Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
40/09.4PEAGH.L1-5
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº A punição do branqueamento visa tutelar a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda das vantagens de certos crimes;
IIº No branqueamento está incluída a colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaraçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação directa com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo … médio prazo … longo prazo;
IIIº A conduta da arguida, ao depositar na conta da filha quantias monetárias que sabia terem sido obtidas pelo companheiro com a venda de estupefacientes, a fim de dissimular essa proveniência, integra a prática de um crime de branqueamento de capitais, p.p., pelo art.368, nºs1 e 2, do Código Penal;
IVº Sendo a recorrente primária, estando inserida social, profissional e economicamente, tendo uma filha menor, é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que deve ser suspensa a execução da pena de quatro anos de prisão, por que foi condenada pelo crime branqueamento;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
1- No âmbito do processo acima referenciado, foi proferido acórdão em 12 de Novembro de 2010, que julgou a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
                    1. Condenou o arguido A..., pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 6 (seis) anos de prisão.
                   2. Condenou o arguido G... pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art. 25º nº1 a) do DL 15/93 de 22 de Janeiro – para o qual se convola o crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo art. 21º nº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro, pelo qual se mostra acusado – na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
                 3. Suspendeu a pena de prisão aplicada ao arguido G... pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
                 4. Absolveu a arguida D... da prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos art.27º do Código Penal (CP) e art. 21º nº1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
                  5. Condenou a arguida D... pela prática de um crime de branqueamento, p. e p pelo art. 368º A, nº 1 e 2 do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

2- A arguida D... veio recorrer desta decisão apresentando as seguintes conclusões à sua motivação de recurso que se transcrevem:
 (…)
1 - Viola o tribunal recorrido a norma ínsita no artº.374º., nº2 do CPP, ao valorar como meio de prova ilações por si produzidas, decorrentes de depósitos bancários, de compras de objectos de ouro de valor diminuto de uma viatura e de outros objectos apreendidos em casa da ora recorrente, padecendo também nesta parte do vício de nulidade a que alude o  artº. 379º,nº.1, al.a) do CPP.
2 - Padece ainda o douto acórdão recorrido do vício de insuficiência da matéria de facto provada a que alude o artº.410º., nº.2, al.a)
3 - Da prova indicada pelo Tribunal Colectivo como fonte dos factos provados e não provados e do respectivo exame critico, não é possível extrair os        factos  que      foram   imputados ao arguido             recorrente,      sendo            que      a fundamentação explanada no acórdão ora sob recurso não permite o exame do processo racional que lhe subjaz, o que conduz necessariamente á nulidade prevista no art. 379º. nº.1 a) do CP.
4 - Viola ainda o douto aresto em apreço o principio “in dubio pro reu”, ao condenar a ora recorrente com base em ilações e regras da experiência comum.
5 - A douta sentença ora recorrida não imputa á ora recorrente qualquer tipo de perigosidade concreta, quer relativamente à sua personalidade, quer relativamente aos factos por esta praticados que justifiquem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva de 4 anos violando assim o disposto no artº.40º. do C.Penal.
6 – A pena de prisão efectiva de quatro anos aplicada á ora recorrente afigura-se-nos manifestamente             exagerada       e          desproporcionada,     quer     se considerem os imperativos da prevenção geral ou especial e dá uma prevalência exagerada à sua vertente retributiva, em violação do inserto nos artºs. 70º., 71º. e 72º, nº.2, als. b) e d), todos  do C.Penal.
7 - Viola ainda o douto acórdão o principio da proporcionalidade e adequação, princípios estes orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável (art.º40º do C.P. e 71º n.º 1).
Termos em que deve o presente recurso ser recebido e, renovada a prova nos termos sobreditos, ser a arguida, ora recorrente, absolvida da prática do crime de branqueamento de capitais, pelo qual foi condenada nos presentes autos, devolvendo-se todos os bens apreendidos na sua residência, ou se assim se não entender deve a mesma ser condenada, numa pena não privativa da liberdade.
Caso    assim   se         não      entenda           deve     o          douto   acórdão          ser considerado nulo, nos termos do art. 379º.do C.P.P. por violação do disposto no art. 374º.nº2 do mesmo diploma legal.
(…)
3- O Ministério Público junto do tribunal de 1ª Instância pronunciou-se pela improcedência do recurso, devendo manter-se na íntegra o acórdão recorrido.
4- O recurso foi devidamente admitido, tendo sido fixado o devido efeito.
5- Subiram os autos a este Tribunal, onde no Parecer a que se refere o art. 416º, do CPP, o Exmo. Procurador – Geral Adjunto acompanhou a posição do MP em 1ª Instância.
6- Cumprido o art.417º, nº 2 do CPP, nada foi dito.
7- Efectuado exame preliminar, foram os autos remetidos para conferência.
                                                                            
