Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
338/14.0TVLSB.L1-2
Relator: MARIA JOSÉ MOURO
Descritores: CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CLÁUSULA DE FIDELIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Sumário: I–Na presente acção inibitória não determinam a inutilidade parcial da lide as alterações entretanto introduzidas pela R. na redacção de cláusulas contratuais gerais em causa nos autos.
II–Os factos que a R. sustenta que se devem considerar provados porque notórios, não são factos do conhecimento geral tendo em conta o cidadão comum normalmente informado e, logo, assim não se podem entender.
III–Determinando o art. 18-e) do RCCG serem em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que «confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato», encontramo-nos perante cláusulas absolutamente proibidas nestes termos no que concerne às cláusulas 6.2 e 8.1-c) do contrato.
IV–O nº 2 do art. 30 da LCCG não tem carácter sancionatório, tão só regulando a publicidade da decisão judicial; tendo em conta os fins da publicação, a circunstância de, eventualmente, entretanto haverem deixado de ser utilizadas algumas cláusulas não é determinante da não publicitação da decisão condenatória.
V–A cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga é uma cláusula proibida porque contrária à boa fé - pela sua vaguidade e indeterminação revela-se desproporcionada e desequilibrada em desfavor dos aderentes.
VI–A Cláusula 5ª, n.º 2, das Condições Específicas na sua conjugação com cláusula 11. das Condições Gerais é uma cláusula proibida consoante o quadro negocial padronizado, nos termos do nº 1-n) do art. 22 do RCCG, no segmento relativo à forma de comunicação perda, extravio, furto ou roubo do equipamento; em função do art. 21-f) do RCCG a cláusula a que nos referimos é absolutamente proibida, verificando-se uma repartição do risco desajustada, injustamente onerosa para o cliente e que contende com a boa fé.
VII–A segunda parte da cláusula 7.8 reportando-se a casos em que a R., em qualquer momento, cancela total ou parcialmente, o acesso a produtos e/ou serviços abrangidos pelas campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios – mesmo que antes de decorrido o período indicado nas condições promocionais em causa - corresponde a uma cláusula proibida, de acordo com o nº 1-c) do art. 22 do RCCG e, portanto, nula face ao art. 12 do mesmo diploma, já que o acesso aos ditos produtos e/ou serviços integrará o contrato, correspondendo a prestações que a R. se propôs propiciar durante o período previsto, no âmbito da relação contratual.
VIII–No tipo de contratos como o dos autos são inevitáveis as chamadas “cláusulas de fidelização”, impondo uma duração mínima aos mesmos; o período mínimo de duração inicial do contrato de 24 meses – “salvo acordo em contrário” - está em consonância com o previsto na lei nº 5/2004, de 10-2, não se afigurando, neste contexto, tratar-se de um prazo excessivo para a vigência do contrato, pelo que não ocorre o enquadramento no nº 1-a) do art. 22 do RCCG.
IX–Considerando a relação entre o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada não se evidencia uma pena desproporcionadas aos danos a ressarcir, não correspondendo a uma cláusula proibida nos termos do art. 19-c) do RCCG a constante do nº 2 da cláusula 10ª das Condições Gerais.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:
*

I- O Ministério Público deduziu acção declarativa comum contra «Z, SA»».

Alegou o A., em resumo:
A R. procede à celebração de contratos que têm por objecto o fornecimento e a prestação de serviços de distribuição de televisão e multimédia, de acesso à internet, de telefone fixo, de telefone móvel e de banda larga móvel; a disponibilização de equipamentos necessários para tal acesso e utilização e presta serviços de instalação e/ou activação. A R. apresenta aos interessados um clausulado já impresso e previamente elaborado denominado “Condições Gerais”, o qual não contém espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes. Os interessados preenchem e assinam um impresso denominado “Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial”. Nos termos deste formulário o cliente adere aos serviços Z em conformidade com o formulário e condições gerais. Assim, encontramo-nos perante um contrato de adesão sujeito ao RCCG instituído pelo Dec.-Lei nº 446/85 de 25/10 na redacção actual.
Sucede, todavia, que a R. incluiu nesse contrato cláusulas proibidas por lei, contendendo o seu conteúdo com o RCCG, pelas razões que discrimina.

Pediu o A.:
1) A declaração de nulidade das cláusulas 6ª, n.º 2, 7ª, n.º 8, 8ª, n.º 1, alínea c), 10ª, n.ºs 1 e 2 (na parte relativa à fidelização por 24 meses) das Condições Gerais, e 3ª, n.º 4, e 5ª, n.º 2 das Condições Específicas, dos contratos juntos como documentos nºs 2 e 3, condenando-se a R a abster-se de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 446/85, de 25/10, na redacção actualmente vigente);
2) A condenação da R a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ de página (art. 30º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 446/85, de 25/10);
3) Que seja cumprido o disposto no art. 34º do Decreto-lei n.º 446/85, de 25/10, remetendo-se certidão da sentença proferida à Direcção-Geral da Política de Justiça – Ministério da Justiça, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 06/09.
A R. contestou, suscitando a inutilidade parcial da lide e apresentando uma outra perspectiva dos factos. Concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

O processo prosseguiu, consignando-se ser a actual denominação da R. «N, SA». Teve lugar audiência prévia e foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
«1. Julgo improcedente a inutilidade superveniente da lide parcial.

2.
2.1. Declaro nula a Cláusula 6.2 das Condições Gerais do contrato de fls. 42 a 49 com a seguinte redacção:
“O Cliente reconhece e aceita que caso sejam efectuados consumos no âmbito dos Serviços que excedam significativamente os seus níveis habituais de consumo, a Z poderá, a qualquer momento, exigir o pagamento dos serviços em causa”;
2.2. Declaro nula a Cláusula 8.1 c) das Condições Gerais do mesmo contrato no segmento “excedendo os níveis de utilização habituais do Cliente”;
2.3. Declaro nula a Cl. 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga Móvel do mesmo contrato com a seguinte redacção:
“O Cliente reconhece e aceita que a Z poderá a qualquer momento restringir ou impedir a utilização de serviços de voz assentes na tecnologia VoIP (Voice over Internet Protocol), nomeadamente para garantir a qualidade do serviço de acesso à Internet prestado aos seus Clientes, podendo, ainda, aplicar uma tarifa adicional pela utilização de serviços VoIP”;
2.4 Declaro nula a Cl. 5.2 das Condições Específicas/Serviço Telefónico Móvel nos segmentos “(…) recepção escrita (…)” e “sendo os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação integralmente suportados pelo Cliente”;

3. Condeno a R a abster-se de usar as cláusulas e os segmentos referidos no ponto antecedente em todos os contratos que de futuro ainda venha a celebrar;
4. Condeno a R a dar publicidade desta proibição por intermédio de anúncio a publicar em dois jornais diários de âmbito nacional e de maior tiragem em Lisboa e Porto, em três dias consecutivos, de tamanho não inferior a ¼ da página, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da presente decisão, vindo aos autos comprovar tal publicação até 10 dias após o termo do prazo fixado (art. 30º nº 2 do RJCCG).
5. No mais, absolvo a R.»

Apelou o A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:

1. Da segunda parte da cláusula 7.8 das Condições Gerais do contrato em apreciação, decorre que a Ré poderá, a todo o momento, sem necessidade de qualquer fundamento ou justificação, baseada apenas na sua própria conveniência, cancelar, total ou parcialmente, o acesso a produtos e serviços por si disponibilizados no âmbito de campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios.
2. Com o funcionamento desta cláusula, a Ré pode alterar unilateralmente as condições de prestação dos seus serviços e produtos acordadas com o consumidor, sem necessidade de qualquer fundamento objetivo, e sem que a este seja dada a possibilidade de solicitar qualquer reembolso, indemnização ou compensação por tal cancelamento, mantendo-se o consumidor vinculado ao cumprimento integral do contrato, incluindo a sua sujeição ao pagamento das penalidades que sejam aplicáveis, em caso de pedido de cessação do fornecimento ou da prestação dos produtos e serviços.
3. E tal sujeição subsiste, mesmo nos casos em que o consumidor apenas tenha acedido a celebrar contrato com a Ré, com base em determinadas condições especiais promocionais oferecidas por aquela e que posteriormente, por razões de conveniência da Ré, esta cancela antes de decorrido o prazo indicado nessas mesmas condições promocionais, pelo que tal cláusula é proibida por violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 22.º do RCCG.
4. Da conjugação da cláusula 10.1 e 10.2 das condições gerais com o estipulado no formulário de adesão a produtos e serviços referente ao contrato dos autos (o qual, no seu ponto 2, impõe um período de fidelização de 24 meses e impede que os produtos/serviços que integram o serviço contratado possam ser desativados separadamente, advertindo que qualquer alteração ao serviço contratado – incluindo a alteração de titularidade e a mudança de residência − pressupõe uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estiverem em vigor), resulta que o período de permanência e a indemnização devida no caso de incumprimento se aplica indistintamente a todos os clientes, inclusivamente aos atuais clientes que, por qualquer motivo, decidam aderir a novos serviços, ficando os mesmos vinculados a uma fidelização de 24 meses relativamente a esse novo serviço, independentemente do lapso de tempo entretanto já decorrido como clientes da Ré.
5. Esta cláusula não concede vantagens ou benefícios económicos que justifiquem, objetivamente e de forma automática, a sujeição do cliente a novo período de fidelização de 24 meses, sendo excessiva no que ao lapso temporal respeita e como tal proibida por violação do art.º 22.º, n.º 1, al. a) do RCCG.
6. E neste circunstancialismo, a indemnização prevista consubstancia uma manifesta desconformidade entre a penalidade e o prejuízo, em benefício da Ré, consagrando-se uma cláusula penal desproporcionada e excessiva face aos danos que visa ressarcir, pelo que esta cláusula é igualmente proibida, nos termos do art.º 19º, alínea c), do RCCG.
7. A sentença recorrida ao não declarar nulas as cláusulas em questão, violou o preceituado nos art.ºs 19.º, al. c) e 22.º, n.º 1, als. a) e c), ambos do RCCG.

