Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9893/22.0T8LSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Sumário: Não obstante os poderes deveres titulados pelo juiz em processo laboral, não compete ao mesmo formular convite a alegar factos que extravasam a causa de pedir.
(Sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, A. no processo à margem referenciado, notificado da sentença nele proferida, vem dela interpor RECURSO (matéria de facto e de direito), para o que juntou alegações.
Invocou ainda a nulidade da sentença, tendo existido erro na interpretação e aplicação da lei processual ao ter o tribunal entendido que a decisão de mérito podia ser proferida sem prévio despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Pede a revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por Acórdão que ordene a condenação solidária das RR. tal como expresso na P.I.
Apresentou as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Senhor Juiz “a quo”, que absolveu a recorrida integralmente dos pedidos formulados pelo A.;
2 - O tribunal “a quo” deu baixa do processo, com uma “Questão Prévia”, totalmente inopinada e nova, sem qualquer convite ao aperfeiçoamento, sem contraditório e esquecendo a resposta que, em 3 de Junho de 2022, o A. fez chegar ao autor por expresso convite do Senhor Juiz de 24 de Maio de 2022, onde existem factos para a TDE.
3 - Esquecendo os factos da resposta que nos parecem suficientes para a prova da existência da TDE, o Senhor Juiz entendeu, também, que o convite ao aperfeiçoamento não tinha cabimento (quando sempre se alegou a TDE) e declara a prescrição dos créditos, sem mais.
4 - O recorrente pretende que seja dada como provada a seguinte matéria de facto alagada na referida resposta:
a) A 1ª Ré, com efeitos a partir de 31/12/2020, a transmissão do estabelecimento nos termos do art.º 285º do Código do Trabalho, tal como foi comunicado pela mesma através de carta registada ao trabalhador
b) Após 01/01/2021 a 2ª Ré, assumiu a totalidade dos trabalhadores da 1ª Ré que prestavam serviço no cliente – Estabelecimento X - onde foi incluído o A.
c) Foram transferidos grande parte dos instrumentos de trabalho que eram propriedade do cliente: sistema de CCTV, instalações, sistemas de alarme de incêndio e intrusão.
d) O trabalhador continuou a prestar exatamente o mesmo serviço, no mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição, de forma funcional e organizativa idêntica, sem qualquer interrupção temporal.
e) A 2ª Ré reconheceu, no contrato sem termo que outorgou com o A., a antiguidade deste 07/02/1997, data em que iniciara o trabalho para a 1ª Ré.
5 - Para prova da alínea a) temos a carta dirigida pela 1ª Ré ao A. em final do ano de 2022, que não foi impugnada, pelo contrário, foi confirmada por essa Ré na sua Contestação.
6 – Ainda o depoimento da testemunha CC, ouvido na sessão de julgamento de 16/11/2022:
CC:
8m27 – Adv - o senhor recebeu alguma carta da prosegur a comunicar? Test – sim. Adv - e os colegas receberam todos? Teste – recebemos todos. Adv – a carta referia o fim do trabalho no Estabelecimento X de Almada para a Prosegur? Test - Sim.
Nesta altura a testemunha foi confrontada com doc. 1 junto com a P.I. adv- olhe para ele e veja se consegue… test – exatamente, não tenho dúvida nenhuma.”
7 - Para prova da alínea b) temos o depoimento das testemunhas DD e CC, ouvidos na sessão de julgamento de 16/11/2022:
DD
10m25 s diz “as condições eram as mesmas… com a equipa que lá está”
Advogado – a equipa passa toda para o Grupo 8, alguém que saiu ou entrou…
Testemunha – não, não, a equipa passa toda…
Advogado – Quantos eram recorda-se? (…)
Testemunha: 1, 2, 3, 4, 5, 6, fomos 6 e um part time
11m21s – testemunha refere que passou a equipa toda “…não entrou nem saiu ninguém… a loja era muito conservadora… gosta da equipa gosta de conservar aquela equipa. Ficou tudo igual? Sim, sim.”
CC
6m15 Quantos eram? Na operação quantos vigilantes envolvidos? 7 se não me engano, 7 elementos. Adv - 7 vigilantes, passaram os 7 vigilantes para a grupo 8? Test - Passaram 7 elementos, 6 efetivos e um part time. Adv - Passou tudo para a grupo 8 e começaram lá a trabalhar? Test - 6 mais um part-time” (…)
10m25 adv - Em termos de operação manteve-se tudo igual ou seja, 1ª questão: os seus colegas os tais 7 colegas passaram todos para o grupo 8? Test - Os 7 colegas passaram todos para o grupo 8. Adv - Todos? Teste - 6 efetivos e um parte time. Adv - Apareceu mais algum novo? Test - Não apareceu mais ninguém, grupo manteve-se o mesmo”
15m09 – adv - alarmes lá existem no Estabelecimento X de Almada? Test – sim. Adv – que alarmes existiam? … de incêndios? Test – isso é da própria loja… Adv. E outros alarmes existiam lá? Test – alarmes das portas e emergência, dos gradões, pt. adv. Manteve-se tudo igual? Tudo!
8 - Para prova da alínea c) temos os referidos depoimentos das testemunhas
DD e CC, ouvidos na sessão de julgamento de 16/11/2022:
DD
12m14 – Adv- o que é que mudou? Test - as fardas… mudou as fardas…
13m35 – adv. Sistema de vigilância CCTV de quem era? Era mesmo da loja?
Test – Sim, sim. Adv. Ficou lá? Test – Está lá tudo!
CC
10m30 adv - A nível dos instrumentos de trabalho, o que passou a ser do Estabelecimento X e do grupo 8? Test - Os rádios passaram a ser do grupo 8 eram da prosegur. 12m17s adv - E o resto? O sistema de CCTV por exemplo? Test – O CCTV é um sistema que faz parte… é do Estabelecimento X. Adv - Era o mesmo sistema na prosegur e no grupo 8? Test - O mesmo, tal e qual! Adv - Alarmes, tinham alarmes? Test - Sim, alarmes. Adv - De que tipo de alarmes é que haviam lá? Test
