Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5169/12.9TTLSB.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
FORMALIDADES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: SUMÁRIO:

1- Pela entidade empregadora foi mantido o regulamento que estabelecia que os cargos de chefia eram exercidos em regime de isenção de horário de trabalho.
2- O trabalhador, ao celebrar os acordos relativos ao exercício de cargo de chefia em regime de comissão de serviço, sabia que os mesmos tinham como pressuposto o regime de isenção de horário, pelo que a celebração dos referidos acordos implicou a aceitação da isenção de horário de trabalho que passou, desta forma, a integrar o contrato de trabalho.
3- Ao trabalhador assiste o direito à retribuição por isenção de horário ao abrigo do disposto no art. 50º da LCT e no art. 256º do CT de 2003.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório

AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o INAC-Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P.[1], pedindo a condenação do R. no pagamento da quantia de 81.291,22 a título de subsídios de isenção de horário de trabalho, acrescida de juros de mora legais e juros compulsórios.
Para tanto, alegou, em síntese, que em 23.02.2000 foi admitido ao serviço do réu mediante contrato de trabalho e, desde 2 de Março de 2000 até 11 de Março de 2008, exerceu funções de chefia em regime de comissão de serviço e de isenção de horário de trabalho sem ter auferido  subsídios de isenção de horário de trabalho.
O réu contestou, sustentando que não pagou os subsídios de isenção de horário de trabalho reclamados, porque não foram cumpridos os requisitos formais exigidos para a atribuição deste complemento remuneratório.
Em sede de excepção, invocou a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos.
O autor respondeu, pugnando pela improcedência da referida excepção peremptória.
No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de prescrição.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Pelos Tribunal a quo foram considerados provados os seguintes factos :

1º Em 23 de fevereiro de 2000 autor e réu subscreveram o documento intitulado Contrato Individual de Trabalho (sem termo), junto de fls. 30 a 31 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:
Entre INAC () e AA (), é celebrado o presente Contrato de Trabalho, por tempo indeterminado, nos termos e condições seguintes:
1. O segundo contratante obriga-se a prestar os seus serviços profissionais ao primeiro contratante na carreira I, técnico superior, categoria II, superior II, escalão B, nível 21, no exercício de funções emergentes da respetiva categoria e no desempenho das atribuições que lhe forem conferidas sob a autoridade e direção deste;
2. O local de trabalho será na sede do Instituto na Rua B, Edifícios 4, 5 e 6, Aeroporto de Lisboa, 1749-034 Lisboa;
3. O contrato é celebrado por tempo indeterminado com início em 23 de fevereiro de 2000;
4. A remuneração a pagar pelo primeiro contratante ao segundo será a que corresponde ao nível da sua inserção no quadro do Instituto na carreira I, técnico superior, categoria II, superior II, escalão B, nível 21 a que corresponde Esc: 416.000$00, nos termos do Regime Retributivo e do Regulamento de Carreiras do Instituto;
5. O período de trabalho é de 35 horas semanais distribuídas de segunda a sexta-feira e o horário é praticado no estabelecimento em que presta a sua atividade ou em local diverso, aquando designado para missões fora do mesmo ();
2º Em 30 de Janeiro de 2001 o conselho de administração do réu deliberou manter em vigor o regulamento de horário de trabalho da direção-geral da aviação civil publicado no diário da república, II série, nº 183, de 9 de Agosto de 1990;
3º Em 5 de julho de 2002 autor e réu subscreveram o documento intitulado Acordo Relativo ao Exercício de Cargos em Regime de Comissão de Serviço junto de fls. 43 a 44 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:
Entre AA (...) e Instituto Nacional de Aviação Civil-INAC (), é celebrado o presente acordo para o exercício de funções de órgão de estrutura, em regime de comissão de serviço, nos termos do D.L. nº 404/91, de 16 de Outubro, aditado pela Lei nº 118/99, de 11 de Agosto e do Capítulo III do Regulamento de Carreiras do INAC, aprovado pelo despacho conjunto nº 38/2000, datado de 28 de Outubro de 1999 e publicado na II série do DR nº 11 em 14 de Janeiro de 2000.
1ª O primeiro outorgante exercerá as funções correspondentes ao cargo de chefe de departamento de recursos materiais (TOE III), em regime de comissão de serviço, nos termos do Capítulo III do despacho supramencionado;
2ª A comissão de serviço produzirá os seus efeitos à data de 02/03/00 com a duração de três anos, sendo automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se o Conselho de Administração ou o primeiro outorgante comunicar à outra parte, até 30 dias antes da data do termo da comissão de serviço, a vontade de não proceder à renovação ();
4º Em 17 de março de 2003 autor e réu subscreveram o documento intitulado Acordo Relativo ao Exercício de Cargos em Regime de Comissão de Serviço junto de fls. 45 a 46 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:
Entre AA (...) e Instituto Nacional de Aviação Civil-INAC (), é celebrado o presente acordo para o exercício de funções de titular de órgão de estrutura, em regime de comissão de serviço, nos termos do D.L. nº 404/91, de 16 de Outubro, aditado pela Lei nº 118/99, de 11 de Agosto e do Capítulo III do Regulamento de Carreiras do INAC, aprovado pelo despacho conjunto nº 38/2000, datado de 28 de Outubro de 1999 e publicado na II série do DR nº 11 em 14 de Janeiro de 2000.

