Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1806/07.5TTLSB-4
Relator: LEOPOLDO SOARES
Descritores: ESTADO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
NULIDADE DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – O Tribunal superior deve conhecer questões novas, isto é, não levantadas no tribunal recorrido, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso, tal como sucede com a invocação do “abuso de direito”.
II – Não litiga em abuso de direito quem pretende ver reconhecida a natureza laboral da relação que estabeleceu com outrem e peticionar créditos respeitantes à mesma, ainda que anteriormente tenha outorgado um denominado “contrato de avença” e tenha sido tratado como “prestador de serviços”, visto que durante a vigência da relação sempre se encontrava numa situação de dependência que, presumivelmente , não lhe permitia exercer em pleno os seus direitos.

III - Se num contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a nulidade do contrato para colocar termo à relação laboral que mantinha com o trabalhador adoptando comportamento que configura um despedimento ilícito, deve ser paga indemnização calculada nos termos gerais.

(sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

A …. instaurou acção declarativa, sob a forma comum, contra o Estado Português

Pede que o Réu seja condenado a pagar indemnizações, compensações e valores de créditos laborais nos seguintes moldes:

I -

i) verba de € 7.500,00 referente a indemnização por despedimento ilícito nos termos do artigo 439º nº 1 do Código do Trabalho;

ii) ou, a considerar que existiu um encadeado de contratos a prazo, a verba de € 18.555,00 acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, referente a compensação nos termos do artigo 440º alínea a) do Código do Trabalho correspondente ao valor que a Autora deixou de auferir entre Janeiro de 2007 e o mês de Maio de 2008, ano em que cessaria o prazo de três anos do contrato a termo em curso à data do despedimento;

iii) ou, para o caso de se considerar que o contrato é nulo, a verba de € 6.000,00 por danos fundados nas expectativas e sentimento de segurança de trabalho que o Réu transmitiu e lhe incutiu através da relação de carácter laboral e que quebrou com a respectiva cessação

II – a verba de € 9.854,00 acrescida de juros de mora , à taxa legal, a contar da data do incumprimento até ao trânsito em julgado da sentença referente a créditos por subsídios de férias;

III – a verba de € 8.612,50 acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data do incumprimento até ao trânsito em julgado da sentença referente a créditos por subsídios de Natal

IV – a verba de € 2.726,89 acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos referente ao subsídio de Natal do ano de 2007 e ao subsídio de férias e aos proporcionais do subsídio de Natal de 2008, ano em que cessaria o novo período de três anos, no caso de ser procedente a interpretação de que existiu um contrato de trabalho a termo que se renovou sucessivamente em cada período de três anos.

Alegou, em resumo, que, em 14 de Maio de 1999, celebrou com o Réu um denominado contrato de prestação de serviços em regime de avença para prestar apoio técnico na área de economia e gestão através da elaboração de estudos e  emissão de pareceres.

Por ofício de 31 de Outubro de 2006, o Réu denunciou o contrato com efeitos a partir de 2 de Janeiro de 2007.

A relação jurídica emergente do referido contrato não é de prestação de serviços, mas de natureza laboral visto que o modo de execução da prestação da sua actividade foi inteiramente determinado pelos respectivos superiores hierárquicos a quem estava subordinada, através de ordens, instruções e orientações, não gozando de qualquer autonomia.

Na maior parte das vezes nem sequer prestava a actividade para a qual foi contratada, pois era-lhe também determinado que executasse tarefas meramente administrativas que se prendiam com a actividade quotidiana dos departamentos em que foi colocada.

O seu local de trabalho e o horário sempre foram definidos pelo Réu , sendo certo que as suas tarefas eram executadas com a utilização do material de escritório e computadores do Réu.

Auferia uma retribuição mensal fixa.

Apenas lhe era permitido gozar vinte e dois dias úteis de férias.

A respectiva marcação estava sujeita à aprovação dos seus superiores hierárquicos, sendo incluída em mapa de férias.

O Réu nunca lhe pagou subsídios de férias nem de Natal.

O despedimento de que foi alvo é ilícito, pois não foi precedido de processo disciplinar de modo a apurar justa causa que o legitimasse.

Caso se entenda que a lei não permite que entre particulares e a Administração Pública se estabeleçam vínculos de natureza laboral com carácter definitivo, então subsidiariamente deve ser considerada a relação laboral como um contrato de trabalho a termo certo tal como o permite o artigo 18º do DL 427/89, de 7/12, com a especificidade do mesmo dever ser considerado um encadeado de contratos a prazo pelo limite máximo que a lei permite, tendo o último início em 14/5/2005 e termo em 14/5/2008.

Realizou-se audiência de partes ( vide  fls. 81/82) .

O Réu contestou ( vide fls. 83 a 91).

Alegou, em síntese, que os dados apontam para a existência de um contrato de prestação de serviços, pois a Autora nunca recebeu subsídios de férias ou de Natal, nunca foi inscrita na Segurança Social e recebia os seus honorários mensalmente em doze vezes ao ano contra a entrega de recibos verdes.

O resultado da sua actividade pretendido pelo Réu consistia em prestar apoio técnico na área de economia e gestão, através da elaboração de estudos e emissão de pareceres, sendo que a utilização do sistema informático existente nas suas instalações era instrumental a essa actividade.

A Autora gozava de plena autonomia na prestação da sua actividade embora a não  pudesse exercer de modo arbitrário dada a natureza pública do trabalho desenvolvido estando sujeita ao princípio da legalidade.

O resultado da sua actividade era submetido à fiscalização e coordenação de outrem a quem cabia a decisão sobre muitos aspectos, com vista à uniformização de procedimentos.

A actividade de reporte feito pela Autora aos Directores de Serviços e nalguns casos à Inspectora-Geral resultava necessariamente de imperativos princípios de legalidade.

A Autora não tinha horário fixo, dependendo a sua permanência nas instalações do Réu apenas do volume de serviço a realizar.

A Autora não estava obrigada a exclusividade, tendo plena autonomia técnica pois desde que não se afastasse dos critérios de legalidade podia executar livremente as suas funções sem qualquer interferência.

Sempre que há dúvidas quanto à vontade real das partes na celebração de um contrato deve-se atender ao sentido normal da declaração negocial atribuindo-lhe o significado que será razoável presumir em face do comportamento dos declarantes e fazendo prevalecer as soluções que melhor salvaguardem o princípio da boa fé.

Assim, sustenta a improcedência da acção.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar (fls 96).

Elaborou-se despacho saneador e dispensou-se a selecção dos factos assentes e controvertidos ( fls 96).

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, em duas sessões, que não foi gravada.

Respondeu-se à base instrutória por decisão de fls. 133 a 144 que não foi alvo de reparos ( vide fls 145).

Foi proferida sentença ( vide fls 147 a 179 ) que na parte decisória teve o seguinte teor:

Pelo exposto decide-se:

I - declarar que entre a Autora e o Réu foi celebrado um contrato de trabalho nulo;

II - julgar ilícito o despedimento da Autora;

III - condenar o Réu a pagar à Autora:

 a) a quantia de 18.097,58 € referente a subsídios de férias e de Natal acrescida de juros de mora contados desde a data de vencimento de cada uma dessas prestações e vincendos até ao trânsito em julgado desta sentença como peticionado, à taxa legal, que está fixada em 4%

b) a quantia de 7.500 € referente a indemnização de antiguidade;

IV – absolver o Réu do mais que era pedido;

V - condenar a Autora e o Réu nas custas na proporção de vencido (art. 446º nº 1 e 2 do CPC).

Notifique e registe”.

Inconformado o Réu interpôs recurso de apelação (vide fls 185 a 206).

Formulou as seguintes conclusões:

(…)

A Autora contra alegou ( vide fls 216 a 225).

Concluiu que:

(…)

O Exmº Procurador – Geral Adjunto entendeu prejudicada a emissão do seu parecer nos termos constantes de fls 240.

Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.

