Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3017/18.5T8BRR-A.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO(PEAP)
IMPUGNAÇÃO DA LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
APROVAÇÃO DE ACORDO
VOTAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Nos termos do nº3, do artº 222.º-F ,do CIRE, pode o juiz ex officio computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, ou seja e em rigor, integrar no universo de credores com direito de voto um credor cujo crédito não conste da lista definitiva.
- Mas pra efeitos do referido em 4.1, forçoso é que o crédito tenha sido incluído pelo administrador judicial provisório na lista provisória de créditos  que  elaborou  nos termos do nº 2, do artº 222.º-D ,do CIRE ,ou, não o tendo sido, que o credor/interessado ou até o devedor, tenha  impugnado a referida lista provisória de créditos, com base na exclusão – indevida – de concreto crédito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Lisboa
                                               *
1.- Relatório                           
A, deu início a processo especial para acordo de pagamento , nos termos do artº 222º-A e segs do CIRE, manifestando a vontade – que é manifestada outrossim por um dos seus credores, B - por meio de declaração escrita, de encetar negociações conducentes à elaboração de um acordo de pagamento.
1.2. – Proferido o despacho a que alude o nº 4, do artº 222º-C do CIRE, e efectuadas as citações determinadas pelo artº 37º do mesmo diploma legal, veio o administrador judicial provisório nomeado apresentar a lista provisória de créditos ,  e  , a 5/9/2018, pelo DEVEDOR A foi atravessado nos autos o ACORDO DE PAGAMENTO, nos termos e para efeitos do nº2, do artº 222º-F do CIRE, ou seja, para a partir da respectiva publicação no portal Citius correr o prazo de votação de 10 dias.
1.3. – Junto aos autos o documento com o resultado da votação [ elaborado pelo administrador judicial provisório, nos termos e para efeitos dos nºs 4 e 5, do artº 222º-F do CIRE ], e conclusos os autos para o efeito, foi em 2/10/2018 proferida DECISÃO de encerramento do processo, sendo a mesma do seguinte teor :
“(…)
Nos presentes autos de processo especial para acordo de pagamento em que é devedor A, o administrador judicial provisório veio informar a conclusão do processo negocial, comunicando que apresentaram voto favorável ao plano apresentado credores que perfazem 49,72% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto e contra um credor que representa 50,28%.
O processo para acordo de pagamento é encerrado na sequência de comunicação do administrador judicial provisório a dar conta da inexistência de acordo ou do ultrapassar do prazo de negociações. Não tendo sido obtida a maioria necessária (alíneas a) e b) do n° 3 do art. 222°-F do CIRE) para a aprovação do plano temos de concluir pela inexistência de acordo.
Com esta comunicação o administrador judicial provisório deveria juntar parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, na afirmativa, requerer a declaração de insolvência (artigo 222°-G do CIRE).
Na situação vertente, apesar do Sr. Administrador não tomar posição quanto à conclusão da votação nem quanto à situação do devedor, face à inexistência de maioria para aprovação do acordo de pagamento, deve encerrar-se este processo.
Pelo exposto, o tribunal decide declarar encerrado o presente processo negocial nos termos do art. 222°-G do CIRE.
Custas a suportar pelo devedor.
Notifique o administrador judicial provisório para juntar parecer sobre se o devedor se encontra em situação de insolvência e, na afirmativa, requerer a declaração de insolvência (artigo 222°-G n° 4 do CIRE).
Barreiro, d.,s “
1.4. – Notificado do despacho identificado em 1.3., atravessou então nos autos o devedor A e em 4/10/2018 , requerimento dirigido ao Exmº juiz titular do processo, no mesmo informando não ser correcta a informação prestada pelo administrador judicial provisório no tocante à votação final do ACORDO DE PAGAMENTO [ de 49,72% e de 50,28%, respectivamente a favor e contra , pois que apenas por lapso não foi considerado/contabilizado pelo administrador judicial o voto favorável de um outro credor e cujo crédito representa cerca de 5,86 % ], concluindo assim que em rigor e na verdade foi o ACORDO DE PAGAMENTO aprovado, logo, importa REFORMAR a decisão judicial de  2/10/2018  e, consequentemente, ser proferida decisão que “homologue o plano de pagamento aprovado pelos credores, nos termos do artigo 222°-F, n° 5,  do CIRE, com todas as legais consequências “.
1.5. – Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1.4., foi então proferida decisão em 11/10/2018, sendo a mesma do seguinte teor:
“(…)
Notificado da recusa de homologação do plano veio o devedor alegar que não foi considerado o voto do credor B, que no âmbito do universo dos credores reconhecidos do Devedor, representa cerca de 5,86%, mostrando-se o plano de pagamento devidamente aprovado.