1ª O primeiro outorgante exercerá as funções correspondentes ao cargo de chefe de departamento de serviços gerais (TOE III), em regime de comissão de serviço, nos termos do Capítulo III do despacho supramencionado;
2ª A comissão de serviço produzirá os seus efeitos à data de 12/03/03 com a duração de três anos, sendo automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se o Conselho de Administração ou o primeiro outorgante comunicar à outra parte, até 30 dias antes da data do termo da comissão de serviço, a vontade de não proceder à renovação ();
 5º Em 14 de março de 2006 autor e réu subscreveram o documento intitulado Acordo Relativo ao Exercício de Cargos em Regime de Comissão de Serviço junto de fls. 47 a 49 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:
Entre AA (...) e Instituto Nacional de Aviação Civil-INAC  (), é celebrado o presente acordo para o exercício de funções de órgão de estrutura, em regime de comissão de serviço, nos termos dos artigos 244º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de agosto e do Capítulo III do Regulamento de Carreiras do INAC, aprovado pelo despacho conjunto nº 38/2000, datado de 28 de Outubro de 1999 e publicado na II série do DR nº 11 em 14 de Janeiro de 2000.

1ª O primeiro outorgante exercerá as funções correspondentes ao cargo de chefe de projeto de infra-estruturas tecnológicas, em regime de comissão de serviço, a partir de 12 de março de 2006, nos termos do Capítulo III do despacho acima mencionado, sendo remunerado pelo nível TOE III ();
2ª A comissão de serviço terá a duração de um ano, sendo automaticamente renovável por iguais períodos, salvo se o Conselho de Administração ou o primeiro outorgante comunicar à outra parte, até 30 ou 60 dias antes da data do termo da comissão de serviço, conforme prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha durado, respetivamente, até dois anos ou por período superior, a vontade de não proceder à renovação ();
6º Na sequência da subscrição dos acordos referidos em 3º, 4º e 5º o autor desempenhou funções de chefe de departamento e de projeto no INAC desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008;
7º O autor desempenhou as funções referidas em 6º, ininterruptamente, em regime de isenção de horário de trabalho;
8º Desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008 o autor trabalhou, em regra, mais de 7 horas diárias;
9º Desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008 o réu não pagou ao autor
quantias a título de trabalho suplementar;
10º IF remeteu ao presidente do conselho diretivo do réu, que a recebeu, a carta datada de 4 de Maio de 2009, junta de fls. 76 a 86 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;
11º Em 18 de Maio de 2009 a direção-geral da administração e do emprego público  (dgaep) emitiu o parecer junto de fls. 89 a 90 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, do qual consta, designadamente:
() Em resposta ao ofício acima referenciado, que acompanhava um requerimento da Dra. IF, cumpre-me informar V. Exa. do seguinte:
Presumindo que a situação de isenção de horário da trabalhadora foi legalmente constituída, com observância do disposto no artigo 13º do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 398/91, de 16 de Outubro e pela Lei nº 61/99, de 30 de Junho, esta Direção Geral considera que, até 31 de Dezembro de 2008, assiste à trabalhadora o direito à retribuição especial prevista, primeiro no artº 14º, nº 2 do Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro e, depois, no artigo 256º, nº 2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 3º e 88º, da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, a trabalhadora requerente transitou para o regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, com efeitos reportados à data de entrada em vigor deste diploma (1 de Janeiro de 2009, como previsto no artigo 23º da parte preambular).
