Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6112/15.9T8VIS.L1-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: ACTO MÉDICO
CIRURGIA
RESPONSABILIDADE MÉDICA
PERDA DE CHANCE
DEVER DE INFORMAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Em termos gerais, pode definir-se a perda de chance, como a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo acolhido como um dano autónomo, consubstanciando-se numa frustração irremediável, por ato ou omissão de terceiro, da verificação da obtenção de uma vantagem, que de forma probabilística era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, caso não se verificasse essa omissão.

A sua transposição para a responsabilidade médica mostra-se veiculada, em termos privilegiados, para às situações em que um comportamento ilícito do médico priva o doente de certas possibilidades de se curar, ou mesmo sobreviver, mas também a perda de chance de suportar sequelas menores ou de obter uma melhoria do seu estado de saúde.

O dever de informar por parte do médico (e da clínica), relativamente ao resultado de análise histológica da peça cirúrgica, relativa a nódulo retirado da mama pelo mesmo médico, não pode ser postergado pelo eventual incumprimento por parte do Laboratório dos tramites normais, tendo em conta que o médico é o mais habilitado para aquilatar da necessidade de obter tempestivamente resultado, tendo em conta a relação de confiança estabelecida com o paciente.

A comunicação ao doente, em Julho, do resultado do exame com a indicação de carcinoma, relativo a recolha deita em Fevereiro, constitui incumprimento por parte do médico (e da clinica), por privar o doente de não exponenciar todas as situações difíceis suportadas, verificando-se a possibilidade de obter um efeito mais favorável, com repercussões em termos de saúde e sofrimento decorrente, traduzida numa chance real perdida de não enfrentar todo os efeitos perniciosos sentidos.

Tal situação merece tutela, até porque aceite que o diagnóstico precoce de um cancro constitui um prognóstico favorável ao seu tratamento, verificando-se uma situação de perda chance, importando na obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I–Relatório:


1.–A demandou: B [ CLÍNICA ..... LDA ]; C [ FRANCISCO .....] e D [ MARIA .....] .
Pede que sejam, solidariamente, condenados a pagarem-lhe:
a)- A quantia de € 243.657,37 (duzentos e quarenta e três mil seiscentos e cinquenta e sete euros e trinta e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais já apurados e liquidados;
b)- A quantia que se vier a liquidar a título dos lucros cessantes referidos nos artigos 169.° e 170.° desta petição, atenta a incapacidade permanente parcial que a autora sofre a determinar após o exame pericial e a liquidar em execução de sentença[1],
c)- A indemnização a que se vier a liquidar posteriormente quanto aos danos que futuramente virá a sofrer, designadamente os decorrentes da assistência médica e medicamentosa, tratamentos médicos ou cirúrgicos, tratamentos terapêuticos, eventuais intervenções cirúrgicas a que se tenha de submeter, nomeadamente as referidas nos artigos 70.º a 75.º desta petição inicial e demais danos patrimoniais e morais a liquidar em execução de sentença[2],
d)- E, em relação às peticionadas quantias indemnizatórias, os juros legais de mora, desde a citação e até integral pagamento.

2.–Alega para tanto que em Janeiro de 2013 foi consultada em Lisboa, na B, pelo C, respetivo diretor clínico, e após exames complementares foi decidido que a A. iria ser submetida a uma mamoplastia, e concomitantemente, à exérese (extração) de um nódulo da mama direita, tendo assim sido submetida em 14.02.2013 a cirurgia estética bilateral da mama, e na mesma altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico, levado a cabo pelo aludido cirurgião, que fez o acompanhamento pós-operatório.
O nódulo ficou na posse da B, e do respetivo diretor clínico que se obrigaram a remetê-lo para o laboratório que entendessem adequado e vinculando-se a dar de imediato conhecimento à A. do respetivo resultado.
Em conformidade o nódulo foi entregue pela R. Clínica a Dr. Macedo ....., Laboratório de Anatomia Patológica, SA.
Após a cirurgia e internamento a A. deslocou-se 3 vezes à Clínica, num período de mês e meio, para consultas de revisão pós-operatória, nos dias 26.02, 2 e 17.03, procurando obter informações acerca do resultado da análise, sendo-lhe transmitido que ainda não tinham conhecimento do mesmo.
Face à demora, o marido da A. enviou uma comunicação em 18.07.2013 para a Clínica, dirigida ao C, solicitando a indicação de quais os nódulos retirados e o resultado da respetiva análise, tendo no dia 22.07, aquele sido contactado telefonicamente por uma senhora, identificando-se como trabalhadora da R. Clínica, transmitindo que o resultado do exame tinha revelado um carcinoma invasivo, tendo a solicitação do mesmo sido envidado o documento que atestava tal diagnóstico.
Dada a gravidade da situação tornou-se imperioso adotar as medidas e procedimentos terapêuticos urgentes, tendo a A. obtido a resposta mais rápida pela Fundação Champalimaud, onde foi submetida a consulta de oncologia e exames auxiliares de diagnóstico, despendendo, 519.50€, realizando múltiplos exames no dia 26.07.2013 e no dia 29.07, nomeadamente a biópsia das lesões mamárias que revelaram tratar-se de um carcinoma invasivo, localmente avançado, iniciando quimioterapia, com intervalos de quinze dias, entre Julho e Novembro, despendendo 9.253,63€, suportando ainda mais gastos nos vários exames e consultas realizados entre as sessões.
Em 5.12.2016, de acordo com o estado da arte, a A, foi submetida a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexectomia bilateral, voltando ao bloco por ter ocorrido hemorragia interna, verificando-se a progressão da doença entre o final da quimioterapia e a cirurgia.
Em dezembro de 2013 a A. realizou diversos exames e análises, e devido aos fatores de mau prognóstico foi proposta a realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia, de 7.01.2014 a 10.03.2014, nos quais despendeu 2.978,57€. No período de 7 a 24.04.2014, realizou radioterapia adjuvante, gastando 3.500,00€.
Segundo a orientação médica a A, deve manter vigilância médica regular com a periodicidade de 3 meses, e até aos três anos após a intervenção.
O processo de reconstrução mamária desenrolou-se em quatro sessões, a primeira em 21.04.2015, no valor de 2.276,99€, a segunda em 22.09.2015, estando previstas a terceira para abril de 2016 e a quarta e, agosto de 2016, dependendo do estado da saúde da A, e da não rejeição dos enxertos.
Em 23.04.2015 foram-lhe prescritas 12 sessões de fisioterapia, tendo realizado vários exames e consultas.
Face à importância do exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de logo comunicado ao paciente, pelo que a boa prática médica e o dever objetivo do cuidado não foram observados pela R. Clínica e pelo R. C, com manifesto prejuízo para a saúde e para a proteção da integridade física da A.
Por carta registada com aviso de receção em 25.07.2013 a A, solicitou à R. Clínica a informação relativamente à data em que foi enviado o material para a análise e a data em que foi remetido o resultado, respondendo aquela que o nódulo mamário fora levantado no dia 20.02.2013, e que tomaram conhecimento do resultado em 11.07.2013, na sequência de pedido formulado. Na mesma data mandou também ao Laboratório uma carta no mesmo sentido, que foi devolvida e remetida nova comunicação em 8.09.2013, que indicou a receção em 22.02.2013, e o resultado do exame enviado, via CTT, ao General Lab Portugal, que por sua vez, indicou que tendo recebido o resultado em 5.03.2013, o entregou de imediato na Clínica R.
O diagnóstico da peça cirúrgica revelou tratar-se de um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3, significando e indicando que o tumor é pouco diferenciado, e por isso, com agressividade muito maior, e segundo a prática clínica entre as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos, como era a A, que tinha 33, possui uma evolução clínica pior do que nas mulheres mais velhas, sendo um fator preditivo e significativo de recorrência e morte.
O lapso de tempo que mediou a entre a extração do nódulo, o envio do mesmo e o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta, com evidentes prejuízos para a saúde da A, causando-lhe danos irreversíveis mencionadas.
A R. Clínica e o R. C, médico cirurgião, enquanto agentes e técnicos de saúde qualificados, conhecedores dos riscos de um carcinoma mamário invasor podiam e deviam ter procedido e providenciado pela comunicação célere e imediata do relatório, impondo-se ao R. C um especial dever de técnica enquanto médico especialista da cirurgia plástica, violando, assim o dever objetivo de cuidado, preterindo as regras da boa praxis médica, além de que tais réus se obrigaram perante a A. a comunicar prontamente o resultado do exame.
Após o conhecimento do resultado da análise, a vida da A. passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade, não deixando de pensar que se tivesse conhecimento do resultado alguns meses antes e na data em que foi comunicado à R. Clínica, as consequências seriam inevitavelmente diferentes.
A A. teve que recorrer aos serviços da medicina particular, despendendo avultadas importâncias em dinheiro, assim conseguindo resposta imediata para o seu quadro clínico.
Na sequência da progressão da doença, e de cada uma das sessões de quimioterapia, a A. sofreu efeitos secundários, tais como fortes dores por todo o corpo, sobretudo na cabeça, cansaço, vómitos e náuseas frequentes, permanecendo acamada e em letargia nos cinco dias seguintes a cada uma sessão de quimioterapia. Os tratamentos provocam um estado de menopausa precoce, com mau estar e afrontamentos, não conseguindo dormir e descansar conveniente, e tomando tranquilizantes e antidepressivos que a deixam numa apatia constante.
Sofreu também tristeza e desgosto profundo por não poder tratar do filho do casal, com 18 meses de idade, logo que iniciou os tratamentos, nem o marido o pode fazer porque teve de a acompanhar, pois moram em Viseu, tendo que deslocar-se a Lisboa em viatura própria e permanecer em hotéis, suportando despesas várias.
A A, sofreu uma incapacidade total para o trabalho desde 26.07.2013 a Abril de 2014, e a partir dessa data padece de incapacidade parcial permanente a apurar em perícia médico-legal.
Os prejuízos do não exercício da sua atividade no ramo da comercialização de vestuário e calçado acarretaram-lhe prejuízos não inferiores a 2.500,00€, e no período de incapacidade absoluta de 22.500,00€.
Nas despesas indicadas tece comparticipação da Associação de Cuidados de Saúde da Portugal Telecom, suportando na sua parte, 13.786,73€.
Entre a A. e o marido deixou de haver sexualidade, abalando profundamente a relação, sofrendo a A, um fortíssimo abalo na autoestima, tendo-lhe sido retirada a mama direita, e em seu lugar existem extensas cicatrizes, caiu-lhe o cabelo, e nos tratamentos de reconstrução, sofreu intensas dores, com hematomas dolorosos que passaram muitos dias a desaparecer.
Os danos morais são bastante elevados, computando a indemnização a tal título em 200.000,00€.
A R. D mulher é também responsável pelas quantias reclamadas, pois com a atividade de cirurgião, o R. concorre para as despesas do seu agregado familiar.
A A. pagou à R. Clínica a quantia de 12.700,00€.

3.–Citados vieram os RR contestar, invocando a ilegitimidade da R. mulher,  impugnando o factualismo aduzido, nomeadamente que o R. C não podia ter a menor suspeita de que a A. tinha um tumor maligno, tendo enviado o nódulo para o exame por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular. Por sua vez o laboratório não informou o médico como é habitual sempre que a análise indicia qualquer problema de saúde, só tendo conhecimento do resultado da mesma em 22.07.2013.
Mais invocam que inexiste nexo de causalidade entre o atraso de conhecimento do diagnóstico  e os danos que a A. diz ter sofrido, pois o tempo que mediou não foi causa dos tratamentos que teve que fazer que seriam os mesmos ou similares ainda que a doença tivesse sido detetada imediatamente após a cirurgia. 
O 2.º R. veio requerer a intervenção acessória provocada da AXA PORTUGAL, COMPANHIA DE SEGUROS, SA., porquanto celebrou com a mesma um seguro de responsabilidade profissional, que veio a ser admitida, por despacho de 11.10.2016.

4.–Por despacho de 31.03.2016, foi julgado incompetente o tribunal, e a remessa à Instância Central de Lisboa, por ser a territorialmente competente.

5.–A interveniente, agora AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, veio contestar.

6.–Em sede de despacho saneador foi julgada procedente a exceção da ilegitimidade quanto à R. Maria ....., sendo a mesma absolvida da instância.

7.–Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedentes os pedidos absolvendo os RR dos pedidos.

8.–Inconformada, veio a A. recorrer, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

I–Da impugnação da factualidade
1.-O Tribunal recorrido errou na apreciação que faz dos factos constates dos pontos 151, 152 e 158 da factualidade provada, que mereciam uma resposta diferente, devendo ser julgados não provados.
2.-Em sentido contrário, a prova produzida em sede de julgamento permitia - e impunha - que a factualidade constante dos pontos i) e k) dos factos não provados fosse dada como provada.
Pontos 151) e 152) da factualidade provada.
3.-Numa primeira análise verifica-se desde logo que o julgamento dos factos constantes nos pontos 151) e 152) é contraditório com os pontos R) e 147), da factualidade provada, na medida em que resulta destes que a indicação para a realização da excisão e da análise resultou da recomendação decorrente da ecografia mamária realizada pela Autora no dia 01/02/2013.
4.-O entendimento supra sufragado resulta ainda do confronto com os articulados.
5.-Na sua contestação os Réus aceitam que a necessidade de excisão e envio para análise foi uma questão imposta pelo resultado da ecografia mamária e não porque isso resultasse de uma prática habitual e rotineira do 2° Réu.
6.-foi igualmente aceite pelos Réus que a Autora se preparava para efetuar a biópsia numa outra instituição, tendo sido a 1.ª Ré, por intermédio da sua funcionária Maria ....., a sugerir que se aproveitasse a cirurgia já agendada para se proceder à excisão, disponibilizando-se para depois enviar a colheita para análise.
7.-É precisamente isso que resulta do depoimento da testemunha Maria ....., prestado no dia 24/09/2020 e gravado entre os 42m20s e a 01h47m10s.
8.-Sendo igualmente corroborado pela testemunha José ....., no seu depoimento prestado em 23/09/2020, gravado entre a 1h05m54s e as 3h06m20s da gravação.
9.-Face ao supra alegado, resulta evidente que a necessidade de realizar e excisão e o exame decorreu de uma recomendação médica prévia e não de qualquer procedimento rotineiro do 2° Réu.
10.-Neste sentido impunha-se julgar os pontos 151) e 152) da factualidade provada como não provados.

Ponto i) da factualidade não provada
11.-Errou o Tribunal em dar como não provada a factualidade constante da alínea i) da factualidade julgada não provada.
12.-Resulta desde logo do doc. 64 junto com a PI que o resultado da análise foi emitido pelo Laboratório de Anatomia Patológica de Macedo ..... em 05/03/2013, tendo nessa mesma data sido entregue à 1ª Ré.
13.-Informação essa que resulta igualmente do doc. 50 também junto com a PI, que vem corroborar a data em que o resultado foi enviado à Ré.
14.-O teor de tais documentos é ainda corroborado pelo depoimento dos legais representantes dos laboratórios envolvidos neste processo, José António ..... e Fernando Nuno ....., nos seus depoimentos prestados em 24/09/2020, gravados, respetivamente, entre a 01h48m45s e as 02h12m39s e entre as 02h13m38s e as 02h25m35s.
15.-Perante a prova documental constante dos autos, corroborada pela testemunhal acima referida, não podia o Tribunal a quo deixar de verificar como provado que os Réus tiveram conhecimento do resultado em Março de 2013.
16.-Pelo que, deve a factualidade constante do ponto i) da factualidade não provada ser julgada provada.

Do ponto k) da factualidade não provada
17.-Pela sua natureza e particularidade, a prova dos factos mencionados no ponto k) da factualidade não provada impunha que na sua análise e ponderação presidissem critérios adaptados a essa natureza.
18.-Assim, perante esta dificuldade probatória intrínseca em demonstrar situações hipotéticas sobre as quais apenas podemos conjeturar, a doutrina e jurisprudência têm defendido uma abordagem especial por parte do julgador, assente numa exigência probatória moldada à natureza e especificidades da situação - a chamada prova de primeira aparência ou prima facie.
19.-Essa prova de primeira aparência, assente e suportada nas regras da experiência, desencadeia um conjunto presunções judiciais simples, naturais, de facto ou de experiência, às quais o Tribunal poderá e deverá recorrer na formulação do seu juízo.
20.-Assim, em casos que pela sua natureza e circunstâncias, o ónus probatório seja excessivamente gravoso ou incomportável, deve o julgador socorrer-se das regras da experiência e, de acordo com estas, estabelecer presunções naturais, com base na prova de primeira aparência.
21.-In casu, a Autora demonstrou que, em abstrato, o diagnóstico precoce tem implicâncias diretas na progressão da sua doença, tendo interferência na elaboração do protocolo terapêutico, na maior ou menor agressividade do tratamento e no prognóstico da doente - veja-se as respostas aos quesitos n° 1, 2 e 3 dadas pelos peritos no relatório da perícia médico legal constante dos autos.
22.-Factos que, além do mais, resultavam das próprias regras da lógica e da experiência.
23.-Encontra-se, nos termos supra referidos, estabelecida a presunção de que os danos por si sofridos, decorrentes do diagnóstico mais tardio, não teriam ocorrido caso lhe tivesse sido comunicado o resultado do exame da análise histológica e respetivo diagnóstico, logo em Março de 2013.
24.-Dito isto, estabelecida essa presunção natural, decorrente das regras da lógica e da experiência e reforçada pelo prova pericial junta aos autos, de que o prognóstico e o protocolo terapêutico foram afetados pela atraso no diagnóstico, cabia aos Réus o ónus de ilidir tal presunção, o que não aconteceu.
25.-Acresce que, da restante factualidade resultam facto demonstrativos de danos que ocorreram exclusivamente pelo facto de a Autora não ter tido conhecimento atempado do resultado do exame.
26.-Nomeadamente o constante dos pontos 75), 76) e 77) da factualidade provada, demonstram que o carcinoma que afetou a Autora era de grande agressividade, que mulheres mais jovens (como era o caso da Autora) tem uma pior evolução clínica e que essa idade jovem é um facto de prognóstico mais reservado, o que leva desde logo a crer que os danos decorreram, pelo menos em parte da progressão que a doença teve nos cinco meses que a Autora aguardou pelo resultado do exame.
27.-Consta também expressamente dos pontos 80) e 81 da factualidade provada que o retardamento do início dos tratamentos afetou gravemente a Autora ao nível psicológico, tendo esta passado a atribuir a consequências da doença e dos tratamentos à conduta dos Réus.
28.-Ao nível dos danos físicos resulta expressamente da factualidade provada, nomeadamente do ponto 82), que os danos invocados, decorrentes da quimioterapia foram agravados pela progressão da doença.
29.-Resulta ainda da factualidade provada que, para além da quimioterapia, que de acordo com o ponto 158), a Autora sempre teria de realizar, esta teve que realizar uma séria de outras intervenções médicas, com as necessárias consequências físicas.
30.-Veja-se a título de exemplo os pontos 16, 23, 31, 49, 50, 56, 62, 113, 119, 133, 134 e 135 da factualidade provada.
31.-Assim, por força de tudo quanto acima alegado, não podemos deixar de concluir estar demonstrado que, tivesse o diagnóstico sido mais precoce (concretamente em Março de 2013), o prognóstico e o protocolo terapêutico teriam sido distintos, nomeadamente os tratamentos teriam sido menos agressivos, intensivos e invasivos, com tudo o que isso implicaria.
32.-Dessa forma, deveria a factualidade constante do ponto k) dos factos não provados ser julgada provada.