Ora, da lista de credores apresentada em 27,06.2018, a qual por não ter sido impugnada converteu-se em definitiva - cfr. art.222º-D, nº 4, do CIRE- resulta que nem sequer for relacionado como reconhecido o crédito de B, pelo que não poderia o voto ser considerado para efeitos de aprovação do plano.
Se o entendimento do devedor é que este crédito tinha de ser reconhecido e se tratou de lapso do administrador, então teria que impugnar a lista provisória o que não fez.
Pelo exposto nada há a reparar na decisão já tomada.”
1.6.- Apresentado [ em 12/10/2018 ] pelo administrador judicial provisório o parecer  [ nele pugnando pela estado de insolvência do devedor ] a que alude o nº 4, do artigo 222°-G, do CIRE, foi em 16/10/2018 determinada a remessa dos autos à distribuição, como acção especial de insolvência, e , concomitantemente, ordenada a notificação do devedor A para , em 5 dias, querendo, em cinco dias, apresentar plano de pagamentos nos termos do disposto nos artigos 249.º e seguintes ou requerer a exoneração do passivo restante nos termos do disposto nos artigos 235.º e seguintes do CIRE.
1.7. - No seguimento da notificação indicada em 1.6, atravessou nos autos [ em 23/10/2018 ] o devedor A instrumento de interposição de APELAÇÃO [ tendo por objecto a decisão identificada em 1.3. ], formulando nas suas alegações, as seguintes conclusões:
1. No dia 22/05/2018, o Recorrente procedeu à respectiva apresentação a um processo especial para acordo de pagamento (doravante "PEAP"), comunicando que pretendia dar início às negociações conducentes à aprovação de um acordo de pagamento, nos termos do art.° 222.°-A e seguintes do CIRE.
2. Por despacho de 28/05/2018, o Tribunal a quo declarou aberto o PEAP e nomeou o administrador judicial provisório.
3. Seguiram-se as negociações próprias entre o Recorrente e os respectivos credores e, por requerimento de 28/09/2018, o senhor administrador judicial provisório comunicou aos autos que o plano de pagamentos tinha sido votado favoravelmente por 49,72% e desfavoravelmente por 50,28% da totalidade dos votos emitidos.
4. Consequentemente, o Tribunal a quo, por sentença de 02/10/2018, concluiu pela inexistência de acordo por falta de maioria necessária para a sua aprovação.
5. Por requerimento de 04/10/2018, o Recorrente informou o Tribunal a quo que, contrariamente à informação remetida pelo senhor administrador, o plano tinha sido devidamente aprovado, uma vez que, para além dos votos elencados pelo senhor administrador, também o credor B tinha votado favoravelmente o plano de pagamentos e que só por lapso do senhor administrador não tinha este voto favorável sido tomado em consideração.
6. O Recorrente juntou aos autos a comunicação enviada pelo referido credor ao senhor administrador (cfr. Doc. n.° 1 junto com requerimento do Recorrente de 04/10/2018 ).
7. O crédito do referido credor B , perfazendo o valor de €20.000,00, concederia a maioria necessária para a aprovação do plano de pagamentos.
8. Não obstante, por despacho de 11/10/2018, o Tribunal a quo entendeu que, pelo facto daquele credor não constar da lista provisória de credores de 27/06/2018, não poderia o respectivo voto ser considerado para efeitos de aprovação do plano.
9. O presente recurso tem, assim, por objecto a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 02/10/2018 - e, inerentemente, o consequente despacho de 11/10/2018 - que decidiu não homologar o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente por não ter sido alegadamente obtida a maioria necessária para a sua aprovação, o que o Recorrente considera consubstanciar uma errada aplicação da Lei.
 10. O PEAP inicia-se com a apresentação, pelo Devedor, de requerimento, nos termos do qual comunica a sua manifestação de vontade e a de pelo menos um dos seus credores de estabelecerem negociações conducentes à conclusão de acordo de pagamento (cfr. art.° 222°-C, n.° 1 e 3 do CIRE).
11. No âmbito do referido requerimento, o Recorrente relacionou, entre os seus credores, o credor B (cfr. art.° 24.°, n.° 1, al. a) do CIRE ex vi art.° 222.°-C, n.° 3, al. b) do CIRE e art° 12.° do requerimento, apresentado em 22/05/2018, constante dos autos).
12. Tendo o credor B e o respectivo crédito sido relacionados pelo Recorrente no respectivo requerimento de apresentação a PEAP, os mesmos eram mais do que do conhecimento de todos os intervenientes nos presentes autos, incluindo do senhor administrador judicial provisório (cfr. art.° 12.°, al. f) e anexo IV do referido requerimento, apresentado em 22/05/2018, constante dos autos).
