Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7637/17.7T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Conjugando-se o disposto no art.º 33.º n.º 4 do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, com o disposto no art.º 323.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, conclui-se que a apresentação de pedido de nomeação de patrono tendo em vista a instauração da ação respetiva, interrompe o prazo prescricional que esteja em curso, decorridos que sejam cinco dias, desde que não seja imputável ao autor a eventual ulterior demora na instauração da ação.
II. Quando o facto ilícito (ação ou omissão) é continuado, o prazo de prescrição previsto no n.º 1 do art.º 483.º do Código Civil não se inicia enquanto ele decorre ou, quando muito, a prescrição apenas afetará as consequências danosas imputáveis ao facto anteriores ao triénio que antecede a instauração da demanda.
III. Na avaliação da litigância de má-fé, haverá que reconhecer à parte alguma margem na seleção dos factos que considera relevantes para a definição da situação em que se baseia para sustentar a ação, admitindo-se que esta omita factos que embora possam, aparentemente, contrariar a bondade da sua pretensão, na verdade possa considerar-se que são irrelevantes e apenas contribuem para onerar a causa com a produção de prova desnecessária – sobretudo se os RR. tiverem conhecimento, no essencial, desses factos e poderem, se o quiserem fazer, trazê-los ao processo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 29.3.2017 Cristina apresentou perante os juízos locais cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa petição de ação declarativa de condenação com processo comum contra Maria Teresa, José, Fernanda e Orlando.
A A. alegou, em síntese, ser afilhada e herdeira testamentária de Gracinda (…), falecida em 28.10.2015. A sua falecida madrinha era arrendatária da fração correspondente ao 1.º esquerdo de um edifício (que identificou) pertencente aos RR., em Lisboa, sendo estes os senhorios. A madrinha da A. estava acamada e totalmente dependente de terceiros, em virtude de sequelas de dois AVC, tendo sido interditada, por sentença transitada em julgado em 21.02.2008, e tendo a ora A. sido nomeada a sua tutora. Devido à situação de dependência de Gracinda (…), a ora A. foi viver com ela, em economia comum, na dita fração, desde finais de 2011. Porém, devido a sérios problemas na instalação elétrica do edifício e à queda de parte do estafe do tecto da cozinha, por onde entravam baratas e outros insetos, e uma vez que os RR., devidamente alertados e intimados, não faziam as necessárias obras, a A. foi forçada, em finais de outubro de 2013, a mudar de residência com a sua madrinha, para o efeito arrendando uma fração (que identificou) também em Lisboa, ficando a A. obrigada a suportar integralmente uma renda mensal de € 550,00, desde novembro de 2013 a abril de 2016. A A. viu, assim, ser ilicitamente violado o seu direito a uma habitação condigna, com o que sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
A A. concluiu pedindo que os RR. fossem condenados a pagarem-lhe:
a) Uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no valor de € 16 500,00;
b) Uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, em montante não inferior a € 3 000,00.
Os R. contestaram, alegando a prescrição do direito da A., negando que esta tivesse residido e vivido em economia comum com a dita inquilina e que a casa padecesse da invocada inabitabilidade. Alegaram que a A., à data dos factos invocados, era arrendatária do r/c direito do prédio onde morava Gracinda (…). À cautela, invocaram abuso de direito por parte da A..
Os RR. concluíram a contestação pugnando pela sua absolvição do pedido e pela condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
A A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da prescrição arguida e impugnando os documentos juntos pelos RR.. Para tal, quanto à prescrição, defendeu que esta fora interrompida pela apresentação, perante a Segurança Social, de requerimento de nomeação de patrono e, além disso, a conduta imputada aos RR. era omissiva e manteve-se ao longo do tempo.
A pedido dos RR., a A. veio esclarecer que não punha em causa a genuinidade dos documentos que os RR. haviam juntado, mas tão só o seu valor probatório quanto aos factos alegados pelos RR.
Notificada para exercer o contraditório face a uma eventual condenação como litigante de má-fé, a A. veio admitir que era arrendatária do r/c direito do dito prédio, onde viviam o seu companheiro e as suas duas filhas, mas reafirmou que, devido ao grau de dependência da madrinha, fora viver em economia comum com esta, pois o dito r/c direito, que só tinha três divisões, não reunia condições para acolher ambas. E, face a tudo isto e à inabitabilidade da casa arrendada pela madrinha, de que os RR. eram senhorios, vira-se forçada a arrendar o outro andar referido. Assim, a A. não omitiu qualquer facto relevante ou essencial para a decisão da causa, devendo o pedido de condenação da A. como litigante de má-fé ser julgado improcedente.
Em 11.6.2019 foi proferido saneador-sentença, no qual, após se considerar que o direito da A. se encontrava prescrito e que a A. litigara com má-fé, se emitiu o seguinte dispositivo:
Nestes termos e pelo exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo os Réus do pedido.