Também a R. apelou, apresentando as seguintes alegações de recurso:

1- A Ré recorre da sentença de fls., quer quanto à decisão aí proferida sobre a matéria de facto, quer quanto à decisão de Direito.
2- A Ré considera que a matéria alegada nos artºs 64º, 65º, 66º e 158º da contestação não tem natureza conclusiva, antes se tratando de factos materiais e concretos.
3- Para além disso julga a Ré que tais factos, no que ao setor em que se integra a Ré respeita, consubstanciam factos notórios nos termos do disposto no artº no artigo 412°, n° 1, do C.P.C.
4- A circunstância de ser dispensada a sua alegação e prova não significa que os factos notórios não tenham de ser fixados pelas instâncias, podendo o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no artigo 412°, n° 1, do Cód. Proc. Civil considerar certos factos como notórios.

5- Entende a Ré que o Tribunal da Relação deve revogar a decisão de considerar tais factos como conclusivos, dando como provada tal matéria por se tratar de factos notórios e, como tal, não carecerem de prova porque subsumíveis no disposto no artigo acima indicado, propondo-se a manutenção da sua redacção que é a seguinte:

-Sucede, no entanto, que pode dar-se o caso de um determinado utilizador (humano ou automatizado) estar a fazer uma utilização tal da rede de um determinado operador, que coloca em causa o acesso dos demais clientes desse mesmo operador aos serviços que legitimamente contrataram.
-Estas situações ocorrem, por exemplo, quando existe o envio massivo de mensagens, práticas vulgarmente descritas como spam, mail bombing e hacking.
-Ou com a utilização constante e ininterrupta do serviço de voz com recurso ao reencaminhamento de chamadas (prática vulgarmente denominada por “esquema de cabine telefónica”).
-Finalmente, cabe referir que os equipamentos em questão, bem como os próprios cartões, estão dotados de códigos, pessoais e intransmissíveis, que são atribuídos aos clientes e necessários para que os mesmos funcionem.

6- Estabelece a Lei das Comunicações Eletrónicas que “as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem depositar na ARN [in casu a ANACOM] e na Direção - Geral do Consumidor [doravante “DGC”] um exemplar dos contratos que envolvam, ainda que parcialmente, a adesão a cláusulas contratuais gerais que utilizem para a oferta de redes e serviços”.
7- Incumbe à ANACOM “assegurar a regulação e a supervisão do sector das comunicações” e “proteger o interesse dos consumidores e a DGC “tem por missão contribuir para a elaboração, definição e execução da política de defesa do consumidor com o objetivo de assegurar um nível elevado de proteção”, sendo responsável por “acompanhar a atividade das entidades reguladoras nacionais e sectoriais e das autoridades de vigilância do mercado nas áreas relacionadas com a defesa dos direitos e dos interesses dos consumidores”.
8- Após o depósito das Condições Gerais em apreço nos autos junto da ANACOM e da DGC, a referida entidade reguladora pronunciou-se no sentido de que a Ré adequasse as cláusulas 6.2 e 8.1 (c), tendo a Ré procedido em conformidade deixando de as utilizar nos contratos que passou a celebrar.
9- Eliminadas do seu clausulado as cláusulas em questão, a presente ação dirigida a impor à Ré que se abstenha de recorrer a tais cláusulas deixa quanto a isso de fazer qualquer sentido já que esse resultado foi já obtido por força da alteração que a Ré promoveu na sequência da recomendação que lhe foi dirigida pela ANACOM. Ou seja, no que concerne as estas cláusulas, e por efeito de a Ré ter pura e simplesmente deixado de as usar, a presente ação deixou de ter uma utilidade concreta e específica a que se aplicar, designadamente o de a ação judicial ser título determinante para a Ré alterar um comportamento, o qual já foi alterado por via externa ao processo.
10- Pelo que não devia o Tribunal a quo julgar improcedente a exceção de inutilidade da lide no que a essas cláusulas respeita, o que o Tribunal ad quem deverá corrigir, revogando a decisão do Tribunal a quo nessa parte.
11- Mesmo que venha a entender-se que a presente ação deve prosseguir e abranger as sobreditas cláusulas 6.2 e 8.1 (c) na sua redação originária, e apesar de as mesmas terem sofrido alterações muito significativas, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo nos motivos em que fundamenta a nulidade destas cláusulas.
12- Com efeito, não é exato que o segmento “exceder os níveis habituais de consumo do cliente” constitua um conceito indeterminado” e que “a manterem-se tais cláusulas o cliente não sabe, nem pode saber com que interpretação contar e, consequentemente, pode ver-se perante a exigência de um pagamento adicional ou com a suspensão ou restrição do serviço”.
13- Na verdade, os “níveis habituais de consumo do cliente” constituem um conceito que, não sendo pré-determinado, é não obstante absolutamente determinável através do apuramento do valor médio dos seus consumos. Não se trata portanto, de um valor indeterminado, subjetivo ou suscetível de interpretação, mas antes de um limiar perfeitamente determinável que, podendo e variando de cliente para cliente, é suscetível de ser apurado por cada um deles em função dos consumos que concretamente efetua, não se vislumbrando assim em que é que o consumidor pode ser surpreendido.
14- De facto, o tribunal a quo não tem em conta que a operatividade das cláusulas depende de um facto, única e exclusivamente, atinente e atribuível, ao cliente, que depende deste, e só deste, e que consiste no singelo facto de efetuar um consumo dos serviços da Ré que exceda significativamente o seu consumo habitual.
15- Pelas razões expostas, o tribunal a quo não tem razão quando conclui que estas cláusulas violam a boa-fé e que conferem à Ré a “faculdade exclusiva de as interpretar”, devendo, pois, revogar-se a sentença recorrida na parte em que declara nulas as cláusulas em questão.
16- Ainda que a presente ação quanto às ditas cláusulas objeto de alteração pela Ré ainda tivesse alguma utilidade, designadamente quanto a eventuais contratos vigentes que ainda as contivessem na redação anterior, e se viesse a concluir pela nulidade das mesmas – o que só se aceita e concebe por cautela de patrocínio - sempre a simples declaração de nulidade das mesmas, sem necessidade de qualquer publicitação, seria mais do que suficiente para almejar o efeito pretendido pelo Autor.
17- No máximo, poder-se-ia condenar a Ré a informar os titulares desses contratos, que a existirem é possível identificar, da declaração de nulidade das mesmas, mas a publicação dessa declaração de nulidade – atendendo a que não existe um só contrato que seja celebrado hoje onde elas constem – revela-se inoportuna, excessiva e inclusivamente apta a suscitar dúvidas desnecessárias quanto ao facto de tais cláusulas terem efetivamente sido alteradas.
18- Com efeito, ponderada por um lado a circunstância de que logo após a intervenção da ANACOM a Ré deixou de utilizar nos contratos as referidas cláusulas, e, por outro, tendo em conta que se encontra instituído um serviço específico incumbido de organizar e manter o registo das cláusulas contratuais abusivas que lhe sejam comunicadas pelos Tribunais, o qual deve criar condições que facilitem o conhecimento das cláusulas consideradas abusivas por decisão judicial e prestar os esclarecimentos que lhe sejam solicitados dentro do âmbito das respetivas atribuições (artºs 35º e 34º do RJCCG), requer-se a revogação da medida acessória de publicitação decidida pelo Tribunal a quo, restringindo a condenação no que a elas respeita à respetiva declaração de nulidade.
19- Não se tendo a entidade reguladora pronunciado sobre mais nenhuma das cláusulas que compõem as Condições Gerais à excepção da adaptação das cláusulas 6.2 e 8.1 (c) e, ainda, à supressão da cláusula 13.3., crê a Ré que isso é revelador de que as demais Condições Gerais estavam em linha com as comummente aceites práticas de mercado e com as normas legais e regulamentares aplicáveis.
20- Sem prescindir, no referente à cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga Móvel defendeu a Ré que a inclusão da mesma resulta da obrigação da Ré de, enquanto operador de serviços de comunicações eletrónicas, garantir a integridade e o correto funcionamento da rede sobre a qual presta os seus serviços de comunicações eletrónicas para que, desse modo, possa proporcionar aos seus clientes um serviço com qualidade.
21- Assim sendo, e como dado por provado, qualquer rede de um operador de comunicações eletrónicas é estruturada em função da utilização que a mesma irá ter por forma a garantir a sua operacionalidade, sendo, naturalmente, assegurada a existência de uma margem que salvaguarde que eventuais picos de utilização não condicionem o correto funcionamento da rede.
22- Sucede no entanto que pode dar-se o caso de um determinado utilizador (humano ou automatizado) estar a fazer uma utilização tal da rede de um determinado operador que coloca em causa o acesso dos demais clientes desse mesmo operador aos serviços que legitimamente contrataram, o que ocorre, por exemplo, quando existe o envio massivo de mensagens, práticas vulgarmente descritas como spam, mail bombing e hacking ou com a utilização constante e ininterrupta do serviço de voz com recurso ao reencaminhamento de chamadas (prática vulgarmente denominada por “esquema de cabine telefónica”).
23- Estas práticas são suscetíveis de colocar em causa o regular e adequado funcionamento da rede dadas as limitações da mesma e, consequentemente, de afetar a disponibilidade dos serviços de comunicações eletrónicas prestados pelos operadores, entres os quais se inclui a Ré, obstando ao cumprimento dos níveis de serviço e de qualidade a que se encontram adstritos perante os demais clientes.
24- Afigura-se, pois, à Ré que tal utilização por parte do cliente é que cria um desequilíbrio na relação contratual estabelecida.
25 - E o mesmo se diga no referente à possibilidade de aplicação por parte da Ré de uma tarifa adicional pela utilização de serviços VOIP, uma vez que a sua eventual aplicação é ocasionada por uma atuação imputável a esse cliente sendo razoável que ele a suporte.
26- A não estar ressalvado que a Ré pudesse atuar na situação descrita, e sendo que não será certamente o cliente consciente a fazê-lo, resultaria para esse cliente (específico) uma vantagem injustificável em prejuízo da Ré e dos demais clientes da mesma. De resto, a utilização deste tipo de mecanismos é conhecida, aceite e consentida pela ANACOM, que reconhece a necessidade dos mesmos para que os operadores possam assegurar a integridade e segurança das suas redes.
27- Pelo que, a Ré entende que a cláusula em apreço não contende com o princípio da boa-fé, nos termos previstos nos artº 15º e 16º do RJCCG.
28 - Quanto à cláusula sindicada violar a alínea e) do artº 18º do RJCCG, a expressão nomeadamente denuncia ter havido o propósito de salientar que a restrição/suspensão de serviços de voz assentes na tecnologia VOIP se fará sobretudo na situação aí descrita: para garantir a qualidade de acesso à Internet prestado aos seus Clientes.
29- Atendendo à proibição de que se confie à Ré a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato, a Ré considera que a mesma deverá apenas ser considerada proibida naquele segmento “nomeadamente”, podendo assim o cliente apreender perfeitamente o sentido da mesma, isto é, que a restrição/suspensão de serviços de voz assentes na tecnologia VOIP se poderá fazer para garantir a qualidade de acesso à Internet prestado aos seus Clientes.
30- E sendo, nesse caso, que pode ainda haver lugar à aplicação de uma tarifa adicional pela utilização de serviços VOIP.
31- Pelo exposto, a Ré considera que a cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga Móvel deverá apenas ser considerada proibida naquele segmento “nomeadamente” com o que deixará de ser confiada à Ré a faculdade exclusiva de a interpretar que é aquilo que a lei proíbe.
32- Ainda sem prescindir, quanto ao segmento “(…) recepção escrita (…)” da Cláusula 5.2 das Condições Específicas/Serviço Telefónico Móvel, o que está em causa na presente cláusula é a comunicação pelo cliente da perda, extravio, furto ou roubo do equipamento telefónico, de qualquer dos componentes ou do cartão, comunicação esta que se destina a que a Ré proceda à desativação do serviço, o que desde logo implica um cuidado acrescido a fim de evitar enganos e, nessa medida, é também do interesse dos clientes.
33- Acresce que o termo recepção escrita abrange, a par da comunicação por via postal, a comunicação por via eletrónica, seja por telecópia ou correio eletrónico; e, como dado por provado, a Ré dispõe atualmente de uma extensa rede de lojas e agentes, que cobre a totalidade do país, onde a comunicação escrita a que alude a Cl. 5.2 das Condições Específicas também poderá ser apresentada sendo que muitos desses estabelecimentos dispõem de horários alargados e estão abertos sete dias por semana.
34- Tudo isto em conformidade com o que se encontra estabelecido nas normas legais e regulamentares que regem o setor, designadamente a Deliberação do ICP-ANACOM de 9.03.2012, referente aos procedimentos exigíveis para a cessação de contratos, por iniciativa dos assinantes, relativos à oferta de redes públicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, salientando-se que, no que ao serviço de atendimento telefónico respeita, as empresas só estão obrigadas aceitar as declarações de denúncia ou resolução quando disponibilizem um sistema de atendimento telefónico que permita a validação do utilizador, não relevando a gravação de chamadas para o efeito.
35- Assim, atendendo ao tipo contratual em causa, não se vislumbra, tendo em conta o princípio orientador da boa-fé, desequilíbrio contratual ou desproporcionalidade no segmento da cláusula em apreço.
36- No referente à parte “sendo os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação integralmente suportados pelo Cliente” da mesma cláusula 5.2 das Condições Específicas/Serviço Telefónico Móvel, o que importa ter em conta é que os equipamentos telefónicos, bem como os próprios cartões, estão dotados de códigos pessoais e intransmissíveis que são atribuídos aos clientes e são necessários para que os mesmos funcionem, pelo que, numa situação de perda, furto ou extravio, apenas poderá utilizar o serviço quem, para além de se apropriar do cartão ou equipamento, tenha na sua posse os respetivos códigos, situação que apenas se poderá verificar por negligência ou incúria do cliente.
37- Nesta medida, não se está perante uma repartição do risco desajustada, excessiva e atentatória do princípio da boa-fé, sendo, por isso, tal regime lícito nos termos do RJCCG.
O Ministério Público contra alegou, nos termos de fls. 268 e seguintes e a R. contra alegou nos termos de fls. 288 e seguintes.
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II- O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade anónima, matriculada sob o número 503039063 e com a sua constituição inscrita na Conservatória do Registo Comercial (2º p.i. - acordo).
2. Tem por objecto social, a) a distribuição de televisão por cabo, satélite ou qualquer outra plataforma; b) a concepção, realização, produção e difusão de emissões de programas de televisão; c) a concepção, desenvolvimento e exploração de negócios e serviços de telecomunicações ou que sejam com os mesmos subsidiários, acessórios ou conexos, incluindo serviços no âmbito da televisão interactiva e multimédia em geral; d) comercialização e exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ligadas a actividades desportivas, artísticas, culturais, e em geral, de entretenimento, nomeadamente no âmbito da televisão interactiva e multimédia em geral; e) concepção, desenvolvimento, exploração e prestação de serviços de assessoria, consultoria, formação e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades e serviços referidos nas alíneas anteriores que nos mesmos se suportem ou façam uso; f) operador de rede de comunicações electrónicas; g) realização de actividades complementares conexas ou acessórias das referidas nas alíneas anteriores (3º p.i - acordo).