Não obstante esta transição, o direito à retribuição assiste também à trabalhadora a partir de 1 de Janeiro de 2009, como de seguida se justifica, transcrevendo entendimento já sustentado por esta Direção Geral ();
12º Em 28 de Julho de 2009 o chefe do departamento de recursos humanos do réu emitiu o parecer junto de fls. 91 a 94 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos do qual consta, designadamente:
() Propõe-se superiormente que o INAC, I.P. proceda, a partir de Agosto/2009, ao pagamento da isenção de horário de trabalho a todos os trabalhadores que atualmente exercem funções de dirigente intermédio (1º e 2º grau) até ao final das respetivas comissões de serviço, nos termos do disposto no artº 256º, nº 2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, por força do parecer da DGAEP e dado que esta norma vigorava à data da constituição das comissões de serviço ();
13º Na sequência do parecer referido em 12º, em 30 de Julho de 2009 o conselho diretivo do INAC aprovou a deliberação junta de fls. 95 a 96 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente:
() o C. D. deliberou, por unanimidade, que, tendo em conta a interpretação contida no parecer supra mencionado e desde que se verifique a existência de disponibilidade orçamental e respetiva cabimentação, deverão ser processados, a partir do vencimento do mês de Agosto, a todos os atuais dirigentes os subsídios mensais correspondentes ao valor mínimo previsto na lei, a título de complemento remuneratório, até que sejam revistos ou extintos ();
Quanto ao requerimento apresentado pela Dra. IF, no âmbito do qual requer a este Conselho Diretivo que lhe seja comunicada a decisão sobre o seu pedido, após ter tido conhecimento do teor do parecer da DGAEP, deliberou este Conselho Diretivo, e mais uma vez na sequência do mencionado parecer, que analisa casuisticamente o caso desta dirigente, uma vez que o seu requerimento foi remetido àquela Direcção-Geral, que tendo a mesma solicitado o pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos, com efeitos retroativos, deverão os mesmos ser pagos nos termos solicitados, verificadas que estejam as condições de disponibilidade e de cabimento orçamental ();
14º Em 17 de Dezembro de 2009 o conselho diretivo do INAC aprovou a deliberação junta de fls. 98 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente:
() Na sequência da Informação nº 155/DGR/RH/2009, de 26 de Novembro, o C.D. tomou conhecimento do ponto de situação quanto ao apuramento dos créditos laborais reclamados pelos colaboradores do INAC, I.P., que se encontra a ser efetuado pela Direção de Gestão de Recursos/Departamento de Recursos Humanos, referente ao suplemento de isenção de horário de trabalho, tendo deliberado proceder à regularização do pagamento de suplemento de isenção de horário de trabalho a todos os atuais dirigentes do INAC, I.P. relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2009 a 31 de Julho de 2009 ();
15º Na sequência da deliberação referida em 14º, o réu pagou retroativos do suplemento de isenção de horário de trabalho a todos os seus dirigentes, desde o mês de
janeiro de 2009 até 31 de julho de 2009;
