Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5863/2004-3
Relator: VARGES GOMES
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
PROCESSO ESPECIAL
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência neste Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório

1- Nos autos nº 789/03.5SGLSB do 1º Juízo, 2ª Secção dos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, na sequência da detenção, por um agente da PSP, pelas 02H30 do dia 22/11/03, de (A), em virtude de lhe ter dirigido palavras ofensivas da sua “dignidade como pessoa e Agente desta Polícia”, foi o mesmo detido, constituído arguido e, presente no TIC nesse mesmo dia 22, desde logo restituído à liberdade e notificado para comparecer em Tribunal “no dia 24/11/2003, pelas 9H30”, a fim de ser julgado em processo sumário.

            Então, e porque se não mostravam reunidos os “requisitos fundamentais para a manutenção da forma sumária” para o julgamento respectivo - haviam decorrido mais de 48 horas sobre a detenção - ordenou-se “que o presente processo tramite sob a forma comum, remetendo-se os presentes autos aos serviços do Ministério Público - artº 390º al. a) do CPP” - fls 17 dos autos.

            O MºPº, porém, deduziu desde logo, em 28 seguinte, acusação “em processo abreviado… pelos factos descritos no auto de detenção de fls... cujo teor se dá aqui por reproduzido”, adiantando que “o arguido ofendeu o agente da PSP na honra e consideração que lhe são devidas como agente de autoridade. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Da forma descrita, constitui-se o arguido autor material de um crime p.p. pelos art.ºs 181º e 184º do CP”.

Sobre tal acusação foi proferido douto despacho pelo qual, em virtude de não ter sido realizada qualquer diligência de inquérito, maxime o interrogatório do arguido, e, porque “se assim não se entendesse, sempre teria a acusação de ser rejeitada por manifesta insuficiência de prova indiciária - artº 311º nº 2 do CPP…nos termos do disposto no artº 391º-D, por referência ao artº 311º nº 1, ambos do CPP, declaro a acusação de fls…nula, por virtude do disposto no artº 119º al. d) do CPP e, consequentemente, determino a remessa dos presentes autos para o DIAP, para os fins tidos por convenientes”.

1.1- É do assim decidido que o MºPº interpõe o presente recurso, concluindo :

1. Nos termos do artº 391º-A do CPP, o MP pode deduzir acusação em processo abreviado com base no auto de notícia/denúncia, desde que haja provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes da verificação do crime e de quem foi o seu agente.

2. A prova, simples e evidente, assenta nos depoimentos do agente autuante e da testemunha por ele indicada, também membro da PSP, e é a mesma que se exigiria para o julgamento sob a forma de processo sumário.

3. A norma do artº 391º-A do CPP tem natureza excepcional, o que implica que ao processo abreviado não seja aplicável a norma do artº 272º nº 1 do CPP, obrigatória para a forma processual diversa.

4. Ao rejeitar, por considerar nula (nulidade obviamente inexistente…), a acusação do MP prolatada nos presentes autos, o despacho recorrido tratou uma acusação sob a forma de processo abreviado como se se tratasse de uma outra forma processual, assim ignorando o disposto no artº 391-A e sgs do CPP.

5. O despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 119º al. d), 311º, 391º-A a 391º-E e sgs do CPP.

6. Termos em que o MP entende que o despacho recorrido deve ser revogado e ordenada a sua substituição por outro que receba a acusação do MP sob a forma de processo abreviado e designe dia para julgamento”.

            1.2- Não houve qualquer resposta.

            1.3- Já neste Tribunal da Relação o Il,Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo pelo provimento do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º nº 2 do CPP, não houve ainda qualquer resposta.

            1.4- Colhidos os vistos legais,

                        Cumpre decidir.

Fundamentação

2- Como se colhe, a questão central objecto do presente recurso prende-se com a - não -utilização da forma de processo abreviado nos autos, requerida pelo MºPº.