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.
1- O acórdão recorrido tem o seguinte teor no que interessa à decisão do recurso:
(…)
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto Provada
1. O arguido A..., pelo menos nos dois anos antecedentes à data da sua detenção, ocorrida a 22 de Outubro de 2009, que não exercia qualquer actividade profissional, a não ser, nos últimos seis meses antes de ser detido, cerca de 2 ou 3 vezes por semana, auxiliava o cunhado após o horário laboral deste – após 18.00 horas – numa oficina de mecânica de que este é detentor, onde auferia entre 30 e 100€ semanais.
2. O arguido A... desde data que não foi possível apurar concretamente, mas com inicio no ano de 2007, até à data da sua detenção, angariava dinheiro para fazer face às suas despesas através da venda de cocaína a terceiros, o que fazia na área desta comarca, nomeadamente no Bairro Social ….
3. O arguido G..., à data da detenção estava desempregado.
4. Desde data que não foi possível apurar concretamente, mas no ano de 2009, vendia heroína e cocaína a terceiros, o que fazia na área desta comarca, nomeadamente no Bairro Social ….
A cocaína era-lhe entregue pelo arguido A... e a heroína era adquirida a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar concretamente.
5. O arguido A... adquiria o produto estupefaciente que transaccionava a indivíduos cuja identidade não foi possível apurar concretamente.
6. O arguido A..., após a aquisição da cocaína, dividia-a em doses individuais, e embalava-a em recortes circulares de sacos de plástico.
Após, o arguido A... vendia-as pessoalmente a terceiros, a troco de quantias em dinheiro, entregando parte ao arguido G... para o mesmo efeito.
7. O arguido G..., caso detivesse consigo produto estupefaciente, permanecia por alguns períodos no Bairro Social …, junto ao …, e, quando contactado, fornecia de imediato o que lhe era solicitado.
8. Caso não detivesse qualquer produto estupefaciente, contactava o arguido A... e este reabastecia-o.
No mais, o arguido G... sempre que contactado telefonicamente pelos consumidores deslocava-se ao ponto de encontro acordado procedendo à entrega do produto estupefaciente pretendido, mediante o pagamento do preço.
9. O arguido A... era também contactado pelos consumidores. Após esses contactos, deslocava-se habitualmente na viatura mencionada, ao Bairro …, junto ao Império, ou ao parque de Estacionamento do Café ..., locais onde vendia doses de cocaína (de 20€ ,½ gramas ou gramas), embaladas em pequenos panfletos feitos com sacos de plástico, transportando-as consigo no interior de ovos de plástico.
10. Nas suas deslocações para reabastecimento do arguido G... ou para entregar cocaína aos consumidores, o arguido A... deslocava-se no veículo automóvel de marca Honda, de matrícula 00-00-ML, de cor preta.
11. Ao longo dos períodos temporais referidos nos pontos 2. e 3., os arguidos, em regra, vendiam a cocaína a 20€ a dose individual e 60€ o grama.
Tal produto estupefaciente era adquirido por 50€ o grama.
12. O arguido G... vendia a dose individual de heroína a 10€.
13. O arguido A... dedicava-se assim com regularidade à venda de cocaína e vendeu, designadamente
a) a D…, no ano de 2009, durante cerca de 2 meses, quase todos os dias, ½ gramas e gramas de cocaína, pelos preços respectivamente de 30€ e 60€;
b) a JS..., no ano de 2009, durante período que não foi possível apurar concretamente, e com regularidade que também não foi possível apurar, doses de cocaína de, pelo menos, 20€;
c) a  V…,  pelo  menos  no  ano  de  2009,  em  datas                      que  não  foi  possível  apurar concretamente, mas em Junho ou Julho desse ano, por 2 vezes, cocaína, ½ gramas e pacotes de cocaína, em número que não foi possível apurar concretamente.
O ½ grama custou 40€ e os pacotes 20€.
e) a B…, que, pelo menos desde o ano de 2007, com uma frequência semanal, juntava dinheiro  com outras pessoas, incluindo o arguido, dinheiro  esse que era entregue ao arguido o qual ia buscar cocaína, em quantidades de cerca de 5 gramas de cada vez.
Cada grama custava entre 70 e 80€.
Após, ou consumiam juntos ou cada um levava consigo 1 grama.
f) a N…, que se juntava com outras pessoas e davam dinheiro ao arguido para ir buscar, de cada vez, 4 ou 5 bolas de 5 gramas de cocaína, que custavam entre 60€ e 80€ o grama.
Tal aconteceu duas vezes por mês, durante cerca de 2 anos e até à data da detenção do arguido.
g) a M… que consumiu cocaína com o arguido numa discoteca, 3 ou 4 vezes, em 2009, sendo que, parte dessas vezes (em número que não foi possível apurar) foi o arguido quem forneceu a cocaína
14. O arguido A..., por duas vezes, cedeu gratuitamente pacotes de cocaína a LC....
15. Ainda no descrito contexto de colaboração com o arguido A..., no período referido, o arguido G... dedicou-se, à venda de estupefacientes e vendeu, designadamente
a) a V…, em datas que não foi possível apurar concretamente, mas no ano de 2009, durante 3 ou 4 meses, 2 ou 3 vezes por semana, ½ gramas ou pacotes de cocaína, pelo valor de respectivamente 40€ e 20€, cada;
d) a P…, em datas que não foi possível apurar concretamente do ano de 2009, por número de vezes  que não foi  possível  apurar concretamente, cocaína,  em quantidades  que variavam entre 30€ e 50€ de cada vez;
e) a  J…,  em  2009, cocaína,  por  número  de  vezes que  não  foi  possível  apurar concretamente, pacotes de 20€;
f) a M…, cocaína, em 2009, em datas que não foi possível apurar concretamente, por 2 ou 3 vezes, pacotes de 20€, chegando esta a levar mais do que um pacote de cada vez.
Vendeu ainda
- a N…, no ano de 2009, em datas que não foi possível apurar concretamente, pacotes de heroína, 1 ou 2  por dia, com regularidade que não foi possível apurar concretamente, pelo preço de 10€ cada.
16. No dia 22 de Outubro de 2009, cerca das 14.30 horas, o arguido A... conduzia o veiculo automóvel marca "Honda", de matrícula 00-00-ML, em direcção ao Bairro Social …, tendo imobilizado o mesmo nas proximidades da rotunda da Rua …s com a Rua … para recolher o arguido G..., reiniciando a marcha em direcção à referida rotunda e seguindo em direcção à Canada do Rolo, local onde se encontrava posicionada uma viatura da PSP devidamente caracterizada.
17. Ao avistar a viatura policial, o arguido A... travou de imediato, iniciando, em marcha acelerada, a manobra de marcha-atrás para proceder a inversão de sentido de marcha, e, ao mesmo tempo, lançou para fora do veículo dois objectos:
- um ovo em plástico, de cor amarela, contendo no seu interior 31 embalagens (vulgo panfletos) de plástico preto, de pequenas dimensões, contendo, no interior cada uma, cocaína;
- um ovo em plástico, de cor branca/transparente, contendo no seu interior 5 embalagens (vulgo panfletos)  de  plástico  branco, de  pequenas dimensões, contendo, no  interior  de  cada uma cocaína, tudo com o peso líquido de 22,528 gramas.
18. Na sequência da actuação descrita os agentes da PSP lograram interceptar o veículo conduzido pelo arguido A... e recolher os ovos que o mesmo atirou para o exterior da viatura.
19. No dia 22 de Outubro de 2009, o arguido A..., quando detido, tinha na sua posse
- a) um telemóvel, marca Nokia;
- b) 320€ (1 nota de 50 €, 13 notas de 20 € e 2 notas de 5 €).
20. No interior do veículo, o arguido A... detinha:
  a)- um computador portátil, marca e modelo HP, cor cinza escuro, no valor de 300€;
b)- um objecto de forma oval;
  c)- um x-acto.
            21. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido G..., quando detido, tinha em seu poder
a)- um panfleto de heroína com o peso bruto de 0,85 gr., dissimulado no interior de um maço de tabaco;
b)- um telemóvel de marca/modelo Sony Ericsson, 55001, de cor preto;
c)- uma nota do 5 €.
22. Ainda na residência do arguido A..., sita num condomínio fechado, na Canada…, …, n°…, foram encontrados
a)- liamba, cannabis sativa, com o peso liquido de 0,716gr., acondicionada  no interior de um saco de plástico transparente;
b)- uma balança  de precisão,  de marca salter,  de cor beje,  com resíduos  de estupefaciente, designadamente cocaína;
c)- um pedaço de plástico de cor preto, com onze recortes em forma redonda e dois pedaços de plástico de cor branco, em forma redonda, que se encontravam no interior do balde do lixo da cozinha;
d)- vários pedaços de plástico de cor preto, com recortes em forma redonda e sete pedaços de plástico de cor  branca, em forma redonda, que se encontravam no interior de uma caixa de papelão colocada no balde do lixo no exterior da residência.
23. Na residência do arguido G..., sita na Rua …., n.°…, … foram encontrados recortes redondos de plástico de cor branca.
24. Os bens referidos no ponto 22 b), c) e d) pertenciam ao arguido A... e G..., e em 23., em cuja casa foram encontrados e visavam a preparação das doses de cocaína para vender.
25. Ainda, na sua residência, o arguido A... possuía;
a)-um veículo automóvel, marca Audi A3, matrícula …-…-…, no valor de 10.000€;
b)- um veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Honda, modelo Civic, de  matrícula 00-00- ML, no valor de 5.500 €;
c)- um motociclo, marca Yamaha, modelo  YZ 125, com matrícula 00-BF-00, no valor 3.500 €;
d)- uma televisão, Samsung, no valor de 599 €;
e)- um leitor de DVDs, Philips, HTS 3610, no valor de 99 €;
f)-uma  televisão,  Philips, FlatTV- 50PF7320, no valor de 2.199 €;
g)-sistema de som, LG, no valor de 709 €;
h)- um leitor de DVDs, Philips, no valor de 279 €;
i) - uma televisão, LG, no valor de 649 €;
j)-uma televisão, LG, no valor de 649 €;
l)- colunas de som, Philips, no valor de 20€;
m)-um blusão em pele, de marca Berik, no valor de 300€;
n)- diversas peças em ouro;
o)- um colar, no valor de 160 €;
p)- um anel, no valor de 116 €;
q)- uma pulseira, no valor de 430 €;
r)- um pingente em forma de coração, no valor de 19 €;
s)- uma pulseira, com vários pingentes, no valor de 90 €; t)- um fio com vários símbolos, no valor de 310 €;
u)-pneus, de marca Michelin, em estado novo, no valor de 109 €;;
v)- uma mesa de Ping Pong, no valor de 500 €, sendo que em estado novo custa o preço de 2.000 ;
x)- painel de jogo de setas, no valor de 300 €;
z)-uma mesa de bilhar, no valor de 200 €;
aa)- um rádio portátil, no valor de 85 €;
bb)- três capacetes, marca Shark, cada um no valor de 300 €.
26. Na sua residência o arguido G... possuía:
a)-equipamento de som, MP3, com o n° de Série 534611289 no valor de 10 €;
b)-um leitor de DVD, de marca LG, n° de série october 2007, no valor de 200 €;
c)- 180 € ( 24 notas de 5 €, 4 notas de 10 € e 1 nota de 20 €).
27. Todos os objectos supra indicados em 19, 20, 25 e 26, à excepção do veículo Audi, e os objectos descritos 22. o), r) e s), apreendidos ao arguido A... e G..., foram obtidos com os lucros auferidos com a venda de cocaína (arguido A...) e cocaína e heroína (arguido G...).
28. O agregado familiar do arguido A... era constituído por si e pela sua companheira arguida D... e a filha de ambos.
Os rendimentos do agregado familiar reduziam-se ao vencimento da arguida D..., no valor mensal de 565,60€, em 2007, 583,89€, em 2008 e 648,54€, em 2009, a que acrescia a remuneração do arguido nos últimos 6 meses antes de ser detido, mas com a qual não contribuía para as despesas domésticas. Auferiu ainda a arguida uma bolsa da Faculdade, no valor de 331,20€, que recebeu entre Dezembro de 2008 (altura em que recebeu valor correspondente a 4 meses de bolsa) e Junho de 2009, recebeu também um apoio para o pagamento da renda de casa, no valor de 50% da mesma (que era de 320€), o que aconteceu durante 4 meses no ano de 2009.
29. Entre os dias de 12 e 20 de Outubro de 2009, a arguida fez 10 depósitos, em numerário/cheque, na conta bancária do Millenium BCP, com o n.° ..., no valor total de € 10.690,00, e a totalidade de depósitos desse mês foi de 18.150€.
E procedeu aos seguintes depósitos em
- Janeiro de 2007- 6.470€;
- Março de 2007 – 2.700€;
- Abril de 2007 – 2.935€;
- Maio de 2007 – 6.830€;
- Junho de 2007 – 1.550€;
- Julho de 2007 – 4.500€;
- Agosto de 2007 – 4.900€;
- Setembro de 2007 – 5.750€;
- Outubro de 2007 – 1.000€;
- Novembro de 2007 – 1.200€;
- Dezembro de 2007 – 1.200€;
- Janeiro de 2008 – 600€;
- Abril de 2008 – 3.000€;
- Junho de 2008 – 3.050€;
- Março de 2009 – 200€;
- Abril de 2009 – 100€;
- Maio de 2009 – 200€;
- Junho de 2009 – 10.120€;
 - Julho de 2009 – 5.905€;
- Agosto de 2009 – 11.305€;
- Setembro de 2009 – 3.500€;
- Outubro de 2009 – 18.150€.
Para além desta conta, a arguida movimentava a sua conta ordenado.
30. Os arguidos A... e D..., despenderam
a) durante o ano de 2007, a quantia de 5.829,09 €;
b) durante o ano de 2008, a quantia de 19.439,83€;
c) durante o ano de 2009, a quantia de 10.632,02€.
Estas quantias referem-se, na esmagadora maioria, a vestuário, peças de automóvel, mobiliário e electrodomésticos.
31. Em sede de IRS os arguidos A... e D... declaram os seguintes rendimentos
-         no ano de 2007, o primeiro  declarou 94,95€ de rendimento bruto, e a segunda 8.108,64€;
-         no ano de 2008, o primeiro não declarou qualquer rendimento e a segunda declarou um rendimento bruto de 8.772,68€.
32. A arguida D... é companheira do arguido A..., convivendo  com o mesmo em  condições análogas às dos cônjuges. Assim, a arguida conhecia a actividade do arguido, bem sabendo que o mesmo transportava, guardava e preparava, em sua casa, doses individuais de produto estupefaciente que posteriormente vendia a terceiros.
33. A arguida D... sabia que o arguido A... não exercia qualquer actividade profissional, pelo que não desconhecia da proveniência dos valores por este auferidos.
34. Assim, a arguida, bem conhecendo tal actuação auxiliou o arguido na mesma, utilizando a conta bancária Millenium BCP da sua filha, com o n.° ... para depósito das quantias monetárias auferidas por aquele na venda de cocaína.
35. Acresce que a arguida D... colocou em seu nome todos os bens materiais adquiridos por si e pelo arguido A... com os proventos da actividade supra descrita, com o claro intuito de dissimular as vantagens da actividade criminosa.
36. A arguida D..., bem sabendo que prestava auxílio ao arguido A..., dissipando e dissimulando os seus proventos, ainda assim não se inibiu de agir como agiu.
37. Cada um dos arguidos conhecia as características das substâncias estupefacientes que teve em seu poder e vendeu, entregou ou guardou pela forma descrita e sabia que não as podia ter em seu poder nem dar-lhes os fins supra descritos.
38. Todos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que condutas como as que adoptou são punidas por lei, e ainda assim não se inibiram de as adoptar.
Mais se provou que
39. O arguido A... não revelou arrependimento.
40. A arguida D... não revelou arrependimento e agiu movida exclusivamente pela vontade de obtenção de lucro fácil.
41. Os arguidos A... e G..., à data da sua prisão, eram consumidores de cocaína, mas não toxicodependentes.
42. No dia 23 de Outubro de 2009 – dia seguinte ao da prisão do arguido A... – a arguida D... procedeu ao levantamento da quantia de 17.349,88€, da conta ..., a fim de a subtrair à acção do Tribunal.
43. O arguido A... foi julgado e condenado
(…)
52. À data da prisão, o arguido vivia maritalmente com a arguida D..., sendo o relacionamento gratificante, embora caracterizado desde sempre por alguma instabilidade, sendo frequentes as separações entre o casal períodos nos quais A... permanecia em casa dos pais.
53.
(…)
66. A arguida D... é a única filha da relação entre os progenitores, tendo ainda 6 irmãos de anteriores relações daqueles.
Os pais nunca viveram juntos, não conhecendo o pai, sendo a progenitora a assumir o acompanhamento educativo e a satisfação das necessidades do agregado.
67. Teve percurso escolar adequado, com dificuldades  no  12°ano, tendo  entretanto ingressado nas Forças Armadas há cerca de seis anos.
Concluiu o 12° ano e ingressou posteriormente na Escola Superior de Enfermagem.
68. Há  cerca de  4/5  anos  iniciou  urna  relação  marital  com  o  arguido  A..., autonomizando-se nessa altura do agregado de origem.
69. A arguida reside em casa própria, com a filha de 4 anos, desde Abril,  na sequência  de realojamento  através da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais  e Habitação. Conta com o apoio da mãe em relação aos cuidados à filha, bem como com o apoio económico daquela e dos irmãos em situações de dificuldades económicas.
70. É soldado no Exército Português, no regimento em A.H..., exercendo funções no bar. O contrato de serviço militar termina em Janeiro próximo.
Frequenta o 3° ano de enfermagem.
Actualmente tem um vencimento de 720€, a que acresce no período escolar uma bolsa de 103 € mensais.
71. Os tempos livres são ocupados com a organização doméstica, optando ocasionalmente pelo convívio com os amigos e restringido o convívio social à instituição militar e à instituição escolar, a par do relacionamento muito próximo com o agregado de origem.
2.2. Matéria de Facto Não Provada
Não resultou provado que
1. O arguido A... dedicava-se à actividade referida no ponto 2. da matéria de facto provada desde o início do ano de 2006.
2. O arguido A... vendia heroína.
3. O arguido G... desde há um ano a esta parte não exercia qualquer actividade profissional regular e que a venda de heroína/cocaína a terceiros destinava-se a angariar predominantemente os seus meios de subsistência.
4. O arguido G... dividia a cocaína adquirida pelo arguido A... em doses individuais e embalava-a em recortes circulares de sacos de plástico.
5. Os arguidos A... e G... actuaram em comunhão de esforços e vontades.
6. O arguido A... deslocava-se no veículo Audi A3, de matrícula …-…-…, de cor cinzenta, para proceder à entrega de produto estupefaciente aos clientes.
7. O arguido A... era contactado telefonicamente pelos consumidores.
8. O arguido A... dedicava-se em exclusividade à actividade referida no ponto 12. da matéria de facto provada.
9. O arguido A... vendeu
- a MS... desde o ano de 2006 até à data da sua detenção, número não apurado de doses de cocaína, por diversas vezes, cerca de 4 ou 5 doses diárias, pelo preço unitário de 20€;
-a BP..., por uma vez, uma dose de 1 grama de cocaína, pelo valor de 60€.
10. As vendas de cocaína a JS... ocorreram em 2007, desde Setembro, e em
11. O arguido G…,  no  período  referido  na  matéria  de  facto provada, dedicou-se em exclusividade à venda de estupefacientes.
12. O arguido G... vendeu
- cocaína a BP..., número não apurado de doses, por diversas vezes, cerca de 1 a 2 doses diárias, pelo preço unitário de 20€;
- a P… entre Fevereiro e Setembro de 2009, sacos de cocaína de 60€.
13. O panfleto de heroína encontrado ao arguido G... tinha o peso bruto de 0,09 gramas.
14. Os bens referidos em 19.a), 20, 21 b) e c) visavam preparar as doses de heroína e cocaína.
15. Os objectos referidos nos pontos 25 e 26 foram obtidos através da troca por heroína e cocaína.
16. O veículo referido na alínea a) do ponto 25 foi obtido com os lucros auferidos com a venda de cocaína.
17. Os arguidos A... e D... gastaram
 a) no ano de 2007, a quantia de 9.673,17€.
b) no ano de 2008, a quantia de 21.135,53€;
c) no ano de 2009, a quantia de 14.171,73€.
Relativamente aos gastos dos arguidos A... e D... e relativos ao ano de 2006, o Tribunal não respondeu dado que apenas resultou provado o tráfico por parte do arguido a partir de 2007, não tendo, portanto, interesse o ano de 2006.
2.3.    Fundamentação da Matéria de Facto
A formação da convicção do Tribunal, de acordo com a qual respondeu à matéria de facto pela forma que antecede ficou a dever-se
Arguido A...
- ao teor do auto de apreensão junto a fls 26 a 28, nos termos do qual são elencados os objectos, produtos e dinheiro encontrados aos arguidos A... e G... aquando da abordagem policial que lhes foi feita na via pública, e na sequência da qual viriam a ser detidos;
- ao teor do auto de busca e apreensão de fls 5 a 8, nos termos do qual se descrevem os bens apreendidos ao arguido no interior da sua residência;
- ao teor das fotos juntas a fls 42 a 61, relativas aos objectos e produtos apreendidos ao arguidos, bem como sobre o interior das respectivas residências;
- ao teor das fotos de fls 126 e 127 relativas ao veículo que o arguido A... conduzia na altura em que foi detido;
- ao auto de exame a avaliação do mesmo veículo, junto a fls 130;
- ao auto de exame e avaliação do motociclo apreendido ao arguido, junto a fls 131;
- ao auto de exame e avaliação de fls 563 relativo aos capacetes apreendidos;
- ao auto de busca e apreensão de fls 137, relativo a um anexo à residência do arguido e acerca dos objectos aí encontrados;
- ao auto de avaliação de fls 644-645;
- ao auto de avaliação de fls 656;
- às informações de fls 164 a 166, prestadas pela Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa acerca dos veículos apreendidos ao arguido A..., nos termos das quais, o veículo “Audi” está registado em  nome  do  pai  do  arguido,  e os veículos  Honda  e Yamaha estão registados em nome da arguida;
- ao teor dos autos de exame toxicológico juntos a fls 570 e 648, o primeiro que permitiu concluir acerca da natureza do produto estupefaciente apreendido, bem como acerca do seu peso líquido e o segundo sobre os vestígios encontrados na balança;
O arguido prestou declarações, admitindo que vendia cocaína e negando a venda de heroína, que, aliás, não se provou por qualquer outro meio de prova.
Declarou que consumia cocaína desde há dois anos, à data da sua detenção, cerca de 1 grama diariamente, mas não resultou provada a sua toxicodependência, nomeadamente não teve necessidade de ser sujeito a tratamento na sequência da sua reclusão (cfr. relatório social junto aos autos).
Referiu onde se processavam as vendas e qual o seu lucro, a saber cerca de metade do valor pelo qual adquiria o grama de cocaína.
Declarou que adquiria cerca de 5 ou 6 gramas de cocaína por semana e que apenas vendia ½ gramas desta  substância, não vendia pacotes (o que não foi confirmado  pelos consumidores).