16º O autor remeteu ao presidente do conselho diretivo do réu, que a recebeu, a carta datada de 21 de agosto de 2009, junta a fls. 103 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos, da qual consta, designadamente:
() tendo tomado conhecimento que em 31 de julho de 2009, na reunião de Diretores,
o Conselho Diretivo anunciou que tinha deliberado a atribuição do subsídio de isenção de horário aos dirigentes a partir de 20 de Agosto de 2009.
Nestes termos, vem o requerente a V. Exa., o pagamento dos retroativos referentes ao subsídio de isenção de horário, uma vez que foi nomeado, em regime de comissão de serviço, na reunião do Conselho de Administração, na sessão ordinária de 28 de fevereiro de 2000, Chefe de Departamento de Recursos Materiais, a partir de 2 de março de 2000 até 1 de março de 2003. Em reunião do Conselho de Administração, na sessão ordinária nº 9/2003, de 11 de março de 2003, foi nomeado Chefe de Departamento de Serviços Gerais, a partir de 12 de março de 2003 até 11 de março de 2006. Em reunião do Conselho de Administração, na sessão ordinária nº 8/2006, de 14 de março de 2006, foi nomeado Chefe de Projeto de Infra-Estruturas Tecnológicas, a partir de 12 de março de 2006 até 11 de março de 2008, altura em que cessou a sua comissão de serviço ();
17º O autor remeteu ao vice-presidente do conselho diretivo do réu, que a recebeu, a carta datada de 23 de fevereiro de 2011, junta a fls. 104 cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos;
18º IF iniciou funções de dirigente no réu, como chefe do departamento de consultoria e contencioso da direção de assuntos jurídicos, em 31 de Março de 2000;
19º Desde 31 de Março de Março de 2000 até 31 de Julho de 2009 IF
desempenhou as funções descritas em 18º em regime de isenção de horário de trabalho;
20º Na sequência da deliberação referida em 13º, em Agosto de 2009, o réu pagou a IF retroativos do suplemento de isenção de horário de trabalho referentes ao período compreendido de 31 de Março de 2000 até 31 de Julho de 2009;
21º No âmbito do processo nº 1720/11.0TTLSB, do 2º Juízo, 2ª secção deste tribunal, FMLRLB, reclamou do réu o pagamento de subsídios de isenção de horário de trabalho, correspondentes ao período compreendido entre 2 de Março de 2000 e 31 de Dezembro de 2008;
22º FMLRLB desempenhou funções de dirigente no réu, em regime de
comissão de serviço e de isenção de horário de trabalho, desde 2 de Março de 2000 até 31 de Dezembro de 2008;
23º O processo judicial referido em 21º[2] terminou com a prolação, em 12 de Setembro de 2011, de sentença homologatória de transação junta pelas partes;
24º Desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008 o autor auferiu ao serviço do réu as seguintes quantias a título de retribuição base:
- anos de 2000 e 2001: 3.117,49;
- anos de 2002, 2003 e 2004: 3.322,12;
- ano de 2005: 3.395,21;
- ano de 2006: 3.446,14;
- ano de 2007: 3.497,83;
- ano de 2008: 3.571,28;
25º No ano de 2011 o réu foi alvo de fiscalização pela Inspeção-Geral das Finanças que, entre outros assuntos, incidiu sobre o pagamento do suplemento de isenção de horário de trabalho aos titulares de cargos de chefia e direção e concluiu que: a atribuição de retroativos de isenção de horário de trabalho àquela dirigente (IF) bem como o seu pagamento aos restantes dirigentes em exercício, não tinha suporte legal, configurando-se como pagamentos sem norma legal habilitante ();
26º Em resposta ao relatório de auditoria referido em 25º, o réu remeteu à IGF o
documento junto de fls. 322 a 340[3] cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos.