            Sobre a mesma entendeu a Senhora Juiz, por um lado, ocorrer a nulidade insanável da “falta de inquérito” - artº 119º al, d) do CPP - já que inexistiu interrogatório do arguido e mesmo a omissão de qualquer diligência probatória, por outro, e ainda que assim não fosse, sempre teria de ocorrer a rejeição da acusação por manifesta insuficiência indiciária do ilícito - artº 311º nº 2 seguinte.

            Ao assim decidido contrapõe o MºPº que ocorre in casu uma situação de “prova simples e evidente” resultante dos “depoimentos do agente autuante e da testemunha por ele indicada” pelo que, revestindo-se o artº 391º-A do CPP de “natureza excepcional”, não é ao mesmo aplicável o disposto quer no artº 272º nº 1, quer, por excepcional ainda, o artº 262º nº 2, ambos do CPP.

            Vejamos pois das razões aduzidas.

            2.1- Do processo abreviado

1- Regulado nos artºs 391º-A a -E do CPP, esta nova forma especial de processo foi, como se sabe, introduzida pela Reforma levada a cabo pela Lei 59/98, de 25/08, cuja Exposição de Motivos da respectiva Proposta de Lei justifica essencialmente por razões de celeridade processual, passando então a ombrear neste domínio com os, até então já existentes, processos sumário e sumaríssimo.

            Ali se dizia expressamente que se trata de uma forma de processo “caracterizado por uma substancial aceleração nas fases preliminares, mas em que se garante o formalismo próprio do julgamento em processo comum, com ligeiras alterações de natureza formal justificadas pela pequena gravidade do crime e pelos pressupostos que o fundamentam” - sublinhados nossos.

            São estes :

- O estar-se perante “crime punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a cinco anos”, como é o caso presente ;

            - Haver “provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente” -  ali se dando até, a título de exemplo, os “casos de flagrante delito não julgados em processo sumário, de prova documental ou de outro tipo, que permitam concluir inequivocamente sobre a verificação do crime e sobre quem foi o seu agente” - “e a frescura da prova - traduzida na proximidade do facto, não superior a 60 - consagrando-se 90 no texto legal - dias” - sublinhados, de novo, nossos.

            Celeridade e redução de formalismos, sem prejuízo do assegurar “todas as garantias de defesa” constitucionalmente imposta pelo artº 32º nº 1 da CRP, constituem assim, cremos poder dizer, as características fundamentais da forma de processo abreviado.

           

            2- Quer doutrinária, quer jurisprudencialmente, como se sabe, é reconhecida a dificuldade na densificação quer desta nova expressão “provas simples e evidentes”, quer também e ainda do, agora já “velho”, conceito de “indícios suficientes” da prática do crime.

            Simas Santos e Leal Henriques dão-nos exemplos da primeira : “nos casos de flagrante delito não julgados em processo sumário” - como é o caso presente - de prova documental ou de outro tipo, que permitam concluir inequivocamente sobre a verificação do crime e sobre quem foi o seu agente… Tratar-se-á, em síntese, de casos de prova indiciária sólida e inequívoca que fundamenta, face ao auto de notícia ou perante um inquérito rápido, a imediata sujeição do facto ao juiz, concentrando-se desta forma, o essencial do processo na sua fase crucial que é o julgamento(1).

            Vai no mesmo sentido o Il. Prof. Germano Marques da Silva que entende ser esta forma especial de processo “aplicável aos casos em que a prova indiciária da acusação seja simples e evidente, simplicidade e evidência que se hão-de traduzir na sua natureza documental ou análoga”, lembrando ainda que “a forma de processo abreviado está especialmente vocacionada para os crimes de difamação através da imprensa e para uma grande parte dos crimes de emissão de cheque sem provisão e outros em que o próprio corpo de delito seja o elemento probatório fundamental e suficiente para a indiciação acusatória(2).

            Já quanto aos “indícios suficientes”, o legislador nacional, não nos dando também uma noção de indícios, limita-se a dizer, no art.º 283º n.º 2 do CPP que são “suficientes... sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena...”.

