Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | JORGE ALMEIDA ESTEVES | ||
| Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DIVÓRCIO MUÇULMANO TALAQ OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | ACÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | I–O divórcio muçulmano designado por “talaq”, mediante o qual o divórcio é obtido por mera declaração do marido face à mulher, é suscetível de ofender os princípios de ordem pública internacional do Estado Português – desde logo pela sua natureza discriminatória por não ser concedida tal faculdade à mulher e também por não existir qualquer tipo de contraditório - e, por causa disso, constituir um obstáculo ao reconhecimento da sentença que confirmou a declaração do marido. II–No entanto, tal obstáculo não se verifica quando é a própria mulher que pretende o reconhecimento da decisão que confirmou o divórcio “talaq”. III–Age em gritante abuso de direito, constituindo a sua atuação aquilo que se designa por venire contra factum proprium, o requerido ao afirmar que estava no seu direito “ao ter intentado a ação de divórcio nos tribunais competentes, tendo de seguida requerido o Talaq”, pretendendo com isso salvaguardar “as suas convicções religiosas”, e, simultaneamente, deduzindo oposição ao reconhecimento dessa mesma decisão Talaq. IV–Pretendendo o requerido obstaculizar ao reconhecimento do divórcio que ele próprio tomou a iniciativa de requerer, a forma de impedir que obtenha sucesso por via da sua atuação ilícita é conceder o reconhecimento pretendido pela requerente. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. SKB, ... residente no Reino Unido, Veio intentar Ação Especial de Revisão/Confirmação de Sentença Estrangeira contra AAB, ... residente em Portugal. Pede a revisão e confirmação de sentença de divórcio transitada em julgado proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah, Emirados Árabes Unidos em 23/03/2015, que confirmou o divórcio operado pela iniciativa unilateral do requerido de se divorciar da requerente, efetuada em 20/03/2015, através do procedimento denominado Talaq, pelo qual o requerido se divorciou da requerente pronunciando as palavras “taliq”. Mais invocou, nomeadamente, o seguinte: 1.–A Requerente e o Requerido (doravante, as “Partes”) contraíram casamento religioso islâmico em xx em Kobe, Japão (cfr. factualidade provada (facto b) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 2.ª Secção, processo n.º 2172/17.6YRLSB.S1, proferido a 29/9/2022 junto como Doc. N.º 1, doravante, “Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça” e assento de nascimento e de casamento da Requerente juntos como Docs. N.º 2 e 3). 2.– No dia xx, a Requerente instaurou contra o Requerido no Reino Unido uma ação, que correu termos junto da Divisão de Família do High Court of Justice, no âmbito da qual pediu que fosse decretado o divórcio entre as Partes (cfr. factualidade provada (facto c) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 3.– Após ter sido iniciada a referida ação pela Requerente, no dia xx, o Requerido divorciou-se da Requerida “ao pronunciar: estás “Taliq”, divorciada” (cfr. factualidade provada (facto j) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1 e sentença de divórcio Talaq proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah, Emirados Árabes Unidos em xx e respetiva tradução certificada juntas como Doc. N.º 4, doravante “Sentença de Divórcio Talaq”). 4.– No dia xx, o Tribunal da Sharia de Sharjah confirmou o divórcio entre as Partes (cfr. factualidade provada (facto j) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1 e sentença de Divórcio Talaq junta como Doc. N.º 4). 5.– No dia xx, a Requerente foi notificada, na pessoa do seu mandatário, de que o divórcio Talaq entre as Partes havia sido concedido pelo Tribunal da Sharia de Sharjah (cfr. factualidade provada (facto i) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1, e notificação enviada à Requerente pelos mandatários do Requerido a xx junta como Doc. N.º 5). 6.– Consequentemente, no âmbito da ação que corria termos no Reino Unido, a xx, o Tribunal, após ter tido conhecimento da Sentença de Divórcio Talaq, “afirmou que as partes já estavam divorciadas, não tendo a mulher contestado o Talaq, e convidou a Requerente a pedir autorização [pedido de assistência financeira] ao abrigo da Parte III do Matrimonial and Family Proceedings Act 1984” (cfr. factualidade provada (facto k) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 7.