Nada obsta à apreciação do presente recurso

                           

                                                                ***                             

Em 1ª instância  foi dada como assente a seguinte matéria de facto:

1 – Em 14/5/1999, entre a Autora, à data já licenciada em Economia, e o Réu, através da Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC) foi celebrado o acordo escrito cuja cópia está junta como documento 1 de fls. 21/22 dos autos e se dá aqui por reproduzido, intitulado «Contrato de Avença» onde além do mais consta:

«É celebrado o presente contrato de avença nos termos dos nº 3, 4, 5, 6 e 7 do art. 17º do Decreto Lei nº 41/84 de 3 de Fevereiro, com a redacção dada pelo artigo único do Decreto Lei nº 299/85 de 29 de Julho, alínea d) do nº1 do Art. 36º e nº 1 do Art. 37º ambos do Decreto Lei nº 55/95, de 29 de Março, que se regerá nos termos e condições estabelecidas nas cláusulas seguintes:

Primeira: O Primeiro Outorgante acorda com o Segundo Outorgante a celebração de um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, mediante o qual o Segundo Outorgante de acordo com as suas qualificações técnicas e profissionais, se obriga a prestar os serviços contratados, que a seguir se indicam:

- Apoio técnico na área de economia e gestão, através da elaboração de estudos e emissão de pareceres solicitados pelo serviço.

Segunda: O Segundo Outorgante não fica com qualquer sujeição horária ou hierárquica decorrente do presente contrato.

Terceira: Pela prestação de serviços, objecto do presente contrato, o Primeiro Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a quantia mensal de 180.000$00 (cento e oitenta mil escudos), isenta de IVA, para o ano económico em que é outorgado, de acordo com a declaração do Segundo Outorgante, que segue anexa ao contrato e com retenção do IRS na fonte à taxa legal.

Quarta: O presente contrato de avença obteve Despacho prévio de autorização (…)

Quinta: O Segundo Outorgante não adquire pelo presente contrato a qualidade de agente ou funcionário público.

Sexta: O presente contrato de avença produz efeitos a partir do dia 14 de Maio de mil novecentos e noventa e nove, podendo ainda ser rescindido, em qualquer momento, por mútuo acordo das partes intervenientes ou por iniciativa unilateral de qualquer delas, sem direito a qualquer indemnização.

(…)»

2 – Por escrito intitulado «Aditamento ao contrato de avença» cuja cópia está junta como documento 2 a fls. 23 dos autos e se dá aqui por reproduzido foi acordado o seguinte:

« (…) é acordado o aditamento ao contrato, firmado em 14 de Maio de 1999, com a alteração da cláusula terceira, que passará a ter a seguinte redacção:

Terceira: Pela prestação de serviços objecto do presente contrato, o primeiro outorgante pagará ao segundo outorgante a quantia mensal de Esc. 230.000$00 (…) até final do corrente ano, sujeito eventualmente a IVA e com retenção do IRS na fonte à taxa legal.

O presente aditamento vigora a partir de 1 de Janeiro de 2000, mantendo-se o restante clausulado em vigor.»

3 – Através do ofício nº 144/…. de 31/10/2006 o Réu comunicou à Autora:

«Assunto: Denúncia do contrato de avença

Em 14 de Maio de 1999, foi celebrado entre a Inspecção Geral das Actividades Culturais e V. Exª um Contrato de Avença cujo objecto se refere a prestação de serviços de apoio técnico na área de economia e gestão, através da elaboração de estudos e emissão de pareceres.

Nesse âmbito, e atendendo às publicações da Resolução de Conselho de Ministros nº 38/2006 de 18 de Abril, Decreto Lei nº 169/2006 de 17 de Agosto e, mais recentemente, à recepção nesta Inspecção Geral de Despacho nº 44/MC/2006, da Ministra da Cultura, datado de 11 de Outubro, a IGAC Culturais vem, em consequência, uma vez que está obrigada a restringir o universo dos contratos de avença que tem presentemente em vigor, pelos fundamentos de racionalização e redução de despesa subjacentes à legislação e determinações referidas, denunciar expressamente por este meio o contrato celebrado com V. Exª, com efeitos a partir de 2 de Janeiro de 2007.»

4 – A Autora exerceu a sua actividade entre 14/5/1999 e Outubro de 2002 na DEPI (Divisão de Estudos de Planeamento e Informação).

5 – Desde Outubro de 2002 passou a exercer a sua actividade na DIG (Divisão de Inspecção de Gestão).

5 – Quando a Autora exerceu a sua actividade na DEPI a Chefe de Divisão era a Drª D…..

6 – Na DIG a Chefe de Divisão era a Drª E…..

 7 – A Drª  E….. deixou de ser Chefe de Divisão da DIG em 31/12/2005.

8 – Na DEPI a Autora prestou as seguintes funções de que foi incumbida:

 i) a elaboração de um estudo sobre videogramas e de um estudo sobre custos médios ponderados de peritagens e outros serviços afins solicitados pelos Tribunais, levantamento das actividades inspectivas e de auditoria e contencioso, sendo que o recurso aos elementos necessários de outras divisões para elaboração desses estudos tinham de passar pela autorização da Chefe de Divisão Drª D….;

ii) a elaboração dos indicadores de actividade, após ter sido ensinada a fazê-lo pela funcionária técnica superior F….;

iii) apoio na elaboração do Relatório de actividades, circunscrito ao preenchimento dos quadros (em Excel e Word) das actividades em que a IGAC opera, de acordo com os valores que lhe eram fornecidos;

iv) e de acordo com o que lhe era solicitado, pela Chefe de Divisão, fazendo a digitalização de textos, impressão de relatórios, elaboração de ofícios e faxes, arquivamento de documentos, atendimento de telefones, resolução de pequenos problemas informáticos, pedidos de informação a outros chefes departamentais; durante um período de tempo exerceu semanalmente a função de secretária que lhe era atribuída na modalidade de rotatividade com os restantes colegas, recebendo a correspondência e assessorando a Chefe de Divisão no horário em que esta tinha disponibilidade, normalmente ao fim do dia, no qual tinha como tarefas a distribuição e encaminhamento de documentação diversa para os respectivos serviços internos e externos, verificação de processos pendentes e elaboração de ofícios;

v) recolha e organização dos documentos necessários para instruir os dossiers dos processos tauromáquicos, para que estivessem presentes no dia e no local das corridas. Em relação a estes processos elaborava ofícios com a designação dos delegados e directores de corrida de acordo com as informações que lhe eram fornecidas e reunia documentação, tudo submetido à assinatura e verificação da Técnica Superior designada pela Chefe de Divisão para posteriormente expedir ou entregar em mão aos directores nomeados;

vi) conferência mensal de débitos e envio para as empresas visadas, G…, H…, I…. r e J…., contactando telefonicamente as mesmas para as informar dos valores dos seus débitos e eventuais falhas na facturação;

vii) inserção de dados constantes nas Licenças de Representação de espectáculos de natureza artística e de Reforços de Videogramas no Sistema de Informação Integrado da IGAC.

9 – Durante a permanência neste Departamento (DEPI) nada era assinado pela Autora, nem estudos nem pareceres, nem ofícios nem qualquer outro trabalho que a mesma tenha executado.

10 – Na DIG a Autora ocupava uma sala com o Inspector Superior Drº  L…..

11 – Na DIG a Autora prestou as seguintes funções de que foi incumbida:

 i) colaborar nas tarefas administrativas necessárias à elaboração do Manual de Auditoria e de Controlo Interno;

ii) consultar a página electrónica do Diário da República e, por essa via, fazer um levantamento dos Institutos afectos ao Ministério da Cultura, compilando as respectivas leis orgânicas e outras relacionadas com os demais serviços;

iii) prestar apoio técnico administrativo ao indicado Inspector Superior e à Chefe de Divisão através de arquivamento e compilação de documentos, transposição de documentos para ambiente informático; formatação e integração de textos, verificação de elementos de quadros de receitas e de cobranças, elaboração de índices;

iv) recolher junto de outros serviços, informações de carácter administrativo e ligadas ao funcionamento administrativo da IGAC, de acordo com instruções da Inspectora Geral;

v) elaborar pastas de legislação;

vi) analisar e executar os custos de actividade, do registo de propriedade intelectual.