- Infravermelhos, estáticos, intrusão. Adv - E esses alarmes o que aconteceu? Test
- Esses alarmes fazem parte do Estabelecimento X e não das empresas de segurança.
Adv - Ficou lá tudo que começaram a usar no grupo 8? Test - Sim, ficou lá tudo!
9 - Para prova da alínea d) temos os referidos depoimentos das testemunhas
DD e CC, ouvidos na sessão de julgamento de 16/11/2022:
DD
13m35 – Adv – e continuou a trabalhar no mesmo posto físico? Test - Sim, sim
(…) 16m07 Adv- o posto de trabalho era o mesmo? Test - Sim, o mesmo. Adv – O horário igual? Test - As mesmas escalas…” (…)
8m59 adv – olhe e houve aqui alguma paragem no trabalho? Ou continuaram a trabalhar… passaram para o grupo 8? Test – sempre seguido! Adv- tudo seguido, não houve nenhuma pausa … test – não, não! Adv – continuou a trabalhar normalmente? Test – Sempre!
CC
6m20 – adv - houve alguma pausa no trabalho? Eram funcionários da prosegur e depois passaram para a grupo 8? Alguma pausa? Houve algum interregno, algum tempo que não trabalharam? Test – não, não, não foi sempre seguido no grupo 8 Juiz- o que o Sr. Dr. quer saber é se entre deixar de trabalhar na prosegur e começar a trabalhar no grupo 8 houve algum período de tempo que não estiveram a trabalhar? Estavam a trabalhar no dia para um e noutro dia para o outro? Test: 31 de Dezembro deixamos a prosegur dia 1 ou 2 de janeiro começamos no grupo 8.
13m30 – Adv. O salário foi o mesmo para você? Test - Sim, manteve-se igual (test).
Adv – os turnos mantiveram-se iguais? Test - Mantiveram-se sensivelmente
iguais tirando um dia ou outro ou uma hora ou outra, as horas são mais ou menos as mesmas.
33m50 Adv- A antiguidade foi falado? O grupo 8 ia assumir? Test - Em virtude de sabermos de problemas noutros postos combinamos exigir a antiguidade para passar, só passávamos com garantia da antiguidade”
34m50 – adv - Que férias gozou no ano (2021) test – os normais 22 dias e recebeu subsídio de férias? Foi o normal, por inteiro.
9 - Para prova da alínea e) temos o contrato de trabalho do A. junto na audiência de julgamento, incontestado pelas RR.
10 – Pergunta-se: não tendo existindo TDE porque é que s segunda Ré iria reconhecer a antiguidade do A. (e de todos os outros colegas)?
11- Mais, instrumentalmente deveria considerar-se o seguinte facto, que surgiu espontaneamente do depoimento da testemunha DD:
f) O supervisor do A. quando este passou a ser funcionário da 2ª Ré manteve-se o mesmo – Sr. EE – que transitou da Prosegur para o Grupo 8
Depoimento do mesmo, numa declaração espontânea:
9m40 test - “O Inspetor da Prosegur passou a ser Inspetor do grupo 8. Adv -
Passou a ser o mesmo Inspetor? Test – Sim, que é o Sr. EE, ainda é ele até aos dias de hoje”
12 - É evidente a existência da TDE e de que o A. trouxe ao processo factos para a concretizar: manutenção de todos os trabalhadores, reconhecimento da antiguidade, do direito a férias e subsídios, sem qualquer interrupção do trabalho, com os mesmos instrumentos (mudando, como sempre, a farda e os rádios) e mesmo local de trabalho, o mesmo salário, a mesma atividade - vigilante, o mesmo supervisor, as mesmas escalas
13 - Se não chegavam o Senhor Juiz teve vários momentos processuais para o obrigatório convite ao aperfeiçoamento, não o tendo feito a decisão é nula, nos termos do artigo 615º do CPC, tendo existido erro na interpretação e aplicação da lei processual ao ter o tribunal entendido que a decisão de mérito podia ser proferida sem prévio despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
14 - Assim perante a insuficiência da petição inicial, incumbia ao tribunal, nos termos do n.º 4 do art.º 590.º do CPC, convidar o A. ao aperfeiçoamento.
15 - Tratando-se da omissão de um ato que a lei prescreve, com incidência sobre a decisão da causa proferida, gera nulidade processual conforme previsto no n.º 1 do art.º 195.º do CPC.
16 - Quer seja assim qualificada, quer em qualquer outro enquadramento jurídico, entende-se que aquela omissão determina a nulidade da própria decisão (cfr. Teixeira de Sousa, “Nulidades do processo e nulidades da sentença: Em busca da clareza necessária”, 22/09/2020, in blog do IPPC) - n.º 4 do art.º 615.º do CPC.
17 - A 1ª Ré comunicou expressamente ao A. a TDE, na contestação dá uma no cravo e outra na ferradura, em claro abuso de direito… invocando a prescrição!
18 - A 1ª Ré litigou em manifesto abuso de direito - art.º 334º do Código Civil - e em clara má-fé, não se podendo aproveitar a prescrição invocada, mesmo que ela se verificasse: é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08/05/2012, Processo 7825/08.7BOER.C1“O instituto do abuso do direito opõe-se a que possa invocar a prescrição aquele que com a sua conduta tenha obstado ao exercício tempestivo do direito da outra parte ou contribuído decisivamente para essa aparente intempestividade.”
19 - Mais, o Senhor Juiz face à questão prévia que criou, não conheceu os restantes pedidos do A., quando existe prova no processo de todo o trabalho suplementar prestado, no qual as RR. devem ser condenadas.
20 - Por fim, no que respeita aos créditos de formação profissional, também nisso naufragou o A., em parte pela prescrição, por outro lado porque o Senhor Juiz “a quo” entendeu recair sobre o trabalhador a ónus (diabólico) de provar que não teve formação…