II–Da decisão de Direito
33.-Para a análise das conclusões seguintes, devemos aqui estabelecer que, tal como entendeu a sentença recorrida, in casu, estamos perante um contrato de prestação de serviços médicos privados, nomeadamente um “contrato total";
34.-Devemos ainda considerar, como fez a sentença recorrida, que estamos perante um caso de responsabilidade contratual;

 – Da violação do dever de informação
35.-A sentença recorrida entendeu que não ficou demonstrada qualquer violação contratual porquanto, apesar de considerar que os Réus estavam, contratualmente, obrigados a comunicar/informar, pontual e imediatamente, a A. do resultado do exame anatomopatológico feito ao nódulo, considerou que não se tendo demonstrando em que data os Réus tiveram conhecimento do resultado do exame, não se pode concluir se violaram ou não a referida obrigação;
36.-Ou seja, entendeu o Tribunal a quo que a obrigação dos Réus era entregar o resultado do exame imediatamente após ter conhecimento deste, independentemente do tempo que a sua entrega demorasse;
37.-Contudo, tal conclusão não tem qualquer suporte na factualidade provada, nem tem suporte nas legis artis do exercício da medicina;

38.–Dos pontos R, X e S da factualidade resulta que:
- Que o exame realizado pela Autora serve pare confirmar o diagnóstico e estabelecer a condução adequada do caso e a sua terapêutica efetiva (ponto R da factualidade provada);
- Que quando é prescrita a análise que foi prescrita à Autora a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe confirmação da malignidade esta deve ser comunicada de imediato ao paciente (ponto S da factualidade provada);
-Que o exame prescrito à Autora nunca demora mais de duas semanas (ponto X da factualidade provada);
39.-Desta factualidade, conjugada com as regras da lógica e da experiência, resulta que, de acordo com o que foi contratado e de acordo com as legis artis da medicina, a obrigação dos Réus era comunicar à Autora o resultado da análise histopatológica num prazo razoável e adequado, o qual, seria sempre inferior a duas semanas;
40.-Esta obrigação de comunicar atempadamente os resultados dos exames resulta ainda da Base XIV, n° 1, Lei de Bases da Saúde e do Art.º. 5°, n° 1, f) do Decreto- Lei 60/2003 (cuidados de saúde primários);
41.-Seguindo-se a posição defendida pelo Tribunal a quo, caso o laboratório ainda não lhe tivesse comunicado o resultado dos exames, ainda hoje não estariam os Réus em situação de incumprimento;
42.-É ainda de notar que, dentro das obrigações do contrato de prestação de serviços médicos celebrado entre as partes, dado o grau de certeza desta obrigação, a obtenção de um resultado fiável e em tempo útil é uma obrigação de resultado e não uma obrigação de meios (veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2008, no processo 08A183, disponível em www.dgsi.pt);
43.-Nesta medida, a entrega tardia do resultado do exame, independentemente dos meios empregues pelos Réus para obter, configurara sempre um incumprimento desta obrigação;
44.-A estas conclusões acresce o facto de terem sido os Réus a escolher e a contratar o laboratório que realizou o exame acordado, pelo que, nos termos do art.º. 1165° do CC, aplicável por força do disposto no art. 1156°, os Réus respondem por qualquer facto que tenha levado ao atraso na entrega do resultado da análise dentro do referido prazo razoável e o consequente incumprimento;
45.-Assim, face ao supra exposto e face à factualidade provada, nomeadamente o ponto O), do qual resulta que o resultado do exame apenas foi entregue à Autora em 22/07/2013, cinco meses após a recolha da amostra e não dentro das duas semanas que se afigurava como razoável, teremos que concluir que, nos termos do disposto nos arts. 406° e 800° do CC, houve um incumprimento contratual por parte dos Réus;
46.-Face a tal incumprimento, nos termos do artigo 799°, n° 1 do CC, incumbia aos recorridos o ónus da prova de que esse incumprimento ou cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, o que, não aconteceu;
47.-Mas ainda que se considerasse que o incumprimento decorria de culpa do laboratório que realizou a análise, face ao facto de este atuar como “auxiliar” dos Réus, tal facto não era oponível à Autora, tendo apenas os Réus um direito de regresso sobre o laboratório;
48.-Assim, ao não verificar o incumprimento do contrato por parte dos Réus o Tribunal a quo violou o disposto nos arts.406°, 483°, 799°, n° 1, 800°, n° 1 e 1165° (aplicável por força do art. 1156°) do CC, Base XIV, n° 1, Lei de Bases da Saúde e Art. 5°, n° 1, f) do Decreto-Lei 60/2003 (cuidados de saúde primários);
49.-Quanto a este ponto é ainda de notar que, contrariamente ao entendimento sufragado pela sentença a quo, não resulta das legis artis da medicina que os Réus os Réus apenas deveriam ter diligenciado por saber o resultado dos exames se caso existissem motivos que aconselhassem a suspeitar da malignidade do nódulo;
50.-Isto porque, sendo o mesmo prescrito por um especialista para despistar um diagnóstico, esse diagnóstico apenas se encontra definitivamente despistado com a obtenção do resultado em tempo útil de tentar minorar os efeitos da possível doença caso este se confirme;
51.-No entanto, a factualidade provada nos autos não suporta esta conclusão, na medida em que, do ponto 147 da factualidade provada resulta expressamente provado o especialista que realizou a mamografia de 01.02.2013 apontava para a benignidade dos nódulos detetados, mas alertava para a necessidade de investigação (biópsia) do nódulo da axila direita, pela sua localização e dimensão;
52.-Também se verifica falso e inútil para a decisão da causa a consideração que o Tribunal a quo faz quando afirma que a Autora se desinteressou de saber o resultado do exame;
53.-Tal entendimento é falso na medida em que é contrariado pelo ponto 5 da factualidade provada, que demonstra que a Autora nas consultas de 16.02.2013 e 17.03.2013 e em Julho de 2013;
54.-Por outro lado, ainda que se pudesse cogitar qualquer espécie de desinteresse, o qual não se aceita nem resulta dos factos provados, o mesmo não teria qualquer relevo para a decisão da causa, na medida em que não impende sobre o paciente qualquer dever de pressionar o médico para saber os resultados dos seus exames;

 Do nexo de causalidade
55.-Mesmo sem a alteração da matéria de facto, verifica-se que a factualidade provada também impunha que se tivesse verificado como preenchido o requisito do nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos alegados pela Autora;
56.-Sem prescindir da conclusão que a factualidade provada permite a verificação do requisito do nexo de causalidade, não podemos deixar de notar que não era à Autora que cabia a prova desse requisito.
57.-Isto porque, tal como vem entendendo a doutrina e a jurisprudência, nos casos de negligência médica, como o caso sub judice, face à disparidade do domínio dos factos e da capacidade probatória, cabe ao médico provar a inexistência de danos entre os factos invocados pelo paciente e a sua atuação;
58.-In casu, de acordo com a teoria defendida pelo Tribunal a quo, verifica-se ainda que a prova do nexo de causalidade implicava que a Autora tivesse demonstrado que se tivesse iniciado os tratamentos na data em que os resultados das análises lhe deveriam ter sido entregues, não teria tido que realizar os tratamentos que realizou e não teria que suportar as despesas que suportou;
59.-No entanto, a prova de tal facto é impossível, porquanto tal implicava que a Autora tivesse tido um diagnóstico exato nessa data, o que, de acordo com o ponto P) da factualidade provada era impossível, pois implicava a realização de análises que ao serem realizadas após 22/07/2013, não conseguiriam determinar o estado de saúde da Autora em Fevereiro de 2013;
60.-Sendo impossível este diagnóstico, era também impossível aferir o protocolo de tratamento que a Autora teria que realizar se tivesse iniciado imediatamente os tratamentos para daí aferir, se poderia ou não realizar os tratamentos num hospital do Sistema Nacional de Saúde da sua zona, o grau de sofrimento e lesão que a Autora previsivelmente viria a sofrer;
61.-Desta forma verifica-se que, por culpa da atuação da Ré tornou-se impossível para a Autora fazer uma demonstração exata da sua condição de saúde à data em que deveria ter recebido o resultado dos exames de forma demonstrar com exatidão os prejuízos sofridos;
62.-Ora, face a tal culpa da Ré e da dificuldade de prova que gerou para a Autora, nos termos do art. 344°, n° 2 do CC, impunha-se uma inversão do ónus da prova quanto ao requisito nexo de causalidade, cabendo à Ré demonstrar que os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pela Autora seriam exatamente os mesmos se esta tivesse iniciado os tratamentos cinco meses antes;
63.-Assim, ao não ter procedido a tal inversão do ónus da prova o Tribunal a quo violou o disposto no art. 344°, n° 2 do CC;
64.-É ainda de notar que o facto de se ter julgado como provado que a Autora sempre teria que realizar tratamentos de quimioterapia não preenche esta demonstração da inexistência de nexo de causalidade;
65.-Isto porque Autora alega danos decorrentes do facto de ter que realizar toda uma série de tratamentos que foram mais gravosos pelo facto de terem sido iniciados num estado mais avançado da doença e não exclusivamente pelo facto de ter que se submeter à quimioterapia;
66.-Por exemplo, não se provou que a Autora não teria que ser submetida a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexotomia bilateral (ponto 23 da factualidade provada);
67.-Assim, face ao supra exposto, nunca se poderia afirmar, como parece ser o entendimento da sentença recorrida, que os Réus conseguiram demonstrar não haver nexo de causalidade entre os danos alegados pela Autora e o facto ilícito;

Do nexo de causalidade com os danos patrimoniais
68.-A Autora peticionou e provou danos patrimoniais decorrentes do facto de, dada a urgência provocada pelo atraso dos Réus, ter que realizar os tratamentos numa unidade de saúde privada, longe do seu domicílio e das consequentes despesas que tal facto acarretou;
69.-Dos pontos Q), R) e S) da factualidade provada resultou demonstrado que os exames realizados pela Autora visavam aferir da benignidade ou malignidade do tumor retirado e enviado para exame e que deveriam ser analisados imediatamente para estabelecer uma condução adequada do caso e uma ação terapêutica efetiva;
70.-É um facto do conhecimento comum que, quanto mais tarde for detetado um carcinoma mais avançado vai ser o seu estado evolutivo e mais urgente, difícil e sofrível será o seu tratamento, mais tratamentos serão necessários e piores serão as suas sequelas (facto este que nos termos do art. 412°, n° 1 do CPC, não necessitava de prova);
71.-Dos pontos 15), 16), 17), 27), 40), 75), 76) e 77) da factualidade provada resulta que a doença de que a Autora padecia evoluiu ao longo do tempo, tendo necessariamente que ter evoluído entre a data em que os Réus deveriam ter comunicado o resultado dos exames à Autora e a data em que efetivamente o fizeram;
72.-Do ponto 78) da factualidade provada resulta que o início do tratamento da Autora foi atrasado devido à conduta dos Réus;
73.-Da conjugação das conclusões anteriores resulta que havia maior urgência no tratamento quando o resultado dos exames foi transmitido à Autora do que cinco meses antes;
74.-Dos pontos 8) e 9) da factualidade provada resulta que, quando foram comunicados os resultados dos exames à Autora, a resposta mais adequada ao estado da doença era oferecida pela Fundação Champalimaud;
75.-Tal facto levou a que a Autora tivesse que preferir esta solução a outras soluções, como seja o recurso ao hospital do Sistema Nacional de Saúde da sua zona de residência;
76.-Esta necessidade de recorrer a uma instituição de saúde privada longe da sua área de residência acarretou despesas para a Autora, não só com os custos dos tratamentos como com despesas com deslocações e estadias que não teria que despender se tivesse tido possibilidade de recorrer a outras soluções terapêuticas;
77.-Face ao supra alegado, verifica-se que o atraso de cinco meses na comunicação dos resultados dos exames não só foi causa deste acréscimo de custos como é adequado a gerar uma situação em que o paciente fica mais limitado nas opções terapêuticas e se vê obrigado a recorrer a tratamentos mais dispendiosos;
78.-Neste sentido, teremos que concluir que está preenchido o requisito no nexo de causalidade previsto no art. 563° do CC em relação aos danos patrimoniais, pelo que o Tribunal a quo, ao não ter condenado os Réus no pagamento destes danos violou a citada disposição;
79.-Subsidiariamente, ainda que não fosse possível quantificar com precisão o dano patrimonial sofrido pela Autora, sendo indubitável a existência do mesmo, nos termos do art. 566°, n° 3 do CC deveria o mesmo ter sido fixado equitativamente;
80.-Assim, ao não condenar os Réus no pagamento de uma compensação arbitrada pela equidade, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 563° e 566°, n° 3 do CC, devendo por isso a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que condene os Réus no pagamento dos danos patrimoniais alegados;

Do nexo de causalidade com os danos não patrimoniais
81.-Na petição inicial a Autora alegou danos não patrimoniais decorrentes do facto de ter que realizar mais tratamentos do que normalmente teria e de ter que realizar uma série de tratamentos que foram mais gravosos pelo facto de terem sido iniciados num estado mais avançado da doença, nomeadamente alegou:
- Acréscimo do sofrimento físico que tal facto provocou, alegou dores e sofrimento acrescido, danos físicos mais gravosos (ex: teve que realizar uma mastectomia e histerectomia total);
- Danos psicológicos mais gravosos, não só pela maior intensidade e agressividade dos tratamentos como pelo facto de não poder deixar de pensar que as consequências nefastas poderiam ter sido evitadas ou minoradas se tivesse iniciado o tratamento atempadamente;
- A perda de oportunidade de ter iniciado o tratamento mais adequado e em fase prematura, tendo assim melhor probabilidade de combater o carcinoma em fase menos evoluída deste, reduzindo os danos que sofreu e irá sofrer no decurso da sua vida devido à doença;
82.-Da factualidade provada resulta provado que estes danos decorrem da atuação dos Réus;
83.-Nomeadamente, dos pontos 10), 16), 17), 27), 40) e 78) da factualidade provada resulta que a doença que afetou a Autora progrediu ao longo do tempo, pelo que, necessariamente terá progredido nos cinco meses que mediaram entre a data em que a Autora deveria ter tido conhecimento dos resultados dos exames e a data em que teve conhecimento efetivo;
84.-Tal conclusão resultou ainda da prova pericial (relatório junto aos autos em 17.01.2019, com a referência Citius 21552008), nomeadamente da resposta ao quesito 2°, quando este conclui que se a doença oncológica se manifestou em Julho por vários nódulos, quando inicialmente se relatou um único a recomendar estudo complementar, houve progressão da doença e que a resposta;
85.-Como resulta do conhecimento comum que a deteção e tratamento precoce do carcinoma é sempre melhor, na medida em que permite o recurso a técnicas menos invasivas e aumenta exponencialmente a taxa de sucesso no tratamento do cancro, a prevenção das suas sequelas e diminui o sofrimento provocado pelos tratamentos;
86.-Tal conclusão resulta ainda da prova pericial (relatório junto aos autos em 17.01.2019, com a referência Citius 21552008), nomeadamente da resposta aos quesitos 1°, 3° e 4° e na questão adicional, quando é referido expressamente que:
- Não foram desencadeados os procedimentos de diagnóstico e de tratamento que deveriam ter sido realizados;
- Que o prognóstico dos tumores malignos é afetado se existir atraso no início da terapêutica, sendo desejável que esta seja implementada o mais cedo possível após conhecimento do diagnóstico; e
- Quando refere que é evidente a inadequação temporal da resposta assistencial;
87.-Reforçam ainda a conclusão que o atraso na comunicação das análises acabou por prejudicar as hipóteses de tratamento da Autora o constante dos pontos 75), 76) e 77) da factualidade provada, na medida em que demonstram que o carcinoma que afetou a Autora era de grande agressividade, que mulheres mais jovens (como era o caso da Autora) tem uma pior evolução clínica e que essa idade jovem é um facto de prognóstico mais reservado;
88.-Para além de resultar do conhecimento comum que o início precoce do tratamento permite ao paciente optar por tratamentos menos agressivos, fazer menos tratamentos e sofrer menos danos devido aos mesmos, resulta da factualidade provada que o atraso no início dos tratamentos acarretou um agravamento dos danos psicológicos e dos danos físicos da Autora;
89.-Nomeadamente, consta expressamente dos pontos 80) e 81 da factualidade provada que o retardamento do início dos tratamentos afetou gravemente a Autora ao nível psicológico, tendo esta passado a atribuir a consequências da doença e dos tratamentos à conduta dos Réus;
90.-Ao nível dos danos físicos resulta expressamente da factualidade provada, nomeadamente do ponto 82), que os danos invocados, decorrentes da quimioterapia foram agravados pela progressão da doença;
91.-Resulta ainda da factualidade provada que, para além da quimioterapia, que de acordo com o ponto 158), a Autora sempre teria de realizar, esta teve que realizar uma séria de outras intervenções médicas, com as necessárias consequências físicas;
92.-Veja-se a título de exemplo os pontos 16, 23, 31, 49, 50, 56, 62, 113, 119, 133, 134 e 135 da factualidade provada;
93.-É ainda de notar que, face à disparidade da posição entre as partes, é entendimento da doutrina e da jurisprudência que, nos casos de responsabilidade civil médica, o autor apenas tem de demonstrar uma probabilidade séria da existência do direito e não um nexo de causalidade direta, como parece ser o entendimento da sentença recorrida;
94.-Mas mesmo que se entenda que estes danos não decorreram exclusivamente do atraso provocado pelos Réus, o que apenas hipoteticamente se aceita, face ao supra alegado teremos sempre que concluir que estes danos decorreram em parte da atuação dos Réus e foram exponenciados por tal atuação;
95.-Nesta medida, ainda que não fosse possível liquidar com exatidão estes prejuízos, nos termos do art. 496° e 566°, n° 3 do CC, deveria o montante da compensação ser arbitrado pelo Tribunal de acordo com um juízo de equidade;
96.-Assim, ao não ter condenado os Réus no pagamento dos danos não patrimoniais, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 563° e 566°, n° 3 do CC;
97.-Mais uma vez, ainda que não tivesse sido demonstrado o nexo de causalidade entre os danos invocados pela Autora e a atuação da Ré de acordo com a teoria da causalidade adequada, teriam os Réus que ser condenados a indemnizar a Autora pela perda da chance de os evitar que a sua conduta provocou;
98.-Isto porque resulta das conclusões supra e dos pontos Q, R, S, X, 1, 2, 4 a 6, 8 a 10, 15 a 17, 27, 40, 75 a 78, 80, 81, 88, 147 segunda parte, 154 e 158 da factualidade provada, que com a atuação dos Réus a Autora perdeu a chance de iniciar o tratamento precoce do carcinoma que a acometeu, reduzindo (mesmo que não impossibilitando) as probabilidades de sucesso no tratamento do cancro e diminuição de sequelas e recidivas, vendo assim aumentada a possibilidade de a sua saúde vir a ser efectuada no futuro, ou seja, in casu há uma séria probabilidade de os danos patrimoniais invocados resultarem da atuação dos Réus;
99.-Havendo esta séria probabilidade de os danos resultarem da conduta dos Réus e da violação das suas legis artis, de acordo com as teorias da perda da chance, tem a Autora uma compensação autónoma pela violação de tal direito;
100.-Indemnização esta que, nos termos do art. 566°, n° 3 do CC, deverá ser arbitrada de acordo com um juízo de equidade;
101.-Assim, ao não ter condenado no pagamento de uma compensação pela perda de chance, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 566°, n° 3 do CC, devendo por isso a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que condene os Réus no pagamento dos danos não patrimoniais alegados;