Admitiu a aquisição da cocaína com que foi encontrado no dia 22 de Outubro, declarando que dois dias antes havia adquirido  28 gramas dessa substância pelo preço de 700 € ou 800 €, que pagou a pronto. Nesse dia, quando foi encontrado pela polícia deslocava-se a casa do co-arguido G... para lhe mostrar o produto e consumirem juntos.
Admite que o dinheiro que foi encontrado – 320€ - era proveniente da venda de cocaína.
Negou que o co-arguido G…  fizesse entregas por sua conta ou que a co-arguida, D..., sua companheira, estivesse  envolvida  no  negócio  mas acha que a  mesma desconfiava que consumia.
O Tribunal considerou ainda, na formação da sua convicção, as declarações de
- F… e R…, agentes da PSP, que estiveram presentes na  abordagem que  foi  feita  ao  arguido  no  dia 22  de  Outubro  de  2009 e  que esclareceram  como o mesmo se  lhes tornou suspeito e como ocorreu tal abordagem, tendo assistido ao arguido a deitar  pela janela o produto  estupefaciente  que veio a ser encontrado posteriormente.  Essencialmente as informações  que despertaram a  atenção sobre o arguido, segundo as testemunhas, provinham de consumidores de estupefacientes que afirmavam adquirir- lhe cocaína.
Segundo a testemunha J… ambos os arguidos – A... e G…s andavam sempre juntos.
- S…, agente da PSP e vizinha dos arguidos A… e D..., por residir no mesmo condomínio, a cerca de 30 metros da residência daqueles, esclareceu que o arguido não tinha hábitos de trabalho, pois via-o frequentemente em casa a qual era frequentada por pessoas referenciadas com o  consumo de drogas. Esclareceu ainda que o arguido G... passava parte do dia na companhia do arguido A.... Ainda segundo esta testemunha, o casal – A... e D… - aparentava uma vida acima das possibilidades permitidas pelos rendimentos que aufeririam, pois o arguido A... não trabalhava e a arguida D... trabalhava  como militar, sendo certo que, nomeadamente, eram vistas empresas de móveis a descarregarem material na sua casa.
Relativamente  às vendas de cocaína a terceiros, o Tribunal considerou, para além  das declarações do próprio arguido, as declarações dos consumidores, a saber, D…, J…, L…,  B…, N…, V…, M…,  as  quais  explicaram  em  que  termos  ocorriam  os  contactos,  quais  as  quantidades adquiridas, os preços praticados e a frequência com que eram levadas a efeito as aquisições.
A prova produzida – declarações do arguido e dos consumidores supra referidos, para além das provas detectadas na sua pessoa – quantidade de cocaína apreendida e o dinheiro, em notas de 50€, 20€ e 5€ - e na sua residência  - como a balança de precisão,  o plástico  com recortes característicos dos invólucros usados para acondicionar estupefacientes - não deixa margem para dúvidas sobre o facto de o arguido, no período referido nos autos, se dedicar à venda de cocaína. Quanto à actividade laboral  do  arguido,  o  mesmo  afirmou  que desde há  mais  de  2 anos trabalhava para o irmão do seu cunhado, como ajudante de mecânico e em part-time, mas que não fazia descontos para a Segurança Social.
Tais  declarações  não  foram  confirmadas  pela  testemunha M…, cunhado da irmã do arguido, que explicou que há cerca de um ano abriu uma oficina junto da casa da cunhada e que, no ano de 2009, durante cerca de 6 meses, duas ou três vezes por semana, o arguido ia auxiliá-lo nessa oficina.
Também a testemunha R…, senhorio do arguido, declarou que o via regularmente,  durante o dia, junto a estabelecimentos  comerciais de café na …, o mesmo acontecendo com a  testemunha A…, primo  do arguido, que declarou que o via  sempre no Bairro  da …, a horas em que era suposto estar-se a trabalhar.
Quanto a esta matéria, o Tribunal considerou ainda o teor da informação prestada pelo Centro de Prestações Pecuniárias e junta a fls 395, nos termos da qual o último desconto do arguido data de Maio de 2007 e as declarações de IRS junta a fls 468 a 476, relativas aos anos de 2007 e 2008.
As declarações das testemunhas Â…, A…, A…, T…, A…, P… e V…, em nada contribuíram para o apuramento dos factos. A testemunha E… declarou que chegou a consumir cocaína com ambos os arguidos, A... e G..., mas  não  se recorda de quem apresentou o produto.
A testemunha J…, agente da PSP, apenas recolheu informação acerca das agressões de  que algumas  testemunhas foram alvo, alegadamente  a mando dos arguidos A... e D…s, mas sem relevo para a decisão da causa.
Também o depoimento de M…, agente da PSP não se revestiu de interesse para o  apuramento dos factos, pois apenas soube que foi apresentada uma denúncia anónima que indicava que os arguidos A… e G… costumavam fazer tráfico no parque de estacionamento da discoteca ….
Face à prova produzida, não restam dúvidas em como o arguido vendia cocaína até à data da sua detenção e desde o ano de 2007, com isso auferindo proventos com os quais fazia face às suas despesas, já que trabalhava irregularmente em part-time,  o que, aliás, aconteceu apenas por um período de 6 meses.
Quanto aos objectos e veículos que lhe foram apreendidos, pronunciar-nos-emos a propósito da fundamentação da matéria factual relativa à arguida D....
Arguido G...
(…)
Arguida D...
A arguida prestou declarações, afirmando que, embora desconfiasse que o companheiro A... tinha um envolvimento com estupefacientes, nomeadamente que vendia destes produtos, não tinha a certeza desse facto.
Confirmou que o único trabalho que o arguido  exercia era o de mecânico por conta de um familiar,  das 18.00  horas em diante e que era a própria  quem suportava todas as despesas domésticas.
Declarou que os seus rendimentos eram compostos pelo seu salário, no valor de 720€ líquidos, uma bolsa de estudo, no valor de 330€ (10 meses por ano) e um apoio da sua mãe, no valor de 250€ mensais. Auferia ainda um apoio de 50% da renda de casa através de um benefício chamado “Porta 65”.
Compulsadas as contas bancárias que a arguida movimentava, a saber, a conta do Millennium BCP da sua filha, P... (conta nº ... cfr. fls 804 a 866), e a sua conta no mesmo banco (conta nº  ...) constata-se que, desde Janeiro de 2007, a arguida procedeu a depósitos nessa conta (...)  que em muito excedem aquilo  que são os rendimentos que a arguida afirma que auferia e aquilo que serão as despesas mínimas de uma casa com 3 pessoas, renda de casa para pagar e três veículos para “sustentar”, para além das despesas extra que resultam dos autos.
Quanto às despesas, o Tribunal considerou os documentos juntos ao Anexo – efectuadas no ano de 2007 vide fls 165, 173, 177, 180 , 183 a 205, 207 a 220, 222 a 227, 230, 232, 235, 237, 239, 241 e 244; no ano de 2008, vide fls 99, 100, 103, 105 a 112, 114, 118, 120, 125, 126, 128, 130, 134, 135, 137, 139 a 141, 143, 145, 147, 149 a 153, 156, 158 e 159 e no ano de 2009, vide fls 38, 44, 50,59, 60, 61, 62, 64, 67, 73, 76, 77, 82, 83, 84, 87, 89, 131 e 132 - , esclarecedores sobre o nível de despesas que o casal fazia,  para além das despesas básicas com alimentação e vestuário, para si e sua filha, relativamente aos quais apenas foi possível contabilizar um ou outro artigo.
A arguida afirma que as quantias creditadas na referida conta bancária resultam de poupanças que levou a efeito – esclarecendo aforrar entre 100/500€ mensalmente – e do dinheiro que a sogra, mãe do arguido A..., lhe emprestou no início do ano de 2009, com o objectivo de abrirem  um estabelecimento  comercial  de Café,  montante esse no  valor  global  de 20.000€ (faseado entre os meses de Abril  e Outubro  de 2009), parte do  qual, pelo  menos 4.400€, despendeu na aquisição de LCD´s, mesa de ping pong e mesa de bilhar, tudo a pensar no referido estabelecimento comercial.
Estas declarações não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal. Na verdade, em 2007, a arguida auferia um vencimento de cerca de 565,60€, em 2008, de 583,89€ e em 2009, de 648,59€, segundo resulta do extracto da sua conta ordenado supra referida. A este salário acrescia uma bolsa da Universidade, no valor de 331,20€, o que começou a acontecer em Dezembro de 2008 (altura em que recebeu a quantia correspondente a quatro meses de bolsa), e prolongou-se até Junho de 2009, voltando apenas a receber essa quantia em Janeiro de 2010, e um apoio de 50% do valor da renda de casa, o que aconteceu apenas durante 4 meses, no ano de 2009, segundo a própria arguida. Para além disso, resultam da conta bancária da arguida, a crédito, transferências de 20,45€, em Julho de 2007, Abril de 2008, Maio de 2008, Novembro de 2008, de 84,75€, em Janeiro de 2008, 84,20€, em Janeiro de 2009, 25,35€, em Fevereiro de 2009, e 16€ em Outubro de 2009, quantias provenientes da entidade patronal da arguida.
A arguida residia com o arguido e têm uma filha, menor de idade. Pagava renda de casa. O casal era possuidor de três veículos. E era a arguida a única pessoa a pagar as despesas domésticas, pois o arguido não o fazia segundo declarações da própria. Não foi feita qualquer prova do alegado pela arguida de que a mãe a auxiliava com 250€ mensais (e as declarações da arguida, por si só, não mereceram  qualquer  credibilidade  ao  Tribunal  pois  manifestamente  mentiu  sobre  os montantes que auferia e sobre os depósitos  na conta da sua filha). Mas ainda que a arguida recebesse exactamente as quantias mensais a que se arroga, as mesmas não são compatíveis com os depósitos, superiores ao montante  mensal  dessas  quantias  que  a   arguida   depositava, especialmente na conta da sua filha P..., onde chegaram a ser depositados 3.000€ no mesmo dia
– cfr fls 807 e vº, apenas a título de exemplo. A verdade é que os montantes depositados e a frequência   dos   depósitos,   excedem  largamente   as  quantias   auferidas   pela   arguida   em consequência do seu trabalho ou de alguma bolsa recebida, e isto ainda que se considerasse que a arguida não tinha quaisquer despesas a suportar sobre esses rendimentos de que se arroga, ainda que se considerasse que todo o dinheiro auferido era aforrado.
Também relativamente à quantia que a arguida afirma que lhe foi entregue pela sogra, a saber, 20.000€, não foi feita qualquer prova a não ser as declarações de ambas.
A arguida afirma que era sua pretensão e do seu companheiro, ficarem com um estabelecimento comercial de Café e que a sogra, desde o inicio do  ano de 2009, que lhe  foi  entregando quantitativos em dinheiro para esse efeito. Declarou ainda que, à data da prisão do arguido,  já havia gasto parte desse dinheiro na aquisição de televisores, mesa de bilhar e de ping -pong para o referido  estabelecimento.  Declarou  ainda que, à data da prisão  do arguido, levantou  todo o dinheiro que tinha na conta da filha, para o devolver à sogra, uma vez que, face a tal prisão, ficou sem efeito o projecto do Café.
C…, mãe do arguido A... e sogra da arguida D..., confirmou que lhe emprestou 20.000€, em 2009, e por sete vezes, sendo as tranches de 5.000€ (por duas vezes), 2.000€ (por duas vezes), 4.000€ (uma vez) e 1.000€ (por duas vezes). Também estas declarações não mereceram credibilidade ao Tribunal. De facto, curiosamente, ou talvez não, os valores que a testemunha afirma que entregou à nora não têm correspondência nos depósitos a que esta procedia nas suas contas bancárias e note-se que a arguida procedia a muitos depósitos, ou seja, não tinha por hábito guardar o dinheiro em casa. Acresce que, relativamente ao negócio de aquisição do estabelecimento comercial de Café para o arguido A..., que, segundo a arguida, era suposto concretizar-se no mês de Outubro de 2009 (mês em que o arguido foi detido), não foi feita qualquer outra prova, a não ser as declarações da arguida D... e da mãe do arguido, C…, que têm absoluto interesse em argumentar com o carácter lícito dos depósitos plasmados nas contas da arguida, e da irmã do arguido, A.C…, que, contudo, não soube esclarecer qualquer pormenor desse negócio. Na verdade, não existe um único documento nos autos  que prove que os arguidos estavam em negociações para a aquisição do estabelecimento  comercial a que aludem, ou que se estavam a movimentar junto de uma qualquer instituição bancária para obter financiamento para esse efeito, tanto mais que a arguida D... afirmou em sede de julgamento, entre o demais, para justificar a enorme quantidade de movimentos  bancários, especialmente a crédito, na referida conta bancária  que,  como ia recorrer ao Banco para se financiar, pretendia fazer crer que as contas eram muito  movimentadas  pois,  na  sua perspectiva,  seria  dessa forma mais  fácil  a obtenção de crédito junto da Banca. Curioso é, contudo, que os depósitos não eram efectuados na sua conta bancária, mas da sua filha, o que deita por terra também este argumento dado que não faz qualquer sentido movimentar uma conta bancária alheia quando se quer impressionar uma instituição bancária, e se é possuidor de conta bancária própria. Ninguém foi ouvido, para além da arguida, a da sua sogra, que confirmasse esta intenção de aquisição do estabelecimento comercial. Por outro lado, a testemunha J…, pai do arguido A... e sogro da arguida, declarou que apenas “há poucos dias”, já após o filho ser preso, soube que o mesmo e a arguida estavam a pensar abrir o Café. Desconhece para quando estaria o negócio, quanto dinheiro a mulher terá entregue e a quem.
A existência deste negócio aparece ainda como muito curiosa por três outras razões:
- primeiro porque os arguidos, nas declarações da arguida (o que não resulta provado), davam-se mal, não faziam vida de casados, embora residissem na mesma casa, o que foi confirmado  pela testemunha A…, irmã do arguido e cunhada da arguida, mas curiosamente não foi confirmado pela testemunha J…, pai do arguido, que afirmou que o casal dava-se bem, o que também resulta do seu relatório social, apesar das pequenas zangas ocorridas.
- por outro lado, sendo intenção da família – mulher e mãe – com o referido negócio,“tirar o filho da vida que estava a levar” (sic mãe do arguido), ou seja, afastá-lo do mundo das drogas, a verdade é que pretendiam  justamente  um negócio  que o  ia  “atirar”  ou  manter no  mesmo contexto em que já  se inseria, apenas  mudando o local de actuação, pois resultou da prova produzida que o arguido era visto em Cafés e o próprio confessou que era também nos Cafés que referiu, que vendia cocaína. Não faz qualquer sentido esta suposta aquisição do estabelecimento comercial em causa, face às razões adiantadas pela arguida e pela testemunha sua sogra.
- Finalmente, nas suas declarações, o próprio arguido A..., não relevou minimamente esta situação, aliás, declarou  que desconhecia quanto dinheiro a mãe emprestou à arguida e quando tal aconteceu. O  facto de ser consumidor de cocaína – razão apontada pela testemunha C… para não lhe entregar o  dinheiro directamente - não o impedia de discutir um negócio em que seria o principal interessado  e esse conhecimento do negócio não tinha  necessariamente  de  envolver  mexer no  dinheiro,  mas o  arguido  revelou  em  escasso conhecimento da questão para quem estava supostamente tão envolvido.
Em relação ao dinheiro que aparece na conta da filha, o arguido declarou desconhecer a sua proveniência, o  que não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal, face à circunstância de o mesmo ser possuidor de um negócio ilícito muito lucrativo, de viver junto com a arguida e de serem adquiridos inúmeros bens de valor  elevado, cujo dinheiro  não encontra qualquer outra fonte justificativa que não seja a sua proveniência ilícita.
Cumpre por outro lado, analisar as despesas apresentadas pelos arguidos. Desde logo, os mesmos possuíam três veículos e, se quanto ao veículo Audi, o Tribunal acreditou, porque nos mereceu credibilidade a testemunha, pai do arguido -  que, não obstante, prestou um depoimento isento - que adquiriu tal veículo para o filho – e a verdade é que o veículo está em seu nome, acreditando- se na explicação  avançada pela  testemunha de que não o  transferiu  para o nome do  filho porquanto tinha conhecimento de que o mesmo era consumidor de  estupefacientes – o casal adquiriu posteriormente  mais dois veículos – um automóvel Honda e um motociclo.
A arguida afirmou que adquiriu o Honda em 2007 a um colega por 1.500€, quantia que pediu a outro colega, a quem foi pagando 50€/100€, por mês. Estas declarações não foram corroboradas por qualquer outro meio de  prova e, mais uma vez, não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal. Desde logo porque a arguida, em 2007, não tinha qualquer necessidade de adquirir um veículo de 1.500€ em prestações suaves de 50/100€ mensais. Como supra se referiu, e apenas a título de exemplo agora se repete, a só nos meses de Janeiro, Março e Abril de 2007, a arguida fez depósitos na conta da sua filha de 6.470€, 2.700€ e 2.935€, respectivamente.
Também a testemunha J…s, pai do arguido A... e sogro da arguida D..., quando expressamente questionado sobre se não estranhava que o filho e a nora tivessem adquirido mais um veículo, quando já lhes tinha  dado um no ano anterior e face aos      rendimentos de que dispunham – D… militar a auferir um salário baixo e filho sem trabalho – respondeu que  efectivamente  perguntou ao  filho  de  onde  tinha  vindo  o  dinheiro  para tal aquisição, tendo-lhe o mesmo respondido, “O pai não tem nada a ver com isso”.
Quanto ao motociclo, a testemunha JC... foi a pessoa que o vendeu ao arguido A... e declarou que o arguido lhe pagou em dinheiro, 2.7590€ ou 3.750€, não se recordando se a arguida D... também estava presente. Recorda-se contudo que o arguido G... acompanhou o arguido A... nesta aquisição.
A arguida afirmou que o motociclo foi comprado com o dinheiro que a sogra lhe emprestara para abrir o Café, o que, não só não faz qualquer sentido, face ao destino que era suposto dar a tal dinheiro  num curto período  temporal,  pois o negócio  deveria concretizar-se  a breve trecho, como, já supra o referimos, o Tribunal não acredita na existência de negociações para a aquisição do estabelecimento  comercial de Café e que a mãe do arguido tenha emprestado dinheiro aos arguidos, pois tal apenas foi referido por ambas.
Mas aos veículos acrescem os televisores em número de 3, a mesa de bilhar, a mesa de ping-pong, os leitores de DVD´s, etc. O arguido A... declarou que estas aquisições não tinham nada a ver consigo, o que não  deixa de ser curioso porque a arguida D... afirmou que se tratava de objectos que se destinavam ao estabelecimento  comercial que iam adquirir e que se destinava ao arguido.
Mas para além  destas despesas, resulta dos documentos juntos ao Anexo, despesas com os veículos, com o ginásio, com mobiliário vário, etc.
Ora, considerando que
- os arguidos, A... e D... viviam maritalmente e, até à data da detenção do arguido, apesar de a arguida convenientemente  ter tentado passar a ideia de que assim não seria, o que não resulta da demais prova produzida (vide ainda em sentido contrário, o relatório social de ambos os arguidos, A…s e D... , a propósito  desta questão) viviam  na mesma casa (e ainda  que se admitisse  que  estariam  zangados, o  que por  vezes acontecia, como se afirma no relatório social);
- que a arguida sabia das actividades de consumo e de tráfico do arguido, como não podia deixar de efectivamente saber, pois, inclusivamente, como afirmou a testemunha S…, agente da PSP e vizinha  dos arguidos,  frequentavam a residência  pessoas ligadas  ao consumo de estupefacientes e o arguido não tinha trabalho regular e que lhe permitisse auferir       rendimento apto a fazer face às despesas básicas de uma casa, quanto mais às despesas supra referidas;
- que os rendimentos (lícitos) totais do casal não permitiam, não só a aquisição dos bens de que eram possuidores, como dos depósitos que a arguida efectuava, na ordem dos largos milhares de euros, no período temporal de  apenas dois anos e dez meses, não tendo sido dada qualquer explicação plausível para a ocorrência desses rendimentos;
- no dia seguinte à detenção do arguido, a arguida deixou a zero a conta bancária em nome da sua filha, não  colhendo  aqui a explicação de que estava preocupada em pagar à sogra porque o negócio do Café já não se iria concretizar. Por um lado, a prisão do arguido havia ocorrido  há apenas algumas  horas, não  se percebendo  a  necessidade  de  decidir  rapidamente  acerca do negócio em causa, ou do dinheiro a entregar. O levantamento do dinheiro teve em mente apenas pôr a salvo da acção da justiça o produto das vendas de cocaína;
- as regras da experiência apontam para que a arguida, para além do conhecimento que tinha da venda pelo arguido de cocaína, decidiu beneficiar dos lucros obtidos, guardando o produto das vendas de cocaína na conta bancária da sua filha.
A testemunha R… senhorio dos arguidos, esclareceu acerca do quantitativo da renda mensal.
Relativamente aos bens apreendidos, à excepção do veículo Audi e da pulseira e do pingente e do cordão de criança apreendidos, relativamente aos quais foi feita prova de que foram obtidos com recursos alheios  à actividade  de  tráfico de estupefacientes  – o veículo foi pago pelo  pai do arguido e está no seu nome, de acordo com o  documento junto a fls 6 do anexo, tendo o Tribunal acreditado nas declarações da testemunha J…, pois compaginam-se com a  documentação junta  aos  autos, e  quanto  aos  objectos  em  ouro  supra  referidos,  face à declarações da irmã do arguido A…s, prova esta que ilide a presunção referida no art. 7º nº1 do Dec.Lei que vimos citando.
Relativamente aos demais objectos, não só não foi ilidida a referida presunção, como resultou efectivamente provado que os mesmos foram obtidos pelo produto da venda de cocaína.
Os arguidos A... e D..., face às suas declarações não revelaram qualquer mudança de  atitude  em relação  aos factos que praticaram,  arrependimento, tentando  antes escamotear os factos, especialmente a arguida D....
Quanto à situação pessoal dos arguidos e ao seu passado criminal, o Tribunal considerou o teor dos relatórios sociais juntos aos autos e os CRC igualmente juntos aos autos.