Condeno a Autora, por litigância de má fé, nos termos do disposto nos artigos 542.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b) e 543.º do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais, em multa que fixo em duas Unidades de Conta e em indemnização aos Réus no valor total de 1008 (mil e oito) Euros.
Custas pela Autora, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, atentando-se que beneficia de Apoio Judiciário.
Nos termos do disposto nos artigos 296.º, 297.º, n.º 1 e 306.º todos do Código de Processo Civil, fixo como valor da presente acção o do pedido, 19.500 Euros (dezanove mil e quinhentos Euros).
A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I. A A., e ora Recorrente, intentou, em 29 de Março de 2017, a acção de condenação contra os RR., e ora Recorridos, no pagamento de uma indemnização, a título de danos patrimoniais, no valor de € 16 500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), nos termos do disposto no art. 483º do Código Civil, e, a título de danos não patrimoniais, em montante não inferior a € 3000,00 (três mil euros), tendo apresentado pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamentos de custas e de nomeação de patrono, a fim de instaurar acção cível no 20 de Outubro de 2016 e tendo-lhe sido nomeada Patrona por Ofício datado de 24 de Fevereiro de 2017;
II. Fundamentando a sua pretensão no facto de, com a sua conduta omissiva, os RR. serem os responsáveis pelo agravamento do mau estado da fracção e da deterioração das condições de habitabilidade tornando insustentável a permanência da A. e da arrendatária na habitação;
III. Levando a A. a mudar de residência com a sua madrinha acamada e num estado de grande debilidade;
IV. A arrendar a fracção sita na Rua da Infantaria (…) R/c esquerdo, em Lisboa, para esse fim;
V. E a suportar integralmente o pagamento de uma renda mensal de € 550 (quinhentos e cinquenta euros), desde Novembro de 2013 a Abril de 2016, no valor total de € 16 500,00.
VI. Os RR. invocaram a prescrição alegando que a A. tinha conhecimento dos factos desde Outubro de 2013;
VII. E veio o Tribunal a quo Despacho Saneador-Sentença, e ora em apreço, veio a Meritíssima Juiz a quo decidir que “…à data da propositura da presente acção tinham já decorrido três anos desde o conhecimento pela Autora dos factos em que funda a responsabilidade civil dos Réus, inexistindo qualquer causa de interrupção ou suspensão desse prazo, pelo que se mostra prescrito o alegado direito a indemnização da Autora.
VIII. E tendo por fundamento que “Nos termos do disposto no artigo 498.º, nº 1 do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”;
IX. Acrescentando que “Da própria exposição factual da Autora na Petição Inicial resulta que pelo menos desde Outubro de 2013 teve conhecimento do direito que pretende alegar na presente acção, não relevando para o início e decurso do prazo a conduta dos Réus, nomeadamente se a mesma se manteve ou não ao longo do tempo, mas nos termos legais, quando o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
X. Ora, salvo o devido respeito por diverso entendimento, o pressuposto relevante para o prazo prescricional da norma constante do art. 498º nº 1 do Código Civil é o do conhecimento do direito;
XI. E não resultando da Petição Inicial que a A. tenha tido conhecimento do direito que lhe assistia em Outubro de 2013, antes sim do facto (omissivo) ilícito e dos seus responsáveis; nem tendo os RR. logrado provar, de acordo com o ónus da prova que sobre eles impendia, os factos extintivos do direito invocado, nos termos do disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil, pelo que, o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou por errada interpretação a norma constante do art. 498º nº 1 do Código Civil.
XII. Acresce que, a Meritíssima Juiz a quo, ao julgar procedente a excepção peremptória invocada, nos termos em que o fez, absolvendo os RR./Recorridos da totalidade do pedido quanto aos danos patrimoniais, não considerou que a conduta omissiva e continuada dos RR., e ora Recorridos, foi causando um dano, em cada mês que a A. suportou a renda, no valor mensal de € 550,00, pelo que, em relativamente aos danos que se foram verificando mês após mês, o prazo de prescrição só começaria a contar a partir do momento em que a A. tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos;
XIII. Pelo que não estaria prescrito o direito à indemnização pela totalidade dos danos patrimoniais causados à A. pelos RR., nos termos em que foram pedidos pela Recorrente, não devendo a excepção peremptória invocada ter procedido como foi decidido no Despacho Saneador-Sentença, violando, por errada interpretação, a norma constante do art. 498º nº 1 do C.C.
XIV. Na Decisão ora recorrida, foi a A. condenada em litigância de má fé, tendo o Tribunal a quo ponderado os factos alegados pelas partes, nomeadamente, na Petição Inicial e na Contestação, fundamentando a Meritíssima Juiz a quo tal decisão no facto de a A. não ter referido na Petição Inicial de que era titular de um contrato de arrendamento respeitante a uma fracção no mesmo prédio em que a sua madrinha era arrendatária, e que “Omitiu de forma deliberada tais factos, uma vez que funda a sua pretensão na alegada vivência em economia comum com Gracinda (…).”