9.–A Apelada pronunciou-se no sentido da manutenção do decidido, e ampliou o objeto do recurso,
1.-A douta sentença recorrida julgou corretamente de facto e de direito pelo que deve ser integralmente mantida.
2.-Não existe qualquer fundamento para a alteração dos factos provados 151 e 152, que devem ser mantidos.
3.-Ao invés do que entende a Recorrente, estes factos não são contraditórios com quaisquer outros factos que tenham sido igualmente dados como provados, nomeadamente o facto constante do ponto R) e do ponto 147 dos factos provados.
4.-Também não se pode concluir do facto 147 provado, como pretende a Recorrente, que o 2° R. apenas pediu a análise do nódulo porque existia uma recomendação anterior decorrente da ecografia mamária realizada em 01/02/2013, sendo tal facto incompatível com o 2.° R. ter enviado o nódulo para análise por rotina de “mera precaução”.
5.-O 2.° R. não mandou o nódulo para análise por recomendação da ecografia mamária realizada em 01/02/2013, uma vez que a Autora não consultou o 2.° R. para o diagnostico ou tratamento de qualquer doença do foro ginecológico ou oncológico - o que decorre do facto provado 143 - que a A. não põe em causa;
6.-E, quando a Autora contratou com o 2.° R. a cirurgia estética, não lhe deu conhecimento de qualquer nódulo, muito menos com suspeita de malignidade - o que decorre dos factos provados 142 e 144 - que a Autora também não põe em causa.
7.-Ademais, de acordo com os exames que a Autora exibiu ao 2.° R., esta estava a ser seguida por outros médicos, de clínica geral e da especialidade ginecológica, nomeadamente os Drs. Pipa ....., Mariana ..... e Cortez ....., referidos em várias partes ao longo do processo, que lhe terão recomendado a realização de exames, pelo que seria expetável que se houvesse alguma suspeita de doença oncológica do foro ginecológico fossem tais médicos a preocupar-se com os diagnósticos da sua especialidade.
8.-Ainda que o 2.° R. tivesse tido em consideração a indicação da ecografia mamária, emitida já após a consulta com o 2.° R., tal facto não seria minimamente incompatível com o 2° R. ter enviado o nódulo para análise por rotina e precaução, uma vez que das referidas ecografias, ou de qualquer exame ou informação da Autora não resultava qualquer alerta - antes tudo apontando para a benignidade dos nódulos detetados - facto 147 que a Autora não põe em causa -, mas tão somente uma sugestão de investigação, o que é perfeitamente conciliável com a ação de rotina e precaução tomada pelo 2.° R.
9.-Aliás, mesmo quando a Autora comunicou aos RR a existência do nódulo mamário, apenas em 17/01/2013, com a exclusiva preocupação de manter a data da cirurgia estética, nunca emitiu qualquer sinal de alerta, pelo contrário deu indicação que o médico que a assistiu lhe transmitiu que não se tratava de “nada de mau".
10.-Para além de não existir qualquer indício de malignidade do nódulo da Autora, que justificasse um alerta ou que desaconselhasse a realização da cirurgia estética, a existência de nódulos nas mamas das mulheres é muito frequente, especialmente nas mais jovens, e não é, por si só, caso para alarme.
11.-É, assim, evidente que o envio do nódulo para analise não resultou de qualquer indicação de outro médico ou exame, mas antes por pratica de rotina e precaução do 2.° R. tal como o tribunal deu como provado nos factos 151 e 152, que devem ser mantidos.
12.-Não existe fundamento para a alteração da alínea i) da factualidade não provada que deve ser integralmente mantida.
13.-Efetivamente, os documentos emitidos pelos laboratórios, bem como os depoimentos dos seus representantes legais, estão cheios de incongruências e contradições, deles resultando, antes uma total ausência de conhecimento dos factos e, por consequência, de credibilidade das informações prestadas por tais laboratórios.
14.-Não tendo existido qualquer prova de que os RR receberam o resultado da análise ao nódulo antes de 22 de julho de 2013, bem andou o tribunal a quo ao julgar como não provado o facto constante da alínea i), pelo que deve ser mantida.
15.-Não existe qualquer fundamento para a alteração do facto constante da alínea k) dos factos não provados, pelo que deve ser integralmente mantido.
16.-Em primeiro lugar porque foi feita prova inversa desse facto, o que resulta do facto provado 158, que a Autora não põe em causa.
17.-Por outro lado, o tribunal só poderia socorrer-se de presunções judiciais para dar como provado o facto da alínea k) dos factos não provados caso existissem alguns indícios de que "a progressão da doença e os danos sofridos pela A. não teriam ocorrido, caso os RR. tivessem comunicado à A. o resultado do exame da análise histológica e respetivo diagnóstico, logo em Março de 2013".
18.-Ora, tais indícios não resultaram minimamente da prova produzida. Pelo contrário, resulta dos depoimentos das testemunhas, médicos especialistas em oncologia que acompanharam o caso da Autora na fundação Champalimaud, que ainda que a paciente tivesse sabido do resultado do exame em março de 2013, tendo em consideração o tipo e a agressividade do tumor teria que ser sempre submetida a terapêutica oncológica, nomeadamente quimioterapia e radioterapia e, com elevado grau de probabilidade, mastectomia integral.
19.-Ademais, é relevante ter presente que, ao contrário do que a Autora pretende fazer crer, ainda que tivesse havido atraso no diagnóstico imputável aos RR. - o que não se aceita - tal atraso nunca seria de 5 meses, mas antes nunca superior a 3 meses.
20.-E isto porque a Atura, desde pelo menos o início de junho que tinha detetado novos caroços no peito, que, pela sua aparente gravidade, não podiam deixar de constituir um alerta que a levasse a pedir de imediato um diagnostico, facto que a Autora omitiu na presente ação, mas que se extrai do depoimento do marido da Autora, bem como do Relatório pericial de dano corporal e do Relatório pericial de avaliação psicológica.
21.-O tempo que demorou o diagnóstico não originou metástases do tumor inicial para qualquer parte do corpo da Autora.
22.-E, o nódulo inicial da Autora foi integralmente retirado pelo 2.° R - o que corresponde a uma mastectomia parcial, só mais tarde tendo aparecido novos nódulos de crescimento rápido e agressivo.
23.-Os tratamentos a que a Autora teve que ser sujeita não derivaram, assim, de uma evolução negativa do nódulo inicial.
24.-No que aos efeitos secundários da quimioterapia diz respeito, não foi também produzida qualquer prova mínima, ainda que indiciária, no sentido de que se a Autora tivesse sido diagnosticada antes teriam sido diferentes os efeitos secundários da quimioterapia.
25.-Em face da total inexistência de prova direta ou de quaisquer indícios, bem andou, pois, o tribunal a quo ao decidir como não provado a existência de uma causalidade entre o atraso no diagnostico de 3 meses e evolução da doença ou os tratamentos a que a Autora teve que ser sujeita, pelo que deve manter-se como não provado o facto constante da alíneas k).
26.-Em face dos factos que resultaram provados da instrução da causa, e que se devem integralmente manter, não há outra solução jurídica que não a absolvição integral dos RR, nos termos e pelas razões expendidas na douta sentença, que aqui se dão por reproduzidos.
27.-Os Réus cumpriram todas as obrigações a que se vincularam, nomeadamente a obrigação de informação, uma vez que deram conhecimento do resultado da análise do nódulo à Autora assim que tiveram conhecimento de tal resultado.
28.-Note-se, aliás, que não se provou "que os Réus se tenham obrigado a dar, de imediato, conhecimento à A. do resultado da análise e diagnóstico histopatológico ao nódulo retirado da mama direta da A” - facto não provado a) - que a Autora não põe em causa no presente recurso.
29.-E não seria exigível, tal como bem considerou a sentença, que se impusesse sobre os RR. o ónus de diligenciarem ativamente por procurar saber o resultado do exame em data anterior a 22/07/2013, uma vez que não existia qualquer suspeita de malignidade sobre o nódulo extraído, tendo o nódulo sido enviado para exame por mera rotina e precaução.
30.-Ficou provado que a Recorrente não apresentava indícios clínicos ou queixas que justificassem qualquer alerta, (cfr. pontos 142 a 144 da factualidade provada) e, inclusive, descartou expressamente essa hipótese, informando os Recorridos que o seu médico, que a acompanhava anteriormente, lhe disse que não era "nada de mau” (cfr. alínea Z) dos factos provados), e que os exames realizados até à cirurgia apontavam para a benignidade do nódulo da Recorrente (cfr. pontos 147 a 155 da factualidade provada).
31.-Assim, bem andou o tribunal a quo ao referir que inexistiam razões para que os Réus, aqui Recorrentes, suspeitassem da falta de resposta dos laboratórios quanto ao resultado do exame da Recorrente.
32.-Acresce que, os Recorrentes não foram contactados pelo laboratório de análises, como é habitual nos casos de existência de tumores malignos (cfr. 154 da factualidade provada), pelo que não estranharam a demora na comunicação do resultado do exame.
33.-De resto, como notou o tribunal a quo, é a própria Recorrente que acaba por se desinteressar de saber o resultado dos exames, porquanto, após as consultas de 16/02/2013 e de 17/03/2013, de seguimento pós-operatório, só voltou a procurar saber do resultado dos exames em julho de 2013 (cfr. alínea J) da factualidade provada), uma vez que detetou outro caroço na mesma mama da qual havia sido retirado o nódulo.
34.-Não existiu, portanto, a violação de qualquer dever contratual por parte dos Recorridos, pelo que estes não se podem constituir na obrigação de indemnizar a Recorrente.
35.-Por fim, e tal como resulta dos factos que resultaram provados na instrução da causa, não se logrou demonstrar a existência de nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito dos Recorridos e os danos sofridos pela Autora, patrimoniais e não patrimoniais, como se lhe impunha na presente ação.
36.-Efetivamente, ficou provado que a Recorrente sempre teria que ser submetida a tratamentos, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data (cfr. ponto 158 dos factos provados).
37.-Assim, não foi feita sequer uma prova mínima de um qualquer nexo de causalidade entre o alegado facto ilícito e os danos sofridos, tanto patrimoniais como não patrimoniais.
38.-Por esta razão, não poderia o tribunal a quo considerar a existência de uma perda da chance da Autora de evitar um tratamento mais agressivo uma vez que não existem sequer indícios de que a Autora teria que ser submetida a tratamentos menos violentos caso tivesse detetado o tumor 3 meses antes.
39.-Em todo o caso, caso assim não se entenda, o que se admite por mera cautela de patrocínio, não poderia deixar de se considerar a existência de culpas concorrentes entre os Recorridos e a Recorrente para a produção do resultado, o que implicaria a partilha de responsabilidades pelos danos sofridos pela Recorrente.

Ampliação do objeto do recurso:
40.-Por fim, os ora Recorridos não podem concordar com a parte da sentença, na fundamentação de direito, que entendeu que a extração do nódulo da mama da Autora e o seu envio para análise estava integrada no contrato de prestação de serviços celebrado entre esta e os RR., uma vez que se tratou de um favor que os RR. fizeram à Autora, a título gratuito.
41.-Tratou-se, portanto, de uma prestação a título de liberalidade, a que é aplicável o regime dos artigos 940.° e seguintes do Código Civil, nomeadamente o disposto no artigo 957.°, n.º 1, que dispõe que "O doador não responde pelos ónus ou limitações do direito transmitido, nem pelos vícios da coisa doada...”.
42.-Deste modo, ainda que a prestação dos RR perante a Autora, no que se refere à extração do nódulo e envio para análise, com caracter de liberalidade, tivesse sido erradamente executada - o que não foi - , não poderiam os RR ser responsáveis pelos danos decorrentes dos vícios de tal prestação,
43.-O que se requer seja decidido, a título subsidiário, prevenindo a possibilidade de procederem os fundamentos do recurso da Autora.

10.–A Apelante veio responder, entendendo que a ampliação do objeto do recurso deve ser julgada improcedente.

11.–Cumpre apreciar e decidir.
***

II–Os factos

Na sentença sob recurso foram considerados como provados os seguintes factos:

Factos Já Provados no Despacho de 23.05.2017:
A)–A A. nasceu no dia 07.06.1979, conforme certidão do assento de nascimento de fls. 23v a 24, que se dá por reproduzida;
B)–Em 02.02.2008, a A. contraiu casamento civil, sem convenção antenupcial, com José ....., conforme certidão do assento de casamento de fls. 25, que se dá por reproduzida;
C)–Manuel Maria ..... nasceu no dia 29.01.2012 e é filho da A. e de José ....., conforme certidão do assento de nascimento de fls. 26, que se dá por reproduzida;
D)–Em Janeiro de 2013, a A. foi consultada em Lisboa, na B (1.ª R.) pelo senhor C (2.º R.), respetivo diretor clínico;
E)–Após consulta e exames complementares, foi decidido que a A. iria ser submetida a uma mamoplastia e, concomitantemente, à exérese (extração) de um nódulo na mama direita;
F)–No dia 14.02.2013, a A. foi submetida a cirurgia estética bilateral da mama (mamoplastia bilateral), tendo sido na altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico;
G)–A cirurgia teve lugar na Clínica Europa, sita na Rua de C...., Nº..., em C_____, tendo a A. permanecido internada durante o período de três dias (2 noites de internamento);
H)–O 2.° R. foi o cirurgião que procedeu à mamoplastia bilateral, à exérese do nódulo e ao acompanhamento pós-operatório da A.;
I)–Após a cirurgia e internamento, a A. deslocou-se três vezes à 1ª R., em 26.02.2013, 02.03.2013 e 17.03.2013, para ser submetida a consultas de revisão pós-operatória, superentendidas pelo 2.º R.;
J)–No dia 18.07.2013, o marido da A. enviou uma comunicação via correio eletrónico para a 2ª R. (clinica...@...pt), dirigida ao 2.º R., com o seguinte teor: «Dr. C , Em 14 de Fevereiro deste ano a minha mulher A foi submetida a uma mamoplastia pelos seus serviços. Na altura foi comunicado que seriam retirados os nódulos existentes e os mesmos enviados para análise clínica. Como até ao momento não nos foram comunicados esses dados gostaria de saber: quais os nódulos extraídos e o resultado da respectiva análise. A informação que pretendo com urgência deveria referir nomeadamente se foram ou não retirados os nódulos existentes na mama direita no UQ interior e no prolongamento axilar conforme indicados na mamografia então solicitada e então entregue. Melhores cumprimentos»;
K)–Na mesma data, a 2ª R., remeteu ao marido da A. uma comunicação via correio eletrónico, assinada por Maria ....., com o seguinte teor: «Compreendo a urgência no tema, mas só amanhã é que poderei dar resposta uma vez que o Dr. Ibérico ..... está ausente do país até final de Julho e hoje não tenho a enfermeira que esteve na cirurgia. Vou pedir para a enfermeira entrar em contacto»;
L)–O marido da A. respondeu, pela mesma via, em 20.07.2013, pelas 16:49:06, nos seguintes termos: «Agradeço a maior urgência e espero que segunda feira tenha informação da enfermeira que estava na cirurgia»;
M)–No dia 22.07.2013, o marido da A. foi contactado telefonicamente por uma senhora, que se identificou como sendo a enfermeira Ana, trabalhadora da 1.ª R., que lhe comunicou que o resultado da análise histológica da peça cirúrgica da A. revelou tratar-se de um carcinoma invasivo;
N)–À data, o marido da A. solicitou à referida enfermeira Ana que lhe enviasse por correio eletrónico o documento que atestava tal diagnóstico;
O)–No dia 22.07.2013, pelas 12:23:05, a 1ª R. remeteu para o endereço de correio eletrónico t.....s.....@....., .com, o referido diagnóstico histológico;

P)–O diagnóstico histológico revelou:
«MACROSCOPIA: Retalhos irregulares de parênquima mamário, o maior de 1 cm de dimensão, acastanhados e endurecidos ao corte.
MICROSCOPIA: Observa-se, a envolver o parênquima mamário, neoplasia maligna com características de carcinoma invasor com áreas de necrose Grau histológico: G3 (nesta amostragem)
CONCLUSÃO: Carcinoma mamário invasor.
Para caracterização definitiva da lesão é necessário o recurso a estudo imunohistoquímico (Recetores de estrogénios e progesterona, Ki-67 e Her2/neu), pelo que será necessário contatar o laboratório para se proceder à sua execução técnica»;
Q)–O exame histopatológico é um ato médico que consiste em examinar ao microscópio um fragmento de tecido de um órgão qualquer do paciente com o fim de se firmar, confirmar ou afastar uma ou mais hipóteses diagnósticas;
R)–Em geral, o médico que solicita ao anatomopatologista o exame histopatológico tem uma ou mais hipóteses diagnósticas e utiliza o exame para, confirmando o seu diagnóstico, estabelecer uma condução adequada do caso e uma ação terapêutica efetiva ou, então, não confirmando, redirecionar os seus esforços no estudo do caso;
S)–Face à importância de tal exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de imediato comunicada ao paciente;
T)–A A. remeteu à 1.ª R. uma carta registada com aviso de receção, datada de 25/07/2013 e por ela recebida em 26/07/2013, solicitando informação relativamente à data em que foi enviado o material para análise e à data em que foi enviado o resultado para a clínica;
U)–Em resposta, a 1ª R. remeteu à A. uma carta registada em com aviso de receção datada de 29/07/2013, informando a A. que o nódulo mamário foi levantado no dia 20/02/2013 na clínica por um funcionário do General Lab, que o General Lab - Laboratórios de Análises Clínicas envia as peças e nódulos mamários para análise para outro laboratório do mesmo grupo - Laboratórios Macedo ..... (P____), e que tomaram conhecimento do resultado da análise do referido nódulo no dia 22/07/2013, data em lhes foi enviado via e-mail pelo laboratório na sequência do seu pedido;
V)–A 1.ª  R. dedica-se à prestação de serviços médicos e cuidados de saúde em geral;
W)–O 2.° R. é médico-cirurgião, especialista em cirurgia plástica;
X)–Um exame como o referido na al. P) nunca demora mais de duas semanas desde a data da extração da peça cirúrgica, análise e conhecimento ao médico que o solicitou;
Y)–No dia 26.06.2013, a A. constituiu uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada denominada “Kand’s Kids, Lda.”, tendo por objecto a comercialização de vestuário, calçado e acessórios para homem, mulher e criança, e na qual a A. detém uma quota correspondente a 25% do capital social e cuja gerência ficou a seu cargo e a cargo de outra sócio, conforme certidão da escritura pública outorgada no 2.º Cartório Notarial de Maputo, a fls. ..... a ..... do Livro .....-D, cuja cópia consta de fls. 78 a 80, que se dá por reproduzida;
Z)–No dia 17.01.2013, a A. remeteu à 1.ª R. uma comunicação eletrónica, com o seguinte teor, dirigida a Maria .....: «Hoje fui ao médico por causa de um caroço que me apareceu na mama direita e ele diz que é um nódulo, nada de mau, mas que tem que se tirar. Amanhã pelas 15 horas vou tirar com anestesia local. Achas que a minha correção estética pode manter-se a data (14 Fevereiro)»;
AA)–Nessa sequência, a referida Maria ..... remeteu, na mesma data, uma comunicação eletrónica à A., com o seguinte teor: «Não sei se não deverá aproveitar a cirurgia e o C tira-lhe o nódulo e enviamos para análise. O que acha?»;
BB)–No dia 18.01.2013, a A. remeteu à 1ª R. uma comunicação eletrónica, com o seguinte teor, dirigida a Maria .....: «Conseguiu desmarcar a intervenção aqui. Mande o preço do C  para me tirar o nódulo»;
CC)–Nessa sequência, a referida Maria ..... remeteu, na mesma data, uma comunicação eletrónica à A., com o seguinte teor: «O valor da remoção do sinal fica incluído a cirurgia»;
DD)–O 2.° R. celebrou com a Axa Portugal - Companhia de Seguros, S.A., atual Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., ao abrigo de um protocolo com a Ordem dos Médicos, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.º 0084.05.932232, com o capital seguro de € 600.000,00, limitado a 50% em cada sinistro, com uma franquia de 10% do valor dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de € 125,00, sujeito às condições particulares, especiais e gerais que constam de fls. 150v, 151 e 216 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, e que se mantém em vigor;
EE)–O 2.° R. celebrou com a Axa Portugal - Companhia de Seguros, S.A., atual Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice n.° 84.10.068091, em que é tomadora do seguro a Ordem dos Médicos, com o capital seguro de € 15.000,00, sem franquia, sujeito às condições particulares, especiais e gerais que constam de fls. 152 a 156 e 218 a 224, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente, a cláusula 5.ª, n.º 1 das condições especiais;