PROSEGUR LDA., R no processo em que é A AA, notificada da Apelação por este deduzida, vem apresentar as suas Contra-Alegações advogando a improcedência da Apelação e a manutenção da decisão em recurso,

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no qual fez constar a sua concordância com a análise jurídica efetuada na sentença.

*

Apresentamos abaixo um breve resumo dos autos para melhor compreensão:
AA intentou a presente ACÇÃO DECLARATIVA COMUM EMERGENTE DE CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO Contra:
1 – PROSEGUR – COMPANHIA DE SEGURANÇA, S.A. e
2 – GRUPO 8 – VIGILÂNCIA E PREVENÇÃO ELECTRÓNICA, UNIPESSOAL LDA., pedindo ao tribunal que, julgando pela sua procedência, decida:
1 – Serem as Rés condenadas a pagar solidariamente ao A. pela prestação do trabalho suplementar, trabalho noturno, trabalho em dias feriados, folgas e descanso compensatório no valor global, com a majoração da cláusula 45ª do IRCT, de 20.202,09€;
2 – Serem as Rés condenadas a pagar solidariamente ao A. a quantia de 1.654,32€ respetivamente, referente à média do número anterior nas férias e subsídios de férias;
3 – Serem as Rés condenadas a pagar ao A. a formação profissional não ministrada, no valor de 550,80€;
4 - Serem as Rés condenadas no pagamento de juros vencidos e vincendos.
Alega, para tanto, que o A. e a I R. celebraram entre si um contrato de trabalho para o exercício da atividade de vigilância; o A. prestava a sua atividade no estabelecimento Estabelecimento X; na sequência de um concurso, a I. R. perdeu o cliente, tendo sido o serviço de segurança ali prestado a ser assegurado pela II R.; transferiu-se, assim, o seu contrato de trabalho da I. R para a II R., passando esta a ser a sua empregadora; ao longo do seu contrato de trabalho o A. prestou mais tempo do que as 40 horas se trabalho semanais contratadas; fê-lo em regime normal e em regime noturno, e nos dias de descanso e feriados; tinha direito à correspondente remuneração majorada, pelo trabalho suplementar e noturno prestados; esse valor nunca lhe foi pago; de igual modo, tinha direito a dia de descanso compensatório que nunca gozou ou foi pago; tem direito a essas quantias; as mesmas, pela sua regularidade devem ser consideradas na remuneração de férias e subsídio de férias; o A. nunca recebeu formação, pelo que tem direito ao respetivo valor.
A 1ª R. contestou a ação, excecionando a prescrição dos alegados créditos do A., pois, à data da sua citação, havia decorrido mais de 1 ano contado desde a data da cessação da relação de trabalho; efetivamente, à relação de trabalho entre A. e I R não era a aplicável o IRCT citado pelo A., mas o CCT/STAD; com a perda de cliente não há, por si só, transmissão de estabelecimento; o A. apenas alegou os factos referentes à perda de cliente, assumindo sem mais que a mesma importa aquela transmissão; desta feita, com a perda de cliente, extinguiu-se a relação de trabalho com a I R.; nos termos do CCT aplicável, as dívidas do empregador que perdeu o cliente são só suas, não se transmitem para a nova empresa que passa a explorar o serviço; decorrido aquele prazo, o crédito prescreve; exceciona a ineptidão da petição inicial por falta de falta de factos essenciais que não podem ser supridos por despacho de aperfeiçoamento, com a sua consequente nulidade; na sequência da diversa aplicação de IRCT, impugna a pretensão do A., por não corresponder à verdade e não lhe ser aplicável o Direito em que funda a sua pretensão; quanto à cláusula penal, na sequência de falta de factos, sustenta a sua improcedência; quanto à formação, para além da alegada prescrição dos créditos, entende que quanto ao período de formação que estava a decorrer, a não prestação da formação não lhe atribui um crédito retributivo mas apenas um crédito de horas de formação a ser prestado pela atual entidade empregadora.
Conclui pedindo ao tribunal que, julgando pela improcedência da ação, a absolva do pedido.
A 2ª R. deduziu contestação, excecionando a falta de alegação dos factos essenciais à verificação da defendia transmissão de estabelecimento; sustenta que, no caso em análise, apenas se verificou a perda de cliente pela I R. pela II R.; o IRCT em que o A. estriba a regulamentação da sua relação de trabalho com a I R. não é aplicável à II R., por não verificação do princípio da dupla filiação; por conseguinte, não tendo ocorrido a transmissão de estabelecimento, não há sucessão de empregadores, pelo que a II R. não é responsável pelos créditos do A. face à I R.; finalmente, invoca a aludida prescrição dos créditos do A. face àquela; quanto à formação reclamada pelo A., nunca teria o A. um crédito de horas em retribuição a receber, mas apenas que aquela formação seja agendada.
Conclui pedindo ao tribunal que, julgando pela improcedência da ação, a absolva do pedido.
O A. respondeu, pugnando pela não verificação das arguidas exceções. Conclui como na petição inicial.
Foi prolatado despacho saneador, que julgou inverificada a arguida ineptidão da petição inicial, e julgou a regularidade da instância; fixou o objeto da ação e selecionou os temas de prova, sem que tivessem sido apresentadas reclamações.
Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que, previamente, julgou verificada a exceção de prescrição dos direitos de crédito do A. relativamente à 1ª R. e, subsequentemente, absolveu as RR. dos pedidos contra si deduzidos pelo A.
***
Para concluir pela prescrição decidiu-se na sentença:
a) A causa de pedir assenta na perda de cliente na empreitada de serviços de vigilância;
b) Não existe dever legal de convite ao aperfeiçoamento da petição porque os factos alegados são suficientes para integrar a previsão de perda de cliente;
c) Não foram alegados factos estruturantes da figura de transmissão do estabelecimento;
d) A relação entre o A. e a 1ª R. era regida pelo CCT AES/STAD (por escolha do A.);
e) Não tinha aplicação o IRCT FETESE;
f) O contrato com a 1ª R. cessou em 31/12/2020.