            Na definição constante do art.º 239º do CP brasileiro, considera-se indício a “circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

            Entre nós, vem-se entendendo como tal  “a circunstância certa através da qual se pode chegar, por indução lógica, a uma conclusão acerca da existência ou inexistência de um facto que se há-de provar”, logo se adiantando porém que, “para o ser verdadeiramente, tem de conduzir a um convencimento que esteja acima de qualquer dúvida razoável(3).

            São assim, agora no dizer do nosso Mais Alto Tribunal e de acordo com o seu étimo latino, “vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade” (4).

Não basta pois um mero juízo de suspeita ou uma mera possibilidade remota de condenação, mas antes uma convicção factualmente sustentada.

De acordo com a fórmula sucessivamente densificada, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, diz-nos o Prof. Figueiredo Dias que os indícios se entendem como suficientes e bastantes “quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição(5).

Quer isto dizer - adianta ainda o nosso Mais Alto Tribunal - que na suficiência dos indícios está contida a «mesma exigência de verdade» requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes…”, aqui apenas e tão só do auto de detenção de fls 4, “que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo «prova bastante» para a acusação…”.

Adequada e justificadamente, alerta também o douto acórdão referido que “o indício não tem apenas uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos.Por isso - adianta-se então - que o seu valor probatório seja extremamente variável. Um indício revela o facto probando e revela-o com tanto mais segurança quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma dessas causas é também somente um indício provável ou possível”.

Sendo certo que, como ali se conclui ainda, “o juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem (inescapável) de discricionaridade(6).

Lembrando aqui Luís Osório,regras mais precisas a este respeito não é possível apresentá-las hoje sendo manifestamente inaceitáveis algumas das regras que vêem sendo copiadas de tratadistas para tratadistas(7)

Cremos porém poder dizer que é hoje algo bem diferente a situação jurídico-           -processual nesta matéria, face à natureza de verdadeiro “direito constitucional aplicado” expressamente assumida pelo nosso direito processual penal.

Nesta linha, e como decorre de um excelente e exaustivo estudo feito recentemente desta matéria por Noronha e Silveira - apresentado em finais do ano passado, nas Jornadas organizadas pela FDL e pela OA, com a colaboração do Goethe Institut - presente que é o princípio processual, de todo estrutrante neste domínio, da presunção de inocência constante do art.º 32º n.º 2 da CRP, ali conclui que “a expressão indícios suficientes exige uma possiblidade particularmente qualificada de futura condenação, pressupondo a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade dessa condenação”, pelo que “não faz sentido afirmar que o juízo de suficiência dos indícios traduz uma avaliação menos exigente que a avaliação contida na sentença final(8).

            Feitas estas considerações, vejamos do

            2.2- Do processado dos autos

            1- Tiveram os mesmos origem, como diz o agente da PSP participante, “por à hora e local mencionados, o ora detido, aquando da minha aproximação, mostrou sinais de grande nervosismo, tentando, inclusive, abandonar o local” - que “há tempos a esta parte tem sido flagelado por furtos no interior de veículo”, adianta - “motivo pelo qual o vim a interceptar…Questionado sobre o facto da sua presença naquele local, o mesmo respondeu-me de uma forma evasiva, tendo-lhe em acto contínuo sido solicitado que me facultasse a sua identificação, sem porém, lhe ter sido comunicado as circunstâncias pelos motivos acima narrados, ao que o mesmo acedeu, contrariado, adoptando constantemente uma atitude agressiva”.

Esta situação levou o Senhor Agente a contactar, “via rádio, com a Central desta Polícia, no intuito de verificar se o mesmo tinha algo pendente…” e, não sendo tal possível “devido a problemas técnicos… informei o ora detido que teria de me acompanhar a este Departamento Policial, em virtude de sobre o mesmo recaírem fundadas suspeitas da prática de crime, a mais que se encontrava a rondar os veículos estacionados…”.

É “já no interior da Esquadra” que vêm a ocorrer as injúrias ali referidas.