3. No exercício de tal actividade a Ré procede à celebração de contratos que têm por objecto:
a) O fornecimento e a prestação dos produtos e serviços de distribuição de televisão e multimédia, de acesso à internet, de telefone fixo, de telefone móvel e de banda larga móvel;
b) A disponibilização de equipamentos (e seus componentes ou elementos acessórios) necessários para o acesso e utilização dos produtos e serviços, designadamente descodificadores, cartões, equipamentos terminais e cabos para ligação à rede da Z (“equipamentos”);
c) A prestação dos serviços de instalação e/ou activação dos produtos, serviços e equipamentos (art. 4º p.i. – acordo).

4. Para tanto a Ré apresenta aos interessados que com ela pretendam contratar um Formulário de Adesão cfr. doc. de fls. 42 a 43 e um clausulado já impresso, previamente elaborado, com o título “Condições dos Produtos e Serviços Z” cfr. doc. de fls. 44 a 49 (art. 5º p.i. – acordo)
5. O referido clausulado não contém quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes que em concreto se apresentem (art. 6º p.i. – acordo).
6. Estabelecendo a cláusula 1ª o respectivo objecto, conforme o referido no ponto 3 (art. 7º p.i. – acordo).
7. Juntamente com a entrega do clausulado, os interessados preenchem e assinam um impresso denominado “Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial” (art. 8º p.i. – acordo).
8. Constando do “Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial” que: “O Cliente adere aos serviços Z indicados, em conformidade com o Formulário de Adesão e as condições de produtos e serviços Z aplicáveis que leu, de que tomou conhecimento e que lhe foram disponibilizadas pela Z na presente data” (art. 9º p.i. – acordo).

9. Estabelece a Cláusula 6ª, n.º 2 das Condições Gerais, sob a epígrafe “Garantias”:
Cláusula 6.2.:
“O Cliente reconhece e aceita que caso sejam efectuados consumos no âmbito dos Serviços que excedam significativamente os seus níveis habituais de consumo, a Z poderá, a qualquer momento, exigir o pagamento dos serviços em causa” (art. 12º p.i. – acordo).

10. Estabelece a Cláusula 8ª, n.º 1, alínea c) das Condições Gerais, sob a epígrafe “Suspensão e restabelecimento. Extinção. Interrupção temporária”:
Cláusula 8.1. alínea c):
“8.1. A Z reserva-se o direito de suspender, total ou parcialmente, o acesso aos Produtos e Serviços quando: c) a utilização do Serviço pelo Cliente interfira com a qualidade do serviço prestado pela Z ou com a segurança e operacionalidade da sua rede de distribuição, nomeadamente através da sobrecarga dos servidores, excedendo os níveis de utilização habituais do Cliente ou as regras da Política de Utilização Aceitável” (sublinhado nosso) (art. 13º p.i. – acordo).

11. Estabelece a Cláusula 3ª, n.º 4, das Condições Específicas, referente à prestação do serviço de banda larga móvel, sob a epígrafe “Serviço de Banda Larga Móvel”:
Cláusula 3.4.:
“O Cliente reconhece e aceita que a Z poderá a qualquer momento restringir ou impedir a utilização de serviços de voz assentes na tecnologia VoIP (Voice over Internet Protocol), nomeadamente para garantir a qualidade do serviço de acesso à Internet prestado aos seus Clientes, podendo, ainda, aplicar uma tarifa adicional pela utilização de serviços VoIP” (art. 14º p.i./art. 57º cont – acordo).
12. Relativamente às duas Cláusulas 6.2. e 8.1. alínea c) verifica-se que existem serviços – internet e telefone, fixos ou móveis – com preçários mais elevados, cuja contrapartida para o cliente consiste precisamente na possibilidade de tráfego ilimitado (art. 19º e 20º p.i. – acordo).
13. A possibilidade consagrada nestas Cláusulas 6.2. e 8.1. alínea c) das Condições Gerais também se aplica aos casos em que o cliente possui um tarifário com limites de utilização (art. 24º p.i. – acordo).
14. Nos casos em que os tarifários possuem limites de navegação ou de chamadas, já se encontram contratualmente previstas cláusulas que prevêem a cobrança ao cliente, dos seus consumos adicionais – v.g. cláusula 3 das Condições Específicas dos Serviços; também cláusula 7.4.alínea a), das Condições Gerais (art. 25º p.i.- acordo).