13. Aliás, foi o credor B que manifestou juntamente com o Recorrente vontade em encetar negociações conducentes à conclusão de acordo de pagamento que possibilitou o início do PEAP (cfr. declaração datada de 08/05/2018, anexa ao requerimento de apresentação a PEAP, apresentado em 22/05/2018, constante dos autos), assumindo-se, assim, condição sine qua non para o início do PEAP, facto este do conhecimento de todos os intervenientes nos presentes autos, nomeadamente do senhor administrador judicial provisório.
14. De notar que o crédito em questão consta, também, do plano de pagamentos remetido pelo Recorrente aos presentes autos, em 05/09/2018.
15. O credor B não foi inserido na lista de credores reconhecidos por mero lapso do senhor administrador judicial provisório.
Senão vejamos
16. O administrador deve apresentar uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista de todos os credores por si não reconhecidos relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação, mas também àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento ( nomeadamente por via do requerimento de apresentação a PEAP ) ( cfr. art.° 129.°, n.° 1 do CIRE ex vi art.° 222°-A, nº 3 do CIRE ).
 17. Ora, o credor B, cuja existência era amplamente do conhecimento do senhor administrador judicial provisório, não foi inserido na lista de credores não reconhecidos, pelo que não pode ser considerado um "credor não reconhecido" para efeitos do CIRE.
18. De facto, os credores não reconhecidos são os credores inseridos na lista de credores não reconhecidos e em relação aos quais o administrador judicial provisório deve indicar os motivos justificativos do não reconhecimento ( cfr. art.° 129.°, n.° 1 e n.° 3 do CIRE ex vi art.° 222.°-A, nº 3 do CIRE ), o que não se verificou nos presentes autos.
19. Além de o crédito não ter sido inserido na lista de credores não reconhecidos e do senhor administrador judicial provisório não ter indicado os motivos justificativos de um alegado não reconhecimento, acresce, ainda, o facto de o credor B não ter sido, até à presente data, avisado do seu alegado não reconhecimento (cfr. art.° 129.°, n.° 4 do CIRE ex vi art.° 222°-A, n.° 3 do CIRE).
20. Sendo que o prazo de impugnação da lista de credores reconhecidos - 10 dias - contar-se-ia a partir do 3 ° dia útil posterior à data da expedição da respectiva carta registada ( cfr. art.° 130.°, n.° 1 e 2 do CIRE ex vi art.° 222.°-A, n.°3, do CIRE),
21. Por conseguinte não colhe o argumento do Tribunal a quo de que o Recorrente deveria ter impugnado a lista provisória de credores reconhecidos, já que, ainda que assim se entendesse - o que não se concede e só se admite por mero dever de patrocínio -, o prazo de impugnação de tal lista provisória ainda nem sequer teria começado a correr, pois não foi, até à presente data, o credor B avisado do seu alegado "não reconhecimento".
22. E não o foi porque o mesmo foi, na verdade, reconhecido.
23. O Recorrente apenas teve conhecimento da não inclusão daquele crédito na lista de credores reconhecidos no momento em que o Tribunal a quo, por sentença de 02/10/2018, entendeu não haver maioria para a aprovação do plano, tendo o Recorrente vindo de imediato (cfr. requerimento de 04/10/2018) informar o Tribunal a quo da existência do voto favorável do credor B.
24. O Tribunal a quo deveria, assim, ter considerado o credor B, bem como os correspondentes direitos de voto.
25. A jurisprudência tem-se mostrado a favor da consideração dos direitos de voto de credores que, apesar de não incluídos na lista de credores reconhecidos, tenham sido referidos no requerimento de início do PEAP.
26. Neste sentido, por exemplo, a douta decisão deste douto Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 28-09-2018 ( proc. n.° 22399/17.0T8SNT.L1 e relatora Dra. Ana Isabel Mascarenhas Pessoa), disponível em www.dgsi.pt: " Sempre se dirá, que tendo o mesmo [ crédito não incluído na lista de credores reconhecidos ] sido referido no requerimento inicial, e resultando das informações da Sra. Administradora que a respectiva não inclusão na lista provisória resulta de um lapso, o que se retira com clareza da circunstância de não ter sido expressamente "não reconhecido", nem o respectivo credor notificado de tal decisão, sempre teria de ver reconhecido o respectivo direito de voto." (sublinhado e negrito nossos)
27. Mais acresce que o lapso em questão foi cometido pelo senhor administrador judicial provisório, o qual foi nomeado com recurso ao sistema informático de nomeação aleatória de administradores judiciais, à revelia da proposta diversa que tinha sido feita na petição inicial pelo Recorrente.
28. O senhor administrador judicial provisório, no âmbito das suas funções, é remunerado (cfr. art.° 32.° ex vi do artº 222.°-C, n.°4 do CIRE).
29. Deverá, agora, o Recorrente sofrer na sua esfera jurídica o resultado da falta de zelo e de diligência do senhor administrador judicial provisório?