XV. E acrescenta a Meritíssima Juiz “Face a todo o exposto, entendemos que a Autora deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e omitiu deliberadamente elementos relevantes para a decisão da causa que eram do seu conhecimento, ciente da sua conduta…”.
XVI. Neste ponto, a A. não pode concordar com tal entendimento, uma vez que assentou a sua pretensão, não apenas no facto de viver em economia comum com a sua madrinha, de quem era tutora, conforme documento junto à Petição Inicial.
XVII. Mas sobretudo no facto de, em consequência da conduta dos RR. de não procederem às obras necessárias a assegurar as condições mínimas de habitabilidade e segurança na fracção de que a sua madrinha era arrendatária e residia;
XVIII. A A. se ver obrigada, em finais de Outubro de 2013, a mudar de residência com a sua madrinha, D. Gracinda, acamada e num estado de grande debilidade;
XIX. E a suportar a A. o custo do respectivo arrendamento, conforme documentos juntos à Petição Inicial;
XX. Não tendo, deste modo, a A. tido qualquer intenção de omitir factos que considerasse relevantes para a apreciação e decisão da causa.
XXI. Também não se conforma com a Decisão de a condenar “… em duas Unidades de Conta e em indemnização aos Réus no valor total de 1008 (mil e oito) Euros;
XXII. Uma vez que, a Meritíssima Juiz a quo, ao fundamentar a condenação da A. no entendimento de que “Uma vez que os Réus suportaram a taxa de justiça devida pela dedução de Contestação e, atendendo ao Apoio Judiciário de que a Autora beneficia, não terá de suportar o reembolso da mesma a título de custas de parte (artigos 4.º, n.º 7 e 26.º, nº 6 do Regulamento das Custas Processuais), entendemos justo e adequado que a indemnização aos Autores compreenda esse valor.”, fez uma interpretação contrária ao que dispõe a norma contida no art. 26º nº 6 do Regulamento das Custas Processuais que dispõe em sentido inverso ao entendimento da Meritíssima Juiz a quo: “Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das InfraEstruturas da Justiça, I.P.”; (sublinhado nosso);
XXIII. E em consequência, ao decidir como decidiu, a Meritíssima Juiz fez uma errada interpretação do disposto no art. 26 nº 6 do Regulamento das Custas Processuais;
XXIV. Impondo uma condenação indevida da A., em sede de litigância de má fé, tendo em consideração que os RR. têm o direito a serem reembolsados das taxas de justiças pagas, através do IGFEJ, devendo esta Decisão constante do Despacho Saneador-Sentença ser alterada e, em consequência, ser a A. absolvida da litigância de má fé, mormente do pagamento de uma indemnização que compreenda as taxas de justiça pagas pelos RR.
A apelante terminou pedindo que o saneador-sentença fosse alterado em conformidade com o exposto no recurso.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 663.º n.º 2, 608.º e 635.º n.º 4 do CPC).
Assim, neste recurso as questões a apreciar são as seguintes: prescrição do direito da A.; litigância de má-fé.
Primeira questão (prescrição do direito da A.)
Além do supra descrito no Relatório supra, está demonstrado nos autos o seguinte factualismo:
1. Tendo em visto a propositura desta ação, em 20.10.2016 a ora A. apresentou à Segurança Social requerimento de proteção jurídica, nas modalidades de nomeação e pagamento da compensação de patrono e de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2. Tal pedido foi integralmente deferido pela Segurança Social, por decisão proferida em 24.02.2017.
3. Em 24.02.2017 a Ordem dos Advogados comunicou à ora A. e à sua Exm.ª patrona a nomeação desta para o indicado patrocínio.
4. A presente ação deu entrada em juízo em 29.3.2017.
5. Os RR. foram citados em 18.9.2017 e em 25.9.2017.
6. Nesta ação a A. alega que, em virtude de os RR. não cuidarem do andar que haviam dado de arrendamento à madrinha da A., com quem a A. residia, esta viu-se obrigada a mudar-se, com a madrinha, em finais de outubro de 2013, para um outro andar, que arrendou, passando a suportar integralmente o valor da respetiva renda mensal, desde novembro de 2013 a abril de 2016; com a permanência no locado em condições deploráveis e com a mudança para outra residência, com a madrinha num estado de saúde débil, a A. sofreu um profundo desgaste, danos psicológicos e emocionais.