15. Estabelece a Cláusula 7ª, n.º 8 das Condições Gerais, sob a epígrafe “Preçário e facturação”:
Cláusula 7.8.:
“A circunstância de a Z, no quadro de campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios, permitir o acesso a um ou mais Produtos e/ou Serviços durante certo período, sem lugar a pagamento de qualquer preço específico, não confere ao Cliente qualquer direito de exigir o acesso aos Produtos e/ou Serviços para além do período e noutras condições que não as disponibilizadas pela Z. Em qualquer momento, a Z pode cancelar, total ou parcialmente, o acesso aos Produtos e/ou Serviços abrangidos pelas referidas campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios, caso em que o Cliente não terá direito a qualquer reembolso, indemnização ou compensação, continuando vinculado ao pagamento das penalidades que sejam aplicáveis, em caso de pedido de cessação do fornecimento ou da prestação dos Produtos e Serviços.” (art. 28º, 57º p.i./art. 82º cont – acordo).

16. Estabelece a Cláusula 10ª, n.ºs 1 e 2 das Condições Gerais, sob a epígrafe “Vigência e cessação”:
Cláusulas 10.1. e 10.2:
“ 10.1. Salvo acordo em contrário e sem prejuízo das Condições Específicas aplicáveis aos Produtos e Serviços subscritos e constantes do Preçário ou aplicáveis no âmbito de campanhas ou promoções pontuais, bem como do período de reflexão previsto na Cláusula 12.3, os Produtos e Serviços são fornecidos/prestados por um período mínimo inicial contado desde o primeiro mês em que foi efectuada a respectiva instalação, ligação ou activação, consoante o caso, e até final do vigésimo quarto mês de calendário, inclusive, renovando-se, automaticamente, por períodos iguais e sucessivos de 1 (um) mês de calendário.” .
10.2. (…) Fora dos casos previstos na Cláusula 13, em caso de desactivação dos Produtos e Serviços por iniciativa do Cliente ou cessação da relação contratual por motivo imputável ao Cliente, antes de decorrido o período mínimo inicial referido no número anterior, fica o Cliente obrigado ao pagamento imediato à Z de uma indemnização calculada de acordo com a seguinte fórmula: [n.º de meses de duração inicial do contrato – n.º de meses em que os Produtos e os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade relativa aos serviços em causa]. O período inicial e a indemnização devida pelo seu incumprimento têm por base condições de comercialização e investimento em equipamentos terminais ou condições especiais de preços e descontos acordados e concedidos ao Cliente para serviços prestados.” (art. 35º p.i./art. 102º, 132º cont –acordo).

17. O “Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial”, menciona, no seu ponto 2:
“Período de fidelização: 24 meses. Notas: (…) Os produtos/serviços que integram o Serviço contratado não podem ser desactivados separadamente. Qualquer alteração ao Serviço pressupõe uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estejam em vigor.” (art. 36º p.i.).

18. Relativamente aos equipamentos fornecidos pela Z, resulta da Cláusula 4ª das Condições Gerais que os mesmos poderão ser vendidos, alugados ou cedidos temporariamente ao cliente a título gratuito (art. 51º p.i. – acordo).
19. Nos casos em que o cliente não adquira os equipamentos, o mesmo encontra-se expressamente obrigado a devolvê-los em perfeitas condições de utilização à Z ou então a indemnizar a Z, em caso de não restituição de tais equipamentos ou em caso de restituição de equipamentos danificados - cláusulas 4.2., e 10.6. das Condições Gerais (art. 52º p.i. – acordo).
20. Na Cláusula 2ª das Condições Gerais prevê-se que é devido o pagamento de um preço para a instalação, ligação e/ou activação dos serviços (art. 56º p.i. – acordo).
21. A Ré prevê expressamente que o preço acordado com o cliente pode vir a sofrer actualizações de preços, mesmo durante o período de fidelização, não permitindo que o cliente possa denunciar o contrato, nos casos em que tais actualizações sejam realizadas por referência à taxa de inflação anual verificada – cláusula 13.3. das Condições Gerais (art. 58º p.i. – acordo).

22. Estabelece a Cláusula 5ª, n.º 2, das Condições Específicas, referente à prestação do serviço telefónico móvel (STM), sob a epígrafe “Condições de Acesso e Utilização do STM”:
Cláusula 5.2.:
“Em caso de perda, extravio, furto ou roubo do equipamento, de qualquer dos seus componentes ou do cartão, o Cliente deverá comunicar esse facto imediatamente à Z para que a mesma proceda à respectiva desactivação do serviço, a qual será executada, o mais tardar, no prazo de 24 horas a contar da recepção escrita da comunicação do Cliente, sendo os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação integralmente suportados pelos Cliente” (art. 64º p.i. – acordo).

23. Dispõe a Cláusula 11ª, n.º 2 das Condições Gerais, sob a epígrafe “Comunicações e Notificações”:
Cláusula 11.2.:
“Salvo indicação em contrário nas presentes Condições Gerais, o Cliente poderá enviar comunicações escritas para a Z para “Z, S.A., Apartado 5…..”. Sem prejuízo de forma especialmente prevista nas Condições, o Cliente poderá ainda contactar a Z telefonicamente através do número 16990” (art. 65º p.i./art. 144º cont – acordo).
24. A Z procedeu ao depósito das mesmas junto do ICP-ANACOM e da DGC, por carta datada de 26.09.2013 (art. 15º cont – acordo – doc. de fls. 90 a 115).
25. Até à data da entrada da contestação (02/04/2014), a Z não recebeu qualquer ofício ou pronúncia da DGC sobre as CG que depositou no passado dia 26.09.2013 (art. 16º cont – acordo).
26. No que concerne ao ICP-ANACOM, aquela entidade procedeu à análise das CG depositadas, tendo manifestado à Z, através de ofício datado de 29.10.2013, o seu entendimento quanto às mesmas cfr. doc. de fls. 116 a 122 (art. 20º cont. – doc. fls. 116 a 122).
27. A referida entidade reguladora solicitou à Z que procedesse à adaptação das cláusulas 6.2 e 8.1 (c) e a supressão da cláusula 13.3 não se tendo pronunciado sobre mais nenhuma das cláusulas que compõem as CG (art. 21º, 22º cont – acordo).

28. Na sequência do ofício do ICP-ANACOM datado 29.10.2013, a Z procedeu a alterações nas CG de molde a que a redacção das cláusulas 6.2. e 8.1, alínea c) passou a ser:
Clausula 6.2.
“6.2 A Z poderá atribuir ao Cliente um valor de referência correspondente ao custo mensal máximo estimado do Serviço de Voz fixa a utilizar pelo Cliente, podendo este solicitar à Z, em qualquer momento, a indicação do referido valor e, bem assim, solicitar a sua alteração ou ajustamento.
6.2.1 Quando o valor mensal do Serviço utilizado pelo Cliente em determinado período permita razoavelmente prever que o montante global mensal excederá o valor de referência a si atribuído, a Z poderá informar o Cliente, cabendo a este a faculdade de solicitar, alternativamente, o ajustamento do valor de referência atribuído ou a sua manutenção.
6.2.2. A alteração do valor de referência a pedido do Cliente poderá ficar dependente da alteração das condições de pagamento do Serviço ou de pagamento adiantado de um determinado volume mensal de comunicações, de acordo com o tarifário aplicável, que não excederá a diferença entre o valor anterior e o novo valor de referência pretendido pelo Cliente”.
Cláusula 8.1., alínea c)
“a utilização do Serviço pelo Cliente interfira com a qualidade do serviço prestado pela Z ou com a segurança e operacionalidade da sua rede de distribuição, nomeadamente através da sobrecarga dos servidores, excedendo o valor de referência previsto na Cláusula 6.2 ou as regras da Política de Utilização Aceitável dos Serviços” (art. 25º a 28º cont. - acordo).
29. As novas Condições Gerais dos Produtos e Serviços Z com as cláusulas acima referidas foram depositadas junto da DGC e do ICP-ANACOM no dia 12.03.2014 (art. 29º cont – acordo – doc. fls. 123 a 138).
30. Qualquer rede de um operador de comunicações eletrónicas é estruturada em função da utilização que a mesma irá ter, por forma a garantir a sua operacionalidade sendo assegurada a existência de uma margem que salvaguarde que eventuais picos de utilização não condicionem o correto funcionamento da rede (art. 62º e 63º cont – acordo – regras de experiência comum).
31. As diferenças de tarifário são evidenciadas nas campanhas que a Z realiza e na publicidade que distribui (art, 113º cont – doc. de fls. 140 a 142).
32. A Z dispõe atualmente de uma extensa rede de lojas e agentes, que cobre a totalidade do país, onde a comunicação escrita a que alude a Cl. 5.2 das Condições Específicas também poderá ser apresentada sendo que muitos desses estabelecimentos dispõem de horários alargados e estão abertos sete dias por semana (art. 155º, 156º p.i. – facto notório).
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III- São as conclusões da alegação de recurso que delimitam o objecto da apelação.
Assim, considerando as conclusões da alegação de recurso do A., temos como questões que nos são propostas: se a segunda parte da cláusula 7.8 das Condições Gerais do contrato em apreciação é proibida por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 22 do RCCG; se os nºs 1 e 2 da cláusula 10ª das Condições Gerais consagram uma cláusula excessiva no que ao lapso temporal respeita e, como tal proibida face ao art. 22, nº 1-a) do RCCG, bem como que uma cláusula penal desproporcionada  e excessiva face aos danos, proibida nos termos do art. 19-c) da RCCG.
Já considerando as conclusões da alegação de recurso da R. as questões que se colocam são as seguintes: se os factos alegados pela R. nos arts. 64, 65, 66 e 158 da contestação são factos materiais e concretos e devem ser dados como provados visto tratar-se de factos notórios; se ocorre a inutilidade da lide no que concerne às cláusulas 6.2 e 8.1; se, de qualquer modo, as ditas cláusulas não são nulas, nos termos considerados; se, ainda de qualquer modo, sempre a simples declaração de nulidade de tais cláusulas, sem necessidade de publicitação seria suficiente, havendo que restringir a condenação à simples declaração de nulidade; se no que concerne à cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga Móvel, a mesma não contende com o princípio da boa fé, devendo apenas ser considerada proibida no segmento “nomeadamente”; se no que respeita à cláusula 5.2 das Condições Específicas/Serviço Telefónico Móvel, não se está perante uma repartição do risco desajustada, excessiva e atentatória do princípio da boa fé, sendo o seu regime lícito.
Por razões de melhor encadeamento na exposição da decisão começaremos a análise pelo recurso da R. – em que são colocadas questões referentes à inutilidade da lide e à alteração da matéria de facto provada - seguindo depois para a análise do recurso do A..
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IV-1- Atentemos ao que concerne à invocada inutilidade (parcial) da lide.