11 – Na DIG a Autora tinha de apresentar calendários de trabalho.

12 – A Autora tinha de prestar a sua actividade nas instalações da IGAC sitas no …., em Lisboa.

13 – A Autora tinha de comparecer naquelas instalações diariamente para prestar a sua actividade.

14 - Se a Autora faltasse tinha de avisar a Chefe de Divisão.

15 – Na DEPI a Autora partilhava o local onde desempenhava as suas funções com mais cinco pessoas.

16 – Na DEPI a Autora tinha de entrar por volta das 9h30/10h00 e só podia ir embora às 17h00.

17 - Da DIG a Autora tinha de entrar entre as 9h00 e as 9h30 e só podia ir embora às 17h30.

18 – A actividade da Autora era integralmente executada com a utilização dos materiais e serviços do Réu, nomeadamente, material de escritório e computadores.

19 – Na DEPI a Chefe de Divisão Drª D… dava ordens e orientações à Autora para esta executar as tarefas de que era incumbida.

20 – Na DIG a Autora recebia ordens e orientações da Chefe de Divisão Drª E….., que lhe determinava em pormenor o que tinha de fazer e lhe fixava prazos e a quem a Autora tinha de ir dando permanentemente conta do que vinha fazendo.

21 – A Autora tinha uma ficha de funções.

22 – À Autora era permitido gozar 22 dias de férias.

23 – A marcação do período de férias da Autora era feita na DEPI de acordo com o combinado com a Chefe de Divisão Drª  D…., e na DIG de acordo com o combinado com a Chefe de Divisão Drª E….até 31/12/2005 e a partir de 1/1/2006, altura em que aquela saiu da DIG, de acordo com o combinado com a Inspectora Geral em função das conveniências de serviço.

24 – O Réu emitiu os documentos referentes à Autora intitulados «Nota de abonos e descontos» onde consta a «categoria profissional» de «Técnico Superior estagiário» nos anos de 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005 e onde consta a «categoria profissional» de «Técnico Superior de 2ª classe» nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2006.

25 – O Réu pagava à Autora a quantia mensal de 897,84 € no ano de 1999 e de 1.147,24 € nos anos de 2000 a 2006, tendo recebido 12 pagamentos mensais em cada ano com excepção do ano de 1999.

26 – O Réu nunca pagou subsídio de férias nem subsídio de Natal à Autora.

27 – A Chefe de Divisão da DIG, Drª E… escreveu o seguinte no documento de fls. 27 em 4/8/2004, relativo à Relação de Registo de Obras Literárias referentes ao mês de Julho de 2004:

«Drª A…

Arquive na pasta – Registo de obras – dados para custos do registo».

28 - No documento de fls. 28 em 19/2/2003 que tem por «Assunto: Actividades/Presidência do Conselho de Ministros – Ano 2003

Para conhecimento de todos os funcionários, junto se envia o programa das actividades para o ano de 2003, organizado pelos Serviços Sociais/Presidência do Conselho de Ministros», a Chefe de Divisão da DIG, Drª E…. escreveu o seguinte:

«P/ conhecimento dos funcionários da DIG e Drª A…. fazer o favor de arquivar nos assuntos de pessoal – DIG».

29 – O Inspector Superior das Actividades Culturais Drº L ….. enviou um e-mail em 2/12/2004 para a Chefe de Divisão da DIG onde além do mais consta: «Assunto: Ponto da situação dos trabalhos – inspecção técnico-administrativa ao arquivo distrital de Beja

Venho por este meio solicitar a anuência superior, da Drª A…. apoiar o signatário ao nível técnico-administrativo, no âmbito dos trabalhos supra mencionados que estão a ser realizados pelo signatário, nomeadamente, execução do relatório».

30 – A esse e-mail respondeu a Chefe de Divisão: «Vou colocar superiormente a questão, pedindo-lhe apenas que nos especifique o tipo de trabalho que a Drª A….irá desenvolver e o calendário de previsão dos trabalhos da Auditoria ao Arquivo de Beja e, designadamente, o calendário de afectação da Drª A…. aos mesmos».

31- Em resposta o Drº L…. escreveu: «Os trabalhos eventualmente a executar pela Drª A…., mediante autorização superior, serão essencialmente no âmbito da colaboração na sistematização da informação que faz parte da inspecção supra mencionada, trabalho de texto, pesquisas de legislação, elaboração de quadros e outras eventuais tarefas correlacionadas com o referido.

32 – Então a E…. enviou e-mail à Inspectora Geral Drª N… com conhecimento ao Drº L… e à Autora, onde além do mais consta: «Senhora Inspectora Geral

Coloco à consideração superior que a Drª A…. possa colaborar com o Drº L…nos trabalhos que refere.

Embora o Drº L…. não tenha ainda, calendarizado o tempo requerido para o efeito, como lhe pedi no mail abaixo, concordo, visto que a auditoria está a demorar mais do que o previsível e a ficha de funções da Drª A…. compreende funções de apoio técnico às auditorias a efectuar pela DIG».

33 – A Autora enviou à Chefe de Divisão da DIG Drª E… e-mail em 22/2/2005 onde consta:«Assunto: Relatório de Actividades

Exmª Dra E….

Informo V. EXª que por determinação superior da Exma Sra Inspectora Geral Dra N…. , recebi instruções para amanhã trabalhar na Direcção de Serviços de Inspecção, na execução de trabalho relacionado com o Relatório de Actividades com tempo previsível de dois dias.».

34 – A Chefe de Divisão da DIG Dra E…. enviou em 14/12/2005 um e-mail à Autora onde além do mais consta: «Agradeço os contributos para o estudo.

A partir de agora e até novas orientações, agradeço que retome o trabalho de Caracterização do Sector – O…. , recorrendo às bases de dados de Legislação disponíveis, c.f. a sua ficha de funções e a planificação de actividades da DIG para o 2º semestre.

Até que seja possível utilizar o LEGIX, tente a base de dados de legislação do DRE, mas veja com o NINFOR o que eles podem fazer, porque sabemos pela DEPI que a ferramenta está paga mas, de facto, não a podemos usar.

Agradeço que guarde o trabalho já feito em CD-ROM para não se perder. »

35 – A Chefe de Divisão da DIG Dra E…. enviou em 19/12/2005 um e-mail à Autora onde além do mais consta: «Agradeço que me diga desde quando tem o computador avariado, ou seja, desde quando não pode trabalhar com ele, porque já lá vai uma semana que anda a colaborar c/ o NINFOR e o problema ainda não está em resolução?»

36 – Ao que a Autora respondeu: «Dra E….

O problema com o meu computador ficou disponível já esta tarde pelo que já estou a proceder à digitalização e formatação da Prova de Conhecimentos para o Concurso de Inspector Superior.»

37 – A Autora não assinava livro de ponto.

38 – O Réu não efectuava descontos à Autora para a Segurança Social.

                                                                   ***

O objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT) . [i]

In casu, afigura-se que o recorrente suscita cinco questões distintas.

A primeira tem a ver com a impugnação da matéria de facto.

O recorrente sustenta que não se deviam ter dado como assentes os factos constantes de 11,12,14,17,20,21,22,23,27,28,32,35 e 36.

E também defende que se deviam ter dados como provados os factos articulados nos artigos 8,9,10, 11 e 12 da contestação.

Alega que os primeiros foram dados como provados tendo por base depoimentos prestados pelas testemunhas E…. e  L…que não deviam ter merecido a credibilididade que lhes foi atribuída, sendo que ao invés não foram devidamente valorados os depoimentos das testemunhas MRB, JM e CA nem a documentação constante do processo.

A segunda questão tem a ver com a natureza da relação contratual estabelecida entre os litigantes, sendo que o recorrente alega que era um contrato de prestação de serviços na modalidade de avença , celebrado nos termos do DL nº 41/89, de 3 de Fevereiro[ii], e não um contrato de trabalho como foi considerado na decisão recorrida.