O Direito
A simples passagem do tempo pode ter reflexos na vigência das obrigações jurídicas. Assim, o seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei pode determinar a prescrição de determinados direitos (n.º 1 do art.º 298.º do Código Civil), a qual concede ao respetivo beneficiário, em regra o devedor, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito (artigos 303.º e 304.º n.º 1 do Código Civil). A razão de ser deste instituto pode encontrar-se numa multiplicidade de fundamentos, realçando-se o desvalor atribuído a quem descura os seus direitos, fazendo presumir que os não exercerá e deixando consolidar situações de facto assentes nesse não exercício, avultando então preocupações de proteção da certeza e segurança jurídicas (cfr., v.g., Manuel Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 6.ª reimpressão, 1983, páginas 445 e 446; Vaz Serra, “Prescrição e caducidade”, BMJ 105, páginas 32 e 33; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2.ª reimpressão, Coimbra Editora, pp. 375 e 376).
Uma vez decorrido o prazo previsto na lei para a prescrição, mesmo que não questione a existência da dívida, pode, pois, o devedor recusar-se ao pagamento, invocando a prescrição.
Cabe, pois, ao respetivo beneficiário a opção pela invocação da prescrição, que não é de conhecimento oficioso (art.º 303.º do CC).
A prescrição constitui uma exceção perentória, um facto obstativo do exercício de um direito (art.º 493º n.º 3 do CPC). Como tal, quem a invoca tem o ónus de provar os respetivos elementos constitutivos (art.º 342.º n.º 2 do Código Civil).
Assim, recai sobre o devedor o ónus da alegação e prova do início e decurso do prazo prescricional.
A lei reconhece efeito suspensivo ou interruptivo da prescrição a factos ou situações que arredam ou atenuam as consequências da suposta negligência do credor ou titular do direito.
Assim, estipulando-se no art.º 323.º n.º 1 do Código Civil que a prescrição se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, no n.º 2 do mesmo artigo se estabelece que [s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Por outro lado, no n.º 4 do mesmo artigo explicita-se que “[é] equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
A interrupção opera, pois, mediante ato judicial através do qual se dá a conhecer ao devedor a intenção de exercício do direito. E, nos termos do n.º 2 do art.º 323.º, ficciona-se essa comunicação (citação ou notificação) ao devedor, decorrido o prazo de cinco dias após ela ter sido requerida, se ela não se tiver concretizado nesse prazo “por causa não imputável ao requerente”.
Conforme a A. invocou perante a primeira instância e ora reiterou na apelação (conclusão I), a A., devido à sua insuficiência económica, antes da instauração da ação peticionou apoio judiciário, incluindo a nomeação de patrono.
Ora, o art.º 33.º da Lei n.º 34/2004, de 29.7, que (com as alterações publicitadas) prevê o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (RADT), tem a seguinte redação:
Prazo de propositura da acção
1 - O patrono nomeado para a propositura da acção deve intentá-la nos 30 dias seguintes à notificação da nomeação, apresentando justificação à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores se não instaurar a acção naquele prazo.
2 - O patrono nomeado pode requerer à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores a prorrogação do prazo previsto no número anterior, fundamentando o pedido.
3 - Quando não for apresentada justificação, ou esta não for considerada satisfatória, a Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores deve proceder à apreciação de eventual responsabilidade disciplinar, sendo nomeado novo patrono ao requerente.
4 - A acção considera-se proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
O direito fundamental à jurisdição, consagrado no art.º 20.º da CRP, pressupõe a proibição da denegação da justiça por insuficiência de meios económicos (parte final do n.º 1 do art.º 20.º da CRP).
A natural demora, inerente à tramitação procedimental necessária à implementação do apoio judiciário, coloca em posição desfavorável as pessoas carecidas de recursos económicos, face à corrida contra o tempo que o decurso de prazos de caducidade ou de prescrição, por vezes assaz curtos, lhes imponha.
Tal manifesta-se, com frequência, na área dos conflitos laborais, em que o trabalhador que pretenda reclamar os seus créditos após a cessação da relação de trabalho, tem um ano para o fazer, sob pena de prescrição desses direitos (art.º 337.º n.º 1 do Código do Trabalho).
Assim, conjugando-se o disposto no art.º 33.º n.º 4 do RADT, com o disposto no art.º 323.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, conclui-se que a apresentação de pedido de nomeação de patrono tendo em vista a instauração da ação respetiva, interrompe o prazo prescricional que esteja em curso, decorridos que sejam cinco dias, desde que não seja imputável ao autor a eventual ulterior demora na instauração da ação.
O tribunal a quo divergiu deste entendimento, bastando-se, para tal, com a citação do Exm.º Conselheiro Salvador da Costa. Com efeito, na sua obra O Apoio Judiciário, após defender que o aludido preceito era aplicável à exceção de caducidade do direito de ação, o ilustre autor já o arreda quanto à prescrição, exarando que “[c]omo o pedido de nomeação do patrono para o autor propor a ação não envolve a citação ou a notificação do réu a que reporta o n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, o prazo de prescrição do direito que dela seja objeto não se interrompe, nem se suspende entre a data do pedido de apoio judiciário e a data da apresentação em juízo da respetiva petição inicial” (cfr. 9.ª edição, 2013, Almedina, p. 198).