Estão em causa as cláusulas 6.2 e 8.1 c) das Condições Gerais do Contrato que a R. afirma já haver alterado após pronúncia da entidade reguladora nesse sentido, deixando de as utilizar nos contratos que passou a celebrar.

A instância tornar-se-á inútil quando é patente que por qualquer causa – processual ou extraprocessual – o efeito jurídico pretendido já foi plenamente alcançado, redundando a actividade processual subsequente em verdadeira inutilidade; em teoria a lide continua possível mas, na prática, face ao seu objecto imediato, torna-se desnecessária ([1]).
 
Sendo de salientar que o despacho que decrete a inutilidade da lide produz, apenas, efeito de caso julgado formal.

A propósito da questão que nos é colocada as posições assumidas não têm sido unívocas. Todavia, como nos dá conta José Manuel de Araújo Barros ([2]) a jurisprudência predominante é no sentido de não constituir causa de inutilidade superveniente da lide a constatação, na pendência do processo, de alteração introduzida na redacção das cláusulas contratuais abusivas, de modo a expurgá-las dos vícios arguidos, argumentando-se que tendo em conta o disposto no art. 32, nº 1, do DL. 446/85 só da sentença resultará a tutela cautelar definitiva dos interesses a proteger. Defendendo que devemos, «pois, concluir que a simples correcção ou supressão da cláusula por parte do demandado na acção fica aquém do que se pretende com a condenação proibitiva que se estende a todos os contratos que o demandado venha a celebrar ou recomendar» e aduzindo que «em um tal caso, o procedimento aconselhável será o de formalizar, através de confissão do pedido, a aceitação por parte do réu do carácter abusivo da cláusula» o que após homologação por sentença afastaria todas as dúvidas.

Já João Alves ([3]) salientava que, ainda que de boa fé, trata-se apenas de uma alteração unilateral, sem a obrigatoriedade de uma decisão judicial, acrescentando: «O predisponente que não seja condenado na abstenção do uso de cláusulas contratuais gerais abusivas não está sujeito à sanção pecuniária compulsória (art. 33º DL 446/85), o que pode conduzir à reincidência na utilização de cláusulas abusivas. Por outro lado, sempre ocorreria a utilidade decorrente do caso julgado (art. 32º nº 2 DL 446/85), ao permitir àquele que seja parte em contrato juntamente com o réu invocar a todo o tempo e em seu benefício a decisão incidental de nulidade contida na decisão inibitória…»

Neste contexto, aderindo aos argumentos expostos, entendemos, efectivamente, que as alterações introduzidas pela R. na redacção das cláusulas contratuais em questão não determinam a inutilidade da lide ([4]).
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IV–1- Atentemos agora no que respeita à pretendida alteração da matéria de facto.

Alegara a R. nos arts. 64, 65, 66 e 158 da sua contestação:

Art. 64- «Sucede, no entanto, que pode dar-se o caso de um determinado utilizador (humano ou automatizado) estar a fazer uma utilização tal da rede de um determinado operador, que coloca em causa o acesso dos demais clientes desse mesmo operador aos serviços que legitimamente contrataram».
Art. 65- «Estas situações ocorrem, por exemplo, quando existe o envio massivo de mensagens, práticas vulgarmente descritas como spam, mail bombing e hacking».
Art. 66- «Ou com a utilização constante e ininterrupta do serviço de voz com recurso ao reencaminhamento de chamadas (prática vulgarmente denominada por “esquema de cabine telefónica”)».
Art. 158- «Finalmente, cabe referir que os equipamentos em questão, bem como os próprios cartões, estão dotados de códigos, pessoais e intransmissíveis, que são atribuídos aos clientes e necessários para que os mesmos funcionem».

No Tribunal de 1ª instância foi considerado que tais alegações integravam matéria conclusiva, do que a apelante R. discorda, defendendo que constituem factos materiais concretos e que devem ser julgados provados por serem factos notórios.

Vejamos.

Antunes Varela ([5]) considerava que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haveria que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.

E, a propósito, dizia-nos Anselmo de Castro ([6]) que são «factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais como os simplesmente hipotéticos», mas são de «equiparar aos factos, os juízos que contenham subsunção a um conceito jurídico geralmente conhecido; por outras palavras, os que, contendo a enunciação do facto pelos próprios caracteres gerais da lei, sejam de uso corrente na linguagem comum, como "pagar", "emprestar", "vender", "arrendar", "dar em penhor", etc.».

Tendo em conta estas orientações os arts. 64 a 66, no seu encadeamento, bem como o art. 158, todos da contestação, correspondem a “factos” susceptíveis de vir a ser julgados  provados.

Como vimos, mais do que isso, a apelante R. pretende que se trata de factos notórios.

Os factos notórios, tal como definidos no art. 412 do CPC, são aqueles que são do conhecimento geral, «isto é conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência» ([7]). O facto notório é um facto concreto do conhecimento geral; o facto apresenta-se notório ao juiz porque ele o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum regularmente informado, sem que este necessite de recorrer a operações lógicas e cognitivas, como a juízos presuntivos ([8]).

Ora, não nos parece que os factos acima transcritos sejam factos do conhecimento geral tendo em conta o cidadão comum normalmente informado e, logo, não se podem considerar provados porque notórios.
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IV–3- Estabelece a Cláusula 6.2. Condições Gerais, sob a epígrafe «Garantias»:
«O Cliente reconhece e aceita que caso sejam efectuados consumos no âmbito dos Serviços que excedam significativamente os seus níveis habituais de consumo, a Z poderá, a qualquer momento, exigir o pagamento dos serviços em causa».
Estipulando a Cláusula 8ª, n.º 1, alínea c) das Condições Gerais, sob a epígrafe «Suspensão e restabelecimento. Extinção. Interrupção temporária»:
«A Z reserva-se o direito de suspender, total ou parcialmente, o acesso aos Produtos e Serviços quando: c) a utilização do Serviço pelo Cliente interfira com a qualidade do serviço prestado pela Z ou com a segurança e operacionalidade da sua rede de distribuição, nomeadamente através da sobrecarga dos servidores, excedendo os níveis de utilização habituais do Cliente ou as regras da Política de Utilização Aceitável».
E determinando a Cláusula 3ª, n.º 4, das Condições Específicas, referente à prestação do serviço de banda larga móvel, sob a epígrafe “Serviço de Banda Larga Móvel”:
«O Cliente reconhece e aceita que a Z poderá a qualquer momento restringir ou impedir a utilização de serviços de voz assentes na tecnologia VoIP (Voice over Internet Protocol), nomeadamente para garantir a qualidade do serviço de acesso à Internet prestado aos seus Clientes, podendo, ainda, aplicar uma tarifa adicional pela utilização de serviços VoIP».

O Tribunal de 1ª instância entendeu:
«…uma vez que as cláusulas 6.2 das condições Gerais, 3.4 das condições Especiais/SBLM violam a boa-fé (art. 15º, 16º da RJCCG) e conferem à R predisponente a faculdade exclusiva de as interpretar, são as mesmas absolutamente proibidas nos termos do art. 18º e) do RJCCG.
Quanto à Cláusula 8.3 c) ([9]) das Condições Gerais entendemos que esta é apenas proibida no segmento “excedendo os níveis de utilização habituais do Cliente».
Defende a apelante R., quanto às cláusulas 6.2 e 8.1-c) que o tribunal de 1ª instância «não tem razão quando conclui que estas cláusulas violam a boa-fé e que conferem à Ré a “faculdade exclusiva de as interpretar”, devendo, pois, revogar-se a sentença recorrida na parte em que declara nulas as cláusulas em questão»; refere que as cláusulas não contêm segmentos que constituam um conceito indeterminado, mas antes “absolutamente determinável”.
Ao contrário do defendido pela apelante, a referência a consumos «que excedam significativamente os seus níveis habituais de consumo» na cláusula 6.2. em análise remete, em nosso entender, para um conceito que não é determinável face ao teor da própria cláusula. Sustenta a apelante R. que se tratará de conceito determinável através do apuramento do valor médio dos consumos. Todavia, no clausulado não é mencionado o dito valor médio dos consumos agora aludido, referindo-se apenas os «níveis habituais de consumo». Por outro lado, mesmo considerando o aludido valor médio, não é referido em que termos o mesmo é ponderado, ou seja, designadamente, quais os consumos que são tidos em conta para efectuar aquela média (todos? os dos últimos 2 meses?). Trata-se de um conceito aberto cuja concretização a elaborar pela R. é desconhecida do cliente/consumidor, qualificado, ainda, pelo advérbio “significativamente”. Acrescendo, como referido na sentença recorrida, que neste tipo de contratos existem as modalidades de “tráfego limitado” e “tráfego ilimitado” e que naquele primeiro caso já está previsto o pagamento de consumo adicional.
Na cláusula 8.1-c) volta a fazer-se referência a «excedendo os níveis de utilização habituais», em termos similares ao acima mencionado.
O art. 18-e) do RCCG determina serem, em absoluto proibidas as cláusulas contratuais gerais que «confiram, de modo directo ou indirecto, a quem as predisponha, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato».
Segundo Menezes Cordeiro ([10]) esta alínea «visa evitar que se procure conseguir, por via interpretativa, aquilo que as partes não podem directamente alcançar. Na verdade, a hermenêutica dos contratos regula-se por regras próprias, constituintes por natureza, e que se incorporam nos modelos finais de decisão. Deixá-la ao sabor das cláusulas era permitir, afinal, manipular as decisões em jogo».
Ana Prata ([11]) salienta que dificilmente uma «disposição com este conteúdo passaria o crivo da conformidade com a boa fé», acrescentando que atribuir «um conteúdo autonomamente útil à norma supõe entender que um “modo indirecto” de facultar a possibilidade de interpretação de cláusula(s) contratual(ais) pode consistir na alteração unilateral do conteúdo clausular do contrato, designadamente através da redução das obrigações do predisponente ou do agravamento das do aderente».
Neste contexto, concluímos que no caso nos encontramos perante cláusulas absolutamente proibidas nos termos do 18-e) do RCCG (no que respeita à cláusula 8.1-c) no segmento apontado) - não esquecendo que o elenco das cláusulas descritas nos arts. 18, 19, 21 e 22 do mesmo RCCG é meramente exemplificativo, proibindo, o art. 15 da RCCG as cláusulas gerais contrárias à boa fé.
Deve, pois, manter-se o decidido pelo Tribunal de 1ª instância quanto às cláusulas 6.2 e 8.1-c).
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IV–4- Prossegue a R. apelante, ainda quanto a estas cláusulas 6.2 e 8.1-c), dizendo que quanto a elas não há necessidade de publicitação.
Determina o nº 2 do art. 30 da LCCG que «a pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine».
Tal norma não tem carácter sancionatório, tão só regulando a publicidade da decisão judicial ([12]). Ora, não se afigura que a circunstância de, eventualmente, entretanto haverem deixado de ser utilizadas as cláusulas possa ser determinante da não publicitação da decisão condenatória. Consoante entendido no acórdão desta Relação de 24-6-2004 ([13]) constituiu preocupação da lei assegurar o conhecimento efectivo das decisões que proíbam o uso ou declarem a nulidade de cláusulas contratuais gerais, a fim de dotar o sistema instituído de mais eficácia, atendendo à natureza do tipo de processos em causa, já que a decisão neles proferida possui eficácia relativamente a terceiros, nos termos do nº 2 do art. 32 daquele diploma. A publicidade das decisões é um expediente que permite adequada difusão do conhecimento da decisão, de modo a torná-la acessível a um maior número de eventuais interessados.
Neste contexto, tendo em conta os fins da publicação e o que supra se referiu sobre não se verificar a inutilidade da lide, entende-se justificar-se a publicidade determinada na sentença recorrida.
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IV–5- Defende a apelante R. quanto à cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga, acima transcrita, que a sua inclusão resulta da obrigação da R. garantir a integralidade e o correcto funcionamento da rede sobre a qual presta os seus serviços de comunicações electrónicas, apelando para os factos que pretendeu resultarem provados por serem factos notórios, consoante acima referido.