Com base nestes factos, a Exmª juiz a quo proferiu a seguinte decisão:
«Julgo a ação parcialmente procedente e condeno INAC-Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P. a pagar a AA, a quantia global de 80.736,25, acrescida de juros de mora computados à taxa de 4% desde a data do vencimento de cada uma das prestação até integral pagamento.
Custas a cargo do autor e réu na proporção dos respetivos decaimentos que fixo, respetivamente, em 1/3 e 2/3 (artº 527º do NCPC)».

O R. recorreu desta sentença e formulou as seguintes conclusões:
(…)

O recorrido apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
(…)

A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre proferir decisão, com dispensa de visto da Exª Juiz 2ª Adjunta.
                                               *
II- Importa apreciar no âmbito do presente recurso:
- As condições de validade do regime de isenção de horário de trabalho;
- A atribuição ao recorrido de retribuição, a título de isenção de horário de trabalho, designadamente por força do princípio para trabalho igual salário igual.
                                               *
III-Apreciação  

Em primeiro lugar, cumpre referir que as conclusões das alegações delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem( art. 639º do CPC de 2013)
Vejamos, então, se a sentença ( proferida no dia 04.12.2013) que atribuiu  ao ora recorrido retribuição a título de isenção de horário de trabalho merece reparo.
Os factos provados são os acima indicados.
O período em causa está compreendido entre 2 de Março de 2000 a 11 de Março de 2008, pelo que não cumpre aplicar ao caso em apreço, ao contrário do que defende o recorrente, a lei nº 59/2008, de 08.09.
Conforme resulta do disposto no art. 21º, nº1 dos Estatutos do recorrente anexos ao diploma que o criou ( DL nº 133/98[4], de 15.05), o recorrido estava sujeito ao regime jurídico do contrato individual do trabalho, com as especialidades previstas nos referidos Estatutos e seus regulamentos.
Os créditos reclamados pelo recorrido respeitam ao período anterior ao CT de 2003 e ao período de vigência deste diploma.
O Decreto-Lei nº 409/71, de 27 de Setembro ( na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 398/91, de 16/10 e pela lei nº 61/99, de 30.06) estipulava sob o art. 13º:
« 1- Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades empregadoras, os trabalhadores que se encontrem nas seguintes situações:
a)- Exercício de cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização;
b)- Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;
c)- Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
2- Os requerimentos de isenção do horário de trabalho, dirigidos ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados.
3- Aos requerimentos referidos no número anterior é aplicável o disposto nos nºs 5 a 7 do art. 10º.»
O art. 50º da LCT estabelecia o direito a uma retribuição especial para os trabalhadores isentos de horário de trabalho.
Discutia-se na jurisprudência se a autorização do IGT constituía uma formalidade ad substantiam para a validade e eficácia do regime de isenção de horário de trabalho ( por estarem em causa interesses de natureza pública) ou se o acordo entre as partes era vinculativo ( neste sentido, Acórdão do STJ de 08.02.2001, www.dgsi.pt).
Neste domínio concordamos com a posição perfilhada no Acórdão do STJ de 13.09.2006,www.dgsi.pt que considerou que a autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do Trabalho configurava como uma formalidade ad substantiam para a validade e eficácia daquele regime de isenção.
No caso em apreço não resulta que tal autorização tenha sido pedida, mas tal não terá como consequência a invalidade do regime de isenção de trabalho.
Com efeito, conforme refere o Acórdão desta Tribunal da Relação de 11.09.2013 ( inédito) - processo n.º 408/12.9TTLSB.L1 : «Por outro lado, não havia sujeição a autorização da IGT, nos termos do regime geral constante do art.º 13.º da LDT porquanto, de acordo com o disposto pelo art.º 2.º do DL 102/2000, de 2/6, a IGT apenas tinha competência para exercer a sua acção junto da “administração pública central, directa e indirecta, e local incluindo institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados ou de fundos públicos” em matéria respeitante à promoção e controle do cumprimento da legislação relativa à segurança, higiene e saúde no trabalho e a matéria de isenção de horário não se enquadra directamente nessa previsão».
O Acórdão desta Relação de 18.06.2014 ( www.dgsi.pt )  perfilhou o mesmo entendimento, ao apreciar uma situação similar à dos presentes autos e ao concluir : «  Ora, a ser assim, essa ausência de comunicação e autorização por parte daquele organismo estatal perde qualquer relevância jurídica na economia dos autos».
O CT de 2003 veio alterar o regime jurídico da isenção de trabalho e estabeleceu sob os arts. 177º e 178º:
Artigo 177º
 Condições de isenção de horário de trabalho
1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
 a) Exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos;
 b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;
 c) Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
2 - Podem ser previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho para além das indicadas nas alíneas do número anterior.
 3 – O acordo referido no n.º 1 deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho.
 Artigo 178.º
 Efeitos da isenção de horário de trabalho
1 — Nos termos do que for acordado, a isenção de horário pode compreender as seguintes modalidades:
a) Não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho;
b) Possibilidade de alargamento da prestação a um determinado número de horas, por dia ou por semana;
 c) Observância dos períodos normais de trabalho acordados.
 2 -Na falta de estipulação das partes o regime de isenção de horário segue o disposto na alínea a) do número anterior.
3 - A isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, nem ao descanso diário a que se refere o n.º 1 do artigo 176.º , excepto nos casos previstos no n.º 2 desse artigo.
 4 -Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 176.º deve ser observado um período de descanso que permita a recuperação do trabalhador entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.

 Deste regime ressalta a necessidade de acordo escrito.