Ora, a verdade é que as aludidas razões de proteção do direito fundamental à jurisdição, de que beneficiam as pessoas economicamente carecidas, tanto se aplicam às situações de caducidade como às de prescrição de direitos, não se lobrigando razões bastantes para distinguir onde o legislador não distinguiu.
Note-se que a posição expressa pelo ilustre Conselheiro na aludida obra diverge daquela que defendeu, durante anos, perante tal preceito, que existe desde os primórdios do regime jurídico do apoio judiciário, nas suas diversas formulações legislativas (cfr. art.º 34.º, n.º 3, do revogado Dec.-Lei n.º 387-B/87, de 29.12; Salvador da Costa, Apoio Judiciário, 1990, Rei dos Livros, p. 87; O Apoio Judiciário, 3.ª edição, 2001, Almedina, p. 155 – citando as obras que temos na nossa posse).
Encontra-se alguma jurisprudência no sentido propugnado pelo tribunal a quo (cfr. Relação de Coimbra, 06.11.2008, processo 399/07.8TTLRA.C1 -em www.dgsi.pt e, com o mesmo relator, Rel. Coimbra, 07.12.2011, CJ XXXVI, t. 5, p. 76, idem na Coletânea de Jurisprudência on-line, referência 8640/2011; Rel. de Lisboa, 30.11.2011, processo 235/10.8 TTLSB.L1-4, em www.dgsi.pt).
A posição não restritiva, para a qual propendemos, é, contudo, claramente maioritária: cfr, v.g., STJ, 24.11.2004, 04S1902; STJ, 24.5.2006, CJSTJ, XIV, t. 2, p. 68, também Coletânea de Jurisprudência on-line, referência 7952/2006; STJ, 29.11.2006, 06S1956; Rel. do Porto, 09.5.2007, 0646850; Rel. de Coimbra, 02.3.2011, 1279/08.5TBCBR-B.C1; TCA Sul, 25.10.2012, 09183/12; STJ, 17.4.2013, 36/12.9TTPRT.S1; Rel. do Porto, 01.7.2013, 704/12.5TTOAZ.P1; Rel. de Lisboa, 07.10.2015, 439/11.5TTLRS.L1-4; Rel. de Guimarães, 12.7.2016, 1708/15.4T8VRL.G1; Rel. do Porto, 12.9.2016, 2220/15.4T8VLG.P1; Rel. de Lisboa, 08.02.2017, 2961/12.8TTLSB.L2-A; Rel. do Porto, 08.01.2018, 8158/16.0TVNG.P1; STJ, 12.9.2018, 8158/16.0T8VNG.P1.S1; Rel. de Évora, 14.3.2019, 49/14.6TTFAR.E1; STJ, 10.4.2019, 440/18.9T8MTS.S1; Rel. de Lisboa, 27.5.2020, 1/19.5T8LRS.L1-4).
Exposto isto, haverá que averiguar, no caso destes autos, quando começou a correr o prazo prescricional.
Não oferece dúvida que a presente ação tem por objeto uma pretensão indemnizatória, assente em responsabilidade civil por facto ilícito.
Rege, com pertinência para esta ação, o n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil:
Prescrição
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
…”
Conforme se dá nota em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 375 (anotação de Gabriela Páris Fernandes) quanto à expressão “teve conhecimento do direito que lhe compete”, para uns (Vaz Serra, Ribeiro de Faria) ela significa que o início da contagem do prazo prescricional pressupõe que o lesado tome consciência do seu direito, não bastando o conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade, ou seja, o facto ilícito, a culpa, o dano e a relação de causalidade entre o facto e o dano; para outros (Antunes Varela, Almeida Costa), é suficiente que o lesado se torne conhecedor da existência, em concreto, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, ainda que do ponto de vista intelectivo, desconheça, por ignorância da lei, a existência do seu direito.
A jurisprudência tem-se orientado por esta última posição, de configuração mais objetiva (cfr., v.g., STJ, 23.6.2016, processo 54/14.2TBCMN-B.G1.S1; STJ, 23.5.2019, 8057/13.8TBBRG.G1.S1; STJ, 12.9.2019, 2036/16.8T8STR.E1-A.S1).
Quanto aos danos causados pelo facto ilícito, a circunstância de ainda não serem conhecidos na totalidade ou de eventualmente estes ainda não se terem produzido na íntegra, não obsta ao início do prazo da prescrição (neste sentido, vide, v.g., a jurisprudência supracitada).