A terceira questão é a de saber se mesmo existindo um contrato de trabalho entre os litigantes se deve considerar que ao peticionar valores a título de férias e de subsídios de férias e de Natal dos anos de 2002 a 2006 a Autora está a litigar em manifesto abuso de direito na modalidade de “ venire contra factum proprium” ( vide fls 199/200).

A quarta questão consiste em saber se em face da operada cessação de um contrato de trabalho ( que a sentença reputa de nulo)  a Autora tem ou não direito à indemnização que o  Réu foi  condenado a pagar-lhe.

A derradeira questão é a de saber, sendo caso disso, se a referida indemnização deve ser fixada tendo em conta 15 dias de remuneração e não os 30 fixados na decisão recorrida.

                                                                  ****

(…)

                                                                 *****

A segunda questão suscitada no presente recurso é a de qualificar o tipo de vínculo existente entre as partes.

A Autora, a quem incumbia o ónus da prova da respectiva verificação (artigo 342º nº 1º do Código Civil), articulou que era um contrato de trabalho, tese que mereceu acolhimento na decisão recorrida, sendo certo que o Réu sustenta que era um contrato de prestação de serviços na supra mencionada modalidade.

Analisados os autos afigura-se que nesta vertente o recurso se fundava em larga medida na pretendida ( e anteriormente indeferida) alteração na matéria de facto quer quanto à matéria que se pretendia provada ( vide artigos 8,9,10, 11 e 12 da contestação) quer quanto àquela que se pretendia como não provada.

Todavia, atenta a sorte do recurso nesse aspecto, para se qualificar a relação jurídica em causa há que continuar a ter em consideração apenas a matéria dada como assente pela Mmª Juiz a quo.

Segundo a Autora o início da relação laboral reporta-se a 14 de Maio de 1999 ou seja , durante a vigência do Dec. Lei nº 49.408,de 24-11-69 (que se passa a designar por LCT).

Mais  alegou que a sua cessação ocorreu em 2 de Janeiro  de 2007.

Cabe a tal título salientar, colhendo os ensinamentos consignados no douto aresto do STJ de 18.12.2008 ( vide doc. SJ200812180025724 ) , que neste tipo de situação em que se discute a qualificação da relação jurídica estabelecida entre o autor e a ré, constituída antes da entrada em vigor do Código do Trabalho e que subsistiu após o início da vigência deste mesmo Código, não se extraindo da matéria de facto provada – como não se extrai no caso concreto – que a partir de 1 de Dezembro de 2003, as partes tenham alterado os termos da relação jurídica entre eles firmada, “ à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, não tendo aqui aplicação a presunção do artigo 12.º do CT.[iii]

O artigo 1º da LCT, reproduzindo o preceituado no artigo 1152º do Código Civil, definia o contrato de trabalho como:

"aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta".

Cumpre salientar que o artigo 10º do CT [iv] , por sua vez, veio estatuir:

“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”.

O artigo 1154º do Código Civil considera de prestação de serviço o contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Na vigência da LCT considerava-se que o confronto das noções legais apontava no sentido de que o contrato de prestação de serviços se caracterizava por apontar para o resultado da actividade enquanto o contrato de trabalho tem por objecto a actividade laborativa e não o resultado desta.

Por outro lado, no contrato de prestação de serviços para chegar ao resultado o obrigado não fica sujeito à autoridade e direcção do outro contraente - vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume 2, 2ª edª, pág 620.

Todavia o recurso ao critério da actividade revela-se ineficaz, visto que todo o trabalho leva a um resultado.

Assim, a doutrina e a jurisprudência entendiam de forma pacífica que o elemento que permite distinguir o contrato de trabalho de outro contratos afins, nomeadamente do contrato de prestação de serviços, é o da subordinação jurídica.[v]

Para se saber se um trabalhador é ou não subordinado recorria-se a elementos concretos que constituiam indícios de subordinação (isto é da existência do contrato de trabalho).

Segundo o Prof. Monteiro Fernandes esses elementos eram “ aspectos parcelares da relação de trabalho, presentes na sua normal conformação concreta, os quais funcionarão assim como índices da existência do correspondente contrato.

Citaremos, entre outros que a doutrina e a jurisprudência têm proposto a propriedade dos instrumentos de trabalho(se pertencerem ao empregador,

presumir-se-á a existência de subordinação),a natureza do local de trabalho(se for situado no domicílio ou em estabelecimento do trabalhador, poderá tratar-se de trabalho autónomo),a natureza da prestação(no caso do objecto do contrato ser a actividade em si mesma haverá provavelmente trabalho subordinado; se for ao invés, o resultado de uma, actividade, poderá supor-se a existência de trabalho autónomo); a fórmula de remuneração(sugere contrato de trabalho a retribuição certa, em função do tempo, quer dizer, semanal, quinzenal ou mensal; e fornece uma indicação oposta, se bem que não decisiva, a remuneração variável, isto é, em função do rendimento e sem periodicidade certa);a existência ou inexistência de horário de trabalho " . [vi]

Por sua vez, o Dr.Menezes Cordeiro, entre outros, apontava também como traços distintivos que facilitam a destrinça do contrato de trabalho de contratos afins: o número de beneficiários da actividade(que indiciaria um contrato de trabalho quando os serviços fossem prestados a favor de uma mesma pessoa; pelo contrário não haveria tal tipo contratual sempre que o prestador estivesse na permanente disponibilidade de vários interessados)e o facto de o prestador se achar inscrito em Caixas de Previdência. [vii]

Contudo os referidos Professores salientam que nenhum dos indícios é absolutamente conclusivo.        

Assim, independentemente do recurso ao disposto no artigo 12º do CT [viii] , um contrato deve ser qualificado como de trabalho desde que verificados algum ou alguns dos indícios referidos pelo legislador ou até outros dos quais se possa inferir judicialmente (artigo 351º do Código Civil ).

A subordinação jurídica [ix] continua a constituir a pedra de toque do contrato de trabalho bem como o elemento distintivo fundamental de outros contratos, nomeadamente do contrato de prestação de serviços.

Cumpre, pois, analisar a verificação da subordinação jurídica por referência aos factos provados na presente acção.

E analisada tal matéria afigura-se que decorre dos pontos de facto provados nºs 9,11, 12,13,14,16 ,17,18,19, 20 , 29 e 33 elementos que permitem qualificar a relação existente entre os litigantes como um contrato de trabalho.

É que se provou que quer no DEPI quer no DIG a Autora recebia ordens e orientações das respectivas Chefes de Divisão ( 18 e 19), sendo certo que essa matéria de facto não foi alvo de qualquer alteração.

E também a matéria atinente ao local, instrumentos, tempo ( 12,13, 14,17 e 18) e moldes da prestação de trabalho aponta no mesmo sentido, sendo que os restantes  elementos secundam a referida conclusão.

Concorda-se, pois, e acompanha-se a decisão recorrida quando refere  que:

 “No escrito que formalizou a contratação da Autora é qualificada a relação contratual como um «Contrato de avença» nele constando que «O Segundo Outorgante não adquire pelo presente contrato a qualidade de agente ou funcionário público» e que «O Segundo Outorgante não fica com qualquer sujeição horária ou hierárquica decorrente do presente contrato».

O nomen juris não é decisivo na qualificação jurídica, que deverá antes ser estabelecida em função de elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato, sendo que esse, como outros elementos formais da relação de trabalho subordinado (como sucede em matéria de regime fiscal, retributivo ou de segurança social), são muitas vezes definidos por meras razões de conveniência e não representam um suporte declarativo inequívoco no sentido da escolha de um certo tipo contratual (cfr Ac do STJ de 8/11/2006 – Proc. 06S1544 in wwwdgsi)”. Portanto, interessa analisar como se desenvolveu a relação contratual.

