respeito ao conteúdo exato a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coativa decorrente da medida adotada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se…de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação “calibrada” – de justa medida – com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».  A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstrato perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exatamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstrato e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais ‘fino’, ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência – ou inexistência –, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu – o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis –, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade. A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua aceção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as ações de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos atos da função administrativa quanto aos atos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (atuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não ‘proporcionais’ face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se fala, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre – como se disse no Acórdão n.º 187/2001 – em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.» Esta última apreciação não tem de se reconduzir necessariamente a um controlo de mera evidência – embora seja essa a intensidade aplicada nas situações que envolvam apreciações de natureza social e económica e em que exista uma afetação não muito significativa de liberdades económicas ou de direitos económicos, sociais e culturais. Mas, como referido, a preocupação de respeitar uma repartição equilibrada e racional dos poderes constitucionais, conduz a que o critério geral utilizado seja o de defensabilidade, considerando inconstitucionais apenas as normas desrazoáveis, que constituam uma violação clara do princípio4. E, de qualquer modo, a exigência do critério tende a acentuar-se, quando estão em causa direitos e liberdades de natureza pessoal”[9]
Com efeito, não está proibida a restrição, por lei provinda da Assembleia da República, de direitos, liberdades e garantias. Mas esta restrição deve observar os princípios acima considerados exigindo a verificação cumulativa das condições identificadas por Gomes Canotilho e Vital Moreira[10]: “a) que a restrição esteja expressamente admitida (ou, eventualmente, imposta) pela Constituição, ela mesma (nº2, 1ª parte); b) que a restrição vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (nº2, in fine); c) que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta para o efeito e se limite á medida necessária para alcançar esse objectivo (nº2, 2ª parte); d) que a restrição não aniquile o direito em causa atingindo o conteúdo essencial do respectivo preceito (nº3, in fine);”
Volvendo ao caso que ora nos importa decidir, é incontornável que no regime de custas actual, as custas de parte não integram a conta (artº 30 nº1 da Portaria nº 519-A/2009),  que o tribunal nem dispõe deste crédito, nem o adianta, nem remete qualquer notificação à parte contendo indicação das despesas e encargos suportados, nem estas são pagas por intermédio do tribunal, mas directa e extra-processo à outra parte, salvo os casos excepcionais previstos no artº 29 nº1 da Portaria nº 419-A/2009, neles se não incluindo os montantes depositados por via da exigência contida neste artº 26-A nº 2.
É igualmente incontornável que o título executivo é formado pelo requerimento de custas de parte tempestivamente apresentado e, no caso de reclamação, pela decisão que sobre ela recaiu.
São estes dois elementos que definem e delimitam a obrigação exequenda, em caso de não ser satisfeito voluntariamente o pagamento destes montantes, sendo assim a definição dos montantes que constam desta nota, um elemento imprescindível para satisfação quer do direito da parte vencedora de obter o ressarcimento daquilo que despendeu com o processo, quer da parte vencida de saber os custos que terá de suportar com a perda da demanda.
 Por outro lado, a reclamação da nota de custas de parte é um incidente tributável nos termos previstos no artº 7 do RCP, estando por essa via assegurado o custo da actividade judicial.
A indevida utilização deste meio é susceptível de sanção, quer por via do disposto no artº 531 do C.P.C., quer por via do disposto no artº 542 do C.P.C.
Nesta medida, a imposição do depósito do valor total da nota (a acrescer à exigência do pagamento da taxa devida pelo incidente e efectivamente paga pelo reclamante), constitui uma restrição desproporcional do direito e, nessa medida, uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no artº 20 nº1 e 5 da Constituição.
Com estes fundamentos, por o julgar incompatível com o disposto nos artºs 18 nºs 2 e 3 e 20 nº1 e 5 da Constituição, decidem os Juízes desta Relação, desaplicar o nº2 do artº 26-A do RCP que exige o depósito do valor total da nota e assim admitir a reclamação da referida nota, sem que o depósito deste valor se mostre feito.  