Aqueles factos não resultaram provados mas, de qualquer modo, não nos parece que o seu apuramento fosse necessário para a decisão.

Da cláusula resulta que o cliente aceita que a R. poderá a qualquer momento restringir ou impedir a utilização de serviços de voz assentes na tecnologia VoIP, “nomeadamente” para garantir a qualidade do serviço de acesso à Internet – o que, desde logo, permite a incerteza sobre quais as concretas situações em que a R. poderá restringir ou impedir a utilização dos serviços.

A dita cláusula é uma cláusula aberta que permite à R. concretizar quando e em que condicionalismo o cliente estará sujeito à nela aludida “tarifa adicional”, sem qualquer referência ao critério pelo qual se operará o seu cálculo – o aderente aceita pagar no futuro um valor indefinido.

Como referido na sentença recorrida, a manter-se aquela cláusula o cliente não sabe com que interpretação contar, podendo ver-se perante a exigência de um pagamento adicional ou com a suspensão ou restrição do serviço.

A mesma, pela sua vaguidade e indeterminação afigura-se desproporcionada e desequilibrada em desfavor dos aderentes que procedem àquela aceitação prévia. Estão em causa a igualdade das partes e o equilíbrio entre os interesses da predisponente e dos eventuais aderentes.

O art. 15 da LCCG proíbe as cláusulas gerais contrárias à boa fé. O artigo seguinte prescreve que na aplicação daquela norma se deve ponderar os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente, a confiança suscitada nas partes pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis e o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

O princípio é o de que a cláusula deve ser admitida como válida ou inválida atentos os limites da boa fé.

Como salientavam Almeida Costa e Menezes Cordeiro ([14]) reporta-se o preceito «à boa fé objectiva, ou seja, a uma cláusula geral, que exprime um princípio normativo. Portanto, não se fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, exigindo a sua mediação concretizadora. Deixa-se aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça».

Referindo Menezes Leitão ([15]) que estamos aqui perante uma cláusula geral que se destina a ser preenchida, caso a caso, pelo julgador e com base na qual é possível a este considerar proibidas, e portanto, nulas, todas as cláusulas contratuais gerais que atentem contra os valores fundamentais do direito em face da situação considerada mesmo que não sejam objecto de qualquer proibição específica na LCCG.

Dizendo, a propósito, diz-nos José Manuel de Araújo Barros ([16]) que «sendo o princípio da boa fé chamado à colação precisamente por causa de um injustificado desequilíbrio, não se pode pretender dar-lhe um alcance que se autonomize deste. Por tudo o que o conteúdo útil do princípio geral da boa fé consagrado no art. 15º se esgota na proibição das cláusulas contratuais gerais que afectem significativamente o equilíbrio contratual em detrimento do destinatário da cláusula».

Consoante mencionámos estão em causa na hipótese em análise a igualdade das partes e o equilíbrio entre os interesses da predisponente e dos eventuais aderentes., sendo a cláusula, pela sua vaguidade e indeterminação desproporcionada e desequilibrada em desfavor dos aderentes que procedem àquela aceitação prévia.

Verifica-se, pois, uma violação do princípio da boa fé, conducente à nulidade da cláusula, nos termos conjugados dos arts. 12, 15 e 16 da RCCG.

Não se põe em causa que à R. assista a obrigação de garantir a integralidade e o correcto funcionamento do serviço e que não possa actuar em conformidade a obviar situações que ponham em risco aquela integralidade e funcionamento. Sucede que, mesmo a ocorrerem os factos que a R. alega na sua contestação, a sua pretensão de cumprir aquela obrigação não permite que o contrato seja integrado por cláusulas proibidas. Ou seja, a R. poderá garantir a integralidade e o correcto funcionamento da rede com a inclusão de cláusulas em que não se verifiquem as objecções em causa.

Temos, pois, que a cláusula 3.4 das Condições Específicas/Serviços de Banda Larga é uma cláusula proibida porque contrária à boa fé.

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IV–6- Estabelece a Cláusula 5ª, n.º 2, das Condições Específicas, referente à prestação do serviço telefónico móvel (STM), sob a epígrafe “Condições de Acesso e Utilização do STM”:
«Em caso de perda, extravio, furto ou roubo do equipamento, de qualquer dos seus componentes ou do cartão, o Cliente deverá comunicar esse facto imediatamente à Z para que a mesma proceda à respectiva desactivação do serviço, a qual será executada, o mais tardar, no prazo de 24 horas a contar da recepção escrita da comunicação do Cliente, sendo os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação integralmente suportados pelos Cliente».

Na sentença recorrida considerou-se que a cláusula é abusiva «nos termos do art. 22º nº 1 n) do RJCCG por exigir um modo de cumprimento despropositado e inconveniente», no que respeita à exigência de comunicação escrita; bem como que «a mesma cláusula é abusiva na parte em que, concedendo à R o prazo de 24H para desactivar o serviço, prevê que os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação sejam integralmente suportados pelo cliente».

A apelante R, contrapõe, desde logo, que aquilo «que está em causa na presente cláusula é a comunicação pelo cliente da perda, extravio, furto ou roubo do equipamento telefónico, de qualquer dos componentes ou do cartão, comunicação esta que se destina a que a Ré proceda à desativação do serviço, o que desde logo implica um cuidado acrescido a fim de evitar enganos e, nessa medida, é também do interesse dos clientes» e que «o termo recepção escrita abrange, a par da comunicação por via postal, a comunicação por via eletrónica, seja por telecópia ou correio eletrónico; e, como dado por provado, a Ré dispõe atualmente de uma extensa rede de lojas e agentes, que cobre a totalidade do país, onde a comunicação escrita a que alude a Cl. 5.2 das Condições Específicas também poderá ser apresentada».

Sucede, porém, que a cláusula 11. das Condições Gerais, sob a epígrafe «Comunicações e Notificações», depois de versar sobre as comunicações da R. ao cliente, estabelece no ponto 11.2): “Salvo indicação em contrário nas presentes Condições Gerais, o Cliente poderá enviar comunicações escritas para a Z para “Z, S.A., Apartado 5……”. Sem prejuízo de forma especialmente prevista nas Condições, o Cliente poderá ainda contactar a Z telefonicamente através do número 16990”.

Da conjugação das referidas estipulações resulta que a recepção escrita da comunicação do cliente será por via postal para esta morada - Apartado 5…. não se colocando as hipóteses aventadas pela R. de comunicação escrita por telecópia ou correio eletrónico ou de recepção em qualquer uma das lojas da sua rede.

Dispõe o nº 1-n) do art. 22 do RCCG que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais que «fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes».

O art. 22 reporta-se a «cláusulas relativamente proibidas», reconduzindo-se estas às cláusulas susceptíveis de serem válidas para certos contratos e não para outros – a sua validade ou não depende de um juízo valorativo face ao tipo negocial concreto. Convém recordar a referência ao quadro negocial padronizado – o apelo a este tem em vista excluir das circunstâncias a considerar na avaliação da boa ou má fé do predisponente aquelas que são exclusivas de cada um dos indivíduos que vieram a aderir ao contrato. Na cláusula destinada a uma generalidade de destinatários a ponderação a efectuar terá de se situar no juízo do predisponente por referência a esse conjunto de pessoas, o que nos remete necessariamente para o tipo de contrato ([17]).

Nas palavras de Menezes Cordeiro ([18]) a «referência ao “quadro negocial padronizado” pretende, justamente, explicitar que a concretização das proibições relativas deve operar perante as cláusulas em si, no seu conjunto e segundo os padrões em jogo».