A razão apontada para a curta duração dos prazos de prescrição impostos nesta matéria é a dificuldade da prova, habitualmente testemunhal (cfr., v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em geral vol. I, 8.ª edição, 1994, p. 638; Gabriela Páris Fernandes, Comentário…, ob. cit., pp. 374 e 375). Por outro lado, quanto aos danos, a lei proporciona condições amplas para o lesado obter em juízo o reconhecimento de danos subjetiva ou objetivamente supervenientes (cfr. artigos 564.º n.º 2, 565.º, 567.º e 569.º do CC; 556.º n.º 1 al. b), do CPC).
Sem prejuízo de, dentro dos limites do prazo ordinário de prescrição (art.º 309.º do CC), o lesado requerer a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha conhecimento dentro dos três anos anteriores (A. Varela, ob. cit., p. 640; na jurisprudência, v.g., STJ, 22.02.2009, 180/2002.S2).
Mas poderá estar em causa um facto ilícito continuado.
Num caso em que os proprietários de um terreno agrícola demandaram, em 2016, os proprietários de um terreno vizinho que, desrespeitando uma servidão de passagem, teriam, desde 2003, impedido o acesso dos AA. ao seu terreno, pedindo estes a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização correspondente aos rendimentos que haviam sido impedidos de auferir com a exploração do seu imóvel, a primeira instância julgou procedente a exceção de prescrição deduzida pelos RR.. A Relação, julgando a subsequente apelação parcialmente procedente, revogou a decisão relativamente à parte que absolveu os RR. “do pedido de indemnização quanto aos danos sofridos no período de três anos decorridos até cinco dias, após a propositura da ação, devendo a ação prosseguir para o seu conhecimento”. Interposta revista, o STJ, por acórdão proferido em 21.6.2018, revogou o acórdão da Relação, repristinando a decisão da 1.ª instância (processo n.º 1006/15.0T8AGH.L1.S1).
Para o STJ, “[o] começo do prazo da prescrição, a que se refere o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, conta-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização”, e “ [f]ixando-se o termo inicial no conhecimento do direito à indemnização, é irrelevante a natureza continuada do facto, sob pena de redundar na dilatação do início do prazo da prescrição, contrária ao propósito tido em vista pelo legislador.”
A solução diversa se chegou no acórdão do STJ, de 18.4.2002, processo 02B950. Aí, relativamente a um pedido de indemnização deduzido pela compradora de uma fração autónoma contra quem, durante vários anos, e com o conhecimento da A., ocupara indevidamente o imóvel, considerou-se que a prescrição só afetava o período anterior ao triénio que antecedera a propositura da ação. Ponderou-se que “o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Donde decorre que, em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito (designadamente se este é, como na situação em apreço, um facto continuado) o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos. É que, sem qualquer dúvida, as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado”. Daí que, acrescentou-se, “os danos alegadamente sofridos pela autora não se verificaram na globalidade pelo simples facto da ocupação do prédio pelos réus em 6 de Maio de 1992. Em cada dia de ocupação um novo dano terá ocorrido. Daí que dos danos sofridos pela ocupação do prédio no dia 20 de Agosto de 1993 a autora só nessa data teve conhecimento, porque só então surgido, tal como do dano verificado pela ocupação em 21 de Agosto só houve conhecimento da autora nessa mesma data, e assim sucessivamente até à cessação da ocupação.”
Também relativamente aos prejuízos (perda de rendimentos) causados pela continuada ocupação ilícita de um imóvel, a Relação de Lisboa, em acórdão proferido a 02.7.2009 (processo 387/08-6) ajuizou que a prescrição do direito à correspondente indemnização por parte do proprietário não afetava o triénio anterior à propositura da ação.
Por sua vez a Relação de Guimarães, num caso de persistente omissão de obras num prédio vizinho, que provocara continuadas infiltrações na habitação da A., desde cinco anos antes da propositura da ação, considerou totalmente improcedente a invocada prescrição, por não se ter considerado possível fazer uma destrinça temporal do momento em que vinham ocorrendo os diversos danos considerados provados (acórdão de 25.01.2018, processo 369/13.7TBPRG.G1). No mesmo sentido, em caso semelhante, decidiu a Relação de Guimarães, em acórdão de 23.10.2012, processo 5108/08.1TBBRG.
Temos para nós que quando o facto ilícito (ação ou omissão) é continuado, o prazo prescricional não se inicia enquanto ele decorre ou, quando muito, a prescrição apenas afetará as consequências danosas imputáveis ao facto anteriores ao triénio que antecede a instauração da demanda. As dificuldades probatórias do facto ilícito e das suas consequências não se verificam enquanto o facto e os respetivos danos persistirem. E mal estaria o Direito e a Justiça se, decorridos três anos após o início da conduta danosa, o agente ficasse livre de a continuar, sem lhe sofrer as consequências (pelo menos do ponto de vista da responsabilidade civil, sabido que, ao nível da responsabilidade criminal, nos crimes permanentes e nos crimes continuados o prazo de prescrição do procedimento criminal só corre desde o dia em que cessa a consumação ou desde o dia da prática do último ato - art.º 119.º do Código Penal).