– A Requerente aceitou o convite do Tribunal do Reino Unido e alterou o seu pedido em julho de 2015 e janeiro de 2016, formulando nesta última data um pedido de assistência financeira após divórcio estrangeiro (cfr. factualidade provada (factos n e o) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 8.–O Tribunal do Reino Unido proferiu, em 12/10/2016, sentença final (doravante, “Sentença do Tribunal do Reino Unido”), que regulou os efeitos patrimoniais do divórcio entre as Partes (cfr. factualidade provada (factos q e y) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 9.–Em 7/11/2017, a Requerente iniciou ação de revisão e confirmação da Sentença do Tribunal do Reino Unido, que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa, 2.ª Secção, sob o número 2172/17.6YRLSB. 10.–O Tribunal da Relação julgou improcedente a ação, absolvendo o Requerido do pedido. 11.– A Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 12.– No seu acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça sublinhou que a Requerente tem nacionalidade portuguesa e que no seu assento de nascimento e casamento não se encontrava averbado qualquer divórcio (cfr. acórdão junto como Doc. N.º 1 e assento de nascimento e de casamento da Requerente juntos como Docs. N.º 2 e 3). 13.–Nessa medida, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a falta de inscrição do divórcio entre as Partes no registo civil português era uma condição de procedibilidade do reconhecimento da Sentença do Tribunal do Reino Unido, que consubstanciava uma exceção dilatória (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 14.–Em consequência, o Supremo Tribunal de Justiça julgou a revista parcialmente procedente e absolveu o Requerido da instância (e não do pedido, conforme havia feito o Tribunal da Relação), consignando o seguinte: “O reconhecimento dessa impossibilidade não implica, no entanto, qualquer apreciação dos requisitos de revisibilidade estabelecidos no artigo 980º do CPC, que conduza à improcedência da pretensão da confirmação da decisão revidenda para valer em Portugal. Antes, o que dela decorre é que o tribunal não pode rever a decisão do tribunal estrangeiro sem que o facto pressuponente daquela decisão seja eficaz no ordenamento jurídico português. A falta de inscrição do divórcio no registo civil português surge, desta forma, não como um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito jurídico pretendido – a confirmação da sentença para valer em Portugal – mas antes como uma condição de procedibilidade, sem cujo preenchimento o tribunal não pode apreciar a pretensão deduzida na acção de revisão. Trata-se, portanto, de uma excepção dilatória, que dá lugar à absolvição da instância, e não, como foi considerado no acórdão recorrido, de uma excepção peremptória que dá lugar à absolvição do pedido.” (cfr. pág. 13 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto como Doc. N.º 1, destaques nossos). 15.–No referido acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça salientou a possibilidade de a Requerente pedir a revisão e confirmação da Sentença de Divórcio Talaq e de posteriormente registar o divórcio revisto e confirmado no registo civil português, preenchendo-se desta forma a condição de procedibilidade da revisão e confirmação da Sentença do Tribunal do Reino Unido: “A circunstância de o ordenamento jurídico português – rectius, o registo civil português – considerar ainda subsistente o matrimónio de Autora e Réu não inviabiliza, no entanto, que possa vir a ser reconhecida a dissolução do mesmo; designadamente através da revisão da sentença dos EAU que decretou o divórcio ‘talaq’, que implicaria a imediata inscrição de tal facto no registo civil português (artigo 7º do Código do Registo Civil).” (cfr. pág. 13 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça junto como Doc. N.º 1, destaque nosso). 16.–Neste sentido, a Requerente, em conformidade com a solução identificada pelo Supremo Tribunal de Justiça, vem requerer a revisão e confirmação da Sentença de Divórcio Talaq, a qual será, depois de revista e confirmada, registada nos assentos a que respeita, nos termos do artigo 7.º, n.º 1 do Código de Registo Civil Português, o que permitirá o reconhecimento da Sentença do Tribunal do Reino Unido relativa aos efeitos patrimoniais do divórcio entre as Partes. 17.–Tal como referido, a Requerente vem peticionar a revisão e confirmação da Sentença de Divórcio Talaq, juntando para o efeito a sentença proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah dos Emirados Árabes Unidos em 23/03/2015 e a respetiva tradução certificada como Doc. N.