Factos Enunciados nos Temas da Prova:
1.-O nódulo retirado da mama direita da A. ficou na posse da 1.ª e do 2.º RR;
2.-Os quais se obrigaram a remetê-lo para o laboratório, que habitualmente contratavam, para análise e diagnóstico histopatológico;
3.-.....
4.-O nódulo retirado da mama direita da A. foi entregue pela 1.ª R. a General Lab Portugal, S.A.;
5.-Pelo menos, nas consultas 26.02.2013 e de 17.03.2013 referidas na al. I), a A. procurou obter informações acerca do resultado da análise e do diagnóstico histopatológico do nódulo da mama direita;
6.-Mas, foi-lhe sempre transmitido nessas consultas, pelo 1.° R., que a 2ª R. ainda não tinha conhecimento do resultado;
7.-Na data referida na al. O) (22.07.2013), a A. e respetivo agregado familiar encontravam-se na respectiva morada de família, na cidade de Viseu;
8.-Dada a gravidade da situação, tornou-se imperioso adotar medidas e procedimentos terapêuticos urgentes;
9.-A resposta mais rápida que a A. obteve foi da Fundação Champalimaud, com sede na Av. B___, em L____;
10.-No dia 26.07.2013, a A. foi submetida a consulta de oncologia e a exames auxiliares de diagnóstico analíticos e imagiológicos, na Fundação Champalimaud;
11.-Com o que despendeu € 519,50;
12.-Nesse mesmo dia, a A. realizou todos os exames descritos no documento n.° 7 junto com a petição inicial (a fls. 29), nomeadamente TAC do tórax, do abdómen superior, pélvica com administração de contraste I.V., ecografia abdominal, ginecológica, ginecológica com sonda vaginal e análises ao sangue;
13.-No dia 29.07.2013, a A. realizou, na Fundação Champalimaud, cintigrafia óssea (corpo inteiro) e eletrocardiograma simples de 12 (doze) derivações com interpretação e relatório;
14.-Com o que despendeu € 102,50;
15.-A A. foi submetida a biópsia das lesões mamárias, que revelaram tratar-se de um carcinoma invasivo, NST, com características de medular, G3, RE positivo fraco (3%), RP negativo, HER-IHC2+-FISH negativo, Ki67 100%;
16.-Os exames de estadiamento, ou seja, a avaliação da extensão do tumor, revelaram a existência de uma lesão quística no ovário direito;
17.-Após estes exames, assumiu-se o diagnóstico de carcinoma da mama localmente avançado;
18.-A A. iniciou quimioterapia em contexto neoadjuvante com esquema ECx4 (4 ciclos) seguido de Paclitaxel x4 (4 ciclos - regime dose dense), tendo feito sete tratamentos de quimioterapia, na Fundação Champalimaud, nos dias 31.07.2013, 13.08.2013, 12.09.2013, 26.09.2013, 10.10.2013, 24.10.2013 e 07.11.2013;
19.-Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes: € 1.344,42, € 1.123,17, € 1.282,63, € 1.299,87, € 1.164,98, € 1.195,95 e € 1.220,61;

20.-Nos períodos intercalares das sessões de quimioterapia, e para avaliação do respetivo estado clínico, a A. realizou os seguintes exames e consultas na Fundação Champalimaud:
a)-em 31/07/2013 realizou ressonância magnética (administração de contraste I.V.);
b)-em 12/08/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;
c)-em 12/08/2013 realizou exame histopatológico de peça cirúrgica complexa e revisão de diagnóstico;
d)-em 28/08/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;
e)-em 29/08/2013 foi-lhe introduzido um cateter i.v. com tunelização;
f)-em 11/09/2013 compareceu a consulta de oncologia e realizou diversas análises clínicas;
g)-em 11/10/2013 realizou análises à hemograma (eritrograma + leucócitos + fórmula leucocitária);
h)-em 02/10/2013 realizou diversas análises clínicas;
i)-em 26/09/2013 compareceu a consulta de oncologia;
j)-em 26/09/2013 realizou um CA - 125;
k)-em 23/10/2013 realizou diversas análises clínicas;
l)- em 23/10/2013 compareceu a consulta de oncologia;
m)-em 26/09/2013 realizou ecografia mamária, axilar, antigénio carcino - embrionário (CEA) e CA;
n)-em 27/09/2013 realizou uma ressonância magnética (RM) do abdómen, pélvica com administração de contraste I.V.;
o)-em 07/11/2013 realizou uma ressonância magnética (RM) mamária;
p)- em 07/11/2013 fez administração de contraste I.V.

21.–Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:
a)-€ 60,00;
b)-€ 84,00;
c)-€ 170,00;
d)-€ 83,00;
e)-€ 480,00;
f)-€ 53,50;
g)-€ 4,00;
h)-€ 118,00;
i)-€ 40,00;
j)-€ 25,00;
k)-€ 30,00;
l)-€ 40,00
m)-€ 136,00;
n)-€ 360,00;
o)-€ 150,00;
p)-€ 60,00;

22.–A A. foi submetida a estudo genético - pesquisa de mutação BRCA1, cujo resultado foi negativo;
23.–Em 05.12.2013, e de acordo com o estado da arte, a A. foi submetida, na Cruz Vermelha Portuguesa, a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, anexectomia bilateral;
24.–A A. esteve internada na Cruz Vermelha Portuguesa durante um período de tempo não apurado;
25.–.....
26.–.....
27.–Entre o final da quimioterapia (QT) e a cirurgia, ocorreu progressão da doença na mama;
28.–Após essa cirurgia, o estudo anátomo-patológico revelou: carcinoma residual de 60 mm, 17 gânglios negativos/5 com fibrose, triplo negativo, Ki67: 95% e teratoma benigno ovário direito e útero fibromatoso;

29.–Em Dezembro de 2013, a A. realizou os seguintes exames e análises:
a)-em 23/12/2013, imunohistoquimica por anticorpo;
b)-em 26/12/2013 - ecografia abdominal;
c)-em 26/12/2013 - análises clínicas;

30.–Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:
a)-€ 180,00;
b)-€ 39,00;
c)- € 77,00;

31.–Devido aos fatores de mau prognóstico, foi proposta à A., pela Fundação Champalimaud, a realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia com docetaxel e carboplatino;
32.–No dia 06.01.2014, a A. compareceu na consulta de radioterapia;
33.–Com o que despendeu € 50,00;

34.–Nessa sequência, a A.realizou a terapia referida no n.° 31, nos seguintes termos:
a)-em 07.01.2014, a A. foi submetida ao primeiro ciclo;
b)-em 28.01.2014, a A. foi submetida ao segundo ciclo e consulta;
c)-em 18.02.2014, a A. foi submetida ao terceiro ciclo e consulta;
d)-em 10.03.2014, a A. compareceu a nova consulta de radioterapia;
e)-em 10.03.2014, a A. compareceu a consulta de oncologia e realizou análises;
f)-em 17.03.2014, a A. foi submetida ao quarto ciclo;

35.–Com o que despendeu, respetivamente, os seguintes montantes:
a)-€ 593,36;
b)-€ 661,46;
c)-€ 611,04;
d)-€ 40,00;
e)-€ 113,50;
f)-€ 613,21;

36.–No período compreendido entre 7 a 24 de Abril de 2014, a A. realizou radioterapia adjuvante sobre a parede torácica e cadeias ganglionares;
37.–Com o que despendeu € 3.500,00;
38.–Em 22.04.2014, a A. realizou novas análises clínicas;
39.–Com o que despendeu € 73,50;
40.–Segundo as orientações médicas, a A. deve manter vigilância médica regular com a periodicidade de três meses e até aos três anos após a intervenção, da qual deve constar exame objetivo e avaliação analítica (com CA 15.3/CEA);
41.–Depois dos três anos e até aos cinco anos, a A. deve proceder a tal avaliação de seis em seis meses;
42.–A A. apresenta indicação para realizar avaliação imagiológica com periocidade anual (mamografia/ecografia mamária, ecografia abdominal, radiografia do tórax e cintigrafia óssea) ou de acordo com sintomatologia;
43.–A A. realizou análises clínicas e em 23/07/2014 compareceu a consulta de Oncologia na Fundação Champalimaud;
44.–Com o que despendeu € 113,50;
45.–Em 02/10/2014, a A. realizou os exames e análises;
46.–Com o que despendeu € 424,50;
47.–No dia 05.01.2015, a A. fez ecografia e análises ao sangue;
48.–Com o que despendeu € 111,50;
49.–Em Abril de 2015, a A. iniciou o processo de reconstrução mamária, por enxertos de gordura seriados;
50.–Para tanto, em 14.04.2015, a A. foi submetida a consulta de cirurgia plástica e reconstrutiva e a exames e a análises clínicas;
51.–Com o que despendeu € 169,00;
52.–A A. realizou igualmente, na mesma data, RX tórax e eletrocardiograma simples de 12 derivações com interpretações e relatório;
53.–No dia 15.04.2015, a A. foi submetida a consulta de oncologia;
54.–Com o que despendeu € 40,00;
55.– .....
56.–No dia 21.04.015, a A. realizou a primeira sessão de reconstrução mamária, na Fundação Champalimaud;
57.–Com o que despendeu € 2.276,99;
58.–A segunda sessão de reconstrução mamária ocorreu no dia 22.09.2015;
59.–O custo da segunda sessão da reconstrução mamária foi orçamentado em € 1.519,47;
60.–.....
61.–.....
62.–Em 23.04.2015 foram prescritas à A. doze sessões de fisioterapia do local mastectomizado (à direita), membro superior e abdómen;
63.–Para tanto a A. despendeu, em 28.04.2015, a quantia de € 140,00;
64.–No dia 10.07.2015, a A. foi submetida a nova consulta de oncologia na Fundação Champalimaud;
65.–Com o que despendeu € 40,00;
66.–No dia anterior à consulta, a A. realizou análises clínicas;
67.–Com o que despendeu € 83,50;
68.–No dia 25/07/2013, a A. enviou uma carta registada com aviso de receção para Macedo ..... Laboratórios, solicitando informação relativamente à data em que foi enviado o material para análise e a data em que foi enviado o resultado para a 1.a R.;
69.–Tal carta foi devolvida;
70.–No dia 08/08/2013, a A. enviou nova comunicação de igual teor, que foi rececionada no dia 09/08/2013;
71.–Nessa sequência, Macedo ..... Laboratórios informou a A. que: «a) Recebemos no Laboratório Dr. Macedo ..... no dia 22 de Fevereiro de 2013 um produto de um nódulo da mama direita para analisar, proveniente do Laboratório Soprelab, em nome de A. b) No dia 25 de Fevereiro de 2013, após o processamento técnico, as lâminas foram vistas pela Dra. Ana ....., Anatomopatologista, e foi elaborado um relatório preliminar. c) No dia 04 de Março de 2013, as lâminas foram revistas pelo Dr. Macedo ....., Anatomopatologista e Diretor Clínico, no âmbito do nosso controlo de qualidade, e foi então redigido e relatório final. d) No dia 05 de Março de 2013 o exame foi enviado via CTT para o Laboratório Soprelab»;
72.–No dia 06/08/2013, a A. dirigiu uma comunicação registada com aviso de receção a General Lab (laboratório de análises), recebida em 09/08/2013, solicitando informação relativamente à data em que foi levantado o material para análise e à data em que foi enviado o resultado para a 1.a R. ou para os Laboratórios Macedo ......;
73.–Tal laboratório respondeu à A. por carta datada de 08/09/2013, referindo que a 1.ª R. lhes solicitou para recolher a referida peça no dia 20.02.2013 para análise no Laboratório Dr. Macedo ..... e no dia 05.03.2013 o Laboratório de Anatomia Patológica de Macedo ..... emitiu o resultado da análise, tendo este sido entregue de imediato na 1.ª R., como habitualmente;
74.– .....
75.–Um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3 significa e indica que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior;
76.–Segundo a prática clínica, geralmente as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos de idade, possuem uma evolução clínica pior do que as mulheres mais velhas, apresentando tumores com características prognósticas mais reservadas, como o grau histológico 3 (G3);
77.–De acordo com alguns estudos, a idade jovem pode ser um fator de prognóstico mais reservado, o que, também, depende do tipo de tumor;
78.–O lapso de tempo que mediou entre, por um lado, a extração do nódulo e o envio do mesmo para análise e, por outro lado, o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta e o acompanhamento clínico da A.;
79.–.....
80.–Após o conhecimento do resultado do exame referido na al. P), a vida da A. passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade;
81.–A A. não deixa de pensar que se tivesse tido conhecimento daquele resultado alguns meses antes, as consequências seriam inevitavelmente diferentes;
82.–Na sequência da progressão da doença e de cada uma das sessões de quimioterapia, a A. sofreu os seus efeitos secundários, tais como fortes dores em todo o corpo, sobretudo na cabeça, cansaço, vómitos e náuseas frequentes;
83.–Nos cinco dias subsequentes a cada uma das sessões de quimioterapia, a A. permanecia acamada num estado de completa letargia;
84.–Após as sessões de radioterapia, a A. tinha sintomas idênticos, agravados com a perda de memória;
85.–Os tratamentos a que a A. foi sujeita potenciam o estado de menopausa precoce, com mau estar geral e afrontamentos;
86.–Devido às lesões de que padeceu e ao esgotamento nervoso que as mesmas originaram, a A. não conseguia sequer dormir e descansar conveniente;
87.–A A. andava, permanentemente, esquecida, irritada e em estado de letargia completa;
88.–Até data não apurada, a A. tomou tranquilizantes e antidepressivos, que obstavam à sua plena capacidade psicomotora e a deixavam numa apatia constante;
89.–A A. sofreu dores, tristeza e desgostos profundos por não poder tratar do filho;
90.–A A. vivia em constante pânico da recorrência da neoplasia e de continuar a ser dependente de tranquilizantes, antidepressivos e tratamentos consecutivos;
91.–Durante mais de um ano de tratamentos, consultas, exames e cirurgias, a A. esteve impedida de tratar, cuidar e acompanhar, de forma plena, o crescimento do filho;
92.–O que agravou ainda mais o estado de ansiedade e depressão da A.;
93.–O marido da A. também ficou impedido de cuidar do filho de forma plena, pois era ele que a acompanhava e estava sempre ao seu lado para lhe dar toda assistência, apoio e cuidados que a mesma necessitava;
94.–Dada a impossibilidade da A. tratar do filho, foi a avó materna que dele cuidou, durante período de tempo não concretamente apurado, tendo, para tanto, que vir viver temporariamente para a cidade de Viseu;
95.–A mãe da A. vive na cidade da Beira, em Moçambique, onde tem o respetivo agregado familiar;
96.–.....
97.–.....
98.–A A. tem o curso de Marketing, Relações Públicas e Publicidade;
99.–O marido da A. é licenciado em Direito, trabalhando por conta da PT - Comunicações, S.A.;
100.–O marido da A. é, também, consultor na área de gestão de recursos humanos e desenvolvimento organizacional;
101.–A A. e respetivo agregado familiar, constituído pelo marido e filho, têm residência em Portugal, na cidade de Viseu;
102.–Mas deslocam-se com frequência para Maputo, Moçambique, onde desenvolvem atividades complementares às respetivas atividades profissionais;
103.–Durante cerca de dez meses, a A. teve que se deslocar da sua residência, em Viseu, para as consultas e tratamentos em Lisboa;
104.–E, por vezes, teve que permanecer em hotéis;
105.–Nessas deslocações e estadias a A. era e tinha de ser sempre acompanhada por uma pessoa que, neste caso, era o marido;
106.–Entre a residência da A. em Viseu e Lisboa distam cerca de 290 Km;
107.–A A. fez deslocou-se em veículo próprio para ir a consultas, exames médicos e sessões de quimioterapia;
108.–A A. despendeu gasolina e suportou o desgaste normal do veículo próprio face a tais deslocações;
109.–.....