30. Impõe-se fazer prevalecer a substância sobre a forma, não se vislumbrando qualquer razão válida que justifique o não reconhecimento do mencionado crédito do credor B e dos correspondentes direitos de voto.
31. Por conseguinte, perfazendo o crédito do referido credor B o valor de €20.000,00 (cerca de 5,86% no âmbito do universo dos credores reconhecidos do Recorrente) e atento o respectivo voto favorável, o plano de pagamento mostra-se devidamente aprovado (al. b) do n.° 3 do art.° 222.°-F do CIRE)!
32. Face ao exposto, pela exclusão do credor B operada pelo Tribunal a quo, a sentença de 02/10/2018 e, inerentemente, o consequente despacho de 11/10/2018, violam as disposições conjugadas dos art° 222.°-F, n.° 2 , 3 , 5 e 130.°, n.° 1 do CIRE.
33. Razão pela qual a sentença de 02/10/2018 deverá ser substituída por outra que considere o credor B, bem como os correspondentes direitos de voto, conforme à correta interpretação das acima referidas normas e, consequentemente, homologue o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, com todas as consequências legais
Nestes termos, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, sendo a mesma substituída por outra que homologue o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, com todas as consequências legais.
Ao julgardes assim, Venerandos Juízes Desembargadores, estareis uma vez mais a fazer a tão COSTUMADA JUSTIÇA!
1.8.- Dos autos remetidos a este tribunal, não resulta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Thema decidendum
1.9. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das  questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as 2 seguintes  :
I) Aferir se deve o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que homologue o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, com todas as consequências legais.
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2. - Motivação de Facto
O circunstancialismo fáctico assente e a atender no âmbito da presente apelação é aquele que resulta da tramitação dos autos e que se mostra explanado no Relatório do presente Acórdão e para o qual se remete,  e ao acresce ainda o seguinte :
2.1. – Do Anexo IV da petição inicial apresentada pelo devedor A, e alusiva à identificação de todos os seus credores, consta a indicação de B, credor de montante de €20.000,00 e sendo o mesmo correspondente a crédito comum referente a mútuos concedidos ao devedor para fazer face a despesas correntes ;
2.2. - Da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório nomeado, nos termos do artº 222º-D, do CIRE, não consta a indicação do crédito de B, no montante de €20.000,00 ;
2.3 - Do acordo de pagamento junto aos autos pelo devedor A, a 5/9/2018, consta a indicação do crédito comum de B, no montante de €20.000,00, devendo o mesmo ser objecto de perdão de 50% e ser pago em 120 prestações ;
2.4. - Do documento com o resultado da votação, que o administrador judicial provisório remeteu ao tribunal [ nos termos do artº 222º-F, nº4, do CIRE ], consta que apenas votaram por escrito os seguintes credores :
I )  A FAVOR DO ACORDO.
a)  Autoridade tributária e Aduaneira ( crédito de €162,43);
b)  Novo Banco,SA ( crédito de €147.556,44) ;
II)  CONTRA O ACORDO.
a) CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS ( crédito de €149.341,79).
2.5.- Dos credores incluídos na lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório, não votaram :
a)  Arrow Global Limited ( crédito de €21.043,67) ;
b)  Hefesto,STC,SA  ( crédito de €3.184,86) ;
c)  NOS Comunicações,SA ( crédito de €161,72) ;
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3.- Motivação de Direito
3.1.- Se deve o despacho recorrido ser revogado, sendo substituído por outro que homologue o plano de pagamentos apresentado pelo Recorrente, com todas as consequências legais
Como decorre do relatório do presente Acórdão, emerge a instância recursória ora em apreciação de processo especial para acordo de pagamento interposto pelo devedor e ora apelante A , o qual, como decorre do disposto no artº 222º-F [ aditado pelo DL n.º 79/2017, de 30 de Junho ] , do CIRE, tem por desiderato que um devedor que não seja  uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, possa estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento.
Ou seja, interpôs o apelante um PEAP, o qual, tal como o PER [ processo especial de revitalização ], trata-se de um processo especial declarativo, judicial mas híbrido e concursal , sendo  Híbrido porque boa parte da sua tramitação é extrajudicial, maxime a fase das negociações, mas não prescinde da intervenção, em momentos cruciais, de um juiz, a quem cabe a nomeação do administrador judicial provisório (n.º 4 do art. 222.º-C), a decisão das impugnações da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório (n.º 3 do art. 222.º-D), a decisão sobre a computação, no cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano, de créditos impugnados (corpo do n.º 3 do art. 222.º-F), a decisão de homologação ou de não homologação do acordo de pagamento (n.º 5 do art.º 222.ºF). (1)
No essencial, e como bem se nota em Ac. do Tribunal da Relação do Porto (2), resulta o PEAP da restrição ( introduzida também  pelo DL 79/2017) do PER às empresas, com a consequente autonomização do regime aplicável às pessoas singulares, pondo assim o legislador fim à controvérsia jurisprudencial e doutrinal sobre a aplicação do PER (na redacção inicial) às pessoas singulares não titulares de empresas, sendo que, do confronto entre os dois processos especiais aludidos, desde logo ressalta “ o facto de o PEAP não pressupor a recuperação do devedor, ao contrário do que acontece no PER, o que se compreende atento o facto de os seus destinatários não serem empresas cuja continuidade depende da possibilidade de economicamente serem recuperáveis “.