º 4. 18.–A Sentença de Divórcio Talaq deverá ser confirmada porquanto se encontram preenchidos todos os requisitos necessários à sua confirmação elencados no artigo 980.º do CPC. 19.–Com efeito, tal como determina a alínea a) do preceito mencionado, não surgem dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a Sentença de Divórcio Talaq (Doc. N.º 4) nem sobre a inteligência da decisão aí proferida. 20.–Por outro lado, no caso concreto o reconhecimento do divórcio em questão não conduzirá a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, encontrando-se verificado o requisito previsto no artigo 980.º, alínea f) do CPC. 21.–Efetivamente, apesar de o divórcio Talaq poder ser considerado, em abstrato, contrário à ordem pública internacional do Estado Português, designadamente por, em teoria, poder acarretar uma desigualdade resultante do reconhecimento de um divórcio não pretendido pela mulher e em relação ao qual a mesma não teve a possibilidade de intervir, no caso concreto não existem razões para se apelar à ordem pública internacional do Estado Português, na medida em que a cessação do matrimónio também é pretendida pela mulher, designadamente para efeitos de reconhecimento da Sentença do Tribunal do Reino Unido. 22.–Com efeito, a Requerente também pretendia divorciar-se do Requerido, tanto assim que peticionou o divórcio no Reino Unido antes de ter sido notificada do divórcio Talaq; o divórcio no Reino Unido apenas não foi decretado porque, entretanto, o Tribunal desse país constatou que as partes ficaram divorciadas através do Talaq, tendo, então, passado a decidir sobre as consequências patrimoniais do divórcio (cfr. factualidade provada (factos k, l e aa) constante no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, junto como Doc. N.º 1). 23.– Além disso, a Requerente intentou a presente ação para que o divórcio Talaq seja confirmado e produza os seus efeitos de cessação do matrimónio em Portugal, possibilitando em seguida o reconhecimento da Sentença do Tribunal do Reino Unido. 24.–Nessa medida, a Requerente aceita a cessação do matrimónio e pretende as consequências acima referidas, pelo que o reconhecimento da Sentença de Divórcio Talaq não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português. 25.–Ademais, encontram-se igualmente verificados todos os requisitos mencionados nas alíneas b) a e) do artigo 980.º do CPC, relativamente aos quais, tal como ensinam ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, “(…) o requerente está dispensado de fazer prova dos mesmos.” 26.–Face ao exposto, deverá a Sentença de Divórcio Talaq ser revista e confirmada, encontrando-se verificados todos os requisitos necessários à sua confirmação”. Juntou certidão da decisão que pretende ver revista e confirmada. * O requerido deduziu oposição na qual não impugnou o alegado pela requerente, dizendo, no entanto, que a decisão em causa, apesar de ter sido proferida a seu pedido, não pode ser revista e confirmada por não ser uma decisão judicial mas antes resultado de uma declaração unilateral, dizendo ainda que “não é pelo facto de a Requerente pretender obter o divórcio que o reconhecimento do Talaq deixa de violar a ordem pública internacional, uma vez que a igualdade de armas e o contraditório não foram assegurados no referido “processo””. Mais alega que existe uma ação de divórcio a correr termos em Portugal, na qual o Tribunal de Família e Menores competente (processo n.º xx Juiz de Família e Menores do Tribunal Judicial de xx). * A Exmª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência da pretensão da requerente, dizendo que “à luz da nossa ordem jurídica, não podemos concluir pela existência de um qualquer divórcio entre as partes válido e eficaz em Portugal, dado que não se verifica o pressuposto da alínea e) do artigo 984.º do CPC e o acto revidendo é manifestamente violador dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português” por ser baseado na declaração unilateral de repúdio por parte do marido, efetuado ao abrigo da Lei Sharia. * O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia. Não existem vícios que anulem todo o processo. As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade. Não se verificam outras exceções dilatórias ou nulidades de que cumpra conhecer. * Fundamentação Motivação de facto: Encontra-se documentalmente provado nos autos, conjugado com o que resulta do processo nº 2172/17.6YRLSB da 2ª secção desta Relação, que: 1.–A requerente e o requerido casaram-se na Mesquita muçulmana de Kobe, no Japão, em xx. 2.