Passemos assim, à apreciação do mérito da reclamação apresentada.
Prende-se esta reclamação com a inadmissibilidade da inclusão na nota, a título de encargos, do valor das despesas com a constituição de uma garantia bancária, alegando o reclamante que não se mostram estes previstas no artº 16 do RCP, nem no artº 533 do C.P.C.
Decidindo 
b) se as despesas com a constituição de garantia bancária no âmbito de incidente de caução, com vista à suspensão da execução, integram o disposto no artº 26 nº1 b) do R.C.P. e 533 nº2 b) do C.P.C
Considerou o Sr. Juiz de primeira instância que “as custas de parte visam essencialmente reembolsar a parte vencedora do que gastou com o impulso do processo em juízo. (…) terão de resultar de actos praticados pela parte como consequência única e necessária das vicissitudes processuais”, concluindo após de forma contraditória que “É sabido que o incidente de prestação de caução visa a suspensão da execução, e assim assegura ao executado/embargante a disponibilidade do património, impedindo a penhora ou a venda (art. 733.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil. O recurso à prestação de caução previsto no citado preceito era o meio necessário e único de a executada suspender a execução e pareceria abusivo, ainda para mais vindo da exequente que é vencida nos embargos de executado, que quem indevidamente deu causa à execução pretenda eximir-se dos custos que a outra parte teve para obter a respectiva suspensão, enquanto deduzia a respectiva oposição, que acabou por prevalecer.”
Ora, há que não confundir encargos a serem ressarcidos pela parte vencida à parte vencedora, assim enquadráveis no disposto no artº 26 nº3 b) do RCP, com as despesas que uma determinada parte teve que suportar com a acção, oposição ou caução. Nem todas as despesas tidas pela parte vencida se enquadram no conceito legal de encargos, ressarcíveis, portanto pela parte vencida à parte vencedora e enquadráveis na nota discriminativa prevista no artº 25 do RCP.
Conforme decorre do disposto no artº 529 nº3 do C.P.C., constituem encargos todas as despesas resultantes de diligências realizadas no processo, oficiosamente ou a requerimento da parte. Por sua vez, as custas de parte, na medida em que compreendem o que cada parte despendeu no processo, englobam os encargos com o referido processo, por reporte aos constantes dos artºs 16, 20, 25 e 26 do RCP. 
Conforme refere Salvador da Costa[11] “as partes vencedoras não têm o direito de exigir das partes vencidas no seu confronto de tudo o que despenderam no processo, mas apenas aquilo que resulta da lei, incluindo o regulamento”.
Ora, não se mostra previsto no conceito de encargos previstos no artº 16 do RCP, ou no artº 532 do C.P.C.) o custo suportado pela parte pela constituição de uma garantia bancária com vista à suspensão de um processo (in casu uma execução), não só porque a suspensão do processo (ou recurso), mediante a prestação de caução, constitui um incidente facultativo de que beneficia a parte que o requereu e não se inclui nos actos e despesas a suportar por via do impulso processual[12], como porque, neste caso, nem sequer era o único meio de obter o fim almejado, ou seja a suspensão da execução.
Em causa estava a apresentação de título que, nos termos legais, não constituía título executivo, porque sujeita a regime próprio constante do C. das Expropriações.
Tratava-se aliás, de questão de conhecimento oficioso que deveria ter imposto a rejeição liminar da execução, como o impõe o artº 726 nº 2 a) do C.P.C. e que, sendo fundamento de embargos (artº 729 a) do C.P.C.), deveria ter conduzido ao mesmo resultado.
Mas, se dúvidas existissem, não estava vedado ao juiz, sendo impugnada a exigibilidade da obrigação exequenda pela inexistência de título, se assim o considerasse (como considerou decidindo pela inexistência de título executivo), suspender a execução, conforme previsto no artº 733 nº1 c) do C.P.C.