Quanto ao mais:
a) A relação de trabalho entre o A. e a 1ª R. era regida pelo CCT/STAD;
b) A pretensão creditícia do A. assenta em factos ocorridos antes de 31/12/2020, sendo a causa de pedir perda do posto de trabalho (indevidamente qualificada pelo A. como transmissão de estabelecimento);
c) À data não se encontrava em vigor o regime de transmissão de estabelecimento introduzido pela Lei 18/2021 de 8/04;
d) A 2ª R. assumiu a posição de empregadora por efeito de uma obrigação convénio dispositiva que obriga a empresa a assumir como seus trabalhadores os trabalhadores que, até aí, prestavam a sua atividade no local de trabalho ou cliente. Ou seja, a transmissão da posição de empregador ocorre por força do CCT mesmo que não haja transmissão da unidade económica autónoma;
e) A situação em apreço configura uma perda de local de trabalho ou de cliente Clª 15ª do CCT);
f) Não sendo a 2ª R. sujeito das obrigações reclamadas, a ação improcede também quanto a si;
g) Com a perda de cliente não se extinguiu o contrato de trabalho, antes se operou a substituição da 1ª R. pela 2ª;
h) O A. não tem direito a qualquer quantia correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado.
 
***
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Deve ser dada como provada a matéria alegada na resposta à contestação?
2ª – Existiu transmissão de estabelecimento?
3ª – A decisão é nula?
4ª – A 1ª R. litigou em abuso de direito?

***

FUNDAMENTAÇÃO:

Comecemos, então, pela questão enunciada em 1º lugar – saber se deve ser dada como provada a matéria alegada na resposta à contestação.
Na sequência das contestações apresentadas, veio o A. responder alegando, concretamente:

Ora, conforme melhor explanado na P.I., até 31/12/2020, o A. prestou serviço sob as ordens, direção e fiscalização da 1ª Ré, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante, nas instalações do cliente Estabelecimento X, em Almada.

No entanto, ao contrário do que quer fazer parecer a 1ª Ré, o contrato de trabalho do A. não cessou a 31/12/2020, outrossim, operou-se a transmissão do estabelecimento nos termos do art.º 285º do Código do Trabalho, tal como foi comunicado pela mesma através de carta registada ao trabalhador - doc. 1 junto com a P.I.