–O casamento está transcrito na ordem jurídica portuguesa pelo Assento de Casamento n.º xx do ano de xx da Conservatória dos Registo Centrais de Lisboa. 3.–No dia xx, o Requerido declarou divorciar-se da Requerida ao pronunciar: estás “Taliq”, tendo comparecido, no dia xx perante o juiz de direito do Tribunal da Sharia, pedindo que o divórcio fosse confirmado. 4.–Nesse mesmo dia 23/3/2015, o Tribunal da Sharia de Sharjah confirmou o divórcio entre as Partes nos seguintes termos: 4.–A referida decisão tornou-se definitiva. 5.–No dia xx, a requerente instaurou contra o requerido, no Reino Unido, uma ação, que correu termos junto da Divisão de Família do High Court of Justice, no âmbito da qual pediu que fosse decretado o divórcio entre as partes. 6.–No dia xx, a requerente foi notificada, na pessoa do seu mandatário, de que o divórcio Talaq entre as partes havia sido concedido pelo Tribunal da Sharia de Sharjah. 7.–No âmbito da ação que corria termos no Reino Unido, a xx, o Tribunal, após ter tido conhecimento da Sentença de Divórcio Talaq, afirmou que as partes já estavam divorciadas, não tendo a ora requerida contestado o Talaq, e convidou esta a pedir pedido de assistência financeira ao abrigo da Parte III do Matrimonial and Family Proceedings Act 1984”. 8.–A requerente aceitou o convite do Tribunal do Reino Unido e alterou o seu pedido em julho de 2015 e janeiro de 2016, formulando nesta última data um pedido de assistência financeira após divórcio estrangeiro. 9.–O Tribunal do Reino Unido proferiu, em xx, sentença final que regulou os efeitos patrimoniais do divórcio entre as partes. 10.–Em xx, a requerente iniciou ação de revisão e confirmação da Sentença do Tribunal do Reino Unido, que correu termos no Tribunal da Relação de Lisboa, 2.ª Secção, sob o número 2172/17.6YRLSB. 11.–O Tribunal da Relação julgou improcedente a ação, absolvendo o requerido do pedido. 12.–A Requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. 13.–O Supremo Tribunal de Justiça considerou que a falta de inscrição do divórcio entre as partes no registo civil português era uma condição de procedibilidade do reconhecimento da Sentença do Tribunal do Reino Unido, que consubstanciava uma exceção dilatória. 14.–Em consequência, o Supremo Tribunal de Justiça absolveu o requerido da instância, dizendo o seguinte: “O reconhecimento dessa impossibilidade não implica, no entanto, qualquer apreciação dos requisitos de revisibilidade estabelecidos no artigo 980º do CPC, que conduza à improcedência da pretensão da confirmação da decisão revidenda para valer em Portugal. Antes, o que dela decorre é que o tribunal não pode rever a decisão do tribunal estrangeiro sem que o facto pressuponente daquela decisão seja eficaz no ordenamento jurídico português. A falta de inscrição do divórcio no registo civil português surge, desta forma, não como um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do efeito jurídico pretendido – a confirmação da sentença para valer em Portugal – mas antes como uma condição de procedibilidade, sem cujo preenchimento o tribunal não pode apreciar a pretensão deduzida na acção de revisão. Trata-se, portanto, de uma excepção dilatória, que dá lugar à absolvição da instância, e não, como foi considerado no acórdão recorrido, de uma excepção peremptória que dá lugar à absolvição do pedido”. 15.–No mesmo acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça referiu o seguinte: “A circunstância de o ordenamento jurídico português – rectius, o registo civil português – considerar ainda subsistente o matrimónio de Autora e Réu não inviabiliza, no entanto, que possa vir a ser reconhecida a dissolução do mesmo; designadamente através da revisão da sentença dos EAU que decretou o divórcio ‘talaq’, que implicaria a imediata inscrição de tal facto no registo civil português (artigo 7º do Código do Registo Civil)”. 16.–Em xx o requerido instaurou ação de divórcio contra a requerente, a qual corre termos com o número de processo xx, do Juízo de Família e Menores de xx do Tribunal Judicial da comarca de xx. 17.