Revertendo ao caso destes autos.
A A. imputa aos RR. uma conduta continuada, que consiste na omissão da realização das obras necessárias à habitabilidade do locado (cfr. art.º 486.º do Código Civil). Essa conduta terá persistido, relevantemente, até à morte da arrendatária, ocorrida em 28.10.2015 (data em que teria caducado o contrato de arrendamento). Assim, seria a partir dessa data que começaria a correr o prazo prescricional. A esta luz, o prazo de prescrição ainda estaria a correr, seja aquando da apresentação do pedido de nomeação de patrono (20.10.2016), seja aquando da apresentação da petição inicial em juízo (29.3.2017).
Admitamos que se considere que, relativamente ao alegado comportamento omissivo dos RR., se destaca um momento, que é o da saída do locado por parte da A., com a locatária, assim passando a satisfazer a sua necessidade de habitação, em condições de segurança e de salubridade. A partir daí a A. teria tido conhecimento do seu direito e dos danos patrimoniais que daí advinham, que eram a renda que iria pagar. Já nesse momento estaria em condições de reclamar dos AA. a respetiva indemnização, nomeadamente a título de danos futuros (art.º 564.º n.º 1 do CC). Dir-se-ia, assim, que o prazo prescricional do direito da A., à luz do por si alegado, teria começado a correr em novembro de 2013, data em que se teria iniciado a despesa com o novo arrendamento. A prescrição ocorreria, assim, em 01.11.2016. Ora, tendo a A. solicitado a nomeação de patrono, no âmbito do apoio judiciário, em 20.10.2016, a prescrição ter-se-ia interrompido em 25.10.2016.
Em suma, não se pode proferir, desde já, decisão quanto à prescrição do direito da A., por haver que apurar os factos e as datas da sua ocorrência, atenta a impugnação deles feita pelos RR.
Nesta parte, pois, a apelação é procedente.
Segunda questão (litigância de má-fé)
Nos termos do disposto no art.º 542.º n.º 2 do Código de Processo Civil, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A atual redação do preceito, introduzida no anterior CPC pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12 (onde era o art.º 456.º), visou, conforme resulta do seu texto e se explicita no preâmbulo daquele diploma, “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, consagrar “expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos”.
Como bem se recorda no acórdão do STJ de 16.5.2019 (processo n.º 6646/04.0TBCSC.L1.S2, a litigância de má fé é um instituto que visa sancionar e, portanto, combater a “má conduta processual”. A conduta sancionada consubstancia-se na dedução de pretensão ou oposição cuja falta ou fundamento não podia ser ignorada, na alteração ou omissão da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, na omissão grave do dever de cooperação ou no uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Os fins aí perseguidos são a boa administração da justiça, o respeito pelo tribunal, a credibilidade da atividade jurisdicional (cfr. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pp. 452-454).
Pese embora o alargamento do tipo subjetivo da conduta sancionável, que, além do dolo, abarca atualmente comportamentos gravemente negligentes, o comportamento em causa deve, obviamente, acarretar, face aos objetivos do processo, seriedade relevante. Quanto à alínea a) do n.º 2 do art.º 542.º, exige-se a dedução de pretensão ou a apresentação de oposição sem fundamento, tout court, isto é, ao fim e ao cabo, pretensão ou defesa que sejam, em concreto, absolutamente infundadas (cfr. Paula Costa e Silva, ob. cit., pp. 393 a 398). Daí, também, que a falta de verdade (al. b) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC) deva recair sobre “factos relevantes para a decisão da causa”, ou seja, factos essenciais ou principais, suscetíveis de influenciar a decisão por determinação da matéria de facto (cfr. Paula Costa e Silva, ob. cit., pp. 354, 355, 399). Por outro lado, a violação do dever de cooperação pressupõe uma omissão grave (al. c) do n.º 2 do art.º 542.º). Haverá que analisar o art.º 7.º n.º 1 do CPC: “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” A cooperação está ordenada à breve e justa composição do litígio (cfr. Paula Costa e Silva, ob. cit., pp. 408 a 410), pelo que a omissão de cooperação, do lado da parte, deverá ser suscetível de afetar esse desiderato. Por fim, as modalidades de má-fé instrumental previstas na al. d) do n.º 2 do art.º 542.º reportam-se à utilização disfuncional dos meios processuais, que seja manifestamente reprovável, tendo em vista conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça, protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Aqui exige-se um elemento subjetivo específico, uma intencionalidade, na atuação do agente processual, dirigida ou orientada para aqueles efeitos (Paula Costa e Silva, ob. cit., pp. 411-420).
Será que a A. incorreu, nestes autos, em litigância de má-fé?