Refere Ana Prata ([19]) a propósito do nº 1-n) do art. 22 que se proíbem aqui cláusulas que prejudiquem o aderente consumidor quer no cumprimento das próprias obrigações quer na recepção das prestações do predisponente.

Não se desvaloriza a necessidade de segurança nas situações a que nos reportamos, uma vez que é visada a desactivação do serviço, tratando-se da protecção do próprio cliente. Todavia, a exigência de comunicação escrita imediata nos termos aludidos, sem que se ressalvem outras possibilidades de efectuar aquela comunicação por escrito que não apenas a via postal (como comunicação electrónica ou fax) também é desvantajosa para o cliente, consoante assinalado na sentença, reconduzindo-se à exigência de «um modo de cumprimento despropositado e inconveniente» - atente-se às hipóteses de o furto do equipamento suceder a uma sexta-feira à noite, ou ao fim de semana.

Por outro lado, o que a cláusula nos diz é que a desactivação será executada no prazo de 24 horas a contar da recepção escrita da comunicação do cliente, sendo os custos dos serviços eventualmente utilizados até à desactivação (e não até à recepção da comunicação) integralmente suportados pelo cliente. Assim, procedendo o cliente à comunicação pelo meio previsto (já de si moroso) dispõe a R. do prazo de 24 horas para desactivar o serviço, sendo ela que decide quando fazê-lo, mantendo-se o cliente responsável por todas as utilidades que hajam sido utilizadas entre a recepção da comunicação e o concretizar da desactivação. Conforme referido na sentença, uma vez que o tempo, menor ou maior, que a R. leva a desactivar o serviço é uma questão interna sua afigura-se desproporcionado fazer recair o risco pelo cliente e não pela R. – trata-se de uma repartição do risco desajustada, injustamente onerosa para o cliente e que contende com a boa fé, atentos os arts. 15 e 16 do RCCG.

O art. 21, nº1-f) do RCCG dispõe serem absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que alterem as regras respeitantes à distribuição do risco. Como salienta Menezes Leitão ([20]) visa-se aqui evitar uma distribuição do risco desfavorável à parte mais fraca. Assim, em função do art. 21-f) do RCCG a cláusula a que nos referimos é absolutamente proibida, neste segmento.
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IV–7- Contemplemos agora sobre as questões respeitantes ao recurso do A..
Estipula a cláusula 7.8 das Condições Gerais:

«A circunstância de a Z, no quadro de campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios, permitir o acesso a um ou mais Produtos e/ou Serviços durante certo período, sem lugar a pagamento de qualquer preço específico, não confere ao Cliente qualquer direito de exigir o acesso aos Produtos e/ou Serviços para além do período e noutras condições que não as disponibilizadas pela Z. Em qualquer momento, a Z pode cancelar, total ou parcialmente, o acesso aos Produtos e/ou Serviços abrangidos pelas referidas campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios, caso em que o Cliente não terá direito a qualquer reembolso, indemnização ou compensação, continuando vinculado ao pagamento das penalidades que sejam aplicáveis, em caso de pedido de cessação do fornecimento ou da prestação dos Produtos e Serviços».

Na sentença de 1ª instância foi entendido: «Assim, afigura-se-nos razoável que a R possa cancelar tal acesso sem que o cliente possa pedir qualquer reembolso, indemnização ou compensação a tal título e sem que tal cancelamento possa fundamentar a cessação do contrato por sua iniciativa.

Não se vislumbra em que é que esta cláusula possa violar o princípio da boa fé.

Não nos encontramos perante uma cláusula que, neste quadro negocial, atribua à predisponente R o direito de alterar unilateralmente os termos do contrato».

Insiste o apelante A. que a segunda parte da cláusula 7.8 das Condições Gerais do contrato em apreciação é proibida por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 22 do RCCG, uma vez que se permite à R. alterar unilateralmente as condições contratuais acordadas com o consumidor que se mantém vinculado ao cumprimento integral do contrato.

A R. menciona que estamos perante “liberalidades” que a R. oferece aos seus clientes no âmbito de determinados regimes especiais transitórios (exemplificando com o desbloqueio de certos canais “premium”), não podendo o cliente inferir que decorre dessa liberalidade a existência de qualquer direito a continuar a exigir o acesso a esses produtos ou serviço para além do período temporal a que estava associada a referida liberalidade e que os termos do contrato permanecem inalterados e em vigor.

A segunda parte da cláusula 7.8 reporta-se aos casos em que a R., em qualquer momento, cancela total ou parcialmente, o acesso a produtos e/ou serviços abrangidos pelas campanhas, promoções ou regimes especiais transitóriosmesmo que antes de decorrido o período indicado nas condições promocionais em causa. Em qualquer momento e não quando ou após final do período previsto, período a que é feita referência na primeira parte da cláusula.

A leitura da cláusula, na sua globalidade, não faz concluir que o mencionado em qualquer momento, seja tão só para além do período temporal a que estava associada a previsão. Se não se quisesse dar um âmbito tão abrangente a este segmento da cláusula não se escreveria em qualquer momento mas sim, por exemplo, “findo o período previsto”.

Por outro lado são claramente abrangidos quer os regimes especiais transitórios quer as campanhas e promoções na perspectiva das quais o consumidor haja formado a sua vontade de contratar com a R. - eventualmente porque num período determinado iria usufruir de certos produtos ou serviços – contratando efectivamente com ela.

Nesta óptica o acesso aos ditos produtos e/ou serviços integrará o contrato, correspondendo a prestações que a R. se propôs propiciar durante o período previsto, no âmbito da relação contratual.

Nos termos do nº 1-c) do art. 22 do RCCG são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado as cláusulas que «atribuam a quem as predisponha o direito de alterar os termos do contrato, excepto se existir razão atendível que as partes tenham convencionado».

Deste modo consideramos que a segunda parte da cláusula 7.8 das Condições Gerais corresponde a uma cláusula proibida, de acordo com o nº 1-c) do art. 22 do RCCG e, portanto, nula face ao art. 12 do mesmo diploma.
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IV–8- Estabelece a Cláusula 10ª, n.ºs 1 e 2 das Condições Gerais, sob a epígrafe “Vigência e cessação”:

«10.1. Salvo acordo em contrário e sem prejuízo das Condições Específicas aplicáveis aos Produtos e Serviços subscritos e constantes do Preçário ou aplicáveis no âmbito de campanhas ou promoções pontuais, bem como do período de reflexão previsto na Cláusula 12.3, os Produtos e Serviços são fornecidos/prestados por um período mínimo inicial contado desde o primeiro mês em que foi efectuada a respectiva instalação, ligação ou activação, consoante o caso, e até final do vigésimo quarto mês de calendário, inclusive, renovando-se, automaticamente, por períodos iguais e sucessivos de 1 (um) mês de calendário.”.
10.2. (…) Fora dos casos previstos na Cláusula 13, em caso de desactivação dos Produtos e Serviços por iniciativa do Cliente ou cessação da relação contratual por motivo imputável ao Cliente, antes de decorrido o período mínimo inicial referido no número anterior, fica o Cliente obrigado ao pagamento imediato à ZON de uma indemnização calculada de acordo com a seguinte fórmula: [n.º de meses de duração inicial do contrato – n.º de meses em que os Produtos e os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade relativa aos serviços em causa]. O período inicial e a indemnização devida pelo seu incumprimento têm por base condições de comercialização e investimento em equipamentos terminais ou condições especiais de preços e descontos acordados e concedidos ao Cliente para serviços prestados».

Acresce que o «Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial», menciona, no seu ponto 2:

«Período de fidelização: 24 meses. Notas: (…) Os produtos/serviços que integram o Serviço contratado não podem ser desactivados separadamente. Qualquer alteração ao Serviço pressupõe uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estejam em vigor.».
Foi ponderado na sentença recorrida: «Entendemos que esta cláusula não prevê um prazo excessivo para a vigência do contrato (art. 22º nº 1 a) do RJCCG).
A razão de ser da existência do referido período de fidelização prende-se com os custos de investimento realizado pela R (ex. infra-estruturas, fornecimento de equipamentos) e a legítima expectativa de amortização dos mesmos ao longo de tal período. Em contrapartida o proponente oferece vantagens comerciais ao cliente. É a luz disto que tal cláusula deve ser analisada.
Não se vislumbra que a cláusula penal viole o princípio da boa-fé tanto mais que, atendendo ao elevado número de adesões de clientes ao contrato aqui em apreço ou similar, não se poderá dizer que a existência de uma cláusula de fidelização seja algo que os consumidores nunca ouviram falar (art. 15º e 16º do RJCCG).
Por fim, atento o teor da referida cláusula que alude expressamente às vantagens comerciais conferidas ao cliente e o teor da concreta cláusula penal afigura-se-nos inexistir, in casu, uma cláusula penal desproporcionada ao dano a ressarcir (art. 19º c) do RJCCG).

Concluímos pela validade das referidas cláusulas».
O apelante A. insiste em que «da conjugação da cláusula 10.1 e 10.2 das condições gerais com o estipulado no formulário de adesão a produtos e serviços referente ao contrato dos autos (o qual, no seu ponto 2, impõe um período de fidelização de 24 meses e impede que os produtos/serviços que integram o serviço contratado possam ser desativados separadamente, advertindo que qualquer alteração ao serviço contratado – incluindo a alteração de titularidade e a mudança de residência − pressupõe uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estiverem em vigor), resulta que o período de permanência e a indemnização devida no caso de incumprimento se aplica indistintamente a todos os clientes, inclusivamente aos atuais clientes que, por qualquer motivo, decidam aderir a novos serviços, ficando os mesmos vinculados a uma fidelização de 24 meses relativamente a esse novo serviço, independentemente do lapso de tempo entretanto já decorrido como clientes da Ré»; sustentando que «esta cláusula não concede vantagens ou benefícios económicos que justifiquem, objetivamente e de forma automática, a sujeição do cliente a novo período de fidelização de 24 meses, sendo excessiva no que ao lapso temporal respeita e como tal proibida por violação do art.º 22.º, n.º 1, al. a) do RCCG», bem como que «a indemnização prevista consubstancia uma manifesta desconformidade entre a penalidade e o prejuízo, em benefício da Ré, consagrando-se uma cláusula penal desproporcionada e excessiva face aos danos que visa ressarcir, pelo que esta cláusula é igualmente proibida, nos termos do art.º 19º, alínea c), do RCCG».