–Tal processo encontra-se com a instância suspensa com base no decidido no seguinte despacho, datado de 7/1/2019: “Encontra-se pendente, no Tribunal da Relação de Lisboa, ação para reconhecimento de sentença estrangeira relacionada com o objeto dos presentes autos – dissolução do casamento entre Autor e Ré. Os presentes autos foram suspensos, por despacho judicial, ao abrigo do disposto nos arts. 92, 276, nº 1 – c), 272, nº 1 e 275, todos do C.P.Civil, até que seja proferida decisão final no processo que corre termos do Reino Unido. Assim sendo e em consequência, indefiro o requerido pela Ré e determino que os autos se mantenham suspensos, como determinado nos autos, até que seja proferida decisão final no processo que corre termos no Reino Unido ou até que se mostre decidido o processo pendente no Tribunal da Relação de Lisboa (reconhecimento de sentença estrangeira)”. * Motivação de Direito: Perante a situação de facto atrás descrita importa agora decidir se estão reunidos os pressupostos para o deferimento da pretensão formulada, qual seja a de ser confirmada pelos tribunais portugueses, para que possa produzir efeitos em Portugal, a decisão revidenda que declarou a extinção por divórcio do casamento entre as partes. Nos termos do artigo 980º, do Código de Processo Civil, para que a sentença seja confirmada é necessário: “a)-Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão; b)-Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; c)-Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; d)-Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição; e)-Que o réu tenha sido regularmente citado para ação nos termos da lei do país do tribunal de origem e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; f)-Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português”. Dispõe o artigo 983º, n.º 1, do Código de Processo Civil: “O pedido só poder ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 980º, ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c)- e g), do artigo 696º”. No caso em apreço não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do documento que incorpora a decisão revidenda, nem sobre a inteligência da decisão. As questões suscitadas pelo requerido e pelo Mº Pº para fundamentarem a oposição à pretensão da requerente são as seguintes: - verifica-se a exceção de litispendência por estar pendente perante tribunais portugueses uma ação de divórcio entre as partes. - no processo que conduziu à decisão houve violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes; - a decisão mostra-se contrária aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Há desde logo que referir a seguinte circunstância, que não deixa de ser curiosa e que, em nosso entender, tem bastante importância para a apreciação jurídica da causa: todos os indicados fundamentos são integralmente imputáveis ao requerido. Efetivamente, o requerido, apesar de ter pendente perante tribunais portugueses a mencionada ação de divórcio, e poucos dias após tê-la instaurado, declarou, no dia xx, divorciar-se da requerida ao pronunciar: estás “Taliq”, tendo comparecido, no dia xx perante o juiz de direito do Tribunal da Sharia, pedindo que o divórcio fosse confirmado. Acresce que instaurou a ação que pende nos tribunais portugueses já depois de saber que a requerida havia instaurado, em xx, uma ação de divórcio perante os tribunais do Reino Unido. E resulta do alegado pelo requerido que a sua oposição à pretensão da requerente não visa o divórcio em si mesmo considerado. Aliás, se há algo que está manifestamente assente é que o requerido quer o divórcio, pois de contrário não tinha instaurado a ação que pende em C....., nem tomado a iniciativa do Talaq, nem ido pedir a respetiva confirmação ao tribunal da Sharia. O que na realidade o requerido pretende é evitar que a requerente obtenha a revisão e confirmação da decisão proferida pelos tribunais do Reino Unido que concedeu à requerente direitos patrimoniais em consequência do divórcio. Esse é que é o verdadeiro objetivo do requerido ao deduzir oposição neste processo. Comecemos por analisar a exceção de litispendência. Esta configura uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância, nos termos conjugados dos artºs 576º/2 e 577º, al. i, ambos do CPC. Tal questão da litispendência relativa à ação que pende no Juízo de Família e Menores de xx tem de ser reportada, desde logo, à ação pendente nos tribunais do Reino Unido. Isto porque à data da instauração dessas duas ações, estava ainda em vigor na ordem jurídica do Reino Unido[1] o Regulamento (CE) n° 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental. O artº 19º desse Regulamento estabelece, no nº 1, que “Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar”. Por sua vez, o nº 3 estatui que “quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declarar-se incompetente a favor daquele”. Como se constata, o Regulamento tem uma específica noção de litispendência, pois, diferentemente do que se verifica no nosso direito, é irrelevante a causa de pedir. Basta que pendam em tribunais de