Além da comunicação da transmissão da unidade económica levada a cabo pela 1ª Ré ao A., o certo é, que se dúvidas subsistissem quanto à transmissão, as mesmas facilmente se dissipariam depois de analisados os factos que se seguem.

Ora, para se verificar a transmissão de uma empresa ou estabelecimento e, consequentemente, ter aplicação o regime jurídico previsto no art.º 285º do Código do Trabalho, sempre importará perceber se tal como nos autos, a transmissão operada tem por objeto uma unidade económica, organizada de modo estável, que mantenha a sua identidade e seja dotada de autonomia, com vista à prossecução de uma atividade económica, ou individualizada na empresa transmissária.

Assim, na sequência da comunicação levada a cabo pela 1ª Ré ao A., aquela deixou de prestar serviços de segurança e vigilância junto do cliente Estabelecimento X (Almada).

No entanto, no seguimento de tal adjudicação de tais serviços de vigilância à 2ª Ré, verificamos a assunção de grande parte dos trabalhadores da 1ª Ré que prestavam serviço no cliente, onde foi incluído o A.

Tal como a transferência de grande parte dos instrumentos de trabalho que eram propriedade do cliente: sistema de CCTV, monitores, telefones, sistema informático, instalações, mobiliário, sistemas de alarme de incêndio e intrusão, entre outros.
10º
O trabalhador continuou a prestar exatamente o mesmo serviço, no mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição, de forma funcional e organizativa idêntica, sem qualquer interrupção temporal.
11º
Porque não podem restar dúvidas acerca da TDE, ao contrário do que querem fazer parecer as
Rés nas suas contestações, tendo a 2ª Ré sucedido à 1ª Ré na prestação dos serviços de vigilância ao cliente Estabelecimento X, em Almada,
12º
Pelo que, nos termos do art.º 285º do Código do Trabalho, ambas são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos créditos reclamados ao A..
 
Pretende o Apelante que tais factos foram esquecidos, sendo suficientes para aquilatar de uma transmissão de estabelecimento, devendo ser dados como provados os seguintes:
a) A 1ª Ré, com efeitos a partir de 31/12/2020, a transmissão do estabelecimento nos termos do art.º 285º do Código do Trabalho, tal como foi comunicado pela mesma através de carta registada ao trabalhador.[1]
b) Após 01/01/2021 a 2ª Ré, assumiu a totalidade dos trabalhadores da 1ª Ré que prestavam serviço no cliente – Estabelecimento X - onde foi incluído o A.
c) Foram transferidos grande parte dos instrumentos de trabalho que eram propriedade do cliente: sistema de CCTV, instalações, sistemas de alarme de incêndio e intrusão.
d) O trabalhador continuou a prestar exatamente o mesmo serviço, no mesmo local de trabalho, com a mesma retribuição, de forma funcional e organizativa idêntica, sem qualquer interrupção temporal.
e) A 2ª Ré reconheceu, no contrato sem termo que outorgou com o A., a antiguidade deste 07/02/1997, data em que iniciara o trabalho para a 1ª Ré.
De entre estes factos, apenas o enunciado sob a alínea e) não tem qualquer cabimento na matéria alegada na resposta à contestação. Porém, vista a sentença, a matéria ali contemplada está no ponto 8 dos factos provados (que transcreve o contrato de trabalho celebrado).
Quanto à matéria da alínea a) também verificamos que a sentença, no ponto 6 transcreve, por cópia, a carta enviada pela 1ª R., muito embora não em termos exatamente coincidentes com o que se alega.
No concernente á demais matéria é uma evidência que a decisão a não contempla. Nem no enunciado de factos provados, nem no dos não provados.
A questão é se a mesma é essencial à decisão e se, em presença da omissão na sentença, se impõe a anulação para ampliação do acervo fático, situação em perspetiva visto que a 1ª instância não se pronunciou sobre este enunciado factual (Art.º 662º/2-c) do CPC).
Questão que se prende com a causa de pedir invocada na ação e com a CCT aplicável.
Relativamente a esta está definitivamente julgado que a CCT aplicável é a CCT AES/STAD.
Na verdade, esta matéria foi amplamente discutida na sentença, não vindo impugnado o segmento decisório respetivo.
Já quanto à causa de pedir, temos como seguro que na petição inicial não se invocou mais do que substituição de empregadora na prestação de serviços de vigilância por perda de cliente (Art.º 6º a 8º[2]). Porém, na resposta às contestações a causa de pedir sofreu uma modificação que não foi rejeitada, tendo-se alargado o âmbito da mesma definido inicialmente.
Tendo a sentença partido do pressuposto alegado na petição inicial, não se pronunciou sobre os efeitos da nova factualidade na análise jurídica que se lhe impôs[3]. Designadamente, e para a hipótese de se virem a provar os novos factos ali alegados, se o regime legal de transmissão de estabelecimento convive com o regime convencional decorrente da CCT pela qual se concluiu.
Não resta, pois, senão anular a sentença para ampliação do acervo fático tendo por base a matéria alegada na resposta à contestação e acima enunciada – Art.º 7º, 8º, 9º e 10º.