2- Apresentado o arguido para julgamento sumário, tal não logrou realizar-se por ultrapassado se mostrar o prazo de 48 horas desde a detenção, como se disse, tendo então a Senhora Juiz determinado “que o presente processo tramite sob a forma comum”, ordenando assim a sua remessa ao MºPº, o qual desde logo deduziu a acusação em processo abreviado, não recebido, nos termos acima deixados referidos.

2.3- Todo o ora deixado relatado não primará pela legalidade estrita ab initio, cremos nós.

Se não vejamos :

1- Cremos poderem desde logo considerar-se excessivas e injustificadas, quer o pedido de identificação do ora arguido pelo senhor agente da PSP, quer, e sobretudo, a posterior ordem de acompanhamento ao Posto Policial.

Se é certo que o poder de exigir, coactivamente, a identificação de quem quer que seja que se encontre ou circule em lugar público por parte da PSP se mostra expressamente prevista no artº 4º nº 1 al. b) da sua Lei de Organização e Funcionamento 5/99, de 27/11, este preceito refere que o mesmo deve ser levado a cabo “nos termos do CPP”, em cujo artº 250º nº 1 se impõe a verificação de que “sobre ela recaiam suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção”.

Ora, apesar de nenhuma destas situações ser mencionada no auto e de ter sido acatada tal ordem de identificação, só a eventual “imaginação” ou o excesso de zelo do Senhor do Agente (9) e o facto de ter ocorrido uma impossibilidade técnica de contacto via rádio terão levado o mesmo a ordenar-lhe que o arguido o acompanhasse ao Departamento Policial, ali vindo a ocorrer as injúrias mencionadas nos autos.

A condução ao Posto Policial só é legalmente admissível quando ocorra “impossibilidade de identificação”, nos termos do nº 6 do citado artº 250º do CPP, o que, repete-se, não era o caso.

E compreende-se que assim seja, já que, porque “contende com a liberdade individual, tem que obedecer aos rígidos condicionalismos que a lei consagra(10)

Daí o merecer consagração constitucional expressa no artº 27º nº 3 al. g), eventualmente até legitimadora do direito de resistência a que se refere o artº 21º anterior e, a, eventualmente também assim ser considerado, poder levar até à justificação da conduta participada.

A inexistência de qualquer suspeita da prática de crime pelo arguido gera necessariamente, quer a nulidade da ordem de identificação, quer a sua posterior condução ao Posto Policial e, como se disse, o eventual e legítimo exercício do direito de resistência.

2- Não foi admitida, como se disse também, a forma de processo sumário nos termos do disposto no artº 390º al. a) do CPP, por ultrapassado o prazo das 48 horas seguidas à detenção do arguido”, tendo a Senhora Juiz ordenado então que os autos seguissem os ulteriores trâmites “sob a forma comum”.

Duas ordens de considerações se impõe fazer :

A primeira, e desde logo, para dizermos que nada impedia então o julgamento na forma sumária uma vez que, encontrando-se o arguido em liberdade, passou a ser irrelevante o prazo das 48 horas para o julgamento sob esta forma, como expressamente hoje decorre do douto Acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 2/04, de 21/04 - DR I-A de 12/05.

Depois, para dizer, como se diz, que, com a nova redacção, introduzida pela citada Lei 59/98, desta parte final do preceito em causa deixou de se referir a forma de “processo comum” - que, provavelmente só a “celeridade” visada ainda manteve na epígrafe - passando a utilizar agora a expressão “sob outra forma processual”.

Diríamos que se compreende tal alteração, desde logo face à simultânea introdução desta nova forma processual do processo abreviado.

Contudo, não aceite – mal, em nosso entender - aquela primeira e excluída a possibilidade de utilização da forma sumaríssima, restavam as formas processuais do processo abreviado e a comum, sendo esta a opção judicial feita.

Cremos que bem, independentemente das razões subjacentes a tal opção, que deveriam ter sido invocadas face ao constitucional e legal dever de fundamentação (artºs 205º nº 1 da CRP e 97º nº 4 do CPP).