O tribunal a quo ajuizou que sim, com a seguinte fundamentação:
“Ponderando os factos alegados pelas partes, nomeadamente na Petição Inicial nos artigos 3.º, 29.º, 30.º, 31.º a 35.º e pelos Réus nos artigos 14.º, 15.º, 18.º a 20.º da Contestação e os elementos que constam dos autos, afigura-se que efectivamente a Autora litigou de má fé nos presentes autos.
A Autora alega na Petição Inicial que viveu com a madrinha, Gracinda (…), na fracção sita na Travessa de ..., nº 25, 1º esquerdo, em Campo de Ourique, Lisboa, em economia comum, desde finais de 2011 até finais de 2013.
Alega ainda que devido ao mau estado de conservação da fracção e deterioração das condições de habitabilidade, tornou-se insustentável a permanência da Autora e da arrendatária na fracção, pelo que teve de arrendar outra fracção e mudar de residência, juntamente com a madrinha, em finais de Outubro de 2013.
Os Réus juntaram aos autos contrato de arrendamento da Autora relativo ao rés do chão da Travessa de ..., n.º 25/27, datado de Setembro de 2008 e recibos de renda de Janeiro de 2011 a Setembro de 2013, período em que a Autora alega que residia com Gracinda (…) no 1.º esquerdo da Travessa de ..., n.º 25 (fls. 105 a 124).
Confrontada com tais documentos, a Autora vem alegar que pese embora fosse titular do contrato de arrendamento correspondente ao rés do chão do prédio (o mesmo prédio, cabe salientar, em que residia Gracinda (…), no primeiro andar esquerdo), em final de 2011 foi viver com esta, por o andar de que era arrendatária não ter condições para acolher ambas por só ter três divisões, vivendo no mesmo o companheiro da Autora e duas filhas.
É evidente a discrepância com o alegado na Petição Inicial, em que a Autora não referiu, em momento algum, tais circunstâncias, sendo manifesto que deliberadamente omitiu esses elementos e informações, no sentido de obter a procedência da acção. Refira-se aliás que quando confrontada com os documentos juntos com a Contestação a Autora impugnou os mesmos e o seu conteúdo e apenas após notificação para esclarecer a sua posição referiu não pretender impugnar da sua genuinidade.
A Autora estava bem ciente que à data em que alega residir com Gracinda (…) no 1.º esquerdo era também arrendatária de uma fracção, por sinal exactamente no mesmo prédio, em que residia o seu próprio agregado familiar. Omitiu de forma deliberada tais factos, uma vez que funda a sua pretensão na alegada vivência em economia comum com Gracinda (…).
Face a todo o exposto, entendemos que a Autora deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e omitiu deliberadamente elementos relevantes para a decisão da causa que eram do seu conhecimento, ciente da sua conduta, pelo que deve ser condenada por Litigância de Má Fé.
A apelante não nega que, à data da propositura da ação, era arrendatária do dito andar (r/c direito), sito no mesmo edifício onde afirmou ter ido residir com a sua madrinha, e que aí residiam o seu companheiro e as suas duas filhas. Porém, afirma que, não tendo esse local condições para aí morar com a sua madrinha, a qual carecia de cuidados permanentes e de quem era tutora, foi residir, em economia comum, para o tal local arrendado pela madrinha aos RR. e ulteriormente, em virtude do estado de inabitabilidade desse andar (1.º esquerdo), teve de se mudar, com a madrinha, para o outro local que referiu.
No fundo, a apelante sustenta que tudo o que disse na petição inicial é verdadeiro, e o que omitiu não tem, afinal, relevância.
Quer-nos parecer que, postas as coisas como a apelante as alega, não deixa de ter alguma razão. Cabe à parte selecionar os factos que considera relevantes para a definição da situação em que se baseia para sustentar a sua pretensão. Se o facto de ser arrendatária de um outro local, onde moram o seu companheiro e as suas filhas, não obsta a que tenha de viver com a sua madrinha e tutelada, num outro local, em economia comum com ela, a alegação daqueles outros factos apenas contribuiria para onerar a causa com a produção de prova desnecessária. Poderiam os RR., senhorios da dita fração arrendada pela A., alegarem, se achassem por bem, a existência do dito contrato de arrendamento – como, efetivamente, fizeram.
Afigura-se-nos que, uma vez que a ação deve prosseguir, se deverá aguardar pelo seu termo para, na posse do quadro factual que resultar a final, melhor se perspetivar a lisura do comportamento processual das partes, incluindo o da A.
Nesta parte, pois, decide-se também julgar a apelação procedente.
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que a ação prossiga os seus termos, relegando-se para final a apreciação da exceção de prescrição do direito da A. e da litigância de má-fé das partes, mormente da A..
As custas da apelação, na vertente de custas de parte, são a cargo dos apelados, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 17.12.2020
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Pedro Martins