Outra característica que outrossim salta à vista do confronto entre os dois processos especiais aludidos, é a de o grosso dos normativos que regulam o PEAP e na sua quase totalidade, se traduzirem num decalque das normas que regulam o PER, ou seja, os dez artigos que compõem e tramitam o PEAP, são quase cópia integral dos – também 10 - que regulam o PER – 17-A a 17-J . (3)
Isto dito,  e explanando em traços largos a tramitação de um  PEAP recorda-se que, recebido o requerimento inicial do processo especial para acordo de pagamento [ o qual, nos termos do artº 222º-C, do CIRE, se traduz numa manifestação de vontade do devedor e de pelo menos um dos seus credores,  de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento ] e, nomeado pelo juiz o administrador judicial provisório [ cfr artº 222º-C, nºs 4 e 5, do CIRE ] , comunica de seguida o devedor  a todos os seus credores que deu início a negociações com vista à elaboração de acordo de pagamento, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso [ cfr artº 222º-D, nº 1, do CIRE ], e nas quais participa o administrador judicial provisório, orientando e fiscalizando o decurso dos trabalhos e a sua regularidade, e nas mesmas devendo assegurar que as partes não adoptam expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais à boa marcha daquelas – cfr artº 222º-D, nº 9, do CIRE.
Por sua vez, após a publicação no portal Citius do despacho judicial de nomeação do administrador judicial provisório, dispõe qualquer credor de 20 dias para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao referido administrador judicial , o qual, e no prazo de cinco dias, deve elaborar uma lista provisória de créditos , lista esta que publicada no portal Citius, pode ser objecto de impugnação [ não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva ]  no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas - cfr artº 222º-D, nºs  2 , 3 e 4 ,  do CIRE.
Por fim, terminadas que sejam as negociações [ as quais devem concluir-se no prazo de 2 meses após o fim do prazo das impugnações das reclamações de créditos - cfr artº 222º-D, nº 5, do CIRE ], 3 possibilidades são conjecturáveis :
a) Uma, a de o devedor ou a maioria - formada nos termos do nº 3, do artº 222-F, do CIRE - dos credores concluir antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou ser ultrapassado o prazo (prazo para a conclusão das negociações encetadas ) máximo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D ;
b) Outra, a de as negociações se concluírem com a aprovação unânime de um acordo de pagamento, no qual intervenham todos os credores do devedor, caso em que deve ele ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz ;
c) Uma terceira, a de as negociações se concluírem com a aprovação de um acordo de pagamento mas sem a formalização de aprovação unânime do mesmo, caso em que é o mesmo pelo devedor remetido ao tribunal, sendo de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, do CIRE, com as devidas adaptações.
Ora, não se aplicando ao caso dos autos as possibilidades supra aludidas em primeiro e segundo lugares,  diz-nos o nº 4, do Artigo 222.º-F , do CIRE, que a “ votação efectua-se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211.º com as necessárias adaptações [ vg. , deve o voto escrito conter a aprovação ou rejeição da proposta  do acordo de pagamento, sendo que qualquer proposta de modificação deste ou condicionamento do voto implica rejeição da proposta ], e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação, que remete de imediato ao tribunal.
Já no tocante ao Direito de voto e à computação das maiorias necessárias à aprovação do plano de pagamentos, e dispondo o nº3, do artº Artigo 222.º-F, do CIRE, que ”sem prejuízo de o juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos”, considerar-se-á   aprovado [ cfr alíneas a e b), do mesmo dispositivo ] o acordo de pagamento que:
a) Seja votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D,  e recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Ou seja, para que o acordo de pagamento possa considerar-se como APROVADO, carece o mesmo de, por um lado, ter merecido o VOTO de credores que representem, pelo menos, 1/3 dos votos (quórum constitutivo) dos créditos relacionados com direito de voto e incluídos na lista de créditos ,  e  , por outro, que tenha o plano conseguido o voto favorável de, pelo menos, 2/3 da totalidade dos votos efectivamente emitidos (quórum deliberativo), sendo que, pelo menos, ½ (metade) desses votos efectivamente emitidos devem corresponder a créditos não subordinados.