110.–Na sequência de todos os tratamentos e consultas, a A. e marido tiverem que pernoitar em hotéis nos seguintes dias e suportaram os seguintes dispêndios:
- noite de 25/07/2013 para 26/07/2013 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT2/191071 no montante de € 139,25;
- noite de 12/08/2013 para 13/08/2013 no Hotel Riviera, fatura nr.° 3687/VD13 no montante de € 90,00;
- noite de 28/08/2013 para 29/08/2013 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT2/193161 no montante de € 114,50;
- noite de 11/09/2013 para 12/09/2013 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT2/194228 no montante de € 119,00;
- noite de 26/09/2013 para 27/09/2013 no Hotel Riviera, fatura nr.° 4561/VD13 e 4556/VD13 no montante de € 4,50 e 175,00 respetivamente;
- noite de 02/10/2013 para 03/10/2013 no Hotel Riviera, fatura nr.° 4655/VD13 no montante de € 110,10;
- noite de 06/11/2013 para 07/11/2013 no Hotel Olissipo, fatura nr.° FT32/3207  no montante de € 83,30;
- noite de 04/12/2013 para 09/12/2013 no Hotel Olissippo,     fatura nr.° FT12/2986 no montante de € 271,60;
- noite de 09/12/2013 para 18/12/2013 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT12/3301 e FT12/3420 no montante de € 411,40 e de € 45,50 respetivamente;
noite de 23/12/2013 para 24/12/2013 no Hotel Riviera, Nr.° de Reserva 321095438 no montante de € 60,00;
noite de 26/12/2013 para 28/12/2013 no Hotel Riviera, Nr.° de Reserva 582704652 no montante de € 120,00;
noite de 06/01/2014 para 07/01/2014 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT12/3945  no montante de € 85,50;
- noite de 07/01/2014 para 08/01/2014 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT12/3963  no montante de € 79,00;
noite de 17/01/2014 para 18/01/2014 no Hotel Riviera, fatura nr.° 53/VD14 no montante de € 76,00;
noite de 27/01/2014 para 28/01/2014 no Hotel Riviera, fatura nr.° 51/VD14 no montante de € 60,00;
- noite de 16/02/2014 para 17/02/2014 no Novotel, fatura nr.° FOLS784/44404 no montante de € 73,00;
- noite de 10/03/2014 para 11/03/2014 no Hotel Riviera, fatura nr.° 54/VD14 no montante de € 80,00;
- noite de 09/04/2014 para 11/04/2014 no Hotel Riviera, fatura nr.° 52/VD14 no montante de € 150,00;
- noite de 14/04/2014 para 17/04/2014 no Hotel Ambassador Home Belém, Nr.° de Reserva 155413543 no montante de € 207,00;
- noite de 27/04/2014 para 28/04/2014 no Hotel Olissippo, fatura nr.° FT32/16293 no montante de € 39,75;
- noite de 21/04/2014 para 23/04/2014 em Apartamento de Lisboa, Nr.° de Reserva 412002386 no montante e de € 240,00;
- noite de 23/04/2014 para 24/04/2014 em Apartamento de Lisboa, Nr.° de Reserva 155474294 no montante de € 90,00;
noite de 22/07/2014 para 23/07/2014 em Apartamento de Lisboa, Nr.° de Reserva 825374505 no montante de € 160,00;

111.–A A. era uma mulher trabalhadora e em plena capacidade produtiva;
112.–.....
113.–A A. sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, resultante do processo de tratamento da neoplasia maligna da mama;
114.–.....
115.–Devido ao processo de tratamento da neoplasia maligna da mama, a A. sofre de uma perturbação ligeira da memória;
116.–A A. apresenta uma limitação funcional ligeira na utilização do membro superior direito, traduzida na dificuldade em fazer força com o mesmo, edema e desconforto a esse nível em alguns períodos;
117.–.....
118.–Desde Julho de 2013, a A. esteve impedida de pegar no filho ao colo em alguns períodos;
119.–O que consta do n.º 116 são efeitos secundários do esvaziamento axilar cirúrgico e da radioterapia;
120.–.....
121.–Nas despesas referidas nos n.ºs 10 a 20 e 29 a 67, a A. teve a comparticipação da Associação de Cuidados de Saúde da Portugal Telecom, no montante total de € 11.809,15, só tendo suportado o montante de € 13.786,73;
122.–A A. sofreu e sofre dores intensas, incómodos e um desgosto profundo em virtude da transformação que a sua vida levou;
123.–A A. era uma mulher alegre, divertida, bem-disposta, muito apegada à vida, e gostava de conviver com os amigos e familiares;
124.–E, desde 26.07.2013 e até data não apurada, deixou de o fazer, porque a sua debilidade física e anímica (psíquica) não lho permitia;
125.–Quando regressava a casa dos tratamentos e consultas, a A. casa fechava-se no quarto, não querendo conviver com ninguém;
127.–Durante um período de tempo não apurado, a A. não recebeu amigos e familiares em casa;
128.–Durante um período de tempo não apurado, a A. não ia a quaisquer eventos para os quais era convidada e não saía para tomar um café ou conviver com os amigos;
129.–A A. e marido previam e desejavam ter e criar outros filhos;
130.–O que ficou completamente afastado em face da situação da A. supra descrita;
131.–Entre a A. e o seu marido deixou de haver sexualidade, o que abalou profundamente a relação de ambos;
132.–A A. sofreu um fortíssimo abalo na sua autoestima;
133 e 134.–A A. ficou com as cicatrizes melhores descritas no relatório pericial de fls. 525 e verso dos autos, que aqui se dá por reproduzido;
135.–Tais cicatrizes muito marcam a A. do ponto de vista psicológico e estético e trazem-lhe amargura;
136.–Durante os tratamentos supra descritos, caiu todo o cabelo da A.;
137.–.....
138.–.....
139.–Pelos serviços referidos nas als. D) a I) a A. pagou à 1.° R. a quantia de € 10.515,00;
140.–.....
141.–.....
142.–Quando a A. consultou o 2.º R., pela primeira vez, em 15.01.2013, a A. não disse que tinha um nódulo mamário;
143.–O objetivo dessa consulta foi, tão-somente, a preparação de uma cirurgia estética à mama - mamoplastia de aumento - com vista a melhorar o seu aspeto estético;
144.–Nessa altura, a A. não apresentou ao 2.º R. quaisquer indícios clínicos ou queixas sobre a possibilidade de existência de um tumor maligno;
145.–O 2.º R. solicitou à A. a realização de alguns exames clínicos, nomeadamente, eletrocardiograma, mamografia, ecografia mamária, análises ao sangue e urina;
146.–Antes da cirurgia de 14.02.2013, a A. exibiu ao 2.º R. o eletrocardiograma e as análises ao sangue realizadas em 31.01.2013, bem como a ecografia mamária realizada em 10.01.2013 e a mamografia realizada em 01.02.2013;
147.–A ecografia mamária de 10.01.2013 apontava para a benignidade do nódulo detetado, sendo que a mamografia de 01.02.2013 apontava para a benignidade dos nódulos detetados, mas alertava para a necessidade de investigação (biópsia) do nódulo da axila direita, pela sua localização e dimensão;
148.–.....
149.–A cirurgia de 14.02.2013 decorreu com normalidade, sem quaisquer problemas no antes e pós-operatório;
150.–No dia 20.02.2013, o nódulo extraído da mama direita da A. foi enviado para análise ao Laboratório General Lab;
151.–O que o 2.° R. fez por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular sobre o assunto;
152.–O 2.º R. pediu a análise ao nódulo por fazer parte da rotina, com o conhecimento e consentimento da A.;
153.–.....
154.–Os médicos Dr. Ana ....., anatomopatologista, e Dr. Macedo ....., anatomopatologista e diretor clínico dos Laboratórios Macedo ..... não contactaram o 2.º R. ou qualquer funcionário da 1.ª R. para lhes dar conhecimento do resultado da análise ao tumor da A., como é habitual nestas situações;
155.–O 2.º R. não foi informado da suspeita da presença de células neoplásicas, mesmo antes do diagnóstico anatomopatológico definitivo;
156.–.....
158.–A A. teria que ser submetida a tratamentos, nomeadamente, quimioterapia, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data;
159.–.....

Factos não Provados:

Não se provou:
a)-que os RR. se tenham obrigado a dar, de imediato, conhecimento à A. do resultado da análise e diagnóstico histopatológico ao nódulo retirado da mama direita da A.;
b)-que o nódulo retirado da mama direita da A. tenha sido entregue pela 1.ª R. a Dr. Macedo ....., Laboratório de Anatomia Patológica, S.A.;
c)-que na consulta de 02.03.2013 referida na al. I), a A. tenha procurado obter informações acerca do resultado da análise e do diagnóstico histopatológico do nódulo da mama direita;
d)-que, após vinte e quatro horas de pós-operatório e durante esse internamento, por falências das veias periféricas, tenha sido necessária a colocação de novo cateter venoso central;
e)-que, em virtude de ter ocorrido hemorragia interna, a A. tenha ido novamente ao bloco operatório nas quarenta e oito horas seguintes à intervenção;
f)-que o processo de reconstrução mamária compreenda quatro sessões: a primeira e segunda sessões destinam-se a proceder a excertos de músculo e gordura; a terceira fase destina-se à colocação de gordura e silicone; a quarta fase destina-se à reconstrução da auréola e mamilo;
g)-que a A. tenha sido submetida à terceira sessão de reconstrução mamária em Abril de 2016 e à quarta sessão em Agosto de 2016;
h)-que a realização destas sessões e o sucesso da reconstrução mamária dependa do estado de saúde da A. e da não rejeição dos excertos;
i)-que os 1.ª e 2.º RR. tivessem tido efetivo conhecimento do resultado da análise e diagnóstico histológico referido na al. P) em Março de 2013.
j)-que, para além do que consta do n.º 77, a idade jovem seja e permaneça como fator preditivo significativo de recorrência e morte;
k)-que a progressão da doença e os danos sofridos pela A. não tivessem ocorrido, caso os RR. tivessem comunicado à A. o resultado do exame da análise histológica e respetivo diagnóstico, logo em Março de 2013;
l)-que devido ao estado clínico da A. e para minimizar qualquer risco de infeções que o seu filho poderia transportar para casa, o mesmo tivesse estado impedido de frequentar infantários e atividades desportivas, como natação, e tivesse de permanecer em casa com a avó, não tendo contacto com outras crianças;
m)-que tal situação, por ter posto em causa o processo de socialização do filho, tivesse deixado a A. triste e apreensiva;
n)-que a A. tenha feito, pelo menos, 9114 Km em veículo próprio para se deslocar para consultas, exames médicos e sessões de quimioterapia;
o)-que, em portagens, a A. tenha despendido, pelo menos, € 1.005,20;
p)-que a A. tenha sofrido incapacidade total para o trabalho desde o dia 26/07/2013 até Abril de 2014;
q)-que, a partir de Abril de 2014, a A. tenha passado a sofrer de uma incapacidade parcial permanente;
r)-que a A. se canse com muita facilidade;
s)-que, para além do que consta do n.° 115, após os tratamentos, a memória da A. esteja profundamente afetada, tendo profundas alterações amnésicas;
t)-que o braço direito da A. não possa suportar pesos de mais de um quilo, não possa ser picada, nem sequer medir a tensão arterial;
u)-que, para além do que consta do n.º 118, a A. nunca tenha podido pegar no filho ao colo desde Julho de 2013;
v)-que, devido ao não exercício da sua atividade, no ramo da comercialização de vestuário e calçado, a A. tenha tido prejuízos;
w)-e que esses prejuízos sejam em montante nunca inferior a € 2.500,00 mensais, desde 26.07.2013 e até Abril de 2014;
x)-que, no mês de Dezembro de 2014, a A. não tenha comparecido a dois casamentos nos dias 16 e 20 na cidade da Beira em Moçambique, devido ao estado em que se encontra;
y)-que, para além do que consta do n.º 127, a A. nunca mais tenha recebido amigos e familiares em casa;
z)-que, para além do que consta do n.º 128, a A. não vá a quaisquer eventos para os quais é convidada e que tenha deixado de sair para tomar um café ou conviver com os amigos;
aa)-que, nos últimos tratamentos a que a A. foi submetida para a reconstrução mamária, a anestesia lhe tenha causado dores intensas nos sítios intervencionados, nomeadamente na barriga e nas pernas (partes interiores da coxa);
bb)-que a A. tenha ficado com extensos hematomas dolorosos nas pernas e barriga, que ainda demoraram muitos dias a desaparecer;
cc)-que, pelos serviços referidos nas als. D) a I), a A. tenha pago à 1.a R. a quantia de € 12.700,00, mas que só tenham sido enviados à A. recibos correspondentes à quantia de € 10.515,00;
dd)-que os RR. tenham comunicado à A. o resultado do exame referido na al. P) no próprio dia em que dele tomaram conhecimento;
ee)-que não decorresse dos demais exames qualquer doença ou sintoma da existência de um tumor maligno;
ff)-que nas três consultas referidas na al. I) nunca tenha sido abordada a questão das análises ao nódulo, quer pelo 2.° R., quer pela A. e seu marido;
gg)-que os RR só tenham tido conhecimento do resultado da análise ao nódulo da A. em 22.07.2013, data em que o laboratório o enviou para a 1ª R., via correio eletrónico, na sequência da solicitação da diretora clínica da 1ª R.;
hh)-que a A. tenha solicitado aos RR. o resultado das análises, pela primeira vez, em 18.07.2013;
ii)-que se o 2.º R. suspeitasse que a A. tinha um tumor maligno não tinha realizado à A. a mamoplastia, tendo enviado de imediato a A. para consulta num médico de especialidade oncológica.
***

III–O Direito
Como se sabe, o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, importando em conformidade decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, com exceção daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, artigos 635.º, 608.º e 663.º, do vigente CPC, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, artigo 5.º, n.º 3 do mesmo diploma legal.
No seu necessário atendimento, importa conhecer: a) da impugnação da decisão sobre a matéria de facto; b) da responsabilidade das Recorridas; no âmbito da ampliação do recurso: da prestação a título de liberalidade.

a)–Da impugnação da matéria de facto
Não se discute que a decisão sobre a matéria de facto levada a cabo pela 1.ª instância pode ser alterada conforme o disposto no art.º 662, n.º 1, se a prova produzida (ou um documento superveniente) impuserem decisão diversa, e tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, a impugnação seja realizada[3] na observância do ónus a cargo do recorrente, nos termos do art.º 640, que no caso sob análise se mostra suficientemente cumprido.
Com os poderes/deveres ora em causa[4], na reapreciação da matéria de facto visa-se alcançar a verdade material, numa autonomia decisória[5], vigorando para a Relação o princípio da livre apreciação da prova[6], regendo o princípio da livre valoração[7], traduzido numa (re)apreciação segundo a prudente convicção do juiz[8], no atendimento de critérios de normalidade, mas também da experiência esclarecida que para o caso seja exigível, com a análise serena e objetiva da prova levada aos autos, constituindo a certeza da realidade do facto que, embora não absoluta, assente num grau elevado de probabilidade de ter ocorrido, conforme o julgador o apreendeu[9], pois tal certeza absoluta é quase sempre inatingível, devendo necessariamente ser afastados os entendimentos arbitrários, de mero capricho ou simples produto de “momentos”.
Reconhecidas as reais dificuldades que advêm à reapreciação da prova e formação da sua convicção pela Relação, nomeadamente por falta da mediação e a oralidade, não podem deixar de ser ponderadas no juízo a formular resultante da reapreciação da prova realizada, pelo que chamando também à colação a referência legal que os meios de prova indicados pelo Recorrente imponham, segundo o seu entendimento, decisão diversa, art.º 640, n.º1, b), na formação da sua convicção, este Tribunal deverá conduzir-se com uma acrescida prudência[10], “(…) evitando, porventura, a introdução de alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados (…)”[11].

Para o labor a efetuar, sublinha-se, ainda em nota, que apreciação a fazer não comporta aspetos atomísticos numa formulação primária lógico-sintática, importando o atendimento do respetivo alcance semântico, mas também dos contextos vivenciais e estratégias comunicacionais[12]
Balizados os termos do conhecimento a impugnação da matéria de facto, pretende a Recorrente que o Tribunal a quo errou na apreciação que fez dos factos constantes dos pontos 151, 152 e 158, da matéria provada que deveriam ser dados como não provados, enquanto os pontos i) e k), pelo contrário, mereciam que fossem dados como provados.
Entendem os Recorrentes que a alteração pretendida carece de fundamento, tendo conta o demais apurado.

Nos pontos 151 e 152, consignou-se:
151.-O que o 2.° R. fez por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular sobre o assunto;
152.-O 2.° R. pediu a análise ao nódulo por fazer parte da rotina, com o conhecimento e consentimento da A.;

Tais pontos articulam-se com o disposto no ponto 150, “No dia 20.02.2013, o nódulo extraído da mama direita da A. foi enviado para análise ao Laboratório General Lab”, que não se mostra questionado.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consignou-se: “(…) nas declarações dos RR. e no depoimento da testemunha Maria ....., que, nesta parte, lograram convencer o tribunal, uma vez que, também, resultou provado que inexistiam indícios clínicos ou queixas sobre a possibilidade de existência de um tumor maligno. No que concerne ao conhecimento e consentimento da A., o mesmo decorre, pelo menos, implicitamente, das suas declarações de parte (…)”

Apreciando.

Pretende a Recorrente, desde logo, que o julgamento vertido nesses pontos é contraditório como o constante dos pontos R. e 147, da matéria provada, na medida que consta destes que a indicação para a realização da excisão e da análise resultou da recomendação decorrente da ecografia mamária realizada no dia 1.02.2013.

Quanto a tais pontos, consignou-se, ponto R. “Em geral, o médico que solicita ao anatomopatologista o exame histopatológico tem uma ou mais hipóteses diagnósticas e utiliza o exame para, confirmando o seu diagnóstico, estabelecer uma condução adequada do caso e uma ação terapêutica efetiva ou, então, não confirmando, redirecionar os seus esforços no estudo do caso”, e no ponto 147, “A ecografia mamária de 10.01.2013 apontava para a benignidade do nódulo detetado, sendo que a mamografia de 01.02.2013 apontava para a benignidade dos nódulos detetados, mas alertava para a necessidade de investigação (biópsia) do nódulo da axila direita, pela sua localização e dimensão”.

Se atentarmos à factualidade enunciada não se evidencia qualquer contradição, porquanto apontando o constante no ponto R para uma prática médica genérica, como aliás do mesmo conta, e o ponto n.º 147 relatando os resultados das ecografias realizadas pela Apelante, não contrariam o que em termos de atuação do Recorrido se mostra consignado, relativamente ao caso concreto em análise, no atendimento do constante das ecografias mamárias, caso da que relatava a existência de nódulos.

Invoca a Recorrente que os Apelados na sua contestação aceitam que a necessidade da excisão e envio para análise foi imposta pelo resultado da ecografia mamária, e não porque resultasse de uma prática e rotineira do 2.º Apelado, tendo igualmente aceitado que a Apelante se preparava para efetuar a biópsia numa outra instituição, tendo sido a 1.ª Apelada, através da sua funcionária Maria A....., a sugerir que se aproveitasse a cirurgia já agendada para se proceder à excisão, disponibilizando-se depois para enviar a colheita para análise, como resulta também do depoimento da aludia Maria ..... e de José ....., reiterando que a acima enunciada excisão e exame decorriam de recomendação prévia e não de qualquer procedimento rotineiro do Recorrido, dando-se assim como não provado os pontos 151 e 152.

Percorrendo a contestação não avulta o pretendido pela Apelante, mas algo aproximado do que resultou apurado, caso do vertido nos artigos 42 a 46, no sentido de remessa para análise do nódulo decorrer de uma prática comum seguida pelo Apelado.