3. Enquadramento Jurídico-Penal
Os arguidos A... e G... mostram-se acusados pela prática, em co- autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º nº1 do Dec.Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
Para que alguém seja penalmente punido  há-de ter praticado  um facto típico,  ilícito e culposo.
O art. 21º nº1 do Dec.Lei 15/93 supra citado, manda punir aquele que “sem para tal se encontrar  autorizado,  cultivar,  produzir,  fabricar,  extrair,  preparar,  oferecer,  puser  à venda,  vender, distribuir, comprar,  ceder  ou  por qualquer  título receber,  proporcionar  a outrem,  transportar,  importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III…” (sic).
(…)
Praticou o arguido A... o um crime de tráfico de estupefacientes pelo qual se mostra acusado (art. 21º do Dec.Lei 15/93 de 22 de Janeiro).
 (…)
A arguida D... mostra-se acusada pela prática, como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º nº1 do Dec.Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
O art. 27º do C.Penal manda punir como cúmplice aquele que, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxilio material à prática por outrem de um facto doloso.
Trata-se do fortalecimento de uma decisão já tomada pelo autor do facto, no que respeita ao auxilio moral ou “na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto …
O fundamento da punibilidade da cumplicidade reside na participação do cúmplice no facto do autor … desde que o facto do  autor seja  ilícito  … e se verifiquem  as condições objectivas de punibilidade.”  (sic Paulo Pinto  de Albuquerque  –  Comentário do Código Penal, pág. 127).
In casu, não resultou provado ter a arguida prestado qualquer auxilio, moral ou material, à prática pelo  arguido A... de actos de tráfico, sejam eles de que natureza forem, referidos no art. 21º do Dec.Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
O  que a  arguida  fez foi,  pegando no  dinheiro  auferido  pelo  arguido  com  o  tráfico, depositou-o numa instituição bancária.
O art. 368º A nº2 do C.Penal, manda punir aquele que … converter,  transferir,  auxiliar  ou facilitar  alguma  operação  de conversão  ou transferência  de  vantagens,  obtidas  por si ou por terceiro,  directa  ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua  origem ilícita, ou evitar que o autor  ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal …(sic)
E nos termos do nº1, consideram-se vantagens, entre o demais, …os  bens  provenientes da prática,  sob  qualquer  forma  de  comparticipação,  dos  factos  ilícitos  típicos  de  … tráfico  de  estupefacientes  e substâncias psicotrópicas …assim como os bens que com eles se obtenham  (sic).
Trata-se de um crime autónomo em relação ao crime subjacente – que, no caso sub júdice é o crime de tráfico de estupefacientes – e que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive o autor do crime subjacente.
O branqueamento supõe o desenvolvimento de actividades que podendo integrar  várias fases, têm como objectivo dar uma aparência de origem lícita, encobrindo  a sua origem.
A punição do branqueamento visa tutelar a pretensão estadual ao  confisco das  vantagens do crime, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na detecção e  perda das vantagens de certos crimes.(sic Ac, Rel Porto de 07-02-2007 – Proc. 06165509 in  www.dgsi.pt  e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 867)
As vantagens a que se refere o citado  preceito  legal, abrangem o conceito  de moeda, dinheiro.
No branqueamento está incluída a “colocação (placement) – a fase de maior  risco, em que o delinquente se procura desembaçar do  numerário, retirando os  fundos de  qualquer relação directa com  o  crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais  que um  país  se possível,  com movimentos  por  várias contas, cheques sobre  o  estrangeiro, tudo com  a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista  a criar a aparência de legalidade: investimento  de vcurto prazo …médio  prazo …longo  prazo. (sic  acórdão que vimos citando que, por  sua vez, cita A. G. Lourenço Martins.
A conduta pode ser mais rudimentar ou sofisticada, ambas integrando a prática do crime. Assim, a simples conduta do agente de  apenas depositar,  na  sua conta  bancária,  quantias monetárias provenientes do crime subjacente por si praticado, pode integrar a prática do crime de branqueamento (cfr. Ac Rel. Porto de 07-02-2007 – Proc. 0616509 in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, a conduta da arguida integra uma das condutas tipificadas na lei penal, a saber, a transferência de vantagens, que consiste na deslocação física dos bens, quer na alteração jurídica ao nível da titularidade ou do domínio (sic Ac.  que vimos citando).
Na verdade, a arguida procedia ao depósito na conta bancária da sua filha, das quantias auferidas com a venda de estupefacientes, a fim de dissimular a proveniência  ilícita do dinheiro, sendo certo que tinha conhecimento dessa proveniência.
Assim o fez durante os anos de 2007 a Outubro de 2009. Agiu com dolo, na modalidade de dolo directo.
Não ocorreram quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que praticou o referido crime de branqueamento de capitais, p.p. pelo art. 368º A nº1 e 2 do C.Penal.