Aliás, estando efectivamente solicitada a suspensão da execução, em sede de embargos com este fundamento, veio o embargante requerer, cumulativamente, a prestação de caução, o que tornou desnecessária a decisão sobre o pedido formulado no âmbito desta alínea.
Não andou bem, neste circunspecto, o tribunal recorrido e não andaram bem as partes, na utilização indevida e cumulativa de diversos instrumentos processuais ao seu dispor.
Mas, no que ao caso importa, o montante suportado pela parte não se insere em qualquer das alíneas previstas no artº 16 conforme esta alegou (não se trata de despesas pela entrega de documento previsto na alínea d) do seu nº1), nem constituem encargos a suportar pela parte contrária.
Aderimos assim à posição que considera que não constituem encargos para os efeitos do artº 25 nº2 e 26 nº2 do RCP e 532 do CPC, as despesas que não se apresentem como uma imposição legal.[13]
Acresce que, a considerar que no conceito de encargos estão incluídos outros que não resultem de despesas realizadas no processo e previstas no artº 16 do RCP, estaria aberta a porta para a indeterminação do montante a pagar, não compatível com o regime de custas de parte definido nos artºs 25 e 26 do RCP.
Procede assim o recurso interposto pela recorrente.
*
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes da 6ª secção deste tribunal da relação em:
-recusar a aplicação do disposto no artº 26-A nº2 do RCP, que exige o depósito do valor total da nota de custas de parte, por violação do disposto nos artºs 18 nº2 e 3 e 20 nº1 e 5 da Constituição;
-em consequência, conhecer do objecto da reclamação da nota de custas de parte e, nessa medida, revogar a decisão recorrida, determinando a eliminação da rubrica constante do ponto 4 da nota discriminativa e justificativa das custas de parte, no valor de € 67.640,26, por não se enquadrar no conceito de encargos a suportar pela parte vencida.
Custas pela apelada, fixando a taxa de justiça devida, em 2 U.C.

Lisboa 2 de Julho de 2020
Cristina Neves
Manuel Rodrigues
Ana Paula Carvalho
_______________________________________________________
[1] A este respeito vidé o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/10/17, proferido no Proc. nº 2159/06.4TJVNF-A.G1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[2] Neste sentido vidé Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 09/01/20, proferido no Proc. nº 9323/14.0T8PRT-A.P1, disponível para consulta in www.dgsi.pt
[3] Cfr. posição expressa no já referenciado Ac. do Tribunal da Tribunal da Relação do Porto de 09/01/20, proferido no Proc. nº 9323/14.0T8PRT-A.P1.
[4] De que constituem exemplo os proferidos no TRE de 8-10-2015, proc. 681/14.8T8PTM-D.E1 e de 27/02/20, proc. nº 502/14.1T8PTG-A.E1, e no TRP de 26-01-2016, proc. 8043/06.4TBVNG.P1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
[5] Miguel Teixeira de Sousa, “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito processual civil”, XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, 2008, p. 72
[6] Constituição da República Portuguesa Anotada, págs. 162/163.
[7] Citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº , pág. 24142.
[8] Regulamento das Custas Processuais, 7ª edição, Almedina, págs. 223.
[9] O Princípio da Proporcionalidade e da Razoabilidade na Jurisprudência Constitucional, também em relação com a Jurisprudência dos Tribunais Europeus - XV Conferência Trilateral dos Tribunais Constitucionais de Espanha, Itália e Portugal -Roma, 24 a 27 de outubro de 2013 - Relatório apresentado pelo Tribunal Constitucional de Portugal (elaborado pelo Juiz Conselheiro Pedro Machete e pela Assessora do Gabinete dos Juízes, Mestre Teresa Violante).
[10] Ob.cit, págs. 148/149.
[11] Ob.cit., pág. 32
[12] Discordando-se assim do entendimento constante do Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa de 25/10/07, no proc. nº 6108/2007-8, disponível in www.dgsi.pt
[13] Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 26/07/17, proc. nº 00125/07.1BEMDL A disponível em www.dgsi.pt