Por sua vez, no que concerne ao depoimento de Maria .....[13] referenciou a normalidade de em cirurgias como a efetuada, serem retirados nódulos que são mandados para a análise, nesse âmbito reportando à troca de emails com a Apelante no sentido de ser excisado o nódulo e analisado, o que foi validado pelo Apelado. Já José ....., marido da Apelante[14], reportando as consultas realizadas em Viseu, local onde o casal mora[15], a comunicação feita à clínica Recorrida, decorrente extração efetuada no âmbito da cirurgia, e remessa para análise, em termos que não contrariam o dado como provado, mesmo no caso desta última testemunha, na referência expressa à indicação feita na mamografia, apontando para a realização de biópsia, não sendo capaz de clarificar se o procedimento indicado à Apelante, face a tal resultado, seria a realização de biópsia ou a excisão do nódulo.

Inexiste assim fundamento para alterar o decidido.

No ponto i) da matéria de facto não provada, consignou-seque os 1.ª e 2.º RR. tivessem tido efetivo conhecimento do resultado da análise e diagnóstico histológico referido na al. P) em Março de 2013”,
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto consignou-se:os RR. negaram os factos em causa (afirmando terem tido conhecimento do resultado do exame em Julho de 2013), sendo que as testemunhas José ..... e Fernando ....., representantes dos dois laboratórios envolvidos na análise e diagnóstico em causa, prestaram depoimentos assentes no que funcionários daqueles laboratórios lhes terão informado, tendo-se limitado a assinar as cartas de fls. 387 e 388, contendo as informações remetidas ao tribunal, sem averiguar em que dados assentaram. Acresce que essas informações de fls. 387 e 388 não são coincidentes com as que constam de fls. 71v e 73v., ficando-se sem saber se o resultado foi remetido por estafeta ou por correio e em que data (inexistindo, em qualquer caso, registo da receção). Finalmente, a testemunha Maria C..... negou ter recebido os resultados em Março de 2013, o que, pelo menos, lança sérias dúvidas sobre a efetiva entrega do resultado do exame e sua data”.

Apreciando.

Invoca a Recorrente que articulando a prova documental junta com a petição inicial e o depoimento das testemunhas José ..... e Fernando ....., corroborando o respetivo teor, fica claramente demonstrado que os Recorridos tiveram conhecimento do resultado do exame em março de 2013.

Resulta da análise dos documento juntos aos autos, dos depoimentos e declarações prestadas, ouvidas de forma integral, que na realidade os Recorridos negaram[16] de forma perentória o conhecimento, em março, do resultado do exame de análise histológica.
Quanto aos documentos, em resposta à carta da Apelante de 8.08.2013 dirigida a Macedo ....., Laboratórios, foi remetida por estes uma resposta, indicando que tinham recebido no dia 22.02.2013 um nódulo para examinar, em nome daquela, realizado um relatório preliminar, em 4.03.2013, redigido o relatório final e o resultado enviado via CTT para o Laboratório Soprelab, no dia 5.03.2013. Efetuada a mesma solicitação à General Lab, em 8.08.2013, confirmaram ter recolhido a peça para análise no Laboratório Macedo ....., no dia 20.02.2013, o qual emitiu o resultado da análise no dia 5.03.2013, “ tendo sido entregue de imediato na Clínica B como habitualmente”.

Os dois Laboratórios foram notificados para virem indicar, juntando documento comprovativo, a data da colheita, da emissão do relatório e a entrega na Recorrida, tendo as respostas, idênticas, de 29.09.2017, referido que a amostra foi recolhida naquela última no dia 20.02.2013, enviado para o Laboratório Macedo ....., por transportadora em 21.02.2013, o resultado emitido no dia 25.02.2013, e remetido por carta fechada para a General Lab, e aí recebida no dia 26.02.2013, de imediato enviado para a Apelada por estafeta, que a rececionou naquela data, não tendo sido fornecido qualquer documento, ao encontro do informado.

No que concerne aos depoimentos, o prestado pelo Dr. Macedo ....., afirmando não ter subscrito a segunda carta, foi ao encontro do vertido na primeira carta, em termos de procedimentos e remessa em 5.03.2013, nomeadamente compulsado com a mesma, sendo o resultado enviado, nos termos usuais, pelo correio.

Quanto à testemunha Zuzarte ....., representante dum Laboratório que incorporou o General Lab, não tendo conhecimento direto dos factos, declarou que após uma auditoria interna[17] recolheu a informação prestada, sendo as respostas idênticas, porque o Laboratório Macedo ..... pertence ao mesmo grupo, não sabendo esclarecer se os resultados eram enviados por carta ou estafeta.
Patente se mostra, que perante as discrepâncias verificadas, não ficou demonstrado que o resultado do exame chegou ao conhecimento dos Recorridos no mês de Março, inexistindo fundamento para a alteração da decisão da matéria de facto.

No ponto k) da matéria de facto não provada, consignou-se:que a progressão da doença e os danos sofridos pela A. não tivessem ocorrido, caso os RR. tivessem comunicado à A. o resultado do exame da análise histológica e respetivo diagnóstico, logo em Março de 2013”.
No fundamento da decisão sobre a matéria de facto consignou-se:a factualidade em causas não foi confessada pelos RR., nem confirmada pelas testemunhas Joana ..... e Henrique ..... (médicos oncologistas que assistiram a A.), nem pelo parecer médico-legal de fls. 412 a 417 e 511 a 513”.

Atente-se que foi dado como provado no ponto 158:A A. teria que ser submetida a tratamentos, nomeadamente, quimioterapia, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data”, sendo fundamentada tal convicção nos seguintes termos: “no teor dos relatórios periciais de fls. 412 a 417 e 511 a 513 e nos depoimentos das testemunhas Joana ..... e Henrique ....., médicos assistentes da A., que depuseram, com isenção e objetividade, no sentido mencionado”

Invoca a Recorrente que demonstrar que o diagnóstico precoce teria tido influência na evolução da doença, com as implicações terapêuticas, constitui uma prova praticamente impossível, chamando à colação a prova de primeira aparência ou prima facie, por ser impossível, objetivamente, produzir prova sobre determinados factos, pelo que logrando a Apelante apurar em abstrato, o diagnóstico precoce tem implicações diretas na progressão da doença, com a interferência no protocolo terapêutico e na maior ou menor agressividade do tratamento, estabelece-se uma presunção que os danos por si sofridos, decorrentes do diagnóstico mais tardio, não teriam ocorrido caso lhe tivesse sido comunicado o resultado em Março de 2013, apelando ainda ao teor da perícia médico legal e factualidade apurada.

Assim estabelecida uma presunção natural, decorrente das regras da lógica e da experiência reforçada pela prova pericial, cabia aos Recorridos o ónus da prova de ilidir tal presunção, demonstrando que os danos não decorriam da sua atuação, o que não resulta dos autos.

Apreciando.

É sabido que as regras que regem a repartição do ónus da prova respeitam ao domínio do direito probatório material, mostrando-se definidas, em termos abstratos nos artigos 342 a 348 do CC, para além de disposições especiais em legislação avulsa[18].

Assim e desde logo ressalta como primordial que aquele que invoca um direito cabe o ónus, enquanto encargo como a própria designação traduz, de provar os factos constitutivos do seu direito, e contra quem é feita essa invocação, a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos, em função da pretensão formulada na causa e a economia do pedido, art.º 342, mencionado.

A maior ou menor dificuldade de realizar a prova, não constitui, por regra, fundamento para desonerar o obrigado, consagrando-se contudo legalmente alguns desvios, no atendimento do coeficiente de esforço probatório exigível a cada uma das partes, segundo as circunstâncias do caso e o dever de colaboração daquelas para a descoberta da verdade[19], como no caso em que ocorre um comportamento culposo da parte não onerada, que torne impossível ou extremamente dificultada a prova pela parte onerada, operando a inversão da ónus da prova, art.º 344, n.º2, do CC.

No âmbito da dificuldade da prova direta dos factos constitutivos não se enjeita o recurso a técnicas de facilitação probatória, tidas como as que alteram em benefício do onerado, o modo de valorar a prova[20], desde logo no atendimento de presunções judiciais, fundadas nas regras práticas da experiência, sujeitas a livre apreciação, cuja força persuasora pode ser afastada por contraprova, gerando a incerteza ou dúvida acerca da verdade dos factos, no que diferem das presunções legais, cujo afastamento depende da prova em contrário, art.º 350, n.º2, do CC.

Igualmente se vem progressivamente[21] aceitando a designada prova da primeira aparência como mecanismo de aligeiramento do ónus probatório,(…) extrai-se de elementos que apresentam uma força de convencimento inferior ao da prova direta de um facto, um valor cognoscitivo semelhante ao desta, e porque provados aqueles factos, aceita-se, “em primeira aparência” demonstrado o facto controvertido. Tal inferência assenta na probabilidade de verificação de um dado evento que se retira da tipicidade apresentada pela factualidade provada, e justifica a existência de um menor “grau de prova” para que o Juiz considere assente o remanescente (e desconhecido) decurso factual ocorrido”[22].

Assim, partindo-se de um resultado verificado, de acordo com uma ideia de verosimilhança, considera-se verificado o curso normal típico, no entanto a contraparte pode “destruir este “esboço” de imagem da realidade construído num primeiro momento, se provar a verificação de factos que tornem inverosímil aquele raciocínio lógico-conclusivo, pondo a nu o ónus, que em todo o momento recaiu sobre o demandante (…)tratar-se-á, portanto, de um instrumento que atua ao nível da valoração (livre) da prova, e não no da distribuição do ónus da prova”[23].

Saliente-se, no seguimento da obra doutrinária que vimos citando, que em conformidadeperante o dano detetado e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, os acontecimentos falam por si mesmos: o dano só pode ser explicado pela prática de um ato censurável (…) Caberá ao demandado desmenti-los, fornecendo a versão real dos acontecimentos – apresentando uma explicação razoável dos acontecimentos (…)[24].

Patenteando-se que a aplicação de tal regra dever ser realizada casuisticamente tendo em conta as particularidades do caso concreto, refira-se ainda que a mesma não se confunde com a designada res ipsa loquitor  ou do dano desproporcionado, segundo o qual os factos, tendo em conta as circunstâncias em que se produzira, “falam por si mesmo não é necessário que fale o homem”, presumindo-se a negligência médica quando na sequência da prática de um ato médico, no caso de o paciente sofrer um dano, de tal modo desproporcionado, que só pode explicar-se por uma má prática[25].

Reportando-nos aos autos, e quanto ao factualismo que se pretende apurado, com exclusão do provado, não se afasta as dificuldades inerentes à respetiva prova no atendimento de um juízo dedutivo em termos de uma apontada normalidade.

Para a pretendida operação de construção da realidade que a Apelante entende ser dada como provada, que Segundo a prática clínica, geralmente as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos de idade, possuem uma evolução clínica pior do que as mulheres mais velhas, apresentando tumores com características prognósticas mais reservadas, como o grau histológico 3 (G3); De acordo com alguns estudos, a idade jovem pode ser um fator de prognóstico mais reservado, o que, também, depende do tipo de tumor;  O lapso de tempo que mediou entre, por um lado, a extração do nódulo e o envio do mesmo para análise e, por outro lado, o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta e o acompanhamento clínico da A.

Por outro lado, no concerne ao Relatório de Consulta Técnico-científica, “na vertente clínica verifica-se não ter havido iniciativa médica de comunicação à doente do resultado histológico, e desta forma não foram desencadeados os procedimentos de diagnóstico e tratamento que deveriam ter sido realizados”, condicionando o protocolo terapêutico, “o prognóstico dos tumores malignos é afetado se existir atraso no início da terapêutica”, e perguntado em que medida, mereceu a resposta “ não há elementos que permitam dar a resposta concreta, sendo que o prognóstico depende do tipo e características do tumor, do seu estádio evolutivo e da capacidade da resposta da doente (…) no caso presente o tumor mostrou ser clinicamente agressivo pois houve progressão clínica entre as duas fases do tratamento (quimioterápica e cirúrgica)”, mais se fazendo constar, quanto à questão de se o carcinoma tivesse sido diagnosticado em fevereiro a A. não teria sido submetida aos mesmos tratamentos que foi, que não tendo o diagnóstico chegado ao conhecimento da Apelante, quanto ao exame de 22/25 de fevereiro “não se realizaram os passos necessários à definição do estádio evolutivo da doença. Assim não se sabe se existiam àquela altura extensão ganglionar ou eventuais lesões à distância, e nem são precisos os detalhes sobre a dimensão inicial do tumor (…) não há evidência de que o nódulo corresponda na totalidade ao tumor, sendo este parâmetro requerido para a classificação.”.

Ora, configurando-se que o descrito não permite de forma linear formular o raciocínio lógico-conclusivo, conforme o realiza a Apelante, importa ater-nos ao depoimento prestado pela médica oncologista que a acompanha, Joana Ribeiro, que esclareceu qual o plano terapêutico seguido em função das características do tumor, e o observado em termos do estado geral da doente, salientando a agressividade de tal tumor, de evolução muito rápida, como se verificou, conforme já se aludiu, durante o tratamento efetuado, não afastando a possibilidade de a Recorrente poder ser submetida a um protocolo terapêutico aproximado, ou não, conforme a avaliação que em fevereiro/março pudesse ter sido feita, mas cujas características e exigências terapêuticas, se mostravam impossíveis de determinar.
Por sua vez, ouvido o médico ginecologista oncológico, Henrique ...., de que a Apelante foi paciente, questionado se poderiam ter sido evitados (alguns) tratamentos a que a mesma foi submetida se tivesse sido dado o conhecimento do exame em março, não afastou a realização de quimioterapia devido ao tipo de tumor, assim como a cirurgia, dependendo da lesão e tendo protocolos eventualmente diferentes, esvaziamento total ou parte da mama, não sendo possível determinar se três meses antes seria uma cirurgia total ou conservadora.

Nestes termos, de acordo com a realidade trazida aos autos e às possíveis inferências que da mesma possam ser retiradas, resulta que o consignado como provado se mostra como a respetiva tradução, diversamente do dado como não provado, desconstruído que foi pela prova produzida.

Inexiste, assim, fundamento para a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

b)Da responsabilidade das Recorridas
Em sede da sentença sob recurso, considerou-se que a Apelante e os Apelados tinham celebrado um contrato de prestação de serviços médicos privados, tendo por objeto uma cirurgia estética (mamoplastia bilateral) e a exérese de um nódulo da mama direita, colocando-se a questão de saber se os Recorridos tinham violado a obrigação de comunicar/informar, pontual e imediatamente a Recorrente do resultado do exame anatomopatológico do nódulo extraído.

Desconhecendo-se a data em que os Recorridos tiveram conhecimento desse resultado, não se podia concluir por a violação daquele dever, bem como não estavam obrigados a diligenciar por essa informação, por a Apelante não ter apresentado quaisquer indícios clínicos ou queixas quanto à possibilidade da existência de um tumor maligno, e desse modo não verificado o facto ilícito, gerador da obrigação de indemnizar.

Mais aduz que mesmo que assim não se entendesse, e assim incumprida a obrigação, faltava a demonstração do nexo de causalidade entre os danos sofridos pela a Apelante e essa violação, não permitindo concluir que não tivesse suportado tais danos, não podendo ser imputados, em termos de causalidade adequada à eventual obrigação impendendo sobre os Recorridos.
Insurge-se a Apelante contra o decidido, pugnando pela violação da obrigação de comunicar/informar pontualmente e imediatamente o resultado do exame, verificando-se o nexo de causalidade entre tal ilícito e os danos sofridos, pela existência da inversão do ónus da prova, quer quanto aos danos patrimoniais e não patrimoniais, mais aludindo que ainda que não demonstrado o nexo de causalidade entre os danos invocados  e a atuação dos Recorridos de acordo com a teoria da causalidade adequada, teriam de ser condenados a indemnizar pela perda de chance de os evitar, que a sua conduta provocou.

Apreciando.

A responsabilidade médica, enquanto responsabilidade profissional civil do médico, vertente que agora nos interessa[26], constitui matéria de reconhecida complexidade e melindre, pois estão em causa, normalmente, direitos essenciais, englobados nos designados direitos de personalidade, como o direito à integridade física, e sobretudo o direito à saúde[27], ligados de forma indissociável ao desenvolvimento e realização plena da pessoa humana.

Sabido é também, que atualmente a atividade médica perdeu o carácter quase mágico de que durante muito tempo se revestiu, impeditivo não só da indagação sobre a bondade das práticas, mas sobretudo sobre a sua inadequação às situações sobre as quais incidiam, maxime em termos de eventuais erros cometidos, geradores da obrigação de reparar[28]. A tal dessacralização não foram estranhas as sucessivas descobertas científicas, com constantes progressos no debelar de doenças ou lesões anteriormente tidas por fatais ou sem qualquer solução de alívio, muito menos de cura, aliadas a uma crescente massificação dos cuidados de saúde, não só em termos da procura de remédio, mas também no concerne aos meios terapêuticos que devem ser utilizados para tanto e as consequências que deles podem decorrer.

Os avanços científicos e tecnológicos que imperam no âmbito da atividade médica, permitindo cada vez mais curas, ou pelo menos significativas melhoras em situações outrora irresolúveis, banalizando mesmo certos procedimentos, tidos por comuns ou até com uma relativa simplicidade, nomeadamente quando se reportam a técnicas invasivas, como são a generalidade das intervenções cirúrgicas, que não permitem contudo afastar o risco que caracteriza o exercício da medicina[29].

No caso, como o dos autos, estando em causa uma relação estabelecida entre o médico que exerce a sua atividade, por conta própria, em termos privados, e o doente que o procura, surge-nos como não questionável que entre ambos se estabeleceu uma relação, configurando-se como um contrato de prestação de serviços[30], sendo-lhe assim aplicáveis, em regra, em caso de inexecução ou cumprimento defeituoso as regras relativas à responsabilidade contratual[31], na aplicação do decorrente regime, maxime no que respeita à presunção de culpa prevista no art.º 799, do CC.

Não se enjeitando as particularidades do exercício da atividade médica já enunciadas, no entendimento que às obrigações da mesma resultantes para o médico, consubstanciam-se em geral como obrigações de meios ou de pura diligência, no sentido do carácter aleatório do resultado pretendido ou exigível pelo credor,  constituindo o seu objeto a diligência com vista a uma possível concretização, traço distintivo essencial das designadas obrigações de resultado, em que está em causa essa mesma efetivação, determinada de forma rigorosa[32].

A tal subjaz que o doente procura naturalmente a cura da enfermidade ou lesão que o afeta junto do médico, obrigando-se este último, tão só, a empregar a diligência exigível para minorar ou sanar o mal, sem que contudo esteja obrigado a assegurar que o desejado resultado se concretize, antes cumprindo uma obrigação de tratamento, cujo sucesso depende também da capacidade de reação do doente.

Deste modo, não recaindo sobre o médico uma obrigação de resultado[33], sobre o mesmo, em geral, impende tão só a contratualmente assumida de desenvolver de forma prudente e diligente, face ao estádio científico atual das leges artis, tidas como o “Conjunto de regras da arte médica, isto é, das regras reconhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal abordagem ocorre”[34], uma determinada atividade, visando um efeito útil, aplicando assim o seu conhecimento no tratamento do doente, mas sem a exigência vinculada de um certo resultado, maxime, a cura[35].