4. Da Medida da Pena

A pena prevista no art. 21º nº1 do Dec.Lei 15/93 de 22 de Janeiro é de prisão de 4 a 12 anos.
Ao crime de tráfico de menor gravidade é aplicável pena de prisão de 1 a 5 anos.
 Ao crime de branqueamento de capitais é aplicável pena de prisão de 2 a 12 anos.
 Culpa e prevenção são o  binómio  que norteia o juiz na determinação da medida concreta da pena a aplicar  ao arguido,  devendo ainda  o  Tribunal  atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o agente (cfr. rrt. 71º do C.Penal).
Como se afirma no Ac. STJ de 09-04-2008 (Proc 08P825), sendo a culpa a pedra basilar de toda e qualquer pena, não podem ser esquecidas as exigências de prevenção de futuros crimes.
“Prevenção que significa não só prevenção geral – dirigida a toda a sociedade – como também prevenção especial  – dirigida ao próprio  arguido – o que nos conduz à função da ressocialização do agente          que     deve     estar    presente  no             fim    das penas. “A função de socialização constitui hoje em dia – e deve continuar a constituir no futuro – o vector mais             relevante da prevenção especial.
Enquanto que a prevenção geral aspira a prevenir o delito na sociedade, a prevenção especial ou individual dirige-se ao próprio condenado que, através da lição que recebe com a pena, deve ser afastado de erros futuros e  educado para que se adapte às ideias dominantes  da sociedade.
Quanto às necessidades de prevenção especial, no douto dizer de Figueiredo Dias, “Dentro pois da moldura ou dos limites consentidos  pela prevenção geral positiva ou de integração … devem actuar, em toda a medida possível, pontos de vista de prevenção especial, sendo de resto eles que vão assim determinar,  em última instância, a medida da pena.”(sic Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 108), relevando qualquer das vertentes da prevenção especial: a função de socialização e a de advertência individual ou de segurança.
“A medida da necessidade de socialização do agente é pois, em princípio, o critério decisivo das exigências de  prevenção especial … Ele só entra em jogo porém se o agente se revelar carente de socialização. Se uma tal  carência se não verificar tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência; o que permitirá que a medida da pena desça até ao limite mínimo  da “moldura  de  prevenção” … (“defesa do ordenamento jurídico”)” – sic ob citada, pág. 108.
Estes os princípios que devem nortear a determinação, sem esquecermos que esta deve ser sempre uma pena justa, ou seja uma pena que seja aceite e compreendida quer pelo arguido – a quem é em primeira linha dirigida – quer pela generalidade dos cidadãos – titulares originários do direito            de        punir.”   (sic) Quanto a todos os arguidos, cumpre ponderar as fortes necessidades de prevenção geral sentidas, atento o crescente aumento de crimes de tráfico de estupefacientes em Portugal, em especial em meios mais pequenos como os Açores em que se vem verificando um aumento assustador desta realidade, com consequências alarmantes entre as camadas juvenis da população. O crime de branqueamento anda paredes meias com o tráfico.
Relativamente  ao arguido A...,(…)

            Relativamente à arguida D..., cumpre ponderar que o crime por si praticado, o branqueamento de capitais, relaciona-se muito de perto com o tráfico de estupefaciente, que lhe subjaz.
             O grau de ilicitude do facto é elevado, pois a arguida não só usava a conta bancária a que se referem os autos para ali dissimular a proveniência do dinheiro, que sabia ser resultante da venda de cocaína, como utilizava-se efectivamente desse dinheiro, na aquisição de todo o género de bens de consumo, como um veículo automóvel – o Honda – e um motociclo, para além de televisores, vestuário etc. O montante dos depósitos, no período compreendido nos autos, de dois anos e dez meses, ascende a um total de 95.165€, o que é um montante muitíssimo elevado.
            O grau de culpa é muito elevado, especialmente tendo em consideração que a arguida não dependia do dinheiro do arguido A... para fazer face aos encargos normais com uma economia doméstica da dimensão da sua, sendo movida exclusivamente pela obtenção de elevados proventos e lucro fácil.
            Agiu com dolo, na modalidade de dolo directo. Não se revela arrependida da prática dos factos.
           A seu favor milita apenas o facto de estar bem inserida profissional e familiarmente e o facto de ser primária, o que se nos afigura de pouca relevância para o presente caso, uma vez que essa deve ser a regra do comum dos cidadão.
             Tudo visto e ponderado, o Tribunal entende como ajustada a aplicação à arguida da pena de 4 anos de prisão.
             O Tribunal  decide não suspender a pena aplicada à arguida, pois  a mesma, agiu movida   pela   obtenção  de  lucro   fácil,  e,  mesmo  actualmente   não  revela  qualquer arrependimento  face  aos   factos  praticados,  tão  próximos  do  crime  de  tráfico  de estupefacientes  e com ele intimamente  relacionados,  tudo a fazer-nos concluir que, no futuro, e perante a oportunidade de voltar a prevaricar, nomeadamente no mesmo âmbito, não hesitará.
               Acredita assim o Tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, não satisfazem de forma adequada e suficiente os fins das penas, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada à arguida.
(…)
2-De harmonia com o disposto no n°1, do art. 412°, do CPP, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do STJ ‑ Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito (Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R. 1 ‑ A Série, de 28/12/1995).
São, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – art. 403º, nº 1 e 412°, n°1 e n°2, ambos do CPP. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (arts. 403°, n.º 1 e 412°, n°1 do CPP), as questões que a recorrente pretende ver conhecidas por este Tribunal são, em síntese, as seguintes:
       - o acórdão é nulo - arts.374º, nº2 e 379º,nº1, al. a) do CPP;
       - o acórdão padece do vício ínsito na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP;
       - a prova deve ser renovada;
       -o acórdão viola o princípio in dubio pro reo;
       - a pena é exagerada  e desproporcionada, violando o acórdão os arts.40º, 70º, 71º, 72º, nº 2 als. b) e d) do CP;
         -a recorrente deve ser absolvida da prática do crime de branqueamento de capitais devolvendo-se todos os bens apreendidos na sua residência.