Não sendo atingidos os números acabados de explanar, e em alternativa, pode ainda o acordo de pagamento ser objecto de aprovação sem a necessidade da verificação de um qualquer quórum constitutivo , bastando então para o efeito que venha a granjear o voto favorável de credores - com direito de voto e incluídos na lista de créditos  - que representem mais de ½ (metade) dos votos, sendo que, mais de metade destes votos favoráveis devem corresponder a créditos não subordinados.
A propósito da faculdade a que alude o nº3, do artº Artigo 222.º-F , do CIRE, o qual, tal como o correspondente artº 17º-F,nº5, do CIRE ( aplicável ao PER ) , permite ao juiz poder computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos , importa atentar que, e ao contrário do defendido por Carvalho Fernandes e João Labareda (4) [ considerando ambos que importa recusar o poder de o juiz agir ex officio, no âmbito do disposto no artº 17-F,nº3, do CIRE ] e, inclinamo-nos a alinhar com Catarina Serra quando defende não ser necessário para o supra referido efeito que deva o titular do crédito impugnado solicitar ao Juiz titular dos autos que lhe seja conferido o direito de voto .
É que, como bem salienta Catarina Serra (5), existindo uma regra regulando a computação os créditos impugnados, não pode considerar-se que exista uma lacuna e, portanto, a norma do artº 73º, nº4 [ reza o mesmo que “A pedido do interessado pode o juiz conferir votos a créditos impugnados, fixando a quantidade respectiva, com ponderação de todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente da probabilidade da existência, do montante e da natureza subordinada do crédito, e ainda, tratando-se de créditos sob condição suspensiva, da probabilidade da verificação da condição”], aplicável no quadro do processo de insolvência, não tem qualquer papel a desempenhar no PER .
Ademais, acrescenta ainda Catarina Serra (6), a exigência do referido requerimento apenas causaria dificuldades pois que, não estando o juiz presente na votação, o credor teria de calcular a melhor oportunidade para o requerimento, considerando o prazo razoável necessário para uma resposta em tempo útil.
Aqui chegados, importa antes de mais atentar que nenhum reparo nos merece a decisão proferida pelo tribunal a quo e em 11/10/2018 [ a que consta do item 1.5., do presente acórdão ], pois que, ainda que eventualmente oportunos os considerandos explanados pelo apelante no seu requerimento de 4/10/2018, vedado estava à Exmª Juiz titular dos autos “ revogar” a sua decisão anterior e de 2/10/2018, incorrendo em violação de disposição legal [ a do artº 613º,nº1, do CPC ] caso o tivesse feito.
Na verdade, não sendo de aplicar o disposto no nº 2, do artº 616º, do CPC [ porque da decisão a “reformar” é admissível a interposição do competente recurso ], certo é que, nos termos do nº1, do artº 613º, do CPC, uma vez “ Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”, ou seja,  e como há muito explicava José Alberto dos Reis (7), vedado está ao juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu mesmo que passado algum tempo se arrependa, adquirindo então a convicção de que errou, pois que ,para ele, a decisão fica sendo intangível.
O princípio plasmado no artº 613º, do CPC, e como o ensinava José Alberto dos Reis, justifica-se por uma razão doutrinal e por uma outra de ordem programática.
No âmbito da primeira, importa atentar que o juiz, quando decide, cumpre um dever, o dever jurisdicional, e , extinto o referido dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
Já em sede de razão de ordem programática, importa atentar que existe a necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional.
É que, que o tribunal Superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar o despacho, é perfeitamente compreensível.  Mas, que seja licito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.
Ou seja, uma vez proferida uma decisão pelo Juiz, dá-se o imediato esgotamento – rectior, extinção – do poder jurisdicional do juiz , implicando tal extinção e como uma sua consequência inultrapassável, a de passar a estar vedado ao juiz, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada e decidida.
Em suma, da aludida extinção do poder jurisdicional do juiz, e à qual se refere o artº 613º, do CPC, resultam dois inequívocos efeitos : um positivo – traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; um negativo – representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar. (8)
E, em coerência com o disposto no artº 613º, do CPC, e não sendo o mesmo respeitado/acatado, logo acrescenta o subsequente artº 625º, do mesmo diploma legal, que havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, o que vale para as decisões que dentro do mesmo processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
Em face do acabado de expor, e sem necessidade de mais considerações, manifesta é a pertinência e a correcção da decisão proferida pelo tribunal a quo em 11/10/2018, no sentido de não “revogara sua anterior decisão de 2/10/2018 e que determinou o encerramento do processo.
Mas, será que, e com fundamento também nos considerandos pelo apelante já alinhados no seu requerimento de 4/10/2018 [ o qual consta do item 1.4. do presente Acórdão ], justificava-se que tivesse o tribunal a quo decidido de forma diversa aquando da prolação da sua decisão de 2/10/2018, máxime homologando o plano de pagamento, nos termos do artigo 222°-F, n° 5,  do CIRE, com todas as legais consequências ?