3- Isto porque os autos se resumem ao “auto de detenção” inicial, inexistindo quaisquer declarações ou depoimentos prestados, em especial o da testemunha indicada no auto de detenção, contrariamente ao que parece entender-se.

Depois e ainda, face aos vícios e ilegalidades ao mesmo subjacentes e antes deixadas referidas, impõe-se, cremos nós, a sua apreciação e valoração.

Não vislumbramos, por isso, que as “provas” por aquele fornecidas sejam “simples e evidentes” como parece entender-se também, tendo razão o Il. Conselheiro Maia Gonçalves quando alerta que, nesta matéria, “será sempre recomendável grande dose de contenção e de prudência quanto à existência da prova simples e evidente da verificação do crime e de quem foi o seu agente(11).

Daí o necessário controlo judicial deste pressuposto probatório pelo juiz do julgamento, sindicância esta, no dizer de Anabela Miranda Rodrigues, traduzida num “juízo, não sobre o bem fundado da tese da acusação, mas apenas sobre a idoneidade da prova para sustentar a tese da acusação em julgamento(12).

Diríamos também que é ainda esta a jurisprudência deste Tribunal da Relação :

Inexistindo prova indiciária sólida e inequívoca que fundamente a acusação em processo abreviado, a utilização deste processo pelo MP configura nulidade insanável, por utilização de processo de forma especial fora dos casos previstos na lei” - artº 119º al. f) do CPP (13).

4- É verdade também, como aliás se conclui, que ainda assim, a “prova” indiciada é precisamente “a mesma que se exigiria para o processo sumário”. Contudo, não poderá olvidar-se que, nesta também forma especial de processo, contrariamente àquela, não formula a lei quaisquer pressupostos processuais em matéria probatória.

Acresce ainda o facto, como legalmente se diz, de tal despacho ser “irrecorrível”, tal como em idênticas situações nos processos sumário e sumaríssimo - cfr artºs 390º/1º e 395º do CPP.

Daí, e desde logo, a sua força impositiva face ao consequente trânsito em julgado.

Restaria pois ao MºPº proceder às diligências tidas por necessárias, em tempo curto, e agir depois em conformidade.

Sempre se dirá finalmente que estão, neste momento, decorridos muitos “90 dias”…, limite temporal e legalmente exigido para a forma de processo abreviado, dando razão à conhecida máxima de que o tempo, aqui, é algo mais que ouro, é Justiça.

Decisão

3- Face a todo o deixado exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o presente recurso, mantendo a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.


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                    Lxª, 6/10/04

(Mário Manuel Varges Gomes - Relator)

(Mário Belo Morgado)

(Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida)

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(1) CPP Anot., II Vol., 2ª Ed., 2000, pág. 641, Rei dos Livros.
(2) In Introdução ao CPP da Quid Júris de Out./98, pág. 14.
(3) J.C.Pimenta, CPP Anot., pág. 35, Rei dos Livros.
(4) Ac. do STJ de 21/05/03 in  www.dgsi.pt
(5) Direito Processual Penal, Primeiro Volume, pág. 133.

(6) Ac. do STJ de 21/05/03 in www.dgsi.pt
(7) Comentário... 4º Vol., pág. 441.
(8) O Conceito de Indícios Suficientes no Proc.Penal Português, in Jornadas de Direito Proc. Penal e Direitos Fundamentais, pág. 180, Almedina
(9) Ou o que hoje se denomina já tmabém de “crimes of looking bad” (a conhecida “má pinta” ou “mau aspecto”) ou a “offence of poverty”….
(10) S.Santos e L.Henriques, ob.cit., pág. 35. Foi este aliás o sentido dado pelo nosso Tribunal Constitucional no seu acórdão de 9/02/87 relativamente a esta medida de polícia - DR I de 9/02/87.

(11) CPP Anot., 9ª Ed. Ver. e Act., pág. 686. Almedina.
(12) In RPCC, vol. 3º, pág. 245.
(13) Ac. de 4/05/00 in www.dgsi.pt