Na conclusão 11ª reclama o Apelante por que se dê como provado um facto instrumental decorrente do depoimento da testemunha DD.
Reconhece, pois, o Apelante que não alegou tal facto.
A introdução nos autos de factualidade não alegada está vedada à Relação, apenas sendo admissível em presença do disposto no Art.º 72º do CPT.
O Art.º 72º/1 do CPT permite ao juiz de 1ª instância ampliar, mediante adição de factos não articulados, os temas da prova ou tomar tais factos em consideração desde que sobre os mesmos tenha incidido discussão.
Pressupõe um mecanismo que passa pelo contraditório mediante indicação de provas por cada uma das partes (nº 2).
Sendo, assim, certo que o regime processual laboral permite a adição de factos não alegados tidos como relevantes para a boa decisão da causa, também o é que tal adição pressupõe que seja impulsionado o mecanismo previsto no Art.º 72º do CPT, o que não ocorreu.
Efetivamente, se no decorrer da produção de prova surgirem factos que, não tendo sido alegados, se tenham como relevantes para a boa decisão da causa, o tribunal pode tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto.
Contudo, não poderão adquirir-se factos relativamente aos quais o procedimento ali consignado não tenha sido observado, ou seja, a aquisição pressupõe a enunciação dos ditos factos pelo julgador e a observância do contraditório.
Este mecanismo, à semelhança do que já ocorria no âmbito da anterior versão do Código de Processo de Trabalho, tem que ser levado a cabo durante a audiência de discussão e julgamento, estando vedado à Relação, em sede de recurso, pô-lo em marcha. Neste sentido, para além dos nossos Ac. proferidos nos Proc.º 3957/16.6T8FNC, 2485/17.7T8CSC e 2210/13.1TTLSB-A, também o Ac. da RP de 16/01/2017, Proc.º 2311/14.9T8MAI. E ainda os Acórdãos do STJ de 18-04-2018, Proc.º 205/12.1TTGRD, da RLx de 16-03-2016, Proc.º 37/13.0TBHRT e de 07-10-2019, Proc.º 3633/17.2T8VFR, da RE de 26-04-2018, Proc.º 491/17.0T8EVR e da RC de 28-04-2017, Proc.º 2282/16.7T8LRA, todos publicados em http://www.dgsi.pt.

Improcede, assim, a questão subjacente a tal conclusão.

***

OS FACTOS:

Para decidir a exceção de prescrição o Tribunal considerou que, realizada a audiência de julgamento, está assente que:
- A Prosegur é membro da AES, que outorgou o CCT/STAD (na sua última versão publicado no BTE nº 2, de 15/06/2020) – conforme declarado pela testemunha IO, responsável pelo departamento de compensação e administração de recursos humanos, sem que o A. tivesse apresentado alguma prova que pusesse em causa aquele facto;
- As correspetivas Portarias de Extensão do IRCT citado pelo A. excluem expressamente as empresas filiadas naquelas associações patronais que não os subscreveram e têm CCT próprio;
- O A optou por permanecer abrangido pelo CCT outorgado entre a AES e o STAD, o qual se manteve ao longo de toda a relação laboral entre A. e I R. (cfr. documento n.º 2, junto com a sua contestação, e facto alegado que não foi impugnado pelo A.);
- O A. prestou serviço para a I R, nas instalações do cliente Estabelecimento X, até ao dia 31/12/2020 – facto admitido por acordo;
- A ação foi intentada pelo A. a 19/04/2022;
- A I R. foi citada para a presente ação em 28/04/2022.

Quanto ao mais, realizada a audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 4 Fevereiro de 1997, o A. celebrou com a 1ª R. um contrato de trabalho a termo certo, com início de vigência a 07/02/1997, tendo o mesmo e após sucessivas renovações, sido convertido em contrato de trabalho sem termo/por tempo indeterminado, para desempenhar, sob as suas ordens, direção e fiscalização, as funções inerentes à categoria profissional de Vigilante.
2. O A., de acordo com o contrato de trabalho inicialmente outorgado, ficou sujeito a um horário de trabalho rotativo de 173,33 horas mensais.
3. O seu vencimento mensal ilíquido à data da cessação do contrato de trabalho era de 796,19 €.
4. Em 1 de Janeiro de 2021, em relação ao cliente Estabelecimento X, em Almada, a 1ª Ré foi substituída pela segunda, na prestação de serviços de vigilância, na sequência de concurso, tendo aqueles serviços sido adjudicados a esta última.
5. O A., atualmente, trabalha para a II R. realizando aquela mesma atividade de vigilante, desde aquela data.
6. A 09/12/2020, a I R. remeteu ao A. uma carta regista, com o seguinte teor:
(foto)
7. A I R. prestou ao A. 30 horas de curso de formação profissional de módulo de atualização de vigilante, em 25/06/2020.
8. A 17/12/2020, para produzir efeitos a partir de 01/01/2021, A. e a II R. celebraram entre si um acordo denominado de contrato de trabalho sem termo, com o seguinte teor:
 (foto)

***

O DIREITO:

Seria chegado o momento de nos determos sobre a 2ª questão que elencámos. Contudo, a resposta à mesma fica prejudicada pela solução dada à 1ª.