Aqui chegados, no concerne aos pressupostos da obrigação de indemnizar, invocada que seja pelo doente a inexecução da prestação contratual, ou o cumprimento defeituoso, no sentido de ainda que tendo sido aquela prestada, não o foi nos exatos termos em que o devedor se encontrava adstrito, nomeadamente no concerne a deveres acessórios da conduta que acompanham o cumprimento exigível, desde logo sempre incumbirá a quem invoca tal incumprimento ou cumprimento defeituoso – facto ilícito, a prova da sua existência, nos termos gerais, art.º 342, do CC.

Enquanto de meios, a obrigação a que o médico se vincula, reclamada a existência de um tratamento defeituoso, não bastará a alegação e prova da não obtenção de um resultado, ou da verificação de um díspar do expectável, antes se exigindo que seja alegado e provado uma desconformidade objetiva entre os atos praticados e as leges artis, pois a violação da obrigação a que o médico, como devedor se encontra adstrito radica na prática deficiente, ou irregular, dos atos que possam ser os exigidos pela situação clínica do doente, enquanto credor[36] mas também a verificação do necessário nexo de causalidade entre aquela pratica e o dano.

Demonstrada essa realidade, para que o médico (devedor) se possa desonerar, deverá o mesmo provar que a mencionada desconformidade não advém de culpa sua (por ter utilizado as técnicas e as regras de arte adequadas ou não ter podido empregar os meios adequados[37]), no confronto com a conduta profissional que um médico, medianamente competente, detentor da mesma qualificação profissional, teria tido em circunstâncias semelhantes ao caso concreto[38], no acolhimento da transferência do ónus da prova da falta da culpa para o devedor, isto é, o médico, considerando a ideia de uma melhor posição do devedor perante a prova.

Importa, contudo, salientar que no âmbito da dicotomia entre obrigações de meios e de resultado, já antes questionada no que concerne à atividade desenvolvida em termos de exames laboratoriais, da odontologia ou da cirurgia estética, neste caso, se predominasse a finalidade terapêutica, era discutível face ao grau de intensidade da obrigação e do risco a que o paciente se submetia, se haveria uma obrigação de resultado, ou antes uma verdadeira obrigação de meios, com a evolução da Jurisprudência, a que não serão estranhos aos marcados avanços da medicina, a ponderação não deverá ser apriorística em função da atividade médica, mas sim de forma casuística, no exato contexto e contornos da situação, sem prejuízo de o carácter aleatório e complexo da generalidade dos atos médicos, dependendo de várias condicionantes que nem sempre se revelam como relativas a determinada especialidade[39] .

Inexiste, assim, fundamento para afastar a aplicação do aludido art.º 799, n.º1, do CC, no concerne à responsabilidade pela atividade médica, tendo em conta a especial dignidade dos interesses afetados pelo (incumprimento), ao desequilíbrio estrutural da relação estabelecida entre o médico e o doente, e à particular dificuldade da tutela dos interesses dos doentes, numa preocupação crescente do legislador na defesa dos lesados, enquanto parte contratual mais fraca[40].

Diga-se, no concerne à tutela do paciente, que a mesma pode ser alargada aos múltiplos deveres secundários de conduta ou deveres acessórios de conduta, evitando danos na pessoa ou no património no decurso da prestação principal, que partindo sempre do funcionamento do princípio da boa fé, encontram assento em normativos de deontologia profissional, salientando-se o dever de informação diretamente ligado ao dever de obtenção de conhecimento informado, e o dever de proteção dos doentes[41].

Começando por este último, consubstancia-se na proteção contra os danos concomitantes no âmbito da prestação do serviço médico, incorporando-se no vínculo contratual, pelo que ao lado da obrigação principal, conforme a finalidade visada, existe uma obrigação de não causar outros danos pessoais ou patrimoniais ao doente, diferentes daqueles que constituiu o objeto do negócio jurídico, no afastamento da ideia de sobreposição com a obrigação principal contraída pelo médico, porquanto o médico vincula-se a desenvolver uma atividade com efeito positivo, curando, aliviando, alterando, nos termos acordados, mas também a uma obrigação de proteção, de resultado, de se abster de qualquer ato, positivo ou negativo, que diminua ou elimine as possibilidades que o doente apresenta de alcançar a finalidade pretendida[42].

Mais usualmente referido, o dever de informação[43] surge como instrumento para equilibrar a relação médico/doente, para tanto devendo ser dada em quantidade e qualidade, e na medida em que seja cumprido de forma eficaz, com linguagem acessível ao destinatário, constitui o pressuposto para que o paciente possa exercer o direito de livremente decidir e optar, mas também o meio determinante para a obtenção de um consentimento esclarecido, na realização do princípio da autonomia e livre determinação do doente, enquanto pessoa humana.

Merecendo acolhimento normativo no ordenamento jurídico, nomeadamente no atendimento dos artigos, 70.º, 81.º, 340.º, todos do CC, no Código Deontológico dos Médicos, Regulamento n.º 14/2009, de 13.01, art.º 44[44], vigente à data dos factos, bem como na Convenção Para a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano, Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, designada de Convenção de Oviedo, art.º 5[45], exigem como regra, e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência, sendo o consentimento prestado na posse das informações relevantes sobre o ato a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso[46], decorrendo ainda especificamente do contrato celebrado, como dever acessório do dever principal, variando compreensivelmente com as circunstâncias de cada caso[47]

Prosseguindo na indicação dos pressupostos da obrigação de indemnizar, importa que se verifiquem danos, na vertente tradicional de danos patrimoniais e não patrimoniais, mas também no atendimento do surgido dano biológico, na consideração da pessoa em toda a abrangência, permitindo o ressarcimento do lesado, mesmo quando se mantém intacta a sua capacidade de trabalho, importando também chamar aqui à colação o designado dano de perda de chance.

Num breve enquadramento, de uma figura que não tem merecido consenso e que se mostra ainda em construção em termos jurisprudenciais e doutrinários, tem muitas vezes surgindo associado ao cumprimento defeituoso do mandatário judicial, em termos de atividade processual[48], traduzindo-se num dano objetivo ou projetável.

Em termos gerais, pode definir-se a perda de chance, como a perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável, sendo acolhido na Jurisprudência e na Doutrina como um instrumento jurídico de ampliação do dano ressarcível em sede responsabilidade civil, contratual e extracontratual[49], como um dano autónomo[50], consubstanciando-se numa frustração irremediável, por ato ou omissão de terceiro, da verificação da obtenção de uma vantagem, que de forma probabilística era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer, caso não se verificasse essa omissão.

Assim indicam-se como pressupostos a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, bem como um juízo de probabilidade, tido por suficiente, independentemente do resultado final frustrado, que deverá ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados[51], salientando-se que o respetivo ressarcimento não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida, no atendimento de um direito violado com uma conduta ilícita, devendo o cômputo indemnizatório, se devido, ser apurado segundo o critério da teoria da diferença, conforme o disposto no n.º 2, do art.º 566, do CC, ou em último recurso, lançando-se mão de critérios de equidade, nos termos do n.º 3 do mesmo preceito legal.

A transposição para a responsabilidade médica mostra-se veiculada, em termos privilegiados para às situações em que um comportamento ilícito do médico priva o doente de certas possibilidades de se curar, ou mesmo sobreviver[52], mas também a perda de chance de suportar sequelas menores ou de obter uma melhoria do seu estado de saúde, no entendimento que não há desvio ao esquema tradicional da responsabilidade civil, apenas a consideração de um dano de outra espécie[53], igualmente se considerando que importe que fique demonstrado uma possibilidade de obtenção do resultado favorável pretendido, uma real chance de melhoria do estado de saúde, com uma certa consistência para merecer a tutela jurídica.

Quanto à determinação do quantum indemnizatório reveste-se de particular dificuldade, tendo em conta a natureza dos bens em causa, por reporte a um exercício que passa num primeiro momento à ficção de imputar ao comportamento médico a globalidade dos danos decorridos, num segundo um possível valor das chances que o doente teria de se furtar de todos os danos sofridos, e um terceiro momento da respetiva aplicação ao montante total[54], exercício esse, compreensivelmente, eivado de dificuldades em termos da contabilização, escolho que sempre poderá ser ultrapassado com o recurso a um juízo de equidade.

Por último, e na análise dos pressupostos da obrigação de indemnizar, relativamente ao nexo de causalidade, não se questiona que no art.º 563, do CC, se fez a opção pela teoria da causalidade adequada, no sentido de se considerar como causa de um dano, o facto que no atendimento das regras da experiência e face ao circunstancialismo concreto em que se encontrava o agente, tendo em conta o que mesmo conhecia ou podia conhecer, se mostrava idóneo para produzir tal dano, sendo este uma consequência normal, típica ou provável daquele, num juízo de prognose póstuma, não o sendo quando para a produção do dano tiverem, de forma decisiva, contribuído circunstâncias excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que influíram na situação em causa[55].

Desta forma, no que à responsabilidade médica diz respeito, necessário se torna que fique demonstrado a omissão de qualquer tratamento ou intervenção, ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados, na consideração dos atos que faziam parte do dever de prestar a que o médico se obrigou, em ambos casos desde que se tenham verificado em qualquer momento da prestação realizada, e decorrentemente se tenha produzido o dano, que não teria acontecido se outro tivesse sido o ato médico praticado ou omitido[56].

Reportando-nos aos presentes autos, dúvidas não existem que entre a Apelante e os Apelados se estabeleceu uma relação contratual, porquanto, em janeiro de 2013, aquela foi consultada em Lisboa, na Clínica B 1.ª Recorrida, que se dedica à prestação de serviços e cuidados de saúde em geral, pelo senhor C , 2.º Recorrido, respetivo diretor clínico bem como médico-cirurgião, especialista em cirurgia plástica, e após consulta e exames complementares, foi decidido que a mesma iria ser submetida a uma mamoplastia e, concomitantemente, à exérese (extração) de um nódulo na mama direita, o que veio a acontecer no dia 14.02.2013, tendo sido na altura excisado um nódulo da mama direita para posterior análise e diagnóstico histopatológico, fazendo o acompanhamento pós-operatório da Recorrente, mediante o pagamento efetuado, à 1.ª Recorrida da quantia de 10.515,00€.

Assim, na concordância com o decidido, foi celebrado entre as partes um contrato de prestação de serviços médicos privados, tendo por objeto uma intervenção de cirurgia estética e a exérese de um nódulo na mama direita, mais se obrigando a remeter o nódulo retirado para o laboratório, tendo em vista a sua análise e diagnóstico histopatológico, não se questionando que as Recorridas cumpriram tais obrigações, podendo ser consideradas como a obrigação principal.

Com efeito, conforme ficou apurado, o exame histopatológico é um ato médico que consiste em examinar ao microscópio um fragmento de tecido de um órgão qualquer do paciente com o fim de se firmar, confirmar ou afastar uma ou mais hipóteses diagnósticas, pois em geral, o médico que solicita ao anatomopatologista o exame histopatológico tem uma ou mais hipóteses diagnósticas e utiliza o exame para, confirmando o seu diagnóstico, estabelecer uma condução adequada do caso e uma ação terapêutica efetiva ou, então, não confirmando, redirecionar os seus esforços no estudo do caso.

Apurado ficou também que face à importância de tal exame histopatológico, a análise da peça cirúrgica deve ser imediata e quando existe suspeita ou confirmação de malignidade deve ser de imediato comunicada ao paciente, nunca demorando mais de duas semanas desde a data da extração da peça cirúrgica, análise e conhecimento ao médico que o solicitou.

Na realidade, no cumprimento de tal obrigação, no dia 20.02.2013, o nódulo extraído da mama direita da Apelante foi enviado para análise ao Laboratório General Lab, o que o 2.º Recorrido fez por ser sua prática comum, de mera precaução, e não porque tivesse qualquer preocupação em particular sobre o assunto, pedindo a análise ao nódulo por fazer parte da rotina, com o conhecimento e consentimento da Recorrente, ao encontro do acordado e no desenvolvimento das boas práticas, para o caso, mas também como se obrigaram os Apelados.

Aliás, ficou apurado que a Apelante quando consultou o 2.° Recorrido, pela primeira vez, em 15.01.2013, não disse que tinha um nódulo mamário, pois o objetivo dessa consulta foi, somente, a preparação de uma cirurgia estética à mama - mamoplastia de aumento, não apresentando a paciente ao 2.º Apelado, quaisquer indícios clínicos ou queixas sobre a possibilidade de existência de um tumor maligno.

No entanto, na conhecida praxis a realizar antes de uma intervenção cirúrgica, o  2.° Recorrido solicitou à Apelante a realização de alguns exames clínicos, nomeadamente, eletrocardiograma, mamografia, ecografia mamária, análises ao sangue e urina, sendo exibidos ao 2.º Apelado, antes da cirurgia de 14.02.2013, caso da ecografia mamária realizada em 10.01.2013, apontando para a benignidade do nódulo detetado e a mamografia realizada em 01.02.2013, que também apontava para a benignidade dos nódulos detetados, mas alertava para a necessidade de investigação (biópsia) do nódulo da axila direita, pela sua localização e dimensão.

Ora tal quadro não afastava a irrelevância do exame determinado, segundo as boas práticas, existindo até um alerta para a necessidade de investigação, e como tal efetuado, mas e sobretudo para que a obrigação dos Recorridos se mostrasse integralmente cumprida, importava que tivesse sido comunicado à Apelante o resultado do exame a ser efetuado, o que aliás se evidencia, como consequência necessária da respetiva realização.

No entanto, após a cirurgia e internamento, a Apelação deslocou-se três vezes à 1ª Recorrida, em 26.02.2013, 02.03.2013 e 17.03.2013, para ser submetida a consultas de revisão pós-operatória, superentendidas pelo 2.° Recorrido, e pelo menos, nas consultas 26.02.2013 e de 17.03.2013 procurou obter informações acerca do resultado da análise e do diagnóstico histopatológico do nódulo da mama direita, mas foi-lhe sempre transmitido nessas consultas, pela 1.ª Recorrida, que o 2.º R. ainda não tinha conhecimento do resultado.

Com efeito, só após solicitação, por escrito, em 18.07.2013, e 20.07.2013, foi o marido da Apelante contactado telefonicamente no dia 22.07.2013, por uma senhora, que se identificou como sendo a enfermeira Ana, trabalhadora da 1.ª R., que lhe comunicou que o resultado da análise histológica da peça cirúrgica da Recorrente revelou tratar-se de um carcinoma invasivo, sendo na mesma data remetido o diagnóstico histológico, mencionando: “MACROSCOPIA: Retalhos irregulares de parênquima mamário, o maior de 1 cm de dimensão, acastanhados e endurecidos ao corte. MICROSCOPIA: Observa-se, a envolver o parênquima mamário, neoplasia maligna com características de carcinoma invasor com áreas de necrose Grau histológico: G3 (nesta amostragem). CONCLUSÃO: Carcinoma mamário invasor. Para caracterização definitiva da lesão é necessário o recurso a estudo imunohistoquímico (Recetores de estrogénios e progesterona, Ki-67 e Her2/neu), pelo que será necessário contatar o laboratório para se proceder à sua execução técnica”.

Configura-se, assim, pelo exposto que os Recorridos não cumpriram não só o acordado, mas também o dever de cuidado e informação que sobre os mesmos impendiam, não afastando tal entendimento o facto de os médicos anatomopatologista do laboratório que levou a cabo o exame não terem contactado 2.° Recorrido, ou qualquer funcionário da 1ª Recorrida, para lhes dar conhecimento do resultado da análise ao tumor como é habitual nestas situações, nem o 2º Apelado ter sido informado da suspeita da presença de células neoplásicas, mesmo antes do diagnóstico anatomopatológico definitivo, e na falta de prova da data em que o exame foi comunicado pelo Laboratório, ou mesmo se o não foi.

Na verdade, o dever de informar não podia ser postergado pelo eventual incumprimento por parte do Laboratório dos tramites normais em caso como os dos autos, devendo os Recorridos, na possibilidade da não resposta ter diligenciado no sentido de a mesma ser fornecida, não resultando dos autos que tal tenha ocorrido, divergindo-se do entendido pelo Tribunal a quo no sentido que essa conduta não se justificava por não existirem motivos que levassem a suspeitar da malignidade do nódulo, nomeadamente pela indicação em termos diversos pela Apelante, não só porque não seria esta a mais habilitada para fazer tal juízo, sendo certo que já havia um alerta, para além da total fiabilidade nos meios de diagnóstico, que como o caso dos autos demonstra, nem sempre se verifica.

Diga-se ainda quanto à conduta da Apelante, no concerne a um apontado desinteresse da mesma pelo resultado, desde o questionado na consulta em 17.03.2013 até Julho de 2013, quando solicitado por escrito, não sendo, como já se aludiu, a pessoa mais habilitada para aquilatar da necessidade de o obter tempestivamente, mais relevante é sem dúvida a relação de confiança que se estabelece entre o paciente e o médico no sentido do aforismo popular, “as más notícias chegam depressa”, assente no pressuposto de conhecido um resultado dum exame pelo médico que o acompanha, o silêncio do mesmo significará de que nada de importante foi detetado, impondo uma intervenção.

Acontece que neste caso, os Recorridos não cuidaram de transmitir a informação que estavam obrigados a fazer, violando os deveres contratuais, gerador de ilicitude.

Presumindo-se a culpa dos Apelados, não ilidida, importa olhar para os danos invocados.

Com efeito mostram-se elencados um vasto número de perdas causados em bens jurídicos, legalmente tutelados de carácter patrimonial ou não, desde Julho de 2013, porquanto dada a gravidade da situação, tornou-se imperioso adotar medidas e procedimentos terapêuticos urgentes, numa procura rápida, distante do local de residência, com submissão a consultas, exames, biópsias, assumindo-se o diagnóstico de carcinoma da mama localmente avançado, ciclos de quimioterapia, submissão a mastectomia direita, esvaziamento axilar, histerectomia total, realização de quatro ciclos adicionais de quimioterapia, devido ao mau prognóstico da doença, radioterapia, vigilância médica regular, processo de reconstrução mamária, dispêndios monetários com todos estes atos e deslocações necessárias aos tratamentos.

Por sua vez, durante mais de um ano de tratamentos, consultas, exames e cirurgias, a Apelante esteve impedida de tratar, cuidar e acompanhar, de forma plena, o crescimento do filho, o que agravou ainda mais o estado de ansiedade e depressão da mesma, sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, resultante do processo de tratamento da neoplasia maligna da mama, e devido ao processo de tratamento da neoplasia maligna da mama, padece de uma perturbação ligeira da memória, ficou com as cicatrizes que a marcam do ponto de vista psicológico e estético e trazendo amargura, sofreu e sofre dores intensas, incómodos e um desgosto profundo em virtude da transformação que a sua vida levou, com fortíssimo abalo na sua autoestima.

Para que os Recorridos pudessem ser responsabilizados pela globalidade dos danos invocados e descritos, necessário se mostrava, como se viu como último pressuposto da obrigação de indemnizar, que existisse um nexo de causalidade entre a conduta dos ilícita dos mesmos, não dando cumprimento ao dever de informar, em tempo, a Apelada, do resultado nefasto dos exames, importando num atraso no respetivo conhecimento, isto é, tendo em conta as já referidas regras de experiência era provável que da omissão verificada resultasse o prejuízo sofrido, constituindo causa adequada de tal prejuízo.