diferentes Estados ações visando a obtenção do divórcio entre as partes. Verificando-se essa situação, está-se perante a exceção de litispendência, na aceção do mencionado Regulamento, e há, de imediato, lugar à suspensão da instância. É isso que resulta do nº 1 do preceito. De acordo com o nosso direito processual, se estiverem pendentes duas ações de divórcio, naturalmente com identidade de sujeitos, mas em que as causa de pedir sejam distintas, não se verifica a exceção de litispendência por não existir a referida tríplice identidade. Nesse caso, aplica-se o disposto no artº 272º/1 do CPC, podendo o tribunal onde pende a ação instaurada em segundo lugar ordenar a suspensão da instância até à decisão final da ação instaurada em primeiro lugar. Aplica-se também o disposto no artº 267º do CPC, podendo ser ordenada a apensação das ações. No regime estabelecido no Regulamento prevê-se como consequência da litispendência, numa primeira fase, a imediata suspensão da instância. E, após, a declaração de incompetência a favor do tribunal onde a ação foi instaurada em primeiro lugar, o que ocorre quando estiver estabelecida a competência deste tribunal. Como decorre dos factos provados, o tribunal do Reino Unido havia prevenido a jurisdição, pois a ação que aí correu termos foi instaurada antes daquela que pende no Juízo de Família e Menores de xx. Aliás, por causa disso este Juízo suspendeu a instância. Para que o tribunal onde a ação foi instaurada em segundo lugar se declare incompetente nem sequer é necessário que a decisão do primeiro tribunal transite em julgado. Basta que este tribunal se declare competente. Ora, foi isso que aconteceu no caso em apreço, de tal forma que o tribunal do Reino Unido passou de imediato à regulação dos efeitos patrimoniais do divórcio após reconhecer eficácia à decisão proferida pelo tribunal da Sharia. Por isso a pendência da ação do Juízo de Família e Menores de xx é algo que já nem devia ocorrer. A isto acresce que entre esta ação de reconhecimento de sentença estrangeira e a ação que pende no Juízo de Família e Menores de xx não existe litispendência. Ao caso aplicam-se as regras do CPC, pois em causa está uma decisão de um Estado que não pertence à União Europeia. Conforme acima se expôs, a exceção de litispendência pressupõe a tríplice identidade quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir. A falta de qualquer um deles impede a verificação da exceção. No caso temos que falta a identidade de causa de pedir, pois a decisão aqui em apreço funda-se na vontade unilateral de um dos cônjuges, diferente, portanto da causa de pedir invocada na ação que pende no Juízo de Família e Menores de xx. Deste modo, temos de concluir que não se verifica a exceção de litispendência. Vejamos agora a outra questão suscitada relativa à violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes e aos princípios da ordem pública internacional do Estado Português. Neste aspeto, concordamos, na íntegra, com o afirmado nas doutas alegações apresentadas pela requerente nos termos do artº 982º/1 do CPC, e que é o seguinte: “54.- Realce-se ainda que, ao contrário da alínea f), a alínea e) do artigo 980.º do CPC não é de conhecimento oficioso. 55.- Bem se compreende que assim seja, já que a recusa de reconhecimento em caso de violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes visa preservar os direitos fundamentais de defesa do réu. 56.- Assim, apenas o cônjuge prejudicado pela violação de tais princípios pode invocar este requisito de confirmação enquanto fundamento de impugnação do pedido de reconhecimento da decisão estrangeira (Cfr. Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado. Reconhecimento de decisões estrangeiras, III, tomo II, pág. 227). 57.- Ou seja, o Requerido não tinha sequer legitimidade para invocar o preceito em questão, sendo certo que a Requerente, que teria essa legitimidade, não pretende fazê-lo neste contexto. 58.- Quanto ao requisito previsto na alínea f) do artigo 980.º do CPC, refira-se que apesar de o divórcio Talaq poder ser, em abstrato, contrário à ordem pública internacional do Estado Português, designadamente por violação do princípio da igualdade, há que realizar uma análise concreta antes de extrair daí consequências. 59.-Neste contexto, atente-se nos ensinamentos de FERRER CORREIA: “O repúdio da mulher portuguesa pelo marido muçulmano ofende o preceito constitucional que consagra o princípio da igualdade dos cônjuges. Mas se a mulher deu o seu assentimento ao repúdio – ou no próprio acto ou mesmo posteriormente – não se descortinam razões para fazer apelo à ordem pública; isto no caso de o repúdio ter sido realizado no estrangeiro, nos termos do art.