E assim, resulta dos factos provados que a Autora estava inserida na organização estabelecida pelo Réu, tendo desempenhado a sua actividade primeiro numa Divisão (DEPI) e depois em outra Divisão (DIG), tinha ficha de funções, a actividade que desempenhou excede em muito aquilo que consta no documento com o qual o Réu pretendeu formalizar a relação contratual pois de acordo com o mesmo a Autora obrigou-se a prestar «os serviços contratados, que a seguir se indicam: apoio técnico na área de economia e gestão, através da elaboração de estudos e emissão de pareceres solicitados pelo serviço» e afinal, na prática, a Autora executava muitas tarefas de carácter administrativo decorrentes das necessidades diárias dos serviços inerentes às duas Divisões onde foi sucessivamente integrada, estava obrigada a comparecer diariamente nas instalações do Réu e a cumprir horário de trabalho embora com alguma flexibilidade quanto à hora de entrada, tinha de avisar quando faltava, estava sujeita às ordens, instruções e orientações técnicas que foi recebendo da hierarquia a que reportava e sujeita à fiscalização do seu trabalho, tendo até de apresentar a calendarização das suas tarefas. Portanto, para o Réu não era indiferente a forma como a Autora ordenava a sua actividade ou como organizava os meios necessários à execução da mesma, não sendo verdade que a Autora gozava de plena autonomia técnica e que para o Réu só lhe interessava o resultado da actividade da Autora. Aliás, o Réu contradiz-se ao afirmar que a Autora tinha plena autonomia técnica pois diz que o resultado da sua actividade era submetido a fiscalização e coordenação de outrem a quem cabia a decisão sobre muitos aspectos com vista à uniformização de procedimentos. Repare-se também, que sendo o objecto do contrato a elaboração de estudos e emissão de pareceres nem faz sentido a referência à necessidade de uniformização de procedimentos e de sujeição imperativa ao princípio da legalidade. Mas tal referência já faz sentido se tivermos em consideração que afinal a Autora não se limitava a elaborar estudos e pareceres e antes desempenhava também diversas funções necessárias à actividade dos serviços, o que também justifica a necessidade de permanência diária nas instalações do Réu para executar as suas tarefas com os instrumentos de trabalho ali existentes. Num contrato de avença em que o prestador de serviços se obriga apenas a elaborar estudos e pareceres, é suposto que o prestador de serviço está habilitado para apresentar o resultado da actividade que dele se espera, não fazendo também sentido no regime de uma profissão liberal, que a Autora tenha sido ensinada a elaborar indicadores de actividade pela funcionária técnica MDG….. como se provou ter acontecido. É certo que no «Contrato de avença» consta que o mesmo é celebrado, além do mais, nos termos de «alínea d) do nº 1 do Art. 26º e nº 1 do Art. 37º ambos do Decreto Lei nº 55/95 de 29 de Março» ; o art. 36º nº 1 al d) prevê que «O procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio pode ter lugar, independentemente do valor» «Quando, por motivos de aptidão técnica ou artística, ou relativos a protecção de direitos exclusivos ou de direitos de autor, os serviços apenas possam ser executados por um prestador de serviços determinado». Mas face à actividade realmente exercida pela Autora e ao modo como a exerceu, conclui-se que a invocação desses normativos para justificar a celebração do contrato carece, manifestamente, de fundamento.

De referir que o Réu até entregava à Autora notas de abonos e descontos onde lhe atribuía categoria profissional em dada altura como «técnico superior/estagiário» e ultimamente «técnico superior de 2ª classe», o que não é compatível com a situação de um mero prestador de serviços.

Acresce que a Autora não assinava os estudos e pareceres que elaborava, o que seria o normal se actuasse no exercício de uma profissão liberal, portanto sem integração numa estrutura hierarquizada, sendo certo que resulta da apreciação dos factos provados que as funções que a Autora desempenhou eram indispensáveis ao regular funcionamento dos serviços onde prestava a sua actividade.

Além disso a Autora podia gozar 22 dias úteis de férias mas a sua marcação era feita de acordo com as conveniências de serviço e no período de férias continuava a receber a sua remuneração.

Todos estes factos que sumariamente realçamos são indícios de uma relação laboral caracterizada pela subordinação jurídica.

E assim, assumem pouca relevância: a qualificação do contrato outorgado pelas partes, tanto mais que a sua redacção não foi introduzida pela Autora pois foi redigido pelos serviços do Réu como se evidencia do papel timbrado, o facto de o Réu não efectuar descontos na remuneração da Autora para a Segurança, o facto de a Autora fazer descontos de IRS na qualidade de trabalhadora independente –  tenha-se em consideração que era o Réu que emitia as notas de abonos e descontos - , de não lhe exigir que assinasse o livro de ponto e de não a incluir no mapa de férias e não lhe pagar, subsídio de férias e subsídio de Natal, pois significam apenas que o Réu queria manter a aparência formal de um contrato de avença.

Com interesse para os presentes autos, lê-se no Ac do STJ de 8/11/2006 (Proc. 06S1544 – in wwwdgsi): « (…) Temos, por conseguinte, que a Administração pode celebrar contratos de prestação de serviços de acordo com o regime previsto na lei geral – o que necessariamente remete para a aplicação do disposto no artigo 1154º do Código Civil -, embora a lei efectue uma maior precisão quanto ao que se entende por trabalho não subordinado, por confronto com o regime da LCT (artigo 1º) e do novo Código do Trabalho (artigo 10º). Enquanto que a referida disposição do Decreto Lei nº 184/89 define a subordinação jurídica (a contrario) por referência a factores externos que respeitam à organização do trabalho – vinculação a um horário de trabalho, sujeição ao poder disciplinar do empregador e integração numa estrutura hierárquica -, a lei geral utiliza uma fórmula mais vaga, reconduzindo o conceito à ideia de sujeição à autoridade e direcção do empregador.

O diferente tratamento legislativo parece ter, em todo o caso, algum relevo prático, já que, no domínio da contratação pública, o acento tónico para a distinção entre contrato de prestação de serviços e contrato de trabalho é colocado no momento organizatório da actividade laboral, em detrimento de aspectos meramente formais, como sejam os que digam respeito ao regime fiscal, retributivo ou de segurança social.»

Portanto, a relação jurídica que se estabeleceu entre Autora e Ré não é subsumível ao contrato de prestação de serviços na modalidade de contrato de avença previsto no art. 17º nº 3 do DL 41/84, na redacção introduzida pelo DL 299/85, estando antes, claramente evidenciada, a existência de uma relação de trabalho subordinado entre a Autora e o Réu, que se iniciou em 14/5/1999 e que este fez terminar em 2 de Janeiro de 2007.” ( fim de transcrição).

Desta forma, por se concordar com o supra citado raciocínio , cumpre confirmar a sentença  recorrida neste particular.

Improcede, assim, o recurso nesta vertente.

                                                                   *****

Cabe agora apreciar a terceira questão suscitada no recurso; isto é, a de saber se apesar de existir um contrato de trabalho ( cuja nulidade aliás, não se mostra questionada em sede de recurso por nenhum dos litigantes ) se deve considerar que  ao peticionar valores a título de férias e de subsídios de férias e de Natal dos anos de 2002 a 2006 a Autora está a litigar em manifesto abuso de direito na modalidade de “ venire contra factum proprium” ( vide fls 199/200).

Segundo o recorrente (Réu) a Autora outorgou um contrato em 14 de Maio de 1999.

Esse contrato cessou em Janeiro de 2007.

Ora na sua vigência a primeira nunca reclamou quaisquer valores a título de férias e de subsídios de férias e de Natal, sendo certo que também não se provou que tenha tentado por alguma forma alterar ou inverter a sua posição.

Assim, sustenta que ao reclamar os valores em questão a Autora actua em patente abuso de direito na supra citada modalidade, sendo que a sua actuação - de só agora vir reclamar tais valores - excede os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes.

Entende, pois, que mesmo que se considere que entre ambos vigorou  um contrato de trabalho a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que foi condenado a pagar € 18.907,58 a título de férias e de subsídios de férias e de Natal.