3- Apreciemos as questões postas à apreciação deste Tribunal pela ordem acima enunciada, uma vez que a proceder alguma delas, preclude necessariamente o conhecimento das demais.
           
        3.1- a decisão recorrida está ferida de nulidade incorrendo no vício de omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP (sendo deste Diploma todas as normas sem menção de origem).

Dispõe o art.379º, nº 1, al. a), que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na al. b), do nº 3, do art.374º.
Por sua vez, dispõe o nº 2, do art.374º que e cita-se “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, vem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamental a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (sublinhado nosso).
Pelo que a sentença é nula quando não contiver as menções referidas no nº 2 e na al. b) do nº 3 do art. 374º, condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e condições previstos nos arts.358º e 359º; e, por último, no caso de o tribunal deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.

Da leitura das conclusões da motivação do recurso decorre que, essencialmente, a recorrente põe em crise a livre apreciação da prova efectuada pelo Tribunal, a qual tem por função a demonstração da realidade dos factos e deve ser analisada segundo as regras de experiência e da livre convicção - art. 127º.
É, pois, nesta perspectiva e, repete-se, que o Tribunal ad quem deve apreciar os factos provados e a fundamentação que o tribunal recorrido efectuou para sustentar a sua convicção acerca dos mesmos; ou seja, descrever o processo de avaliação que levou a cabo de modo a que se possa dizer com segurança se houve ou não uma apreciação arbitrária, caprichosa ou discricionária da prova produzida.
Acresce que o essencial da fundamentação da matéria de facto, diga-se, o processo de avaliação, deve resultar na análise criticamente comparada dos diversos elementos de prova (e in casu, a prova testemunhal, documental e pericial) e os meios de obtenção de prova, especificadamente daqueles que foram decisivos para a formação da convicção do julgador e quais as razões que a determinaram.
Relembre-se que ao Tribunal superior, no caso de recurso da matéria de facto, não compete fazer um segundo julgamento, mas tão só uma reapreciação da decisão proferida em 1ª Instância, limitada ao exame e controle dos elementos probatórios valorados pelo tribunal a quo, em face das regras da experiência e da lógica.
Em suma, para além da indispensável indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, é determinante o exame crítico dos mesmos.
Por isso, impõe - se ao juiz fazer este exame - art. 374º,nº2. A verdadeira razão de ser da exigência da indicação das provas é não só permitir aos sujeitos processuais como ao Tribunal de recurso, o exame do processo lógico que subjaz à convicção do Tribunal, como ainda assegurar a inexistência de violação do princípio de proibição da prova.
E, ainda que varie muito, este exame crítico permite em muitas decisões, aumentar as possibilidades de sindicabilidade da motivação da decisão, indo ao encontro daquele que para muitos ainda constitui um tabu, ou seja, a livre apreciação da prova - art. 127º, na senda da liberdade para a objectividade que Castanheira Neves preconizava: A liberdade de que aqui se fala não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista - emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação.
Ora, da simples leitura do acórdão recorrido, verifica-se que o mesmo não sofre da nulidade invocada: da sua fundamentação consta a enumeração dos factos provados e dos factos não provados essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias, juridicamente relevantes para a decisão da causa, tendo o tribunal referido claramente os meios da prova (testemunhal, documental e pericial), bem como dos meios de obtenção de prova, que serviram para formar a sua convicção, o que satisfaz plenamente a obrigatoriedade estabelecida no art. 374º, nº2, destinada a garantir que no acórdão se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova.
O tribunal não omitiu a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação da recorrente.
Recorde-se a jurisprudência uniforme do STJ no sentido de que a motivação exigível deve conjugar o sistema de livre apreciação das provas com a possibilidade de controle imposta pela obrigatoriedade de uma motivação racional - que evite uma avaliação probatória caprichosa ou arbitrária ( ver, por todos, o AC. STJ, de 13/02/92, in CJ, XVII,T.1, pág. 36).
Este dever de fundamentação é do mesmo modo interpretado pelo Tribunal Constitucional - no sentido de que a fundamentação da sentença há-de garantir a transparência do processo de decisão, e  permitir avaliar cabalmente o porquê da decisão (Ac. T.C. nº 322/93).
E, não se impõe nem a correspondência concreta entre cada facto a cada meio de prova, nem a transcrição da prova documental. Nesse sentido, e por todos, o Ac. do STJ de 17/03/2005, in SJ20050317001245.
Cabe referir a esse propósito o Acórdão do STJ de 23/11/06, P.4096/06, Relator Santos Carvalho, disponível em www.pgdlisboa.pt: (…) I - As normas dos arts. 126.° e 127.° do CPP podem ser interpretadas de modo a permitir que possam ser provados factos sem que exista uma prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo. II - Essa interpretação não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art. 32.°, n.ºs 1, 2, 5 e 8, da CRP, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova e um grau de recurso em matéria de facto para efectivo controlo da decisão. (sublinhados nossos).
Mais: o juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto, trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível, referente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, Edição de 1993, págs. 111 e segs.) (sublinhado nosso).
Por conseguinte, o local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de julgamento em 1ª Instância, por ser, nesse momento, que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, designadamente, em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, para acarear os depoimentos contraditórios e para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.
Todavia, nesta fase de recurso e, uma vez colocada em crise a forma como o tribunal a quo adquiriu a sua convicção, apenas nos é permitido reanalisar as provas produzidas, sem qualquer desrespeito pela convicção que o mesmo formou mas nem sempre, e não necessariamente, com os mesmos resultados, pois este reexame parte de uma análise desinserida das possibilidades que a imediação proporciona.
De todo o modo, como é manifesto, o Tribunal de recurso não dispõe das vantagens que a imediação proporciona ao tribunal que procedeu ao julgamento.
Pelo que a ponderação da prova valorada em 1ª instância será de privilegiar, a menos que do reexame dessa prova resulte inequívoco que o tribunal valorou mal as provas ou que usou meios de prova não válidos ou não idóneos ou que as contradições nas provas produzidas conduziram a uma convicção inaceitável, quer por errada ponderação do nível de tais contradições, quer por errada ou não objectiva ponderação do valor de cada meio de prova, quer por errado uso dos princípios de avaliação das provas, como por exemplo do princípio in dubio pro reo, que adiante falaremos.
Feitas estas considerações, passemos à apreciação global do acórdão posto em crise, uma vez que se ocorresse a arguida nulidade, desde já, deveria a mesma ser declarada, remetendo-se os autos à 1ª instância para os devidos efeitos.
Ora, da leitura do acórdão recorrido resulta que este observou concretamente o dever de fundamentação, tendo o tribunal a quo, para além de indicar por forma suficiente e clara os factos que considerou provados e não provados, indicado na decisão proferida, as provas que serviram para formar a sua convicção, de molde a garantir que na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum.
Pelo que, o acórdão não se mostra ferido de qualquer nulidade por falta de fundamentação e exame crítico das provas, que serviram para formar a sua convicção, não se verificando a nulidade invocada, ou seja, a violação do disposto no art. 374º.
Nestes termos, improcede a alegada nulidade do acórdão recorrido, nomeadamente por ao contrário do que diz a recorrente não ter valorado como meio de prova ilações por si produzidas, decorrentes dos depósitos bancários, das compras de objectos de ouro de valor diminuto de uma viatura e de outros objectos apreendidos em casa da ora recorrente, mas sim por ter procedido à valoração da prova, onde intervieram deduções e induções que o tribunal realizou a partir dos factos probatórios, baseando-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, englobadas na expressão regras da experiência comum e judiciária.

          3.2- A recorrente vem alegar que o acórdão enferma do vício previsto no art. 410º nº 2, al. a).
Vejamos, o que se entende pelo vício invocado pela recorrente - art. 410º, nº 2,als. a) - vício da insuficiência da matéria de facto - o qual se  afere em relação aos factos provados, e não por referência, hipoteticamente negativa, aos factos que no entender da recorrente deveriam ter sido provados.
Não se pode confundir este alegado vício com a discordância acerca da forma como o tribunal fixou a matéria de facto pois, no campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção.
Com efeito, existe o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão e não a insuficiência da prova para a matéria de facto provada, quando da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
Por isso, a insuficiência da matéria de facto há-de ser de tal ordem que patenteie a impossibilidade de um correcto juízo subsuntivo entre a materialidade fáctica apurada e a norma abstracta chamada à respectiva qualificação, mas apreciada na sua globalidade e não em meros pormenores, divorciados do contexto em que se descreve a sucessão de factos imputados ao agente.
Na dimensão valorativa das regras da experiência comum situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Por fim, a verificação deste e dos restantes vícios abrangidos pela norma do art. 410º têm de resultar do texto da própria decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras de experiência comum.

Ora, da leitura da decisão recorrida e que atrás se transcreveu não se verifica nenhuma das circunstâncias supra referidas, razão pela qual não se verifica tal vício, o que é de fácil demonstrar visto que, além do prova testemunhal, relativamente à ora recorrente existe um grande manancial de prova documental, tal como, rendimentos por si auferidos, movimentos das contas bancárias, a quantidade de objectos de valor elevado que foram encontrados em sua posse e do seu companheiro, A..., o qual e como se provou não exercia qualquer actividade remunerada, o que plenamente demonstra cabal e inequivocamente que o dinheiro movimentado nas suas contas tinha como origem a actividade do seu companheiro e destinava-se tal comportamento a branquear a mesma.
Por outro lado, não deixa de causar estranheza que todos os bens do casal fossem comprados pela ora recorrente e estivessem em nome da ora recorrente.
Saliente-se do acórdão recorrido as seguintes passagens que por se mostrarem extremamente claros, explícitos, não deixam quaisquer dúvidas no que tange à sua actividade e que levou à sua condenação:

“A arguida prestou declarações, afirmando que, embora desconfiasse que o companheiro A... tinha um envolvimento com estupefacientes, nomeadamente que vendia destes produtos, não tinha a certeza desse facto.
Confirmou que o único trabalho que o arguido exercia era o de mecânico por conta de um familiar, das 18.00 horas em diante e que era a própria quem suportava todas as despesas domésticas.
Declarou que os seus rendimentos eram compostos pelo seu salário, no valor de720€ líquidos, uma bolsa de estudo, no valor de 330€ (10 meses por ano) e um apoio da sua mãe, no valor de 250€ mensais. Auferia ainda um apoio de 50% da renda de casa através de um benefício chamado “Porta 65”.
Compulsadas as contas bancárias que a arguida movimentava, a saber, a conta do Millennium BCP da sua filha, P... (conta nº ... cfr. fls 804 a 866), e a sua conta no mesmo banco (conta nº ...) constata-se que,  desde Janeiro          de        2007,   a          arguida procedeu       a          depósitos         nessa   conta (...) que em muito excedem aquilo que são os rendimentos que a arguida afirma que auferia e aquilo que serão as despesas mínimas de uma casa com 3 pessoas, renda de casa para pagar e três veículos para “sustentar”, para além das despesas extra que resultam dos autos.
Quanto às despesas, o Tribunal considerou os documentos juntos ao Anexo – efectuadas no ano de 2007 vide fls. 165, 173, 177, 180, 183 a 205, 207 a 220, 222 a 227, 230, 232, 235, 237, 239, 241 e 244; no ano de 2008, vide fls. 99, 100, 103, 105 a112, 114, 118, 120, 125, 126, 128, 130, 134, 135, 137, 139 a 141, 143, 145, 147, 149 a 153, 156, 158 e 159 e no ano de 2009, vide fls. 38, 44, 50, 59, 60, 61, 62, 64, 67, 73, 76, 77, 82, 83, 84, 87, 89, 131 e 132 - , esclarecedores sobre o nível de despesas que o casal fazia, para além das despesas básicas com alimentação e vestuário, para si e sua filha, relativamente aos quais apenas foi possível contabilizar um ou outro artigo.
A arguida afirma que as quantias creditadas na referida conta bancária resultam de poupanças que levou a efeito – esclarecendo aforrar entre 100/500€ mensalmente – e do dinheiro que a sogra, mãe do arguido A..., lhe emprestou no início do ano de 2009, com o objectivo de abrirem um estabelecimento comercial de Café, montante esse no valor global de 20.000€ (faseado entre os meses de Abril e Outubro de 2009), parte do qual, pelo menos 4.400€, despendeu na aquisição de LCD´s, mesa de ping pong e mesa de bilhar, tudo a pensar no referido estabelecimento comercial.
Estas declarações não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal. Na verdade, em 2007, a arguida auferia um vencimento de cerca de 565,60€, em 2008, de 583,89€ e em 2009, de 648,59€, segundo resulta do extracto da sua conta ordenado supra referida. A este salário acrescia uma bolsa da Universidade, no valor de 331,20€, o que começou a acontecer em Dezembro de 2008 (altura em que recebeu a quantia correspondente a quatro meses de bolsa), e prolongou-se até Junho de 2009, voltando apenas a receber essa quantia em Janeiro de 2010, e um apoio de 50% do valor da renda de casa, o que aconteceu apenas durante 4 meses, no ano de 2009, segundo a própria arguida. Para além disso, resultam da conta bancária da arguida, a crédito, transferências de 20,45€, em Julho de 2007, Abril de 2008, Maio de 2008, Novembro de 2008, de 84,75€, em Janeiro de 2008, 84,20€, em Janeiro de 2009, 25,35€, em Fevereiro de 2009, e 16€ em Outubro de 2009, quantias provenientes da entidade patronal da arguida.
A arguida residia com o arguido (A...) e têm uma filha, menor de idade. Pagava renda de casa. O casal era possuidor de três veículos. E era a arguida a única pessoa a pagar as despesas domésticas, pois o arguido não o fazia segundo declarações da própria. Não foi feita qualquer prova do alegado pela arguida de que a mãe a auxiliava com 250€ mensais (e as declarações da arguida, por si sós, não mereceram qualquer credibilidade ao Tribunal pois manifestamente mentiu sobre os montantes que auferia e sobre os depósitos na conta da sua filha). Mas ainda que a arguida recebesse exactamente as quantias mensais a que se arroga, as mesmas não são compatíveis com os depósitos, superiores ao montante mensal dessas quantias que a arguida depositava, especialmente na conta da sua filha P..., onde chegaram a ser depositados 3.000€ no mesmo dia – cfr. fls. 807 e vº, apenas a título de exemplo. A verdade é que os montantes depositados e a frequência dos depósitos, excedem largamente as quantias auferidas pela arguida em consequência do seu trabalho ou de alguma bolsa recebida, e isto ainda que se considerasse que a arguida não tinha quaisquer despesas a suportar sobre esses rendimentos de que se arroga, ainda que se considerasse que todo o dinheiro auferido era aforrado.
Também relativamente à quantia que a arguida afirma que lhe foi entregue pela sogra, a saber, 20.000€, não foi feita qualquer prova a não ser as declarações de ambas.
A arguida afirma que era sua pretensão e do seu companheiro, ficarem com um estabelecimento comercial de Café e que a sogra, desde o inicio do ano de 2009, que lhe foi entregando quantitativos em dinheiro para esse efeito. Declarou ainda que, à data da prisão do arguido, já havia gasto parte desse dinheiro na aquisição de televisores, mesa de bilhar e de ping -pong para o referido estabelecimento. Declarou ainda que, à data da prisão do arguido, levantou todo o dinheiro que tinha na conta da filha, para o devolver à sogra, uma vez que, face a tal prisão, ficou sem efeito o projecto do Café.
C…s, mãe do arguido A... e sogra da arguida D..., confirmou que lhe emprestou 20.000€, em 2009, e por sete vezes, sendo as tranches de 5.000€ (por duas vezes), 2.000€ (por duas vezes), 4.000€ (uma vez) e 1.000€ (por duas vezes).
Também estas declarações não mereceram credibilidade ao Tribunal. De facto, curiosamente, ou talvez não, os valores que a testemunha afirma que entregou à nora não têm correspondência nos depósitos a que esta procedia nas suas contas bancárias e note-se que a arguida procedia a muitos depósitos, ou seja, não tinha por hábito guardar o dinheiro em casa. Acresce que, relativamente ao negócio de aquisição do estabelecimento comercial de Café para o arguido A..., que, segundo a arguida, era suposto concretizar-se no mês de Outubro de 2009 (mês em que o arguido foi detido), não foi feita qualquer outra prova, a não ser as declarações da arguida D... e da mãe do arguido, C…, que têm absoluto interesse em argumentar com o carácter lícito dos depósitos plasmados nas contas da arguida, e da irmã do arguido, A…,  que,  contudo,  não  soube  esclarecer qualquer pormenor  desse  negócio. Na verdade, não existe um único documento nos autos que prove  que  os  arguidos  estavam  em  negociações  para  a  aquisição  do estabelecimento comercial a que aludem, ou que se  estavam a movimentar junto de uma qualquer instituição bancária para obter financiamento para esse efeito, tanto mais que a arguida D... afirmou em sede de julgamento, entre o demais, para justificar a enorme quantidade de movimentos bancários, especialmente a crédito, na referida conta  bancária que, como ia recorrer ao Banco para se financiar, pretendia fazer crer que as contas eram  muito movimentadas pois, na sua perspectiva, seria dessa forma mais fácil a obtenção de crédito junto da Banca. Curioso é, contudo, que os depósitos não eram efectuados na sua conta bancária, mas da sua filha, o que deita por terra também este argumento dado que não faz qualquer sentido movimentar uma conta bancária alheia quando se quer impressionar uma instituição bancária, e se é possuidor de conta bancária própria. Ninguém foi ouvido, para além da arguida, a da sua sogra, que confirmasse esta intenção de aquisição do estabelecimento comercial. Por outro lado, a testemunha J…, pai do arguido A... e sogro da arguida, declarou que apenas “há  poucos dias”, já após o filho ser preso, soube que o mesmo e a arguida estavam a pensar abrir o  Café. Desconhece para quando estaria o negócio, quanto dinheiro a mulher terá entregue e a quem.
A existência deste negócio aparece ainda como muito curiosa por três outras razões:
- primeiro porque os arguidos, nas declarações da arguida (o que não resulta provado),  davam-se mal, não faziam vida de casados, embora residissem na mesma casa, o que foi  confirmado  pela testemunha A…, irmã do arguido e cunhada  da  arguida,  mas  curiosamente  não  foi  confirmado  pela  testemunha  J…, pai do arguido, que afirmou  que o casal dava-se bem, o que também resulta do seu relatório social, apesar das pequenas zangas ocorridas.
- por outro lado, sendo intenção da família – mulher e mãe – com o referido negócio, “tirar o filho da vida que estava a levar” (sic mãe do arguido), ou seja, afastá-lo do mundo das  drogas, a verdade é que pretendiam justamente um negócio que o ia “atirar” ou manter no mesmo contexto em que já se inseria, apenas mudando o local de actuação, pois resultou da prova produzida que o arguido era visto em Cafés e o próprio confessou que era também nos Cafés que referiu, que vendia cocaína. Não faz qualquer sentido esta suposta aquisição do estabelecimento comercial em causa, face às razões adiantadas pela arguida e pela testemunha sua sogra.
- Finalmente, nas suas declarações, o próprio arguido A..., não relevou minimamente esta situação, aliás, declarou que desconhecia quanto dinheiro a mãe  emprestou  à  arguida  e  quando  tal  aconteceu.  O facto  de  ser  consumidor  de cocaína – razão apontada pela  testemunha C… para não lhe entregar o dinheiro directamente - não o impedia de discutir um negócio em que seria o principal interessado e esse conhecimento do negócio não tinha  necessariamente de envolver mexer no dinheiro, mas o arguido revelou em escasso conhecimento da questão para quem estava supostamente tão envolvido. (…)
E mais adiante:
“ Ora, considerando que
- os arguidos, A... e D... viviam maritalmente e, até à data da detenção do arguido, apesar de a arguida convenientemente ter tentado passar a ideia de que assim  não seria, o que não resulta da demais prova produzida (vide ainda em sentido contrário, o relatório social de ambos os arguidos, A... e D…, a propósito desta questão) viviam na mesma casa (e ainda que se admitisse  que  estariam  zangados,  o  que  por  vezes  acontecia,  como  se  afirma  no relatório social);
- que a arguida sabia das actividades de consumo e de tráfico do arguido, como não  podia  deixar  de  efectivamente  saber,  pois,  inclusivamente,  como  afirmou  a testemunha  S…,  agente  da  PSP  e  vizinha  dos  arguidos, frequentavam a residência pessoas ligadas ao consumo de estupefacientes e o arguido não tinha trabalho regular e que lhe permitisse auferir rendimento apto a fazer face às despesas básicas de uma casa, quanto mais às despesas supra referidas;
- que os rendimentos (lícitos) totais do casal não permitiam, não só a aquisição dos bens de que eram possuidores, como dos depósitos que a arguida efectuava, na ordem dos largos milhares de euros, no período temporal de apenas dois anos e dez meses, não tendo sido  dada qualquer explicação plausível para a ocorrência desses rendimentos;
- no  dia  seguinte  à  detenção  do  arguido,  a  arguida  deixou  a  zero  a  conta bancária  em  nome  da  sua  filha,  não  colhendo  aqui  a  explicação  de  que  estava preocupada em pagar à sogra porque o negócio do Café já não se iria concretizar. Por lado, a prisão do arguido havia ocorrido  há  apenas  algumas  horas,  não  se percebendo a necessidade de decidir rapidamente acerca do negócio em causa, ou do dinheiro a entregar. O levantamento do dinheiro teve em mente apenas pôr a salvo da acção da justiça o produto das vendas de cocaína;
- as  regras  da  experiência  apontam  para  que  a  arguida,  para  além  do conhecimento  que  tinha  da  venda  pelo  arguido  de  cocaína,  decidiu  beneficiar  dos lucros obtidos, guardando o produto das vendas de cocaína na conta bancária da sua filha.(…)
Por tudo isto, bem andou o tribunal em condenar a recorrente uma vez que não foi ilidida a presunção acerca da origem do dinheiro depositado na conta da sua filha, bem como dos bens adquiridos pela recorrente, tendo resultado provado que face aos proventos do casal, que aqueles movimentos e aquisições só podiam ter origem no produto da venda de cocaína pelo arguido A…, companheiro da recorrente.
Deste modo, improcede a pretensão da recorrente que o acórdão em apreciação está inquinado pelo vício de insuficiência da prova. E, em consequência, não se considera ser de renovar a prova. Esta só se torna imprescindível para que o tribunal da Relação possa alterar o decidido quanto à matéria de facto considerada assente pela 1ª instância, e só é admissível se, para além de “se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410º”, se existissem razões para crer que permitiria evitar o reenvio do processo (n.º 1 do art. 430º)[[1]].
O que não se verifica.
Por tudo isto, não se vê também como pudesse a arguida ser absolvida, por reporte ao princípio in dubio pro reo. Só se imporia ao tribunal que tivesse lançado mão deste princípio, corolário do princípio constitucional de presunção de inocência, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras de experiência comum e a liberdade de apreciação da prova, tivessem conduzido à subsistência no espírito do tribunal de um dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto.