Vejamos.
Como esclarece Maria do Rosário Epifânio [ ainda que a propósito da reclamação de créditos deduzida no âmbito de um PER (9)  ], com a reclamação de créditos , procede-se :
- à delimitação do universo de credores que podem participar nas negociações;
-  à delimitação do universo de credores que têm direito a voto;
-  à delimitação do universo de credores que se podem opor ao plano de pagamento;
-  ao apuramento da “ base de cálculo das maiorias necessárias “.
Por sua vez, e em face do disposto nos nºs 3 e 4, do artº 222°-D,   do CIRE, pacifico é que não sendo impugnada a lista provisória de créditos, esta última converte-se de imediato em lista definitiva, contendo e esgotando a mesma o universo elegível (10), ou seja, apenas os créditos na mesma contemplados conferem aos respectivos titulares o direito a votarem o acordo de pagamento, sendo também os mesmos créditos os atendíveis e os determinantes para o apuramento da maioria imprescindível à aprovação do referido  plano de pagamento.
Em face do acabado de expor, e tendo presente a factualidade assente em 2.2, 2.4 e 2.5, prima facie nenhum reparo é merecedor a decisão do tribunal a quo e proferida em 2/10/2018, determinando a mesma o encerramento do processo em razão da não obtenção, após votação, da  maioria necessária [ cfr alíneas a) e b) do n° 3 do art. 222°-F do CIRE ] para a aprovação do plano/acordo de pagamento.
É que, estando o universo dos credores com direito de voto circunscrito aos titulares dos créditos contemplados\descritos na lista definitiva de créditos [ quórum deliberativo], é pacífico que os resultados que resultam dos itens de facto nºs 2.4. e 2.5., ficaram aquém das  maiorias exigidas pelas alíneas a) e b), do nº 3, do artº 222.º-F, do CIRE, para efeitos de aprovação de acordo de pagamento.
Não se olvida que, e tal como decorre do item de facto nº 2.2. , da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial provisório nomeado, nos termos do artº 222º-D, do CIRE, não consta a indicação do crédito de B , no montante de €20.000,00, quer como crédito reconhecido, quer ainda como crédito não reconhecido, não tendo assim e em rigor sido observado o disposto no artº  cfr. art.° 129.°, nºs 1 a 3,do CIRE .
Porém, porque como bem o salientam Salazar Casanova e Sequeira Dinis (11), a quase identidade literal entre a lista provisória do PER e a lista provisória de credores prevista no artigo 154º, do CIRE, permite concluir que não pretendeu o legislador aproximar a primeira da lista de credores reconhecidos previstos no artigo 129º, então o que se exigia ao administrador judicial provisório é que da lista provisória de créditos a que se refere o nº 2 , do artº 222°-D, do CIRE, tivesse feito constar todos os créditos que constassem da contabilidade do devedor ou fossem do seu conhecimento, bem como todos os créditos reclamados, ainda que não os reconhecesse . (12)
Acresce que, complementam Salazar Casanova e Sequeira Dinis, só incluindo na lista provisória todos os créditos supra referidos, que não apenas os reconhecidos, se permite que todos os credores conheçam as pretensões de todos os reclamantes e sobre elas se pronunciem, o que não sucederia se o administrador omitisse os créditos que não reconhecia, caso em que os respectivos credores poderiam impugnar a lista e, a final, discutir os seus créditos sob menor - ou mesmo total ausência de – escrutínio por parte dos restantes credores.
Ou seja, porque a  lista de créditos é essencial e relevante na votação do plano de pagamento, podendo e devendo os credores reclamantes – tal como o próprio devedor, como interessado – impugná-la, vg com base na exclusão do seu crédito, quer por simples omissão do administrador judicial provisório, quer também por haver discordância relativamente à tempestividade da reclamação (13), então  a justificar-se um qualquer juízo de reprovação com fundamento na inexistência de qualquer impugnação [ e consequente desconsideração do voto do titular do crédito ignorado] , o mesmo só pode/deve ser dirigido ao próprio credor reclamante prejudicado [ porque, também o credor a que se refere o nº1, do artº 222-C, do CIRE, não está dispensado de reclamar o seu crédito (14) ] ou ao próprio devedor , e com base no velho, mas ainda actual, principio da auto-responsabilidade das partes [ do qual decorre que a negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz – cfr. Manuel Domingues de Andrade (15).
É certo que, como vimos supra, e nos termos do nº3, do artº 222.º-F ,do CIRE, pode o juiz ex officio computar no cálculo das maiorias os créditos que tenham sido impugnados se entender que há probabilidade séria de estes serem reconhecidos, ou seja e em rigor, integrar no universo de credores com direito de voto um credor cujo crédito não conste ainda da lista definitiva.