A recorrida, por sua vez, invoca, desde logo, que tal argumentação não foi produzida em 1ª instância ( vide fls 221) e também alega não ter sido feita prova de que o seu comportamento ultrapassa os supra mencionados limites.

Mais recorda que quem executa o trabalho se encontra numa posição de subordinação em relação à entidade patronal que lhe paga, tendo medo de perder o seu meio de subsistência.

Analisados os autos constata-se que, tal como a recorrida alega, a problemática atinente ao abuso de direito não foi suscitada em sede de contestação ( vide fls 83 a 90) nem foi alvo de apreciação na decisão recorrida.

Ora, nos termos do disposto no nº 1º do artigo 676º do CPC [x] , ex vi da alínea a) do nº 2º do artigo 1º do CPT, os recursos visam a impugnação das decisões recorridas mediante o reexame do que nelas se tiver discutido e apreciado e não a apreciação de questões novas.

Nas palavras do Conselheiro Rodrigues Bastos, “ visando os recursos … modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não podem tratar-se neles de questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido” [xi].

Aliás, “ a jurisprudência tem repetidamente afirmado em numerosíssimos arestos que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova”  [xii].

No entanto, o supra citado princípio não abrange as questões novas de conhecimento oficioso.

Como tal o Tribunal superior deve conhecer das questões novas, isto é, não levantadas no tribunal recorrido, desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso  [xiii] [xiv].
Ora , no caso concreto, a questão só agora expressamente suscitada pelo recorrente é a da verificação de eventual abuso de direito por parte da recorrida, sendo que  o seu conhecimento é do conhecimento oficioso.
Cumpre, pois, dilucidar tal questão.                      

O artigo 334º do Código Civil preceitua que:

"É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

Nas palavras de Antunes Varela "para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar.

É preciso, como acentuava M. Andrade que o direito seja exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça»".[xv]

É, pois, necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exercer o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

E não é sequer necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito; basta que objectivamente se excedam tais limites [xvi].

A boa fé como princípio significa essencialmente que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.

Uma das hipóteses da concretização desta cláusula geral é a da proibição de "venire contra factum proprium", impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo... com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável) ".[xvii]

O abuso do direito tem as consequências de um acto ilegítimo podendo dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, à legitimidade de posição; ao alongamento do prazo de prescrição ou de caducidade".[xviii]

Nas palavras de A. Varela "os efeitos do exercício irregular do direito serão os correspondentes à forma de actuação do titular" [xix].

Retornando ao caso concreto afigura-se que também neste particular não assiste razão ao recorrente.

Não se vislumbra que ao peticionar os direitos em questão a recorrida tenha excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dos direitos em questão.

Cabe, desde logo, salientar a tão ténue destrinça existente entre os tipos contratuais em questão, a qual , por vezes, tanta dificuldade gera aos próprios Tribunais na respectiva qualificação.

Ora o que se dirá para as próprias partes…!

Por outro lado, cabe recordar que, no caso apreço, só após a prolação da sentença recorrida ficou determinado o tipo de relação existente entre os litigantes.

Daí que não se vislumbre qualquer dos supra citados excessos nem que se possa considerar que a recorrida litiga em manifesto "venire contra factum proprium", por não  ter tentado exercer os seus direitos anteriormente.

Não deve olvidar-se que, tal como refere António Monteiro Fernandes, enquanto o salário para a entidade patronal é um factor produtivo para o trabalhador é “ algo como um crédito alimentar”.[xx]

Aliás, a proceder a tese do recorrente estaria encontrada a fórmula (embora seja incontornável que cada caso é um caso ….) para todas as entidades que mantêm trabalhadores ao seu serviço sob a capa de contratos de prestações de serviços, nomeadamente de “avenças”, se eximirem ao pagamento de valores devidos ( e não reconhecidos nem pagos ) aos seus trabalhadores na vigência da relação.

Finalmente afigura-se que neste ponto funcionam as razões que levaram o legislador a estatuir no sentido constante no artigo 381º do CT ( que , aliás, mantém a orientação que já constava do anterior artigo 38º da LCT).

Recorrendo novamente às palavras de António Monteiro Fernandes ( embora em relação ao prazo prescricional cuja contagem se faz de acordo com o seu fundamento que é o de ) “ durante a vigência do contrato a situação de dependência do trabalhador não lhe permite , presumivelmente , exercer em pleno os seus direitos”.[xxi]

Daí que naquele particular se apele ao momento da ruptura da relação.

Improcede, assim, o recurso nesta parte por não se detectar que a Autora litigue em  abuso de direito.

Cabe, pois, confirmar a decisão recorrida na vertente em questão.

                                                                 ****

A quarta questão a dirimir no presente recurso consiste em saber se em face da cessação operada no tocante a um contrato de trabalho nulo a Autora tem direito à indemnização que o Réu foi condenado em pagar.

E a resposta afigura-se afirmativa.

É que no âmbito de uma relação laboral que é nula ( o que o recorrente não questiona) ocorreu um despedimento ilícito ,desde logo, por falta de processo disciplinar  antes  de ter ocorrido a declaração da supra citada nulidade.

Tal cessação ocorreu em 2 de Janeiro de 2007 pelo que logra aplicação o CT ( vide artigos 3º, nº 1º e 8º, nº1 da Lei nº 99/2003, de 29 de Agosto).

O artigo 115º do Código do Trabalho ( efeitos da invalidade do contrato) estatui:

“ 1 – O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução.
2 – Aos actos modificativos inválidos do contrato de trabalho aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afectem as garantias do trabalhador.”

Por sua vez, o artigo 116º ( invalidade e cessação do contrato) do mesmo diploma regula que:

1 – Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato.
2 – Se, porém, for declarado nulo ou anulado o contrato celebrado a termo e já extinto, a indemnização a que haja lugar tem por limite o valor estabelecido nos artigos 440º e 448º, respectivamente para os casos de despedimento ilícito ou de denúncia sem aviso prévio.
3 – À invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da indemnização prevista no nº 1 do artigo 439º ou no artigo 448º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos.
4 – A má fé consiste na celebração do contrato ou na manutenção deste com o conhecimento da causa de invalidade”.

Estas normas equivalem ao preceituado no artigo.15º, n.ºs  1 e 3, da LCT.[xxii]

Na vigência deste último diploma o Professor Romano Martinez [xxiii]  entendia que “ se, não obstante a invalidade do contrato, uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade, por exemplo despedimento, encontram aplicação as regras de cessação do contrato de trabalho.

Assim, se num determinado contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a invalidade e despedir o trabalhador, há o dever de pagar uma indemnização, nos termos gerais do art. 13º da LCCT. Por outras palavras, aplicam-se as regras do despedimento como se o contrato fosse válido, sendo devida a indemnização no termos gerais”.

Neste mesmo sentido apontou aresto da Relação de Lisboa, de 9.4.2008, de acordo com o qual “ se o empregador puser termo a um contrato de trabalho nulo ou anulável, invocando a sua invalidade, a cessação será considerada lícita e o trabalhador terá apenas direito às prestações correspondentes ao tempo em que o contrato esteve em execução; mas se puser termo a um contrato inválido através de um acto unilateral que não consubstancie a invocação desse vício, e a cessação da relação vier a ser qualificada como despedimento ilícito e o contrato declarado inválido, por sentença judicial, a declaração da ilicitude do despedimento confere ao trabalhador o direito aos salários e à indemnização previstos no art. 13º da LCCT” –  proferido no processo nº 1466/2008-4 in www.dgsi.pt).

E afigura-se que à luz do CT se deve continuar a seguir essa orientação.

Nas palavras do referido Professor “ na sequência do disposto no artigo 115º da LCT , no preceito seguinte dispõe-se  sobre as consequências da invalidade e a relação com a cessação do contrato. Se o contrato inválido cessar por causa diferente da invalidade segue o regime regra da cessação do vínculo (art. 116º, nº 1º do CT).

Se, não obstante a invalidade do contrato, uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade, por exemplo despedimento, encontram aplicação as regras da cessação do contrato de trabalho ( arts. 382 e ss do CT).