º 31.º, n.º 2 do Cód. Civ.. O mesmo se diga se é a mulher quem pede em Portugal o reconhecimento dos efeitos do repúdio, v. gr., porque pretende contrair segundo casamento” (Cfr. A. Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, vol. I, 2000, Almedina, Coimbra, págs. 415-416). 60.- Ainda na doutrina veja-se, por exemplo, o entendimento de MARIANA SILVA DIAS: “(…) Como mencionámos anteriormente, a apreciação destas situações tem de ser feita caso a caso e não abstratamente, por isso pode haver variantes a este entendimento, nomeadamente, quando é a mulher a intentar a ação de reconhecimento, ou, no caso de ser o homem, esta não se opuser e der o seu consentimento tácito ou expresso” (Cfr. Mariana Madeira da Silva Dias, “O Reconhecimento do Repúdio Islâmico pelo Ordenamento Jurídico Português: a exceção de ordem pública internacional”, in Julgar, n.º 23, 2014, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 313). 61.-No mesmo sentido, veja-se a posição de JOÃO GOMES DE ALMEIDA: “O mero facto de o talak constituir um modo de dissolução do casamento com fundamento apenas na vontade de um dos cônjuges não é suficiente para violar a ordem pública internacional portuguesa. O instituto do talak é suscetível de violar a ordem pública internacional portuguesa porque coloca o cônjuge mulher numa situação de inferioridade, não lhe concedendo um direito que é concedido ao cônjuge marido. Porém, há que ter presente que, por força da conceção aposteriorística da ordem pública internacional, podem existir casos concretos em que essa desigualdade não será suficiente para desencadear a atuação da ordem pública internacional. Uma dessas situações é a prevista no caso sob análise, pois é o cônjuge mulher que pede o reconhecimento da decisão estrangeira de repúdio unilateral. Ao pedir o reconhecimento da decisão estrangeira, o cônjuge mulher está a manifestar a sua vontade de que a dissolução do casamento seja também reconhecida em Portugal. Dito de outro modo, está a demonstrar que também quer que o casamento seja considerado como dissolvido. Deste modo, a desigualdade existente em abstrato no instituto, não suscita problemas de ordem pública internacional no caso concreto, uma vez que ambos os cônjuges (ainda que o cônjuge mulher possa ter manifestado essa vontade apenas posteriormente) pretendem que o casamento termine e a ordem pública internacional portuguesa não se opõe a que um determinado casamento cesse por vontade de ambos os cônjuges. Entendo, por isso, que o reconhecimento desta decisão estrangeira não conduz a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português” (Cfr. João Gomes de Almeida, “Casos práticos de divórcio transnacional”, in Direito Internacional da Família, Formação Contínua (Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2019), págs. 57–89, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/eb_DireitoI_Familia.pdf, tópicos de resolução do caso prático n.º 4, págs. 87 e seguintes). 62.- Esse é também o entendimento da jurisprudência, podendo indicar-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/4/2020: “(…) em abstracto, o divórcio muçulmano decorrente da vontade unilateral do marido não é aceitável segundo a OPI (do Estado português), por violação do princípio da igualdade. Os autores chamam, no entanto, a atenção para que a questão não deve ser apreciada em abstracto, mas em concreto, e que a ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado só deve levar a que não se aceite o resultado da aplicação do direito estrangeiro que esteja em causa, quando a situação jurídica, que foi por ele regulada, tenha uma conexão muito próxima com o Estado português; não a tendo, o tribunal português não se deve imiscuir na questão. Para além de não o dever fazer quando é a própria mulher que vem pedir o reconhecimento da sentença estrangeira” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/4/2020, proc. 405/19.3YRLSB-2, in www.dgsi.pt). 63.