Ocorre que, a aludida faculdade, porque de natureza excepcional [ consubstanciando assim e em rigor a primeira parte do nº3, do artº 222.º-F ,do CIRE, uma norma excepcional, porque estabelece um regime contrário ao regime-regra expressamente fixado ], não comporta assim a aplicação analógica [ cfr.  artº 11, do Código Civil ], logo, vedado estava ao Juiz titular dos autos [ no pressuposto de a não inclusão pelo administrador judicial provisório do credito de B na lista provisória se ter ficado a dever a mero lapso ] utilizá-la como fundamento para integrar o voto do credor NUNO G. R. no apuramento da  base de cálculo da maioria necessária à aprovação de acordo de pagamento.
De resto, como bem ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (16), o recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei [ que in casu não existe ], isto é, pressupõe que uma determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espirito da lei, existindo uma omissão de regulamentação.
Por outra banda, sendo verdade que uma norma excepcional admite já uma interpretação extensiva [cfr.  artº 11, do Código Civil ],  porque mais não faz esta última do que reconstruir a vontade legislativa já existente , para uma relação que só por inexacta formulação dessa vontade parece excluída (17), a respectiva admissibilidade pressupõe que, por via interpretativa, se conclua que o legislador “minus dixit quam voluit”, ou seja, não podem/devem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo.
Ora, sendo o legislador claro, expresso e categórico em circunscrever aos créditos que tenham sido impugnados [ logo, prima facie os créditos incluídos pelo administrador judicial provisório na lista provisória de créditos a que aludem os nºs 2 e 3, do artº 222.º-D ,do CIRE ] , a possibilidade de o juiz os computar no cálculo das maiorias [ na linha de resto com a vontade legislativa já manifestada nos artºs 17-F,nº3 e 73º,nº4, ambos do CIRE ] , e , ainda assim, apenas quando considere existir uma probabilidade séria de os mesmos serem reconhecidos, pertinente não é [ em face do disposto no artº 9º, nºs 1, 2 e 3, do CC ] considerar que foi o legislador inexacto no âmbito da formulação da sua vontade , vg que ficou aquém do seu espírito, dizendo menos do que queria.
Em conclusão, e em última análise, não padece assim a DECISÃO apelada e de 2/10/2018 [ que determinou o encerramento do processo em face da não aprovação de acordo de pagamento ] de qualquer error in judicando e, consequentemente, não se impõe a sua revogação, antes merece ser confirmada.
Ou seja, a apelação improcede.
                                      *
5. - Decisão
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, na 6ª Secção Cível, em , julgando improcedente a apelação de B, manter/confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
                                                ***
(1) Cfr. Jorge Manuel Leitão Leal , Juiz Desembargador, in O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), Algumas considerações, em sede de trabalho apresentado no âmbito do I Curso de Pós-Graduação em Direito da Insolvência, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 2017, e actualizado em razão da entrada em vigor da Lei n.º 8/2018, de 02.3, que aprovou o regime extrajudicial de recuperação de empresas (RERE), Lisboa, Março de 2018
(2) De 11/7/2018 e proferido no Proc. nº 2408/17.3T8STS.P1, estando disponível in www.dgsi.pt .
(3) Cfr. Jorge Manuel Leitão Leal, ibidem, pág.9.
(4) In CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Júris-Sociedade Editora, págs. 168.
(5) In O Processo especial de revitalização na jurisprudência , 2016, Almedina, pág. 84.
(6) Ibidem.
(7) In CPC anotado,Vol. V, 1984, pág. 126 e segs .
(8) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-04-2012, Proc. nº 116/11.8T2VGS.C1, e in www.dgsi.pt.
(9) In Processo Especial De Revitalização, 2015, Almedina, pág. 46.
(10) Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª Edição, 2015, Quid Júris-Sociedade Editora, págs. 168.
(11) In PER, O Processo Especial De Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I, do CIRE, Coimbra Editora, 2014,pág 73.
(12) Neste sentido se pronuncia também Fátima Reis Silva, in  Processo Especial De Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência recente,2014, Porto Editora, pág. 40.
(13) Cfr Salazar Casanova e Sequeira Dinis, ibidem, pág 76/77.
(14) Cfr. Maria do Rosário Epifânio [ in Processo Especial De Revitalização, 2015, Almedina, pág. 45] e Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9-05-2013, Proc. nº 2134/12.0TBCLD-B.L1-2, e in www.dgsi.pt.
(15) In Noções Elementares de Processual Civil, Coimbra Editora, 1979,pág. 378.
(16) In CC Anotado,Vol. I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.48.
(17) Cfr Francesco Ferrara, in Interpretação e aplicação das leis, 4ª edição, tradução de Manuel Domingos de Andrade, Coimbra, 1987, pág. 162.
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LISBOA, 10/1/2019
                
António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)
Cristina Isabel dos Santos C.F. Neves ( 2ª Adjunta)