Ora, no caso em apreço, resulta do ponto nº 2 dos factos provados que em 30 de Janeiro de 2001 o conselho de administração do réu deliberou manter em vigor o regulamento de horário de trabalho da direcção-geral da aviação civil publicado no diário da república, II série, nº 183, de 9 de Agosto de 1990.
Este regulamento estabelecia que ao pessoal dirigente e de chefia, embora isento de horário de trabalho, é aplicável a obrigatoriedade de prestação mínima de 35 horas de trabalho semanal ou equivalente mensal.
Resulta ainda dos factos provados, sob 6º a 9º :
 « 6º Na sequência da subscrição dos acordos referidos em 3º, 4º e 5º o autor desempenhou funções de chefe de departamento e de projeto no INAC desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008;
7º O autor desempenhou as funções referidas em 6º, ininterruptamente, em regime de isenção de horário de trabalho;
8º Desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008 o autor trabalhou, em regra, mais de 7 horas diárias;
9º Desde 2 de março de 2000 até 11 de março de 2008 o réu não pagou ao autor
quantias a título de trabalho suplementar».
O recorrente manteve, desta forma, o regulamento que estabelecia que os cargos de chefia eram exercidos em regime de isenção de horário de trabalho.
O recorrido, ao celebrar os acordos relativos ao exercício de cargo de chefia em regime de comissão de serviço, sabia que os mesmos tinham como pressuposto o regime de isenção de horário, pelo que a celebração dos referidos acordos implicou a aceitação da isenção de horário de trabalho que passou, desta forma, a integrar o contrato de trabalho, não sendo necessária, na nossa perspectiva, a menção, de novo, de tal isenção no acordo de comissão de serviço de 14 de Março de 2006 ( celebrado ao abrigo do CT de 2003).
Mesmo que se entenda que era necessária tal menção, a conduta do recorrente  ao instituir o regime de isenção de horário de trabalho que vigorou de 2 de Março de 2000 até 11 de Março de 2008, nos termos acima indicados e ao invocar, posteriormente, a falta de acordo escrito configura uma situação de abuso de direito, nos termos previstos no art. 334º do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos da boa-fé ( vide Acórdão desta Relação de 18.06.2014 acima indicado).
Refere o recorrente que o Regulamento prevê que os dirigentes estão isentos de horário de trabalho, mas não prevê o pagamento do subsídio de isenção de horário.
Quanto a estes aspecto, consideramos que ao recorrido assiste o direito à retribuição por isenção de horário ao abrigo do disposto no art. 50º da LCT e no art. 256º do CT de 2003.
Entendemos ainda que destes preceitos, em conjugação com os demais normativos acima indicados, resulta que o pagamento da retribuição de horário de trabalho não está em desconformidade com a lei, pelo que inexiste violação do disposto no art. 22º do DL nº 155/92, de 28.07.
A situação descrita não configura uma “mera dispensa de cumprimento de horário de trabalho” e a retribuição do trabalho prestado em regime de isenção de horário de trabalho deverá ser efectuada de acordo com as regras do contrato individual de trabalho que regulam as relações entre as partes.
Concordamos ainda com o Tribunal a quo quando refere que deverá ser reposta a paridade retributiva com a trabalhadora IF.
O  princípio para trabalho igual salário igual ( consagrado no art. 59º, nº1, a) da Constituição da República Portuguesa) não exige que o trabalho prestado ao empregador seja igual, sendo suficiente que o trabalho prestado seja de valor igual.
O art. 23º, nº1 do CT de 2003 ( tal com o art. 25º, nº1, do CT de 2009) proíbe a entidade empregadora da prática de actos de discriminação.
De acordo com o disposto no art. 32º, nº2 c) da lei nº 35/2004, de 29 de Julho, deverá ser considerado trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade. Trabalho de valor igual será aquele que corresponde a um conjunto de funções, prestadas ao mesmo empregador, consideradas equivalentes atendendo, nomeadamente, às qualificações ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado ( alínea d) deste último preceito legal).
O recorrido e IF exerciam cargos de chefia e dentro das mesmas condições de trabalho nos aspectos que ora nos ocupam o trabalho era prestado em comissão de serviço e em regime isenção de horário de trabalho dentro do mesmo quadro normativo.
Ou seja, também pela via da paridade retributiva assistia razão ao recorrido.
Improcede, assim, o recurso de apelação.
                                                    *
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.


Lisboa, 25 de Março de 2015

Francisca Mendes
Maria Celina de J. de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos

[1] Actualmente, com a seguinte designação: Autoridade Nacional da Aviação Civil.
[2] Na decisão consta por lapso : “ o processo judicial referido em 20º”.
[3] Em vez de fls. 322 a 340 dever-se-á ler  fls. 362 a  380, de acordo com a rectificação da paginação.
[4]  Este diploma foi parcialmente revogado pelo  DL nº 145/2007, de 27.04  que manteve no seu art. 11º, nº1 a aplicação ao pessoal do INAC o regime do contrato de trabalho.  A  portaria nº 543/2007, de 30.04. veio, no desenvolvimento do DL nº 145/2007, a aprovar os Estatutos do recorrido.

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