*

Invoca ainda o Recrte. a nulidade da sentença fundada na circunstância de não ter existido convite ao aperfeiçoamento.
Da leitura do Art.º 615º do CPC facilmente se extrai que a questão assim colocada não encaixa em nenhum dos pressupostos conducentes à nulidade da sentença.
Concomitantemente o Apelante reporta a existência de erro de julgamento – erro de interpretação e aplicação da lei processual ao ter o tribunal entendido que a decisão de mérito podia ser proferida sem prévio despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
Analisaremos, pois, a questão deste ponto de vista, desde já adiantando que o Recrte. não tem razão.
Na verdade, a construção da causa de pedir não é tarefa do Tribunal.
Compete às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, conforme previsto no Art.º 5º/1 do CPC.
Tal como dito na sentença, na petição inicial a causa de pedir invocada foi a perda de cliente[4]. Para tal efeito os factos alegados eram suficientes.
Ponderou-se na sentença:
No caso em análise, as RR. arguiram a falta de alegação se factos essenciais à verificação da alegada transmissão de estabelecimento. A I. R. arguiu mesmo a ineptidão da petição inicial.
Em sede de despacho saneador entendemos que não se verificava a arguida ineptidão.
De facto, o A. sustentava a sua pretensão naquela sucessão de prestadores de serviços de vigilância no mesmo cliente, enquadrada pela Cl.ª 14º-A do CCT aplicável, na sua perspetiva.
Como se vê aqueles factos alegados são, por si só, suficientes para integrar a previsão da figura da perda cliente. Há, assim, uma correspondência entre o facto e a previsão contida naquela Cláusula do IRCT.
Inexiste, por isso, falta de alegação de elementos essenciais que integram aquela figura.
No que respeita, à transmissão de estabelecimento já assim não é, conforme deixámos dito.
No entanto aqui importa sublinhar que, para o A. o facto constitutivo da sua pretensão, foi a aquela sucessão de empresas de serviços de vigilância no mesmo cliente onde o A. prestava a sua atividade profissional, na sequência de um concurso aberto pelo cliente, tendo o prestador inicial perdido o serviço para o prestador a quem esses serviços foram adjudicados.
O A. entende, de forma indevida, que aquela figura da perda de cliente se confunde com a transmissão de estabelecimento e, por isso, convoca a norma contida nos art.ºs 285º e 286º, do CT. Porém, tal conclusão integra uma errada qualificação jurídica dos factos que alega, e não uma falta de factos aptos ao preenchimento da figura de transmissão de estabelecimento.
Não havia, assim, lugar à prolação de convite ao aperfeiçoamento.
Discorre após sobre o ónus que impende sobre as partes, decorrente do Art.º 5º do CPC e sobre os deveres impostos ao juiz por força do disposto no Art.º 590º/2-b), 4 e 6 do CPC, para concluir que “o convite ao aperfeiçoamento da matéria de facto alegada pelo A. não pode determinar uma alteração da causa de pedir, fora dos limites previstos no art.º 265º.” E termina: “No caso em análise, em boa verdade o A. sustenta toda a sua pretensão na perda de cliente da I. R. na sequência de concurso que foi ganho pela II R. e a quem o cliente acabou por adjudicar a prestação de atividade de vigilância que, até aí, era assegurada pela I R., para quem o A. trabalhava.
Vimos, de igual modo, que sendo esta a causa de pedir, a alegação dos factos estruturantes se encontra perfeita.
Por conseguinte, sendo a transmissão de estabelecimento algo mais do que a simples perda de cliente, os factos em falta não são meros factos complementares ou concretizadores.
A alegação daquela unidade económica é um facto essencial estruturante ou nuclear, a manutenção da sua identidade própria, após aquela sucessão de empresas, é um facto essencial estruturante.
Ora, nenhum desses factos foi alegado, mesmo que de forma deficiente, pelo A.
Por consequência, não há uma alegação deficiente de factos essenciais nucleares que importasse convidar a completar ou concretizar. Há, sim, uma total omissão, pelo que a sua introdução, a entendermos que poderia ter lugar, importa uma alteração da causa de pedir: esta deixaria de ser a perda de cliente para passar a ser a transmissão de estabelecimento, figura distinta daquela, mas que o A. confundiu como sendo uma só.
Isto posto, a sentença centra-se ainda no Art.º 27º/2-b) do CPT para concluir que “este preceito normativo deve ser interpretado com aquele outro decorrente do Art.º 265º do CPC, aplicável ex vi Art.º 1º/2-a) do CPT”. Não deixa ainda de fazer uma referência ao Art.º 72º do CPT, mantendo que os factos essenciais que ali se alude não são os nucleares; são apenas os complementares ou concretizadores da causa de pedir.
Concordamos com a análise assim efetuada que, como começámos por dizer na introdução a esta questão, tem na sua base a necessidade de estruturação da causa de pedir pelo autor, podendo o juiz, no uso dos poderes que a lei lhe confere, convidar a aperfeiçoar, mas não modificar ou introduzir alguma causa de pedir.
Não há, assim, omissão de algum ato prescrito na lei, o mesmo é dizer não há nulidade procedimental.
Improcede, deste modo, a questão em discussão.