Ora, resultou apurado que a Apelante teria que ser submetida a tratamentos, nomeadamente, quimioterapia, ainda que a doença tivesse sido detetada, imediatamente, à data da cirurgia de 14.02.2013, sendo que esses tratamentos dependeriam do estádio evolutivo da doença, da localização, extensão e dimensão do tumor e das lesões existentes, o que se desconhece e já não é possível apurar, bem como dos protocolos terapêuticos vigentes à data.

Assim, não se verificando o concreto nexo de causalidade, naturalístico[57] entre o atraso verificado e a globalidade dos danos referenciados, carecendo de virtualidade para tanto o pretendido recurso à inversão do ónus da prova nos termos do n.º 2, do art.º 344, do CC, por não comprovados os respetivos requisitos, a saber, comportamento culposo da parte não onerada com a demonstração de um facto controvertido e a impossibilidade, por esse facto, da correspondente prova, afastado, igualmente o recurso a presunções, nos termos art.º 349, do CC.

No entanto, resultou apurado que um carcinoma mamário invasor com grau histológico G3 significa e indica que o tumor é pouco diferenciado e, por isso, com agressividade muito maior, bem como segundo a prática clínica, geralmente as mulheres mais jovens, com menos de 35 anos de idade, como era o caso da Apelante, nascida a 7.06.1979, possuem uma evolução clínica pior do que as mulheres mais velhas, apresentando tumores com características prognósticas mais reservadas, como o grau histológico 3 (G3), e assim de acordo com alguns estudos, a idade jovem pode ser um fator de prognóstico mais reservado, o que, também, depende do tipo de tumor.

Por outro lado, o lapso de tempo que mediou entre, por um lado, a extração do nódulo e o envio do mesmo para análise e, por outro lado, o acesso ao conhecimento do resultado histológico para posterior decisão terapêutica, atrasou o início desta e o acompanhamento clínico da Apelante.

Releva, também, que após o conhecimento do resultado do exame a vida da Apelante passou a ser um tumulto de emoções, medos, tristeza, angústia e ansiedade, não deixando de pensar que se tivesse tido conhecimento daquele resultado alguns meses antes, as consequências seriam inevitavelmente diferentes.

Os tratamentos a que a Apelante foi sujeita potenciam o estado de menopausa precoce, com mau estar geral e afrontamentos, devido às lesões de que padeceu e ao esgotamento nervoso que as mesmas originaram, não conseguia sequer dormir e descansar conveniente, andava, permanentemente, esquecida, irritada e em estado de letargia completa, até data não apurada, tomou tranquilizantes e antidepressivos, que obstavam à sua plena capacidade psicomotora e a deixavam numa apatia constante, vivendo num constante pânico da recorrência da neoplasia e de continuar a ser dependente de tranquilizantes, antidepressivos e tratamentos consecutivos.

Deste modo configura-se que nos presentes autos o incumprimento por parte dos Recorridos, privou a Apelante de não exponenciar todas as situações nos termos amplos acima aludidos, verificando-se conforme o apurado, a possibilidade de obter um efeito mais favorável, com repercussões em termos de saúde e sofrimento decorrente, traduzida numa chance real perdida de não enfrentar todo os efeitos perniciosos sofridos, que merece tutela, até por demonstrada, para além das regras da experiência, e aceites pela generalidade das pessoas, e propaladas pelos serviços de saúde, que o diagnóstico precoce de um cancro constitui um prognóstico favorável ao seu tratamento.

Entende-se assim, que se verifica nos presentes autos uma situação de perda de chance, decorrente da conduta dos Recorridos, importando na obrigação de indemnizar, por apurados os demais pressupostos, maxime, o nexo de causalidade, evidenciado entre  atuação dos Apelados e o dano de perda de chance.

Aqui chegados, manifesto se torna que a quantificação a fazer revela-se particularmente difícil, não se patenteando que seja viável o recurso a operações matemáticas na determinação do montante que deverá ressarcir a perda de chance, até porque também padeceria de dificuldade, ainda que menor a contabilização do quantum indemnizatório relativamente à globalidade dos prejuízos indicados e sofridos pela Apelante.

Deste modo, importa recorrer ao disposto no já mencionado n.º 3, do art.º 566, do CC, achando o montante devido com recurso a critérios de equidade, no atendimento de todo o quadro descrito no concerne ao vivenciado pela Apelante, com marcas indeléveis no corpo e no espírito, por um lado, e a conduta dos Recorridos em termos dos cuidados exigíveis, não descurando a situação económica, conhecida da Recorrente e presumível dos Apelados, entendendo-se assim como equilibrada, à luz dos valores e realidade atuais, o montante de 50.000,00€.

c)Da ampliação do objeto do recurso
Ao abrigo do disposto no art.º 636, n.º1 vieram os Recorridos suscitar nas contra-alegações a reapreciação dos fundamentos em que decaíram, na prevenção da procedência das questões suscitas pela Apelante.

Pretende, assim, que a extração do nódulo e o seu envio para análise não estava integrada no contrato de prestação de serviços celebrado, tratando-se de uma prestação a título de liberalidade, não podendo assim ser responsáveis pelos danos decorrentes dos vícios de tal prestação.

Apreciando, para além do já aludido nos autos, e concordando com o decidido, não colhe a versão dos factos pretendida pelos Recorridos, no sentido de ter sido feito um favor, aquando da extração do nódulo, pois para além de a terem feito no desenvolvimento da atividade profissional para que foram contratados, foi admitido pelos mesmos que a remoção efetuada estava incluída no preço da cirurgia, como ficou apurado, afastando a gratuitidade, e assim a pretendida existência de uma mera liberalidade.

IV–DECISÃO:

Nestes termos, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação, em julgar parcialmente procedente a apelação, e em conformidade:
- Revogar a sentença sob recurso.
- Condenar as Recorridas a pagar à Recorrente a quantia de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), absolvendo-as do demais pedido.
Custas nas duas instância pela Apelante e Apeladas, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
***



Lisboa, 22.02.2022




Ana Resende, Relatora  
Dina Monteiro, 1.ª Adjunta
Isabel Salgado, 2.ª Adjunta




[1]Procedendo em 19.04.2017, à contabilização, para efeito de montante provável, para a fixação do valor da causa, lucros cessantes do período de maio de 2014 a dezembro de 2017, correspondente ao montante de 55.000,00€, sem prejuízo e ao que acrescerão as quantias que se vierem a liquidar, caso a autora continue a padecer de incapacidade permanente parcial e a determinar pela perícia nos termos indicados.
[2]Procedendo em 19.04.2017, à contabilização para efeito de montante provável, para a fixação do valor da causa no montante de 17.097,68€, sem prejuízo do demais a liquidar nos termos indicados.
[3]Relativa a determinados pontos da matéria de facto, quanto aos quais a parte, de forma adequada manifesta a sua discordância.
[4]Já anteriormente consagrados, foram reforçados com a reforma operada pela Lei 41/2013, de 26.06, que aprovou o novo Código de Processo Civil.
[5]Cfr, Acórdão do STJ de 9.03.2021, in www.dgsi,: “ (…) competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção na reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis (…)”.
[6]Com exclusão dos factos que só possam ser provados por documentos, ou estejam plenamente provados por acordo das parte, confissão das mesmas ou documento, nos termos do art.º 607, n.º5, ex vi art.º 663, n.º 2, do CPC.
[7]Sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado.
[8]Miguel Teixeira de Sousa, in Prova Poderes da Relação e Convicção: a lição de epistemologia, fls. 32 e segs., significando que “(…) o juiz tem de formar uma convicção sobre a verdade ou plausibilidade do facto probando – ou seja, tem de adquirir um estado psíquico de convicção sobre a verdade ou plausibilidade – baseado numa convicção objetiva – isto é, num conjunto de razões que permite afirmar que um facto é verdadeiro ou é plausível (…)”.
[9]Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, pag. 420 e 421.
[10]Cf. Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas, Revista do CEJ, 4, 2006, pag. 173.
[11]Cfr. Acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010, in www.dgsi.pt.
[12]Acórdão do STJ de 11.03.2021, in www.dgsi.pt., “(…) a linguística deixou, hoje, de ser confinada às suas dimensões primárias – a dimensão gramatical (lógico-sintática) e a dimensão semântica – para se alcandorar, agora, numa nova dimensão, que é a dimensão pragmática, a qual relaciona a linguística com os contextos vivenciais e as estratégias comunicacionais (…) Assim, na formulação dos juízos probatórios, devem ser empregues enunciados que sejam portadores de um alcance semântico o mais consensual possível, no contexto relacional em causa, de forma a denotar a correspetiva substância factual, para além das formas meramente epidérmicas da expressão linguística. Para tal não basta apelar ao mero significado linguístico ou etimológico de determinado vocábulo ou locução, de forma atomizada, mas antes considerar o seu alcance semântico e pragmático no contexto narrativo em que se encontram inseridos (…)”.
[13]Que, para além de familiar do 2.º Recorrido, sobrinha, realiza a gestão financeira da 1ª R, caso de pagamentos, fazendo apoio à consulta médica, procedendo ao respetivo agendamento, e às cirurgias, do mesmo modo fazendo as marcações, ajudando antes e depois do operatório, comunicando o plano cirúrgico, sempre validados pelo 2.º Apelante.
[14]Acompanhando-a a consultas, mas maioritariamente não assistindo à sua realização, bem como todo o percurso doloroso da mesma, num depoimento naturalmente emocionado, mas ainda sim, claro, com preocupação de rigor.
[15]Sem prejuízo dos períodos passados em Moçambique, com frequência.
[16]A Testemunha Maria A... fez uma indicação dos procedimentos na altura.
[17]Na qual teria prestado informações a pessoa que assinara a primeira carta, remetida à Apelante.
[18]Cf. Ac. do STJ de 24.05.2018, in www.dgsi.pt, que nesta âmbito se segue de perto.
[19]Ac. STJ de 24.05.2018, acima indicado, referindo a valoração livre pelo Tribunal da falta de colaboração de qualquer das partes, tendo em conta o art.º 417, n.º2, do CPC, firmando o juízo probatório com base nos elementos de prova, ainda que indiciários, fornecidos pela parte onerada, à luz das regras da experiência e considerando a falta de colaboração da contraparte que estaria em melhores condições para fornecer tais elementos.
[20]Cf. Ac. da RG de 12.03.2020, in www.dgsi.pt.
[21]Surgindo, nomeadamente, no âmbito da prova nos acidentes de viação, tendo em conta a existência de transgressões rodoviárias, entendendo-se que a prova “prima facie” de primeira aparência, “caraterizada pelo facto de não criar plena convicção do julgador, mas só um mero grau de probabilidade”, afastada, contudo face à existência de uma presunção, Ac. STJ de 5.07.1988, in www.dgsi.pt. Sendo também expressamente afastada, invocando que o nosso direito não a admite, por reporte a Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, III, vol. pág. 246, porquanto “ A prova prima facie não assenta sobre averiguações ou investigações concretas; exprime um juízo de mera probabilidade ou conjetura, que tem por base a lição da experiência e os sucessos normais da vida”, em contraposição “ ao juízo de probabilidade, mas de elevado a grau tão elevado, que é quanto basta para as exigências razoáveis da segurança social” , in Ac RL de 17.12.2009, in www.dgsi.pt.
[22]Rute Teixeira Pedro, in A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões Sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, pág. 342, que de perto se vai seguir, atenta até às especificidades da obra e a pretensão formulada nos autos.
[23]Rute Teixeira Pedro, obra citada, pág. 343.
[24]Rute Teixeira Pedro, obra citada, pág. 344 e 345, referindo que o respetivo emprego dependerá da verificação de três condições: 1.ª o demandado deve ter o controle da coisa que causou o dano ao demandante, 2.ª a ocorrência deve ter tal natureza, que não teria ocorrido no curso normal do evento, sem negligência, 3.ª não haver explicação para a ocorrência, e assim se o tribunal encontrar outra explicação para o evento, deixa de poder aplicar-se a regra, porque falta a base para a inferência que ela origina, pág. 345 a 347.
[25]Cf. Luís Pires de Sousa, in O ónus da prova na responsabilidade civil médica, acessível em https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao08/datavenia08_p005_024.pdf.
[26]Para além da responsabilidade civil, a atuação profissional do médico pode também ser apreciada em termos criminais, bem como no plano disciplinar, quer perante os órgãos que tutela pública da atividade profissional desenvolvida pelo médico quer no plano privado do desenvolvimento de uma relação laboral.
[27]João Álvaro Dias, in Procriação Assistida e Responsabilidade Médica, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA JVRIDICA 21, Universidade Coimbra, Coimbra Editora, a fls. 323, define “saúde” como um estado de bem-estar físico-psíquico da pessoa que tem um âmbito de proteção mais amplo que o da integridade física, referindo, citando Cattaneo, que sendo a integridade física um dos aspetos da saúde do corpo, mas não o único, uma diminuição daquela, que aproveite esta última ou a salve, não pode ser considerada como um dano, mas sim como um benefício.
[28]Álvaro Cunha Gomes Rodrigues in Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito de Universidade Católica Portuguesa, Vol. XIV, 2000, Tomo 3, pág. 164, citando Guilherme de Oliveira, menciona que toda a caminhada de sofrimento humano garantiu à medicina um estatuto superior e estabilizado que não se compadecia com a humana prestação de contas.
[29]André Gonçalo Dias Pereira, in O Dever de Esclarecimento e a Responsabilidade Médica, Responsabilidade Civil dos Médicos, 11, Centro de Direito Biomédico, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a págs. 439, menciona que o dano iatrogénico sucede com frequência e este é independente de negligência do médico e da instituição hospitalar.
[30]Contrato que Álvaro da Cunha Rodrigues, in obra citada a fls. 180, designa por contrato médico, referenciando a sua qualificação de contrato socialmente típico, inserido na categoria de um contrato de prestação de serviços, apontada por Carlos Ferreira de Almeida in Contratos de Prestação de Serviço Médico.
[31]Sem prejuízo de em determinadas situações, a atuação ilícita do médico poder ser causadora de resultados danosos para o doente, que por se consubstanciarem na violação de direitos absolutos, como são os direitos de personalidade, geram responsabilidade extracontratual, no acolhimento de uma conceção dualista da responsabilidade civil dos médicos, maioritariamente aceite na doutrina e jurisprudência – Cf. João Álvaro Dias, in obra citada, fls. 226 e segs e Nuno Manuel Pinto Oliveira, in Responsabilidade Civil em Instituições Privadas de Saúde: Problemas de Ilicitude e Culpa, Responsabilidade Civil dos Médicos, 11, Centro de Direito Biomédico, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a fls. 129, e seguintes, bem como as múltiplas referências doutrinárias e Jurisprudenciais feitas por aqueles autores.
[32]Cf. João Álvaro Dias, obra citada, fls. 225.
[33]Cf. Manuel Rosário Nunes, na obra citada, a fls. 55. ,
[34]Cf. Álvaro Gomes Rodrigues, in obra citada pág. 201.
[35]Cf. Nuno Manuel Pinto Oliveira, obra citada a fls. 202, referenciando Antunes Varela, Almeida e Costa, Ribeiro Faria e Sinde Monteiro, e Ac. STJ de 11.7.2006 e 18.9.2007, ambos em www.dgsi.pt.
[36]Cf. o já referido Ac. do STJ de 18.9.2007, no qual se consigna: “O que se exige, sob pena da violação do dever jurídico que enforma a sua prestação, é que o médico atue em conformidade com essas regras e atue com a diligência normal”.
[37]Cf. Ac. do STJ, de 18.9.2007, acima mencionado
[38]Cf. Ac. STJ, de 22.5.2003, e de 26.04.2016, in www.dgsi.pt.
[39]Cf. Ac STJ, de 23.03.2017, in www.dgsi.pt.
[40]Cf. Luís Pires de Sousa, in obra citada.
[41]Cf. Rute Teixeira Pedro, obra citada, págs. 74 a 82.
[42]Cf. Rute Teixeira Pedro, obra citada, págs. 81 e 82, dando nota da discussão da natureza jurídica de tal dever, como manifestação do princípio geral consagrado no art.º 483, do CC, ultrapassando o vinculo obrigacional, merecendo tratamento delitual, ou considerando como elemento integrante da estrutura de uma relação obrigacional complexa.
[43]Cf. Rute Teixeira Pedro, obra citada a fls. 77, referindo que ao dever de informar soma-se o “dever de ouvir”, porquanto o relacionamento entre o médico e o doente caracteriza-se por um intercâmbio de informações, que deve realizar-se num clima de confiança.
[44]N.º1, O doente tem direito a receber e o médico o de dever de prestar o esclarecimento sobre o diagnóstico, a terapêutica e o prognóstico da sua doença; n.º 2 – O esclarecimento deve ser prestado previamente e incidir sobre os aspectos relevantes de atos e práticas, dos seus objetivos e consequências funcionais, permitindo que o doente possa consentir em consciência; n.º 3 – O esclarecimento deve ser prestado pelo médico com palavras adequadas, em termos compreensíveis, adaptadas a cada doente, realçando o que tem importância ou o que, sendo menos importante, preocupa o doente; n.º 5 – O esclarecimento deve ser feito, sempre que possível, em função de dados probabilísticos e dando ao doente as informações necessárias para que possa ter uma visão clara da situação clínica e optar com decisão consciente”.
[45]“Qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efetuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido. Esta pessoa deve receber previamente a informação adequada quanto ao objetivo e à natureza da intervenção, bem como às suas consequências e riscos.
[46]Cf. Ac. STJ de 2.11.2017, in www.dgsi.pt.
[47]Cf. Ac. STJ de 9.10.2014, in www.dgsi.pt, numa referência à elasticidade do conteúdo do dever de indemnizar.
[48]Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, n.º2/2022, in DR, I Série, de 26.01.2022: “ O dano de perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus de tal consistência e seriedade”.
[49]Cf. Ac. STJ de 10.09.2019, in www.dgsi.pt, que neste âmbito se segue de perto.
[50]Cf. Ac. STJ, de 9.07.2015, 30.11.2017 e 30.05.2017, todos in www.dgsi.pt., e também referenciados no Ac. STJ de 10.09.2019, já indicado.
[51]Cf. Ac. STJ de 10.09.2019, acima aludido, reportando também o Ac. do STJ de 15.11.2018, in www.dgsi.pt.
[52]Rute Teixeira Pedro, na obra citada, referencia, pela frequência, as decisões relativas a atrasos de diagnóstico de cancro, maxime, até à morte do paciente, no âmbito da jurisprudência italiana, francesa, do Reino Unido, suíça e australiana, pág. 262.
[53]Rute Teixeira Pedro, obra citada, fls. 290.
[54]Rute Teixeira Pedro, obra citada, fls. 321 a 325.
[55]Cf. Antunes Varela e Pires de Lima, in Código Civil Anotado, I, volume e Ac. STJ de 24.5.2007, in CJSTJ, Ano XV, tomo 2, pág. 82.
[56]Seguindo-se assim o entendimento perfilhado no já mencionado Ac. do STJ de 18.9.2007.
[57]Cf. Ac. STJ de 7.10.2010, in www.dgsi.pt.