Assim, se num determinado contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a nulidade e despedir ilicitamente o trabalhador, há o dever de pagar uma indemnização , nos termos previstos no art. 436º, nº 1º alínea a) do CT (relacionado com os artigos 437º e 439º do CT).

Por outras palavras, aplicam-se as regras do despedimento , como se o contrato fosse válido , sendo devida a indemnização nos termos gerais” [xxiv].

E afigura-se que também aponta neste sentido o Professor António Monteiro Fernandes segundo o qual “dos citados artigos 115º e 116º do CT , decorre que declarado nulo ou anulado o contrato de trabalho:

a) ele produz  efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução;

b) produzem efeitos , nos termos do respectivo regime legal , os actos extintivos (mútuo acordo, despedimento , rescisão pelo trabalhador) praticados naquele período”

(….)”.[xxv]

E o mesmo se dirá de Maria do Rosário Palma Ramalho a qual refere que “o Código do Trabalho estabelece ainda uma regra para o tratamento dos factos extintivos do contrato de trabalho inválido , que ocorram antes da declaração de nulidade ou da anulação : nos termos do artigo 116º , nº 1º do CT , estes factos seguem o regime da cessação do contrato de trabalho , com os respectivos   requisitos e efeitos ( nomeadamente indemnizatórios), sendo assim independentes da invalidade do mesmo.” [xxvi]

Ou seja, nas palavras de Pedro Madeira de Brito, o sentido do nº 1º do artigo 116º do CT “reside na ideia de que uma vez extinto o contrato de trabalho pelos meios previstos no Código do Trabalho não pode outra vez ser extinto pela declaração de nulidade ou anulação do contrato por vontade das partes ou decisão do tribunal , ou seja a regra de que o contrato é válido enquanto se encontra em execução estende-se aos próprios actos extintivos”.[xxvii]

No fundo trata-se do raciocínio inverso ao efectuado por Mário Pinto , Pedro  Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho na obra citada pelo recorrente ( vide fls 204) .[xxviii]

No referido sentido afigura-se que aponta acórdão da Relação do Porto , de 18.6.2007, (doc RP200706180741040 in www.dgsi.pt) segundo o qual “ se num contrato de trabalho nulo, o empregador não invocar a invalidade e despedir o trabalhador sem justa causa, esse despedimento é ilícito, devendo ser paga a respectiva indemnização, calculada nos termos gerais  “.

No caso concreto, tal como resulta do nº 3º da matéria de facto, o Réu não invocou a nulidade do contrato para colocar termo à relação contratual laboral que mantinha com a recorrida, adoptando comportamento que configura um despedimento ilícito.

As consequências do despedimento ilícito resultam dos artigos 436º, 437º e 439º do Código do Trabalho.

Assim,  entre outros , o trabalhador tem direito a receber indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.

E , no caso concreto, nem se argumente com a impossibilidade de reintegração ( o que é um dos possíveis efeitos da ilicitude do despedimento ) da trabalhadora ao serviço do Estado como forma de justificar  a inexistência do direito à fixada indemnização.

É que a trabalhadora optou pela mesma “ab initio” , tal como resulta do artigo 51º ( vide fls 13) da petição inicial.

Improcede, pois, o recurso nesta vertente.

                                                                *****

A quinta e derradeira questão a dilucidar é a de saber se a indemnização deve ser fixada tendo em conta 15 dias de retribuição base e não os 30 fixados na decisão recorrida.

E também neste ponto se afigura que o recurso tem de improceder.

O artigo 439º (indemnização em substituição da reintegração) do CT estatui:

1 – Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artigo 429º.
2 – Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3 – A indemnização prevista no nº 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
4 – Caso a oposição à reintegração nos termos do nº 2 do artigo anterior seja julgada procedente, a indemnização prevista no nº 1 deste artigo é calculada entre 30 e 60 dias nos termos estabelecidos nos números anteriores.
5 – Sendo a oposição à reintegração julgada procedente, a indemnização prevista no número anterior não pode ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades”.

Por sua vez, o artigo 429º (princípio geral) do referido diploma regula:

“ Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e em legislação especial, qualquer tipo de despedimento é ilícito:
a) Se não tiver sido precedido do respectivo procedimento;
b) Se se fundar em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
c) Se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento”.

Sobre a fixação da indemnização o acórdão do STJ de 26.11.2008 refere [xxix]:

 “no Acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Maio de 2006 (Documento n.º SJ200605180002914, em www.dgsi.pt), pode ler-se, a propósito da graduação da indemnização, a que se referem as citadas normas:

“[...]

Ao fazer intervir na medida da indemnização o grau de ilicitude do despedimento, por referência às situações descritas no artigo 429.º, o legislador parece ter pretendido distinguir o índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado, quer no que se refere à observância dos direitos processuais, quer no que se refere ao respeito pela dignidade social e humana do trabalhador visado.

Neste contexto, afigura-se que assume maior relevância o despedimento que é imposto como medida discriminatória, em clara violação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou que tenha sido adoptado sem qualquer justificação e sem precedência de processo disciplinar, daquele outro que, seguindo os procedimentos legalmente previstos e respeitando o direito de defesa do trabalhador, acaba por ser julgado ilícito por insubsistência dos motivos que foram indicados como determinantes da decisão disciplinar.

A referência à retribuição parece, por outro lado, funcionar como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório, de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado (artigo 494.º do Código Civil).

[...]”.

Na mesma linha de orientação, observou-se no Acórdão, também deste Supremo, de 6 de Fevereiro de 2008 (Documento n.º SJ200802060026214, em www.dgsi.pt), que a indemnização, «para além de um cariz reparador ou ressarcitório, associado à ideia geral de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego, que o acautele e prepare para o relançamento futuro da sua actividade profissional, assume uma natureza sancionatória ou “penalizadora” da actuação ilícita do empregador».”.

Voltando ao caso concreto constata-se que no tocante ao grau de ilicitude do despedimento, nada na factualidade disponível aponta para a existência de motivos discriminatórios na origem da decisão do Réu de fazer cessar a relação profissional estabelecida com a Autora ( a tal título a sentença recorrida alude a razões de racionalização e redução de despesa….- vide fls 178) sendo certo , por outro lado, que não se provou matéria abundante sobre outros factores susceptíveis de ponderação  [xxx].

Argumentar-se-á que a declaração de dispensa da Autora, através da qual o despedimento teve lugar não foi precedida de processo disciplinar.

Porém, em termos do avaliação do  grau de ilicitude também há que considerar que a Autora foi admitida e prestava a sua actividade, sob o regime de “prestação de serviços” e que a controvérsia sobre a natureza do relacionamento entre os litigantes  só foi esclarecida em Tribunal.

Como tal o grau de censurabilidade pela inexistência do competente procedimento não é  tão elevado como seria se “ ab initio” não houvessem dúvidas sobre a natureza da relação que mantinham.

Assim, afigura-se que nunca se justificaria apontar para o limite máximo da moldura da base de cálculo da indemnização (45 dias de retribuição), sendo que nem a Autora o veio sustentar.

Todavia também não é tão diminuto que se justificasse apontar para o limite mínimo da moldura da base de cálculo da indemnização (15 dias de retribuição) como pretende o recorrente.

Afigura-se, pois, nada haver a censurar à gradação intermédia encontrada em 1ª instância (30 dias) , sendo, pois, igualmente , de manter a decisão recorrida nesse particular.

Cumpre, assim, confirmar integralmente a decisão recorrida.

                                                                   ***

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

DN (processado e revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).

      

Lisboa, 11/02/2009

Leopoldo Soares
Seara Paixão
Ferreira Marques

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[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:

“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…

Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.

Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.

Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).
[ii] O art. 17º do DL 41/84 de 3 de Fevereiro – na redacção introduzida pelo DL 299/85 de 29 de Julho - sob a epígrafe «Contratos de tarefa e de avença» - estatui:
«1 – Os serviços e organismos poderão celebrar contratos de tarefa e de avença sujeitos ao regime previsto na lei geral quanto a despesas públicas em matéria de aquisição de serviços.
2 – (…)
3 – O contrato de avença caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, apenas podendo os serviços recorrer a tal tipo de contrato quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto de avença.
4 – Os serviços prestados em regime de contrato de avença serão objecto de remuneração certa mensal.
5 – O contrato de avença mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, pode ser feito cessar a todo o tempo por qualquer das partes, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
6 – Os contratos de tarefa e avença não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente.
7 – (…) ».

[iii] Este artigo do CT preceitua:

“Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:

a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;

b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;

c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;

d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;

e) A  prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias”.

Por sua vez, o artigo 13º deste diploma regula:

“Ficam sujeitos aos princípios definidos neste Código, nomeadamente quanto a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança, higiene e saúde no trabalho, sem prejuízo de regulamentação em legislação especial os contratos que tenham por objecto a prestação de trabalho, sem subordinação jurídica, sempre que o trabalhador deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da actividade”.
[iv] Em vigor desde 1 de Dezembro de 2003 – vide artigo 3º, nº 1º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.

[v] Vide Carlos Guerra e A. Guerra, Os Despedimentos e Outras Formas da Cessação do Contrato de Trabalho,pág.12;A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito de Trabalho,1991,pág.521; Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, vol 1,5ª edição, pág 59; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho,1985,pág.55;ac. da R.C de 24.1.89,CJ Ano 14,Tomo I, pág 98;ac R.Lx de 27.11.75 e ac. STA - Pleno - de 15-1-71 citados em O Contrato de Trabalho, Notas Práticas, A.Neto,10ª edição, páginas 35 e 27;ac. da Rel de Lx de 19-2-1997,CJ,Ano XXII, Tomo I, pág 183 e seguintes.

[vi] Obra citada, pág 59/60.

[vii] Obra citada, pág 532 a 534.

[viii] Segundo Monteiro Fernandes o artigo 12º do CT “parece finalmente consagrar uma presunção legal da existência de contrato de trabalho” – obra  citada ,pág 149.

Porém, refere que “a leitura do preceito conduz a uma conclusão perturbadora: o primeiro dos suportes da “presunção de contrato de trabalho” preencheria já o essencial da noção legal desse contrato;

a verificação das quatro primeiras condições permitiria alicerçar, mais do que uma presunção (ilídivel, nos termos do art 350º/2 C.Civ), a certeza da existência de contrato de trabalho; e o quinto elemento da enumeração legal (duração superior a noventa dias)parece inteiramente destituído de aptidão qualificativa.

Trata-se, pois, se tanto, de presunção iuris et de iure, embora o teor da lei não aponte nesse sentido “ – ob. cit, pág 150.

[ix] Cabe recordar que segundo o STJ :

-“a subordinação jurídica é o elemento diferenciador entre o contrato de trabalho e outros contratos semelhantes.

A subordinação jurídica só existe quando a entidade patronal puder de algum modo orientar a actividade do trabalhador quanto mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação" - Revista nº 30/99 - 4ª Secção.

Ainda segundo douto Acórdão do mesmo Tribunal de 16-12-99 (Revista nº 161/99-4ª Secção):

"a subordinação jurídica constitui a verdadeira pedra de toque de distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços e a mesma traduz-se no poder que o empregador tem de, através de disposições vinculativas para o trabalhador (ordens, directrizes, instruções)programar a sua actividade e de definir onde, quando, como, com que meios e de acordo com que técnicas ele deve executar a prestação".

E continuando a parafrasear o STJ "a subordinação e a autonomia convivem e interpenetram-se, umas vezes em razão da maior ou menor tecnicidade das funções e outras vezes pela inarredável necessidade de o devedor da actividade ou do resultado estar vinculado a directrizes, ordens, instruções e fiscalização dadas pelo credor" - vide ac. do STJ de 18-11-99,CJ,Ac STJ,T III, pág 276.
[x] O qual estatui que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.
[xi] Vide Conselheiro Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol III, 3ª edição, 2001, pág 212.
[xii] Vide Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág 395.
[xiii] Vide acórdão do STJ de 6 de Maio de 1993, BMJ nº 427, pág 456.
[xiv] Neste sentido vide Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, pág  151.
De acordo com este autor “ o Tribunal de recurso pode conhecer de questões novas , ou seja, não levantadas no tribunal recorrido , desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado.
E essas questões podem referir-se quer à relação processual (vg: a quase totalidade das excepções dilatórias, nos termos do art 495º) , quer à relação material controvertida (vg: a nulidade do negócio jurídico , ante o estatuído no artigo 286º do CC, a caducidade , em matéria excluída da disponibilidade das partes, face ao disposto no artigo 333º do mesmo Código e o abuso de direito, tal como se encontra caracterizado no artigo 334º ainda do CC)”.

Por sua vez, nas palavras de José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes ” os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse a primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.

É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum) , mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo , com vista a confirmá-la ou revogá-la.
Os tribunais de recurso podem porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo , das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso ou da caducidade de conhecimento oficioso”  - CPC, Anotado, volume 3º, Coimbra Editora, pág 5.     

[xv] Das Obrigações em Geral,  vol  I, 4ª ed, pág 466.
[xvi] A. Varela, ob. cit,  pág 465.

[xvii] Vide Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Almedina, pág 59/60.

[xviii] Vide acórdão do STJ de 28-11-96, CJ, Acórdãos do STJ, Ano III, pág 118.

[xix] Obra citada, pág 467.
[xx] Direito do Trabalho , 12ª edição, Almedina, pág 434.
[xxi] Obra supra citada , pág 481.

[xxii] Segundo tal preceito (Efeitos da invalidade do contrato de trabalho)

1. O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial.
2. Produzem igualmente efeitos os actos modificativos do contrato praticado durante o período de eficácia deste, salvo se, em si mesmos, forem feridos de nulidade.
3. O regime estabelecido no presente diploma para a cessação do contrato aplica-se aos actos e factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou da anulação.
4. Se, porém, for declarado nulo ou anulado o contrato celebrado com prazo e já rescindido, a parte que houver recebido, de acordo com o disposto no artigo 110º, indemnização de montante superior ao da calculada, nos termos do artigo 109º, deverá restituir a diferença à outra parte.
5. À invocação da invalidade pela parte de má fé, estando a outra de boa fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da rescisão sem justa causa, mas, ainda que o contrato tenha sido celebrado com prazo, a indemnização calcular-se-á nos termos do artigo 109º.
6. A má fé consiste na celebração do contrato ou na manutenção deste com o efectivo conhecimento da causa da invalidade.

[xxiii] Direito do Trabalho, IDT, Almedina, 2002, pág. 424.
[xxiv] Direito do Trabalho, IDT, 4ª edição, Almedina, pág 486.
[xxv] Direito do Trabalho , 12ª edição, Almedina, pág 322.
[xxvi] Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, Almedina, pág 187.
[xxvii] CT, Anotado, Pedro Romano Martinez . Luís Miguel Monteiro. Joana Vasconcelos. Pedro Madeira de Brito. Guilherme Dray. Luís Gonçalves da Silva , 5ª edição, pág 281.
[xxviii] Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, pág 74.
[xxix] Doc. SJ200811260019824 in www.dgsi.pt.

[xxx] Nomeadamente os referidos no aresto da Relação de Lisboa de 27.6.2007, o qual embora verse sobre a fixação de indemnização num caso de resolução contratual, com justa causa, pelo trabalhador, prevista no art. 443º do CT, refere que são critérios atendíveis, entre outros, a gravidade da ilicitude; a culpa do lesante; os danos causados relacionados com a perda da estabilidade da fonte de proventos salariais; o desemprego no local de residência do trabalhador; a sua idade; as dificuldades inerentes à sua concreta actividade; a retribuição (e peso da parcela retributiva não incluída na retribuição base e diuturnidades); as características laborais do trabalhador; o número de anos de serviço; o fundamento da resolução; a quebra na saúde do trabalhador (proferido no processo 9125/2006-4 in www.dgsi.pt).