Vejamos.

O que está em causa são os nºs 1 e 2 da Cláusula 10ª das Condições Gerais, acima transcritas. Prevê-se ali, um período mínimo de vigência do contrato de 24 meses, “salvo acordo em contrário”, com renovação automática por períodos iguais e sucessivos de um mês.

Atento o nº 1-a) do art. 22 do RCCJ são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que prevejam prazos excessivos para a vigência do contrato.

Refere José Manuel de Araújo Barros ([21]) que se pretende com esta proibição obstar a uma vinculação do contraente inadvertido por um prazo que extravase o da manutenção do interesse que o fez contratar, atendendo ao tipo de contrato pactuado. Pretender-se-á, também, afigura-se, evitar que o aderente fique “preso” por excessivo tempo a um contrato quando outras empresas oferecem os mesmos serviços em termos para ele mais vantajosos, do que poderá nem se ter apercebido.

No tipo de contratos como o dos autos são inevitáveis as chamadas “cláusulas de fidelização”, impondo uma duração mínima aos mesmos. Tanto assim que a lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, prevê nos nºs 3 e 4 do seu art. 48:
«3- Os contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas celebrados com consumidores não podem estabelecer um período de duração inicial superior a 24 meses.
 4- As empresas que prestam serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público devem oferecer a todos os utilizadores a possibilidade de celebrarem contratos pelo prazo de 12 meses».
Ora, o período mínimo de duração inicial do contrato de 24 meses – e isto, “salvo acordo em contrário” - está em consonância com o previsto nesta lei, não se afigurando, neste contexto, tratar-se de um prazo excessivo para a vigência do contrato.
Pelo que não ocorre o enquadramento no nº 1-a) do art. 22 do RCCG.
O cerne da questão centra-se, todavia, no aspecto que agora se focará.
Atento o art. 19-c) do RCCG são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
O nº 2 da cláusula 10ª das Condições Gerais prescreve que a desactivação dos produtos e serviços por iniciativa do cliente ou a cessação da relação contratual por motivo a ele imputável antes de decorrido o mencionado período mínimo inicial implica que o cliente fique obrigado ao pagamento imediato à R. de uma indemnização.
Entendeu o STJ no seu acórdão de 14-11-2013 ([22]) que resulta incontroverso que as cláusulas de fidelização «por conterem um regime atinente à denúncia e ao pagamento de indemnização pela cessação do contrato, independentemente da causa invocada correspondem a uma espécie de cláusula penal, figura prevista nos arts. 810.º e 811.º do CC, e doutrinariamente definida como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou a não cumprir exactamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária». Tal como que a «cláusula penal não tem apenas uma função indemnizatória, servindo, tão-somente, para ressarcir os prejuízos que, pelo incumprimento, uma das partes tenha causado à outra. Ela funciona também como um meio de pressão do credor ao cumprimento, desde que o montante da pena seja fixado numa verba elevada relativamente ao dano efectivo, com vista a constranger, embora de forma indirecta, o devedor a cumprir as suas obrigações, na medida em que a respectiva satisfação é mais onerosa que a realização da prestação originária a que se encontra obrigado». E que para «aferir da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com o disposto no art. 19-c) acima citado, «seguindo o que a este propósito se consignou no acórdão de 12-07-2007 (Revista 1701/07, relator João Camilo) há que estabelecer a uma relação entre o montante dos danos a reparar e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores: aferição que num quadro negocial padronizado se deve pautar por critérios objectivos, guiados por cálculo de probabilidade e valores médios usuais».

A indemnização prevista nos autos é calculada através da seguinte fórmula: [n.º de meses de duração inicial do contrato – n.º de meses em que os Produtos e os Serviços estiveram activos] x [valor da mensalidade relativa aos serviços em causa]. Esclarecendo-se ali que o «período inicial e a indemnização devida pelo seu incumprimento têm por base condições de comercialização e investimento em equipamentos terminais ou condições especiais de preços e descontos acordados e concedidos ao Cliente para serviços prestados».

Como referido na sentença recorrida, a razão de ser do aludido período de fidelização prende-se com os custos do investimento realizado pela R. e a sua expectativa de amortização ao longo do dito período e na oferta de vantagens comerciais ao cliente.

Ora, considerando a relação entre o montante dos danos a reparar com a cessação antecipada do contrato e a indemnização contratualmente fixada não se evidencia uma pena desproporcionadas aos danos a ressarcir.

Deste modo, não se nos afigura que a cláusula a que nos reportamos seja uma cláusula proibida nos termos do art. 19-c) do RCCG.

O que o A. pediu foi a declaração de nulidade da cláusula 10ª, n.ºs 1 e 2 (na parte relativa à fidelização por 24 meses) das Condições Gerais. Constata-se, todavia, que o A. não se oporá em absoluto ao ali clausulado. Na realidade discorda do ponto 2 do «Formulário de Adesão a Produtos e Serviços – Residencial», quando ali é referido que «Os produtos/serviços que integram o Serviço contratado não podem ser desactivados separadamente. Qualquer alteração ao Serviço pressupõe uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estejam em vigor» e das consequências que daí retira. Considera o A. que a alteração de titularidade e a mudança de residência pressupõem uma nova adesão e a aplicação das condições de serviço associadas que estiverem em vigor – logo, também, com a aplicação do teor da cláusula 10ª.

Esta questão, todavia, transcende a da apreciação da validade dos nºs 1 e 2 da cláusula 10ª (que em si mesma) se nos afigura válida.
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V– Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação da R. e parcialmente procedente a apelação do A., alterando a sentença recorrida de modo que também é declarada nula a 2ª parte da cláusula 7.8 das Condições Gerais, do seguinte teor: «Em qualquer momento, a Z pode cancelar, total ou parcialmente, o acesso aos Produtos e/ou Serviços abrangidos pelas referidas campanhas, promoções ou regimes especiais transitórios, caso em que o Cliente não terá direito a qualquer reembolso, indemnização ou compensação, continuando vinculado ao pagamento das penalidades que sejam aplicáveis, em caso de pedido de cessação do fornecimento ou da prestação dos Produtos e Serviços». Sendo a R. condenada a abster-se, também, de usar este segmento da cláusula em todos os contratos que de futuro venha a celebrar e à publicitação nos termos previstos na sentença recorrida que no mais se mantém.
Custas da acção na proporção de 4/5 pela R., atenta a isenção do A..
Custas da apelação da R. por esta e da apelação do A. pela R. na proporção de metade.
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Lisboa, 22 de Junho de 2016



Maria José Mouro
Teresa Albuquerque                                                                    
Jorge Vilaça



[1]Ver, a propósito, Francisco Ferreira de Almeida, «Direito Processual Civil», vol. I, Almedina, pag. 664.
[2]Em «Cláusulas Contratuais Gerais», Coimbra Editora, 1ª edição, pags. 374 e 390.
[3]«Algumas Notas sobre a Tramitação da Acção Inibitória de Cláusulas Contratuais Gerais», na Revista do CEJ, nº 6, pags. 84-85.
[4]este sentido, designadamente, os acórdãos do STJ de 11-10-2005 e de 19-2-2006 aos quais se poderá aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ , respectivamente processos 04B1685 e 06A2616 dizendo-se neste que «só com a decisão judicial decretadora da inibição, transitada em julgado, é que é possível garantir que a ré não voltará a inserir tais cláusulas em contratos futuros. Daí que a presente acção mantenha interesse, não tendo desaparecido o interesse da pretensão do autor, de modo a fazer extinguir a instância nos termos do art. 287º al. e)». Bem como o acórdão do STJ de 31-5-2011, ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 854/10.2TJPRT.S1 de cujo sumário consta: «O caso julgado que se formar na acção inibitória pode ser invocado por terceiros alheios à concreta acção inibitória para obstar ao uso da cláusula declarada inválida, ou outras que se lhe equiparem substancialmente, nos termos do nº1 do art. 32º, do DL. 446/85, de 25.10, por isso, não ocorre inutilidade superveniente com a expurgação voluntária pelo proponente das cláusulas contratuais gerais proibidas, objecto da acção inibitória, porque o interesse social deste tipo de acções transcende o mero interesse do caso litigado para poder ser invocado por terceiros; de outro modo, pouco seria o alcance de uma acção que visa a protecção indeterminada de consumidores/aderentes que possam ser afectados pela utilização das ccg que se pretendem eliminar».
[5]No comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e seguintes.
[6]Em «Direito Processual Civil», Almedina, vol. III, pags. 268-269.
[7]Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», 2001, vol. II, pag. 397.
[8]Ver o Acórdão do STJ de 12-11-1991, BMJ nº 411, pag. 569.
[9]Pensamos que quererá dizer-se 8.1-c) e não 8.3-c) tratando-se de um lapso de escrita.
[10]No «Tratado de Direito Civil Português», I, Parte Geral, vol. I, 2ª edição, pag. 445.
[11]Em «Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais», Almedina, 2010, pags.391-392.
[12]Ver o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 249/2000.
[13]Publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XXIX, tomo 3, pag. 122.
[14]Em «Cláusulas Contratuais Gerais», Almedina, 1986, pag. 39.
[15]Em «Direito das Obrigações», vol. I, Almedina, 5ª edição, pag. 37.
[16]Obra citada, pag. 173.
[17]Ver Araújo de Barros, «Cláusulas Contratuais Gerais», Coimbra Editora, 2010, pags. 179 e 225.
[18]Obra citada, pag. 442.
[19]Obra citada, pags. 561-562.
[20]«Direito das Obrigações», vol. I, Almedina, 5ª edição, pag. 43.
[21]Obra citada, pag. 343.
[22]Ao qual se poderá aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 122/09.2TJLSB.L1.S1.