*

E partimos para a 4ª questão – A 1ª R. litigou em abuso de direito?
Sobre esta questão o Apelante não diz mais do que aquilo que consignou na conclusão 18ª, o que basta para que consideremos manifestamente infundada a invocação do abuso de direito.
Na verdade, as conclusões são, por natureza, uma síntese da alegação, pelo que é pressuposto que nesta se desenvolvam os raciocínios conducentes àquelas.
Nada nos factos que emergem dos autos nos põe, sequer, em perspetiva uma situação de abuso, não se descortinando a razão pela qual a invocação da prescrição pela R. pode configurar uma tal situação. Nem se vendo em que é que a jurisprudência emanada do acórdão citado aqui tenha aplicação porquanto não vislumbramos alguma conduta da R. suscetível de enquadrar uma situação de venire contra factum proprium.
Improcede, sem necessidade de outros considerandos, a questão em análise.

*
Nas conclusões 18ª e 19ª não vem colocada alguma questão para apreciar, nem o que ali se consignou teve desenvolvimento na precedente alegação que, aliás, diz exatamente o mesmo. Muito concretamente não se impugna a decisão sobre a matéria de facto, nem se invoca algum vício no julgamento da questão relativa à formação profissional.
Nada mais há, pois, da perspetiva das questões colocadas na apelação, a decidir.
Contudo, na contra-alegação, a Apelada alerta com acerto que:
- “Sucede, porem, que do conteúdo das Alegações que sustentam o recurso, para além de discutir a decisão de mérito quanto à prescrição dos créditos e existência, ou não, de matéria suscetível de sustentar uma transmissão do estabelecimento, por um lado, e sobre quem recai o ónus da prova sobre a formação em falta, por outro, em lado e momento algum da sua Apelação alega, localiza, cita ou transcreve qualquer prova que prejudique a resposta dada pelo Tribunal a quo, ou a falta dela, quanto a matéria suscetível de sustentar os valores que pede a título de alegado trabalho prestado e não pago (i), e da formação continua que liquida como devida (ii) – art.º 639º e 640º, nº 1 e 2 do CPC.
Funcionando aqui a Relação como Tribunal de revisão da decisão da 1ª instância e nada tendo o Recorrente alegado que permita ao Tribunal da Relação dar como provados factos que sustentem a procedência daqueles pedidos de condenação - factos estes que também não foram fixados dos autos (nada se provou nesta matéria) -, então, seja qual for o entendimento do Tribunal ad quem sobre o mérito das demais decisões de direito em crise (as únicas que foram objeto do recurso), nunca poderia dar como procedente os pedidos do A.
Em resumo, da eventual procedência dos argumentos da Apelação nunca poderia resultar nesta instância a condenação nos pedidos iniciais do A por parte do Tribunal ad quem (quando muito, baixar de novo o processo à 1ª instância) – art.º 662º e 665º, nº 2 a contrariu do CPC.”
O excerto transcrito, com o qual concordamos quando refere que nunca este Tribunal poderia vir a dar como procedentes os pedidos condenatórios, já que não há factualidade que os sustente, alerta-nos para a utilidade da prossecução da lide.
Na verdade, a reabertura da audiência para pronúncia quanto aos factos supra mencionados não poderá redundar em conhecimento de outra factualidade necessária a suportar os pedidos formulados sob os números 1 e 2. Já quanto ao pedido formulado sob o nº 3, tendo a decisão radicado ora na prescrição, ora na substituição da 1ª R. pela 2ª, poderá voltar a equacionar-se.
<>
As custas da presente apelação deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção de 1/10 para as Apeladas e 9/10 para o Apelante (Art.º 527º do CPC).

*
***
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
a) Anular a sentença tendo em vista a ampliação do acervo fático conforme sobredito e
b) Julgar a apelação improcedente quanto ao mais.
Custas por ambas as partes na proporção de 9/10 para o Apelante e 1/10 para as Apeladas.
Notifique.

Lisboa, 10/01/2024
MANUELA FIALHO
ALVES DUARTE
ALDA MARTINS
_______________________________________________________
[1] Muito embora não dito, parece-nos que o Apelante quererá dizer que a R. lhe comunicou a transmissão. Só assim faz sentido a invocação da carta
[2] Cuja redação é a seguinte:
Em 1 de Janeiro de 2021, uma vez que em relação ao cliente estabelecimento X, em Almada, a 1ª Ré foi substituída pela segunda, na prestação de serviços de vigilância,
Operou-se a transferência do posto de trabalho do A. para a 2ª Ré, onde atualmente trabalha, e, consequentemente, a assunção de todos os seus direitos e obrigações pela mesma, a partir daquela data.
Tal transmissão, foi comunicada pela 1ª Ré através de carta registada datada de 9 de Dezembro de 2020, tendo sido precedida da necessária tramitação legal - docs. 1
[3] São várias as referências na sentença à causa de pedir estruturada apenas com base na factualidade alegada na PI. Adiante se dará nota da fundamentação.
[4] Vd. nota 2