Não tem pois razão a recorrente já que como se constata da transcrição (que atrás efectuámos) da fundamentação do acórdão recorrido, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, não resulta minimamente que o tribunal tivesse quaisquer dúvidas quanto aos factos que deu como assentes, de modo a fazer funcionar o referido princípio.
Pelo que também carece de razão a recorrente nesta sua alegação.
3.3- Da medida da pena - a pena é exagerada  e desproporcionada, violando o acórdão os arts.40º, 70º, 71º, 72º, nº 2 als. b) e d) do CP.
A aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente; e, em caso algum apenas pode ultrapassar a medida da culpa -cfr.art. 40º, nº1 e 2 do CP. Com efeito, a aplicação das penas visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente; e, em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa -cfr. art.40º, nº1 e 2 do CP.
A defesa da ordem jurídico-penal tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se persegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicáveis com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na realidade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
Por seu turno, da leitura dos arts. 71° e 72°, ambos do CP, infere-se que:
O seu conteúdo supõe que tenha de ser tido em consideração a perspectiva ético-retributiva, as eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes (não incluídas no tipo de crime) tendo em vista as necessidades de prevenção.
Assim, para uma avaliação da medida da pena importa não só considerar os factores relativos ao facto praticado, mas também a personalidade do agente.
Tendo como suporte o facto típico praticado, existem elementos que fornecem a medida da sua gravidade – os respeitantes ao ilícito (típico) e à culpa do facto.
Estes elementos permitem avaliar da censurabilidade, ligam-se ao juízo de culpa e assim relevam directamente para a medida da pena da culpa.
Por outro lado, importa ainda salientar que, no que diz respeito à medida da pena, atende-se também à gravidade da falta de que para ser mantida uma conduta lícita, é manifestada na prática do acto.
A pena contém em si a afirmação de uma necessidade preventiva, pelo que devem ser chamados à colação, os factores que têm a ver com a gravidade do facto e a personalidade do agente, a fim de ser encontrada a medida de prevenção.
Importa também considerar a avaliação das circunstâncias extra típicas, cujo fundamento é relevante para a medida da pena da prevenção por poderem ligar-se à necessidade da pena, com vista à satisfação das exigências da prevenção geral e especial.
A recorrente foi condenada pela prática de um crime de branqueamento, p. e p pelo art. 368º A, nº 1 e 2 do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

Recorde-se que esta disposição legal pune todo aquele que … converter, transferir, auxiliar  ou facilitar  alguma  operação  de conversão  ou transferência  de  vantagens,  obtidas  por si ou por terceiro,  directa  ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua  origem ilícita, ou evitar que o autor  ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal ….
E nos termos do seu nº1, consideram-se vantagens, entre o demais, …os bens provenientes da prática, sob  qualquer  forma  de  comparticipação,  dos  factos  ilícitos  típicos  de  … tráfico  de  estupefacientes  e substâncias psicotrópicas …assim como os bens que com eles se obtenham.
Trata-se de um crime autónomo em relação ao crime subjacente – que, no caso sub judice é o crime de tráfico de estupefacientes – e que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive o autor do crime subjacente.
A punição do branqueamento visa tutelar a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda das vantagens de certos crimes [2].
No branqueamento está incluída a “colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação directa com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo …médio prazo… longo prazo[3].
A simples conduta do agente de apenas depositar, na  sua conta  bancária,  quantias monetárias provenientes do crime subjacente por si praticado, pode integrar a prática do crime de branqueamento.

No caso sub judice, a conduta da arguida integra uma das condutas tipificadas na lei penal, a saber, a transferência de vantagens, que consiste na deslocação física dos bens, quer na alteração jurídica ao nível da titularidade ou do domínio.

Com efeito, a arguida procedia ao depósito na conta bancária da sua filha, das quantias auferidas com a venda de estupefacientes praticada pelo seu companheiro, a fim de dissimular a proveniência ilícita do dinheiro, sendo certo que tinha conhecimento dessa proveniência, o que aconteceu durante os anos de 2007 a Outubro de 2009.

Ao crime de branqueamento de capitais é aplicável pena de prisão de 2 a 12 anos.

Ora, atendendo ao que atrás se disse relativamente aos factores relativos ao facto praticado, à personalidade do agente, há que ter em conta que o grau de ilicitude do facto é elevado, pois a arguida não só usava a conta bancária a que se referem os autos para ali dissimular a proveniência do dinheiro, que sabia ser resultante da venda de cocaína, como utilizava-se efectivamente desse dinheiro, na aquisição de todo o género de bens de consumo, como um veículo automóvel – o Honda – e um motociclo, para além de televisores, vestuário etc. O montante dos depósitos, no período a que se referem os autos, ascende a um total de € 95.165,00, o que se considera muito elevado.
O grau de culpa é muito elevado, especialmente tendo em consideração que a arguida não dependia do dinheiro do arguido A... para fazer face aos encargos normais com uma economia doméstica da dimensão da sua, sendo movida exclusivamente pela obtenção de elevados proventos e lucro fácil.
Agiu com dolo, na modalidade de dolo directo. Não se revela arrependida da prática dos factos.

A seu favor milita apenas o facto de estar bem inserida profissional e familiarmente e o facto de ser primária.

O tribunal recorrido aplicou à ora recorrente a pena de 4 anos de prisão, tendo ainda decidido não suspender a mesma, por entender que a mesma agiu movida pela obtenção de lucro fácil, e, mesmo actualmente  não revela  qualquer arrependimento  face  aos   factos  praticados,  tão  próximos  do  crime  de  tráfico  de estupefacientes  e com ele intimamente  relacionados,  tudo a fazer-nos concluir que, no futuro, e perante a oportunidade de voltar a prevaricar, nomeadamente no mesmo âmbito, não hesitará.
               Acredita assim o Tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, não satisfazem de forma adequada e suficiente os fins das penas, razão pela qual não se suspende a pena de prisão aplicada à arguida.

A recorrente discorda da medida da pena, por entender que a mesma é desproporcionada e desadequada. Ao contrário da recorrente e tendo em conta tudo o que se atrás disse, e que nos abstemos mais uma vez de enunciar, entendemos que a pena de prisão de 4 anos é a justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos. Pelo que se mantém.

Na motivação do seu recurso, apela a recorrente a que suspenda a sua pena. O que entendemos conhecer.

Dispõe o art.50.º, n.º 1 do CP que:

O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

No que diz respeito à formulação do juízo sobre a aplicação da suspensão da execução, diz Figueiredo Dias que “A finalidade político-criminal que a lei visa (…) é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos – «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo”. “…decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência» ”, in Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime – Aequitas, Editorial Notícias, 1993 - §§519 e 520, e mais adiante… “… que o tribunal conclua por um prognóstico favorável – à luz (…) de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime»”, uma vez que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.
E, como salienta o Prof. Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, vol. 11, pág. 1154: “A prognose social favorável do arguido, que sempre se deverá ver ficar, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e não cometerá no futuro nenhum delito... Esperança não significa certeza. O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente, mas se existem dúvidas sérias sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa, o que de facto supõe um “in dubio contra reum" A prognose exige uma valoração total de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido. Estas circunstâncias são, a sua personalidade (por ex° inteligência e carácter), a sua vida anterior (por ex°, outros delitos anteriormente cometidos da mesma ou de outra natureza), as circunstâncias do delito (por ex. motivações e fins), o seu comportamento depois de ter cometido o crime (por ex., reparação do dano, arrependimento), as circunstâncias da sua vida (por ex. profissão, casamento e família) e os efeitos que se esperam da suspensão... Não há nenhuma razão para excluir regularmente do beneficio da suspensão da pena determinados grupos de crimes como ... os crimes violentos...A gravidade da ilicitude e da culpa só deve tomar-se em conta no facto julgado quando dele possa derivar um perigo de reincidência. A prognose deve ser entendida num sentido puramente preventivo especial, e não tendo em conta os critérios de prevenção geral. Da ponderação e valoração global de todas as apontadas circunstâncias e condições não se pode concluir que as mesmas permitem esperar que o arguido, tendo já sentido, até pela medida e espécie da pena, a censura e condenação da sua conduta, tomá-la-á, agora sem a possibilidade de qualquer dúvida, como uma advertência séria, muito séria até, e não cometerá no futuro mais nenhum delito. Isto é, não há razões para crer que, em concreto, «...a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Conclui-se, deste modo que e segundo jurisprudência maioritária, a suspensão da execução da pena constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores ao direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

Deste modo, compete ao tribunal atender aos interesses subjacentes ao instituto da suspensão da pena de prisão, seja o interesse da prevenção geral, seja o interesse da prevenção especial de socialização, sendo que em relação ao primeiro, importa ponderar o grau de ilicitude e gravidade dos factos em causa, para definir a exigência mínima, indispensável e irrenunciável de defesa do ordenamento jurídico, e quanto ao segundo, importa formular um juízo de conformação que leve em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta ante e post-facto, ou seja, as circunstâncias da prática deste, e determinar se é adequada ao propósito da prevenção especial positiva a aplicação de uma tal pena de substituição de conteúdo eminentemente pedagógico e reeducativo.

Em conclusão:

Tendo como pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), entendemos ser pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, ou seja, dizer-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Diga-se ainda que constitui pressuposto formal de aplicação da suspensão da prisão, que a medida desta não seja superior a 5 anos.
Por seu turno, quanto aos pressupostos materiais da suspensão da execução da pena, o tribunal suspende a execução da pena de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição, ou seja, as finalidades das penas são, como já vimos, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, no ponto anterior tecemos considerações sobre as exigências de prevenção geral e de prevenção especial que, no caso, se fazem sentir.

Entende o recorrente que estão reunidos os pressupostos para ver aplicada a suspensão da execução da sua pena de prisão, com base nos seguintes elementos:
            - é primária;
          - está bem inserida, quer social, quer economicamente;
           -tem uma carreira militar;
           - não tem antecedentes criminais;
           - tem uma filha menor.

Diga-se, desde já que pela leitura da decisão recorrida, esta não põe em causa tais circunstâncias, dando-se como provado estas condições (ponto 67, 70, do acórdão), tendo no entanto, considerado que as mesmas não eram suficientes em afastar a recorrente de delinquir … no futuro, e perante a oportunidade de voltar a prevaricar, nomeadamente no mesmo âmbito, não hesitará.

Apreciação e decisão com as quais estamos em desacordo.

Como atrás dissemos, pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro, ou seja, é necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. E o pressuposto material de afirmação do juízo de prognose subjacente à suspensão da execução da pena de prisão deve, assim, emergir de uma dupla génese, ou seja, das circunstâncias do facto e da personalidade do agente.

Ora, a recorrente tem actividade profissional e não lhe são conhecidos antecedentes criminais, tendo uma filha menor: o que leva este Tribunal a concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e que servirão para pressionar a recorrente a não delinquir de futuro.

Pelo que nos termos do disposto no art. 50º, nºs. 1 e 5 do CP, suspende-se a pena de prisão de 4 anos por igual período de tempo, assim se dando provimento à sua pretensão nesta parte.

3.4- Pelas razões expostas a fls. 1211 a 1213 mantém-se a declaração de perdimento dos bens. 
4.
Dest’arte improcedem as pretensões da recorrente, mantendo-se a decisão recorrida que aplicou uma pena justa, adequada e proporcionada, e que corresponde à intervenção penal enformada pelos princípios político-criminais consagrados nos arts. 40º e 70º do Código Penal, nomeadamente: da prevenção geral positiva ou de integração; da culpa; da prevenção especial positiva ou de socialização; e da humanidade. Procede, no entanto quanto à suspensão da pena, o que se determina.

III.
Por tudo o exposto, concede-se parcial provimento ao recurso interposto por D... :  
    - mantém-se o acórdão recorrido, improcedendo a suscitada nulidade do mesmo, a invocação do vício ínsito na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, a renovação da prova, mantendo-se a medida da pena de 4 anos de prisão, e não devolvendo os bens apreendidos;
     - suspende-se a pena nos termos do disposto no art. 50º, nºs. 1 e 5 do CP, pelo período de 4 anos, procedendo o recurso nesta parte.
Não se tributa a recorrente em taxa de justiça por virtude de o seu recurso ter sido provido parcialmente (cfr. art. 513°, n° 1 do CPP na redacção introduzida pela Lei n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais).

            O presente Acórdão foi elaborado em processador de texto e revisto pela Relatora que rubricou.

Lisboa, 29 de Março de 2011

Relatora: Desembargadora Margarida Blasco
Adjunta: Desembargadora Filomena Lima
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Ideia que era ainda reafirmada num segmento do artigo 426º do Projecto de Código de Processo Penal (Suplemento ao Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa, 1986, p. 232), que veio a desaparecer no texto final, no qual se dizia que o reenvio só ocorria se “não fosse possível, mesmo após a renovação da prova, decidir da causa a final”.
[2] Ac. Rel Porto de 07-02-2007 – Proc. 06165509 in  www.dgsi.pt  e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 867.
[3] A. G. Lourenço Martins in Branqueamento de capitais: contra-medidas a nível internacional e nacional, in RPCC, ano 9º,fasc.3º (Julho/Setembro 1999), pág.451.