-Como se pode concluir, se for a mulher a pretender prevalecer-se do divórcio Talaq, a ordem pública internacional portuguesa não deverá intervir”. Tal argumentação é correta, pertinente e completa, pelo que se adere integralmente à mesma. Quanto ao alegado pelo requerido nas suas alegações, constata-se que é totalmente improcedente. Desde logo pela completa inversão de valores em que incorre ao pretender imputar uma fraude à lei e uma atuação de má-fé à requerente com fundamento no seguinte: “Se tal não bastasse para justificar a improcedência da presente ação, deve ainda ser salientado, mais uma vez, a verdadeira intenção da Requerente com o desfecho dos presentes autos: a revisão e confirmação da sentença inglesa, relativamente aos efeitos patrimoniais do divórcio, conseguindo, assim, enriquecer às custas do Requerido. Isto é, a presente ação está a ser completamente instrumentalizada pela Requerente de modo a atingir o seu fim último, tanto assim que a sua argumentação se baseia maioritariamente em tentar desvalorizar a questão da decisão dos tribunais ingleses sobre os efeitos patrimoniais do divórcio, trazida à colação pelo Requerido, o que somente demonstra a importância e relevância da mesma face ao impacto que o desfecho dos presentes autos irá ter na mesma”. E, por outro lado, vê a sua própria conduta como perfeitamente legítima, dizendo que: “Por último, cumpre apenas voltar a enfatizar que o Requerido não incorre em abuso de direito ao ter intentado a ação de divórcio nos tribunais competentes, tendo de seguida requerido o Talaq, dado que o mesmo apenas se encontrava a cumprir com todos os procedimentos e regras legais por forma a divorciar-se da Requerente salvaguardando as suas convicções religiosas”. É evidente que a requerente, ao pretender prevalecer-se da decisão proferida pelos tribunais do Reino Unido que lhe concedeu direitos patrimoniais em consequência do divórcio, está a exercer um direito perfeitamente legítimo e se houver algum fundamento para que o requerido deduza uma legítima oposição ao reconhecimento dessa decisão, terá oportunidade de o fazer no competente processo, que não é este. E é também evidente que o requerido, ao afirmar que estava no seu direito “ao ter intentado a ação de divórcio nos tribunais competentes, tendo de seguida requerido o Talaq”, pretendendo com isso salvaguardar “as suas convicções religiosas”, e, simultaneamente, deduzindo oposição ao reconhecimento dessa mesma decisão Talaq, está a agir em gritante abuso de direito, constituindo a sua atuação aquilo que se designa por venire contra factum proprium. Segundo o acórdão do STJ de 12.11.2013[2], “são pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou”. Como facilmente se constata, todos os mencionados pressupostos estão presentes na situação dos autos. A consequência de tal abuso de direito é tornar ilícita a conduta do seu autor, devendo o julgador obstaculizar aos efeitos pretendidos pelo agente. No caso, pretendendo o requerido obstaculizar ao reconhecimento do divórcio que ele próprio tomou a iniciativa de requerer, a forma de impedir que obtenha sucesso por via da sua atuação ilícita é conceder o reconhecimento pretendido pela requerente. Ante o exposto, considera-se estarem verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão nos termos estabelecidos nos arts. 980.º e 984.º do CPC: (i) a dissolução do vínculo matrimonial foi proferida pela entidade legalmente competente do país de origem da decisão; (ii) não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (art. 63º do CPC); (iii) não lhe podem ser opostas exceções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afeta a tribunal português; (iv) a eventual inobservância dos princípios do contraditório e igualdade das partes não pode ser aqui invocada porquanto essa inobservância afetaria única e exclusivamente a própria requerente; (v) e não é o seu reconhecimento suscetível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, nos termos que acima se expuseram (art. 984.º do CPC). Impõe-se, assim, dar procedência à pretensão da requerente. * DECISÃO Face ao exposto, decide-se conceder a revisão e confirmar a sentença proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah, Emirados Árabes Unidos, em xx, que confirmou o divórcio determinado pela iniciativa unilateral do requerido de se divorciar da requerente, operando dessa forma, por divórcio, a cessação do vínculo matrimonial entre a requerente e o requerido, para que a mesma produza efeitos em Portugal. * Custas pelo requerido, por ter deduzido oposição à pretensão (artº 535º/1 do CPC), fixando-se o valor da ação em 30.000,01€ (artºs 527º/1 e 2, 306º/1 e 2 e 303º/1, todos do CPC). Proceda-se às comunicações registrais (artigo 7º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Reg. Civil). Notifique e registe. TRL, 06-jul-2023 Jorge Almeida Esteves Teresa Soares Octávia Viegas [1]Obviamente que, relativamente a Portugal, continua em vigor. [2]Proferido no procº nº 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, in www.dgsi.pt. |